CADE – Brasil, economia e governo https://www.brasil-economia-governo.com.br Wed, 29 Nov 2017 18:27:22 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=6.7.2 Análise alternativa de fusões: indicadores de preços x definição de mercado relevante https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=3114&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=analise-alternativa-de-fusoes-indicadores-de-precos-x-definicao-de-mercado-relevante Wed, 29 Nov 2017 18:27:22 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=3114 1. Introdução

A análise de fusões e aquisições representa uma grande parte do trabalho do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), autarquia responsável pela preservação da concorrência no país. Em 2016, 389 atos de concentração foram notificados, isto é, processos de fusão entre duas ou mais empresas ou de aquisição de controle de uma pela outra1. Entre todos os casos julgados pelo Conselho, 55% corresponderam aos atos de concentração.

Os números acima ressaltam a importância da utilização de métodos eficazes para a análise de tais casos. A Lei 12.529/11 inovou no sistema de concorrência brasileiro ao exigir que os atos de concentração sejam previamente notificados antes de consumados, ao contrário do que ocorria no passado2. Dessa forma, o Cade possui 240 dias para aprovar ou não as propostas de aquisição de empresas. Essa análise pode ser resolvida em até 30 dias se elas forem enquadradas como procedimento sumário, ou seja, com menor potencial ofensivo à concorrência. Entre as possíveis condições para esse enquadramento, a mais comum é a baixa participação de mercado (menor que 20%, nos casos das fusões horizontais3).

A hipótese de que a combinação entre empresas com baixa participação de mercado é menos lesiva à concorrência parte do paradigma estrutura-conduta-performance da economia industrial cujo pressuposto é que indústrias muito concentradas têm menor incentivo à inovação e maior probabilidade de aumento de preços4. Todavia, em uma indústria na qual há produtos diferenciados, isto é, com características específicas que tornem um produto preferível a um similar, essa hipótese não é necessariamente verdadeira. Mesmo que uma empresa detenha grande poder de mercado, é possível que sua participação em um nicho específico seja menor, não significando que a fusão irá resultar em aumentos de preços (e vice-versa).

Diante desse desafio, acadêmicos como Farrel e Shapiro (2010)5 e Salop e Moresi (2009)6 desenvolveram indicadores informativos que vêm sendo adotado por autoridades da concorrência da União Europeia e dos Estados Unidos. Estes visam estimar os possíveis efeitos unilaterais de aumentos de preços de uma fusão sem a necessidade de utilização de modelos econométricos sofisticados. Os autores, ambos antigos servidores do sistema de concorrência americano, ressaltam que a análise de um ato de concentração precisa considerar dois efeitos opostos: a perda de competição direta entre duas empresas, que cria uma pressão positiva sobre os preços; e as reduções de custo marginal que, por sua vez, geram eficiências e possível diminuição dos mesmos. Em alguns casos, a hipótese de que a fusão irá criar uma concentração requer uma definição de qual é o mercado em questão. A tarefa de encontrar esse mercado específico, não sendo trivial7, acaba por tomar muito tempo dos técnicos de concorrência, o que pode ser minimizado com o uso dos indicadores de pressão de preços (do inglês index of pricing pressure ou IPP).

Na revisão do Guia para análise de atos de concentração horizontal (o “Guia H”)8, o Cade incluiu conceitos como elasticidade de preços cruzadas e taxas de desvio, que fazem parte da ideia por trás desses índices. Grande parte dos operadores do direito e da economia da concorrência, no entanto, ainda desconhece esses indicadores. O objetivo deste artigo, portanto, é apresenta-los de forma resumida, de modo a facilitar a vida dos interessados em política da concorrência e promover um debate mais qualificado.

2. Primeiros conceitos: elasticidade-cruzada e taxa de desvio

A dificuldade em se analisar o efeito de uma fusão com base apenas nas suas participações de mercado (market share) pode ser vista com o seguinte problema: suponha que haja quatro redes de supermercados em um município, cada um com participação de 25%. A compra de uma rede pela outra automaticamente gera uma concentração de 50%, índice moderadamente preocupante sob a ótica da análise clássica da concorrência9.

Todavia, supomos que esses mercados estão espacialmente distribuídos na cidade, sendo que os supermercados A e B estão a menos de 1 quilômetro de distância; já entre os mercados B e C ou B e D (ou A e C e A e D) há uma distância maior a ser considerada pelo consumidor, cerca de 5 quilômetros.

Fica claro que, mesmo possuindo um market share de 25% cada, a fusão entre os supermercados A e B tem maior probabilidade de gerar prejuízos à concorrência que uma fusão entre os mercados B e C, por exemplo. Isso porque é necessário considerar a preferência do consumidor pelas quatro lojas. No caso acima, a chance de o cliente migrar para o mercado B no caso de um aumento de preços no supermercado A é maior que para o mercado C. Mas não se pode descartar a hipótese de que o mercado C esteja no caminho de um consumidor cativo de A, que pode aproveitar para comparar os preços entre as duas lojas. A essa preferência de um produto sobre o outro chamamos de elasticidade-preço cruzada. No caso, o efeito sobre a demanda na loja B quando a loja A aumenta seu preço é positivo quando elas são substitutas.

Portanto, um supermercado, ao planejar um aumento de preços, considera a clientela que irá perder para a loja concorrente, de modo que o incentivo que ele tem para aumentar os preços é denominado taxa de desvio. Ela representa a proporção de clientes da loja A que migrariam para a loja B caso a primeira promovesse um aumento os preços.

Em fórmula matemática, a taxa de desvio (do inglês, diversion ratio ou DR) é a razão entre a elasticidade cruzada do produto B em relação aos preços de A e a elasticidade-preço do produto A (ou a sensibilidade da demanda de A face um aumento de preços):

No exemplo acima, vamos assumir que, diante de um aumento de 10% nos preços de A, a taxa de desvio do supermercado A para o B é de 40%, de A para C de 10% e de A para D de 4%.

3. O índice positivo de pressão de preços (UPP)

No exemplo acima, caso os supermercados A e B sejam objetos de fusão, A vende apenas o produto 1 e B vende apenas o produto 2, sendo 1 e 2 muito semelhantes, mas diferenciados pelo custo que o consumidor tem de ir de uma loja para a outra. Cada loja, individualmente antes da fusão, uma possui uma função lucro (π) que depende das quantidades (q) e dos preços (p), deduzidas dos custos (c) de se obter cada produto:

A corporação que coordenará as duas empresas após a fusão pode controlar a quantidade vendida de A ou B para maximizar o lucro final colocando uma “taxa” interna em cada supermercado. Essa taxa, na verdade, é o custo de oportunidade de vender mais de um produto em detrimento do outro. Supondo a empresa A é a primeira a ter o lucro maximizado:

Logo, para maximizar o lucro da firma B, sendo que agora elas fazem parte da mesma corporação, ela será “taxada” ao equivalente à maximização de lucro da firma A:

O termo  (dq2/dq1) é a taxa de desvio da loja A para B, isto é, o quanto do produto 2 deixa de ser produzido quando existe a opção de aumentar a produção de 1. O termo (p2-c2 ) é a margem de lucro da firma 2. Da mesma forma:

Como explicam Farrel e Shapiro (2010), essas “taxas” são o efeito de canibalização de uma empresa pela outra, com vistas a reduzir o custo de produção da firma fusionada e manter os lucros elevados. Dessa forma, uma fusão pode gerar pressão sobre os preços se o termo de canibalização T1 for maior que as reduções de custo (ou ganhos de eficiência):

As fusões podem reduzir o custo da corporação final reduzindo essa “taxa interna”, isto é, com a criação de eficiências (equivalente ao termo E1C1 ). Essa expressão é a força contrária que pressiona os preços para baixo. Dessa forma, o índice de pressão de preços é equivalente à:

Considerando a taxa de desvio do supermercado A para o B de 40% e uma margem  (P2 – C2) de 20%, há uma pressão de preços positiva de 8%. Essa pressão pode ser compensada por uma redução de custos equivalente, ou seja, seria necessário um ganho de eficiência de, pelo menos, 8% para que essa fusão não gerasse aumento de preços. No caso de uma fusão entre A e C, cuja taxa de desvio é de 10%, a pressão de preços é seria bem menor (2%, considerando a mesma margem de 20%).

4. GUPPI

Diante das dificuldades em se definir ou calcular as eficiências oriundas de uma fusão, Salop e Moresi (2009) sugerem, seguindo o mesmo raciocínio teórico acima, um índice bruto de pressão positiva sobre os preços (GUPPI). O GUPPI tem como objetivo avaliar a pressão sobre os preços considerando apenas a proximidade de substituição entre os produtos das empresas fusionadas. Formalmente:

No exemplo dos supermercados, supondo que os preços antes da fusão são idênticos, vemos que o GUPPI equivale à primeira parte do UPP, gerando uma pressão bruta de preços de 8% na fusão de A e B; e de 2% na fusão de A e C, apesar de as participações de mercado serem idênticas (25%).

5. Exemplo recente: aquisição do HSBC pelo Bradesco

Em 2016, o Cade avaliou a compra do HSBC, então o sexto maior banco do Brasil em ativos totais, pelo Bradesco, o quarto colocado. A Superintendência-Geral do Cade, considerando os índices de concentração baseados em participação de mercado, concluiu que o percentual de market share representado pelo HSBC era relativamente baixo. Para se ter uma ideia, em depósitos totais10, o Bradesco possuía apenas 11,44% do mercado, e o HSBC, 3,11% (podendo mesmo ser enquadrado como rito sumário). Considerando apenas os precedentes do Conselho em análise de concentrações no setor bancário, o acréscimo de participação decorrente da operação estaria aquém daquele capaz de gerar uma piora do quadro geral do setor. Dito de outra forma, não foi encontrado nexo de causalidade entre a operação e os problemas concorrenciais identificados no setor bancário11.

O Departamento de Estudos Econômicos (DEE) do Cade, todavia, apontou que, a despeito da participação inferior a 20%, haveria uma pressão potencial por aumento de preços dos produtos ofertados pelo Bradesco e pelo HSBC. Essa conclusão foi obtida por meio da análise do UPP e do GUPPI para uma simulação de 7 cestas de serviços a serem oferecidas pelos bancos, na qual foram simulados cenários com margens (a fórmula  (P2 – C2) acima) de 25% e 50%. No primeiro cenário, apenas duas cestas indicaram a possibilidade de aumento de preços após a operação, visto que a operação ainda traria uma eficiência hipotética de 5%. No cenário com margem de 50%, todas as simulações apontaram para a possibilidade de aumento de preços, em até 6%, na cesta de produtos. Sem as eficiências de 5%, essa pressão seria ainda maior.

Diante da discussão metodológica entre o Departamento e as partes, o Conselheiro João Paulo Resende, relator do caso, repetiu o cálculo dos indicadores considerando os produtos bancários de forma individualizada12. Além disso, utilizou uma margem de 30%, obtida pela decomposição do spread bancário informado pelo Banco Central, para subsidiar parte das hipóteses do modelo e que foram objeto de questionamento pelos advogados. De maneira preocupante, o Conselheiro observou possíveis pressões de preço em 67% do total de produtos bancários.

Por fim, a operação foi aprovada com várias condicionantes, como o incentivo à portabilidade bancária e a obrigação de não adquirir o controle, por meio de fusões ou aquisições, de qualquer outra instituição financeira e/ou administradora de consórcio no Brasil.

6. Conclusão

Fica claro que o objetivo dos indicadores de pressão de preço não é o de dificultar a análise, mas sim o de promover, como instrumento adicional, a averiguação de casos com potenciais riscos lesivos à concorrência não captados por indicadores de concentração de mercado. Servem como indicadores preliminares para identificar, de forma rápida e com poucos dados, qual o risco de aumento de preços em uma fusão. As informações a serem obtidas para a análise também são poucas, como margem e taxa de desvio. Ressalta-se que esta última, para além da complexidade das elasticidades cruzadas, pode ser obtida por meio de pesquisas de mercado e do market share das empresas, como explicam Farrel e Shapiro (2010).

Por fim, no caso Bradesco/HSBC, argumentou-se que por trás dos indicadores haveria a hipótese de competição de Bertrand13 com produtos diferenciados, não sendo possível sua aplicação generalizada. Como apresentado nesse artigo, esse argumento é falacioso. O modelo teórico parte da maximização de lucros entre firmas que, de forma dinâmica, interagem no longo prazo, resultando na probabilidade de gerar pressão sobre os preços a depender do custo de oportunidade de se produzir mais em uma firma que em outra, o chamado efeito canibalização. Os próprios autores afirmam a mesma fórmula dos indicadores pode ser aplicada em situações onde há competição do tipo Cournot14, com uma adaptação da taxa de desvio, que é assumida como unitária. Ou seja, o fator a ser considerado como pressão de preços se torna apenas as diferenças entre as margens das duas firmas15.

 

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1 A Lei 12.529/11, nos artigos 88 e 90, explica com maiores detalhes os tipos de acordo entre empresas que são objeto do escrutínio do Cade. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2011/Lei/L12529.htm

2 Um exemplo clássico de análise posterior de fusão reprovada foi a compra da Garoto pela Nestlé. A empresa chegou a investir US$250 milhões na Garoto em 2002; todavia, com a reprovação pelo Cade, o caso se arrastou até 2016, quando as empresas resolveram firmar um acordo com o Cade (vide https://exame.abril.com.br/negocios/os-15-anos-de-vaivem-entre-cade-garoto-e-nestle/).

3 De maneira geral, fusão que envolvem empresas concorrentes.

4 Vide LYRA, M. e PIRES-ALVES, C. Inovação e Efeitos de Fusões e Aquisições: contribuições da teoria econômica e da prática internacional. Anais do II Encontro Nacional de Economia Industrial e Inovação. Setembro de 2014. Disponível em < https://www.proceedings.blucher.com.br/article-details/inovao-e-efeitos-de-fuses-e-aquisies-contribuies-da-teoria-econmica-e-da-prtica-internacional-26635>.

5 Farrell, J. e Shapiro, C., Antitrust Evaluation of Horizontal Mergers: An Economic Alternative to Market Definition. Fevereiro de 2010. Disponível em:<https://ssrn.com/abstract=1313782>.

6 Salop, S.  e Moresi, S., Updating the Merger Guidelines: Comments. Georgetown Law Faculty Publications and Other Works. 1662. 2009. Disponível em: <http://scholarship.law.georgetown.edu/facpub/1662>.

 

7 No jargão da economia e direito da concorrência, requer-se a definição do mercado relevante

8 <http://www.cade.gov.br/acesso-a-informacao/publicacoes-institucionais/guias_do_Cade/guia-para-analise-de-atos-de-concentracao-horizontal.pdf>.

9 Para maiores detalhes sobre como as agências estrangeiras definem os limites para esses índices vide SCHMIDT, C. e LIMA, M. Índices de Concentração. SEAE/MF Documento de Trabalho nº 13. 2002. Disponível em <http://seae.fazenda.gov.br/central-de-documentos/documentos-de-trabalho/documentos-de-trabalho-2002/DocTrab13.pdf>.

10 Depósitos totais incluem os depósitos à vista, poupança, interfinanceiros, à prazos e outros, segundo metodologia do BACEN. O depósito à vista é um produto destinado a pessoas físicas e jurídicas que consiste na captação de recursos não remunerados, que podem permanecer no banco por tempo indeterminado e são de livre utilização pelo consumidor (conta corrente). Para mais referências vide

11 Anexo ao Parecer Técnico n.º 12/2016/CGAA02/SGA1/SG/CADE. Disponível em: <http://sei.cade.gov.br/sei/institucional/pesquisa/documento_consulta_externa.php?8b7ordf_KdjqNE7xXQyIT8ywVE20IstN0KvraVhk2Pdu0JmyScJG7yscsiknowgJxvnI3g2qMrUOm3H4HELqKw,,>.

12 RESENDE, J.P. Voto no Ato de Concentração nº 08700.010790/2015-41. Disponível em:

<http://sei.cade.gov.br/sei/institucional/pesquisa/documento_consulta_externa.php?sY3Y6Kk8PGKsGxQqCopAgPCCfsR0K5CR0wQwvPBHl-vSQ28xf6Zs_mcUQJu9WucVGtvF0d0wqbRqT8ZlqIQhQQ,,

13 Empresas que competem à la Bertrand adaptam seus preços em função dos preços das empresas rivais.

14 Nesse cenário, as empresas adaptam as quantidades a serem ofertadas a depender das quantidades a serem oferecidas pelas outras empresas.

15 Maiores informações vide a nota de rodapé na pág. 16 em Farrel e Shapiro (2010).

 

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Por que custa caro ligar de telefone fixo para celular? https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=2117&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=por-que-custa-caro-ligar-de-telefone-fixo-para-celular https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=2117#comments Tue, 04 Feb 2014 12:02:24 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=2117 A ampla difusão da telefonia celular levou a alguns comportamentos curiosos dos usuários. Muitos compram telefones que comportam chip  de várias operadoras. Profissionais liberais e prestadores de serviço costumam colocar, em seus cartões profissionais, vários números de telefone celular, cada um de uma operadora diferente.  É comum ver pessoas carregando mais de um aparelho celular, cada um deles com chip de uma operadora diferente. Tornou-se usual o uso da frase: “você tem um número fixo para o qual eu possa ligar?”. Parentes, namorados e amigos que fazem muitas ligações entre si, tendem a escolher a mesma operadora, para aproveitar ligações mais baratas ou promoções de ligação gratuita entre linhas daquela operadora.

Esse tipo de comportamento decorre da política de preços usada pelas operadoras de telefonia móvel, que fixam preços diferenciados, cujo padrão é:

  • Cobrar mais barato por ligações entre linhas móveis da mesma operadora;
  • Cobrar mais caro nas ligações originadas em telefones fixos com destino a telefones móveis;
  • Quando a operadora de telefonia móvel pertence a um grupo econômico que também é proprietário de empresa de telefonia fixa, cobra-se mais barato pelas ligações que provêm da operadora de telefone fixo pertencente ao mesmo grupo do que de ligações de telefone fixo geradas em operadora rival.

Não existe um modelo de custos que apure adequadamente qual a diferença de custos entre uma ligação entre linhas móveis daquela entre linha fixa e móvel; ou a diferença entre ligações dentro de uma mesma rede móvel e ligações entre redes distintas. Não obstante isso, as diferenças de preços cobrados ao consumidor, para esses distintos tipos de ligação telefônica, é bastante grande, na casa dos múltiplos de dez.

Tal diferenciação de preços não é apenas consequência de diferentes custos para viabilizar as chamadas; sendo, também, decorrente de estratégias das operadoras para maximizar lucro e  expandir participação de mercado.

Há, portanto, nessas estratégias de fixação de preços, possibilidade de conduta anticompetitiva e de lesão ao consumidor à qual as instituições reguladoras – ANATEL e Conselho Administrativo de Defesa Econômica – devem ficar atentos.

Para entender o fenômeno é preciso, em primeiro lugar, saber que o regime de tarifação no Brasil é baseado no princípio de que quem paga a ligação é o usuário que fez a chamada: “a parte que chama paga” (calling party pays-CPP).  Além disso, a operadora móvel que recebe uma chamada tem o direito de cobrar pelo uso da sua rede. Trata-se da chamada  “tarifa de interconexão” para a terminação de chamadas da telefonia móvel, o VU-M (Valor de Uso da Rede Móvel) que serve tanto para chamadas originadas em telefones fixos como celulares.

Suponha que João, usuário da operadora (fixa ou móvel) A faça uma ligação para Maria, que tem uma linha móvel da operadora B. No preço cobrado de João por essa ligação estará embutida a “tarifa de interconexão”, que irá para os cofres da operadora B.

Esse sistema de cobrança, usado em diversos países, gera incentivos para que a operadora B fixe uma elevada tarifa de interconexão, encarecendo as ligações feitas para seus usuários a partir de linhas de outras empresas. Isso aumentará a receita da operadora B. Parte dessa receita extra, a operadora pode repassar a seus usuários, sob a forma de descontos na compra de aparelhos,  ligações a baixo custo entre linhas da própria operadora B ou créditos para ligações futuras.

O usuário de uma linha da operadora B, recebedor da chamada, é insensível a preços que são pagos por quem faz a chamada. No momento de escolher a operadora, este não é um preço relevante para ele. Ele vai dar mais atenção aos custos que ele pagará ao fazer suas próprias ligações e ao custo de aquisição do aparelho celular, de modo que a operadora tem incentivos a cobrar barato por isso, para atrair o cliente.

Ao usar essa estratégia, a operadora B atrairá muitos usuários. Por outro lado, uma vez que a operadora B cobra barato por ligações entre linhas da sua própria rede, o consumidor vai se filiar a essa operadora sempre que as pessoas com quem conversa frequentemente também tiverem linhas da operadora B. Ou, então, se essa operadora tiver uma maior fatia de mercado, pois nesse caso será mais amplo o leque de ligações que o consumidor poderá fazer sem sair da própria rede  e, portanto, sem pagar a tarifa de interconexão.

Se todas as operadoras de telefonia móvel raciocinarem e agirem da mesma forma que a operadora B, o resultado será um equilíbrio de mercado no qual: (a) os usuários escolherão suas operadoras de acordo com a operadora usada pelos seus interlocutores frequentes (por exemplo, todos os membros de uma família usando a mesma operadora); (b) pessoas e firmas que usam intensamente o telefone (profissionais liberais, prestadores de serviço) terão celulares de vários chips ou vários aparelhos, para fazer a maioria das suas ligações dentro da rede de uma mesma operadora; (c) os consumidores evitarão as ligações de fixo para celular, pelo menos daqueles que pertencem a grupos econômicos distintos.

Esse equilíbrio, embora não induza à dominação do mercado por uma empresa em particular, preservando a concorrência, é ineficiente, pois gera custos desnecessários como o de adquirir um aparelho mais caro (para vários chips); ou adquirir mais de um aparelho; ou restringir o leque de escolhas de operadora de um indivíduo (eu posso achar que a qualidade das ligações da operadora A é melhor, mas fico na operadora B porque meus interlocutores frequentes estão nela); ou induzir a realização de mais de uma ligação (perco tempo e dinheiro fazendo uma primeira ligação, a partir do meu telefone fixo, para um número móvel, apenas para perguntar se a pessoa tem um número fixo para o qual eu possa ligar e ter uma conversa mais longa).

A cobrança da tarifa de interconexão também pode ser um indutor de comportamento cartelizado das operadoras de telefonia móvel. Elas podem combinar que todas cobrarão uma tarifa de alto valor, de modo que uma não roubará mercado da outra, mas todas as ligações que pagam tal tarifa ficarão caras, elevando as receitas de todos os membros do cartel.

No caso brasileiro existe também um problema de desigualdade de concorrência. Isso porque havendo grupos econômicos que possuem operadoras fixas e operadoras móveis, a estratégia pode ser estendida para induzir a conexão entre fixo e móvel do mesmo grupo. Assim, ligações de fixo para móvel de operadoras de um mesmo grupo econômico tendem a ser mais baratas (com descontos que compensem a tarifa de interconexão) que aquelas de fixo de um grupo para móvel de outro grupo.

As duas principais operadoras de telefonia fixa, Oi e Telefonica, têm seus próprios braços móveis, Oi e Vivo/TIM, respectivamente. A GVT, por outro lado, não tem um braço móvel. Por isso, se tornou a grande prejudicada nesse sistema de tarifação, pois seus usuários pagam altas tarifas de interconexão com as outras redes e ela própria não tem como contratacar, pois não tem operadora móvel para cobrar tarifa de interconexão das demais, nem pode dar desconto nas ligações dentro do próprio grupo.

A GVT reclamou do desequilíbrio à ANATEL e ao CADE. Apesar de a Secretaria de Direito Econômico do Ministério da Justiça (SDE/MJ) 1 ter concluído que o valor elevado do VU-M constituía uma ação anticompetitiva de três operadoras de telefonia celular (Vivo, Claro e TIM) para elevar os custos das rivais, o Tribunal da Concorrência 2 entendeu não caber intervenção do órgão. Isto porque as tarifas de interconxão são reguladas pela ANATEL, e as operadoras não estavam desrespeitando os limites de valor impostos pela agência reguladora. Apenas estavam fixando tarifas de interconexão no limite máximo fixado pela ANATEL. Em função disso, como será mostrado adiante a ANATEL anunciou maior rigor no controle de tarifas de interconexão para a terminação de chamadas da telefonia móvel.

Note-se que no estágio inicial de implantação da telefonia móvel uma elevada tarifa de interconexão entre linhas fixas e móveis cumpria o importante papel de estimular a expansão da rede móvel. Imagine uma situação inicial em que poucas pessoas usam telefone celular e quase todo mundo usa telefone fixo. A imposição de uma VU-M encarece a ligação de fixo para móvel. Assim, se eu quero falar com uma das poucas pessoas que tem telefone móvel eu pagarei mais caro, o que me estimularia a ter uma linha móvel. Ao mesmo tempo, como visto acima, o VU-M é um poderoso instrumento para que as empresas de telefonia móvel ofereçam condições atrativas para atrair clientes a uma linha móvel (aparelhos baratos, ligações gratuitas entre linhas da mesma rede, etc.). Isso ajudou na rápida expansão da telefonia móvel, ao atrair um grande número de consumidores para essa modalidade de telefonia.

Todavia, o Brasil, assim como a grande maioria dos países, já ultrapassou essa fase inicial de consolidação da telefonia móvel, de modo que o ônus imposto à telefonia fixa, para incentivar a móvel, torna-se menos relevante. Em dezembro de 2013 havia 271,1 milhões de linhas móveis, representando 136,45 celulares por 100 habitantes3. Estes números sugerem que os benefícios dos subsídios cruzados entre linhas fixas e móveis seriam muito menores que no passado, quando era importante ampliar a rede móvel, gerando economias de escala e impondo concorrência à telefonia fixa.

Este problema está longe de ser exclusividade brasileira, tendo ocorrido em todos os países que usam o sistema de quem chama paga. Nesse sentido, os países da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) realizaram grandes esforços nos últimos anos para reduzir a tarifa de interconexão da telefonia móvel. A Australian Competition and Consumer Commission (ACCC) desde 1997 supervisiona as tarifas de terminação de chamadas em operadoras móveis. A Comissão Européia em fevereiro de 2003 incluiu a terminação de chamadas das móveis no rol de preços que as autoridades reguladoras nacionais européias deveriam regular.

Como resultado destes esforços, o Relatório da OCDE de 20124 indica que entre 2006 e 2011 houve uma queda média de 53% nas tarifas de terminação de móveis dos países da OCDE.

No Brasil, após uma década de pouco movimento da ANATEL no assunto, resolveu-se seguir a experiência dos países desenvolvidos e definir um cronograma mais significativo de queda da VU-M. Entre 2010 e 2015, prevê-se uma queda de cerca de 62% da VU-M. Na região I do Plano Geral de Outorgas, por exemplo, a VU-M média passaria de R$ 0,42285 por minuto em 2010 para R$ 0,160908 em 2015. O padrão de queda nas outras duas regiões é bem similar. A introdução de um modelo de custos em muito ajudaria a calibrar estas tarifas de forma adequada.

Em resumo, a tarifação de terminação de chamadas constitui um monopólio da operadora a qual o usuário chamado está conectado. Este usuário que recebe a chamada é em geral pouco elástico ao preço de terminação, gerando espaço para exercício de poder de mercado pela operadora. De fato, poucos indagam a operadora, quando escolhem seu plano de celular, qual a tarifa que quem chama paga.

A elevada tarifa de terminação de chamadas no Brasil, a VU-M, gerou várias distorções, entre elas um significativo diferencial entre o custo das chamadas realizadas dentro e fora de uma mesma rede. Isto distorce a concorrência em favor de operadoras grandes ou reduz a escolha dos consumidores, forçando-os a aderir à operadora usada por seus interlocutores frequentes.

Há várias formas de contornar o problema como adotar, pelo menos em parte, i) o regime de quem recebe paga (Receiving Party Pays-RPP) adotado nos EUA, ii) regime de Bill and Keep no qual as operadoras não pagam (ou pagam apenas a partir de certo percentual de diferença entre chamadas originadas e recebidas) interconexão entre si; iii) regular mais vigorosamente as tarifas de terminação em móveis, inclusive com base em uma metodologia de custos.

A ANATEL (2012) optou por uma combinação de ii e iii. Introduziu um bill and keep parcial temporário na relação de interconexão entre operadoras móveis com (Oi, Vivo, TIM e Claro) e sem (todas as outras) Poder de Mercado Significativo, inicialmente na proporção de tráfego de 80/20% e depois na proporção 60/40%. O Bill and Keep entre operadoras móveis com e sem PMS desapareceria após um período de transição. Ademais, a ANATEL definiu um cronograma de redução da VU-M até 2016, que vale para todas as relações de interconexão com terminação em móvel quando se prevê a adoção de uma metodologia de custos.

Acreditamos que o órgão regulador está na direção correta, sendo que o modelo de custos, se apropriadamente implantado, poderá representar grande avanço no tratamento desta importante questão regulatória em telecomunicações. Antes tarde do que nunca.

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1 Ver www.cade.gov.br/temp/D_D000000515371906.pdf
2 Processo Administrativo 08012.008501/2007-91Ver www.cade.gov.br/temp/D_D000000756991343.pdf
3 Os dados do Brasil foram extraídos do site da Telecom, www.teleco.com.br
4 New OECD Report released on developments in mobile termination rates.

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