brasil – Brasil, economia e governo https://www.brasil-economia-governo.com.br Sun, 24 Jul 2022 04:33:47 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=6.5.3 5G: Conectando o Brasil com o Futuro https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=3655&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=5g-conectando-o-brasil-com-o-futuro Sun, 24 Jul 2022 04:33:47 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=3655 5G: Conectando o Brasil com o Futuro

 

Por Marcos Ferrari* e Amanda Lopes**

 

O Paradigma da Telefonia Móvel

Recém-lançada no Brasil, a 5ª geração de banda larga móvel (standalone) nasce com o propósito de revolucionar as telecomunicações e promover um ambiente produtivo totalmente digital. Neste cenário, o setor de telecom desponta como o agente central do crescimento brasileiro.

Entender as razões que tornam o 5G o habilitador do desenvolvimento econômico requer a compreensão da evolução dos padrões da tecnologia móvel e a importância da tecnologia na economia. No passado, o objetivo primordial das telecomunicações era facilitar a comunicação entre pessoas, através de serviços de áudio e texto. A evolução da tecnologia, entretanto, abarcou os anseios do passado e superou o objetivo inicial.

A popularização do telefone celular ocorre na década de 80, quando a primeira geração de tecnologia (1G) possibilita a transmissão wireless de voz através de sinais analógicos. Apesar do avanço, o 1G apresenta falhas severas de segurança de dados e a transmissão sofria com interferências.

Uma década depois, o 2G surge com um novo paradigma: transmissão do sinal digital em vez do analógico. A mudança solucionou as questões de ruídos e possibilitou a criptografia dos dados, de forma a promover o primeiro passo em direção à cybersegurança móvel. As evoluções do 2G também possibilitaram a comunicação via SMS e a criação do sistema de internet móvel.

A telefonia já se encontrava no patamar de oferecer aos clientes comunicação via voz, mensagem e dados em um só equipamento. Contudo, à medida que o 2G era disseminado, aumentavam as demandas por mais largura de banda e velocidade. Neste cenário, o 3G foi lançando nos 2000 com o intuito de estabelecer um novo patamar de capacidade de transmissão de dados e potencial de conexão nos mais diversos lugares.

A facilidade promovida pela telefonia móvel alterou gradativamente a forma de comunicação da sociedade, impondo novas necessidades. Conversar com a família, participar de reuniões, fazer negócios, digitalizar empresas, todas são atividades que sofreram sensíveis mudanças em 20 anos. As  necessidades crescentes nos levaram ao 4G (LTE), tecnologia que habilitou diversas aplicações móveis relacionadas a serviços bancários, mobilidade, delivery, popularizando smartphones e tablets. A conexão enfim alcançou a maioria das pessoas de forma inegável. Em junho de 2022, a Lei Complementar nº 194 alterou a Lei Kandir de forma a considerar telecomunicação um serviço essencial à sociedade.

A natureza das telecomunicações, inicialmente com enfoque na mera comunicação entre agentes, ganha contorno transversal na economia, habilitando o desenvolvimento de diversos setores.

A evolução das telecomunicações pode ser muito bem compreendida pelo processo schumpeteriano de destruição criativa (Schumpeter, 1942): a incessante inovação e os processos de substituição de produtos obsoletos por paradigmas tecnológicos modernos permeiam o desempenho econômico de longo prazo e as constantes flutuações econômicas. A concorrência, dentro desta abordagem, exerce papel fundamental sobre a mudança tecnológica. No sistema capitalista, a competição endogeniza o progresso tecnológico (Dosi, 1988). Firmas buscam aprimorar o capital produtivo na busca por lucro potencial e diferenciação no mercado. 

Gráfico 1 – Acessos de Telefonia Móvel por Tecnologia

Fonte: Anatel. Elaboração: Conexis.

A destruição criativa e a acumulação das inovações tecnológicas, propiciadas pelas telecomunicações, guiaram a evolução entre um cenário produtivo restrito e manual, para um mundo conectado e digital. Apesar de uma tecnologia não findar com a chegada de uma nova, a mudança de paradigmas é visível. Até os dias atuais, o 2G e 3G continuam a atender algumas das necessidades de áreas mais remotas ou conectar máquinas de cartão de crédito, por exemplo, mas a chegada do 4G promoveu uma mudança qualitativa como nova base habilitadora de diversas aplicações. Com o 5G, haverá outra mudança qualitativa, e o 4G coexistirá por muitos anos.

Neste espírito, podemos entender que apesar da tecnologia ter alcançado um pico com o 4G e desta ser uma tecnologia que ainda provê as necessidades diárias da sociedade, o 5G abre portas para mais uma rodada de inovações além do imaginado. E, definitivamente, esta jornada não se encerra por aqui.

A Inovação do 5G

Apesar do lançamento do chamado 5G “puro”, ou standalone, ser recente, serviços de 5G DSS, ou non-standalone, já eram oferecidos no Brasil. O 5G DSS agrega frequências reaproveitadas do 3G e 4G para tentar aumentar o throughput (quantidade de dados transmitidos por uma rede), porém a capacidade de banda é limitada a 10~20 Mhz.

Visto a restrição dessa modalidade, o Leilão do 5G, realizado em novembro de 2021, abre as portas para uma tecnologia de ponta. A faixa de 3,5 GhZ, leiloada como a faixa nobre do 5G standalone, possui 100 Mhz de largura de banda e uma capacidade de throughput superior ao DSS.

O 5G se destaca pelo ganho de performance significativo, seja em velocidade, latência, capacidade ou número de aparelhos que podem se conectar simultaneamente. Segundo a UIT (União Internacional de Telecomunicações), órgão ligado às Nações Unidas e responsável por criar as diretrizes mundiais de telecom, define uma norma para o 5G: a rede deve prover velocidade de 10 Gbps por segundo, latência de 1 milisegundo e até 1.000 conexões simultâneas por km².

Essa última característica viabilizará o Massive IoT, ou seja, a conexão de milhares de devices com uma nuvem central, capaz de receber constantes bits de informação e processar dados. A Internet das Coisas (IoT) representa uma mudança contínua de paradigma nas comunicações: tudo o que se beneficia de uma conexão pode e será conectado.

Diversos testes envolvendo redes 5G têm sido realizados para comprovar os benefícios da nova tecnologia. Na agricultura, pode-se destacar a pesquisa da Avant Agro na implementação de drones munidos com 5G e Inteligência Artificial para monitoramento de lavouras.

Segundo a Embrapa, estima-se que a dificuldade em detectar ervas daninhas em plantações de soja, possa gerar prejuízos de R$ 9 bilhões anuais no país em decorrência da perda de produtividade. O 4G já possibilita o uso de drones para mapeamento do campo, porém de forma offline. Isso significa que a informação coletada pelo drone fica armazenada em um cartão de memória, sendo necessário que o operador as transfira do cartão para uma máquina, de forma que os dados sejam processados. De acordo com a Avant Agro, o mapeamento offline leva aproximadamente 12h e 4,5 GB para uma área de 25 hectares.

Ao implementar a tecnologia 5G aos drones, permitindo uma conexão online, onde os dados são importados para um cloud e tratados por algoritmos em tempo real, o tempo do processo cai para 3h43min. O reconhecimento das ervas daninhas por meio de drone conectado à rede 5G, reduz custos e propensões a erro, além de reduzir substancialmente o tempo do processo.

As aplicações do Massive IoT poderão também ser implementadas em diversos setores, como na saúde, através de wearables que acompanham sinais vitais e mudanças de comportamento, facilitando a triagem e o encaminhamento de pacientes à unidade de saúde. Esta função pode gerar redução de custos de atendimento e munir profissionais da saúde com amplo histórico sobre os pacientes.

No setor de logística, os processos aduaneiros (smart ports) também devem se beneficiar por smart tags, por exemplo, que permitem o acompanhamento do transporte de mercadorias do produtor ao consumidor final em tempo real, inclusive para fins de fiscalização e tributários.

Na contramão de aplicações de Massive IoT que requerem a conexão de milhares de endpoints com trocas de pequeno volume de dados, o 5G promoverá o Critical IoT. Estas aplicações são caracterizadas por um volume de dispositivos significativamente menor e maior demanda por confiabilidade. Aplicativos como esses exigem densa cobertura de conexão, latência ultrabaixa e alta taxa de transferência de dados.

Setores de segurança, tráfego, energia e saúde serão alguns dos setores servidos pela baixa latência, ultra velocidade e confiabilidade do 5G. Um dos casos mais clássicos quando pensamos em automatização é o do carro autônomo. Os sistemas de veículos autônomos geram enormes quantidades de dados para medir e navegar externamente. Esses aplicativos contam com a transmissão de informações em tempo real para atender às demandas de direção segura. A confiabilidade do sistema e o rápido poder de resposta são essenciais para a existência deste sistema. A tecnologia 5G será habilitadora deste novo mercado.

Outras inovações como as cirurgias à distância, gerenciamento de tráfego de rodovias e sensoriamento de caldeiras de termoelétricas são atividades que dependem exclusivamente de uma rede de conexão de altíssima confiabilidade para serem operadas online. Elas devem funcionar sem lapsos, visto que o risco de falhas de conexão torna-se sensível no Critical IoT.

Apesar de já existir um hall de aplicações sendo discutidas e muitas delas implementadas, conforme mencionado, não temos ao certo ainda quais serão as aplicações que de fato revolucionarão o mercado. E o mais importante, talvez ainda não seja possível visualizar as futuras demandas por aplicações. Esse processo ocorre desde os primórdios da telefonia móvel, a tecnologia avança e a sociedade a adapta em torno de suas necessidades.

É inegável, contudo, que existe uma premissa para que a tecnologia prospere: infraestrutura. A infraestrutura possibilita o surgimento das inovações e tecnologias que vão direcionar o nosso futuro. Faz-se necessária a criação de um ambiente frutífero para que desenvolvedores e empresas possam criar tudo aquilo que um dia será indispensável. Para isso, além de garantir uma conexão veloz e de baixa latência, é preciso conectar o país. Instalar infraestrutura nas cidades, promover um ambiente de negócios frutífero e seguro, além de garantir a conectividade das pessoas.

Dificuldades de Implementação

Em um estudo sobre os impeditivos institucionais da destruição criativa, Caballero (2008) argumenta que, para efeitos práticos, as inovações ocorrem continuamente e que na ausência de obstáculos à sua implementação, teríamos um cenário de infinita reestruturação da economia. O incessante ciclo de reestruturação, porém, seria freado por dois obstáculos: limitação de recursos a serem dispendidos no ajuste ao novo paradigma e os impedimentos institucionais criados pelo homem.

O setor de telecom mundial é amplamente conhecido por estar na ponta de P&D, redefinindo fronteiras de conhecimento e tendo liderado, inclusive, a última onda de inovação (mídias digitais, softwares e redes). Apesar disso, imputa-se ainda sobre o setor alguns obstáculos institucionais de regulamentação.

Pouco se fala no assunto, mas para que seja possível atingir a cobertura nacional com o 5G, a nova geração de internet móvel vai exigir uma quantidade de antenas de 5 a 10 vezes maior que a atual. A necessidade de ampliação da infraestrutura de telecom traz consigo a problemática da instalação de antenas nas cidades. Arcabouços ultrapassados impedem a rápida adaptação das cidades ao 5G.

Dentre o universo de 5.570 municípios brasileiros, apenas 106 estão com uma legislação plenamente adequada para as necessidades do 5G. Entre as capitais, apenas 48% apresentam convergência.

Apesar de a regulamentação de telecomunicações ser federal, as leis que determinam as regras para instalação de antenas são municipais, gerando gargalos em cidades que ainda têm leis de antenas desatualizadas e em desacordo com a Lei Geral de Antenas.

Muitos são os entraves para a obtenção de licenças que permitam a instalação de antenas. Certos municípios impedem a fixação de antenas em perímetros escolares ou hospitalares, impondo restrições à conexão de estudantes; outros impossibilitam a instalação de infra em local sem regularização fundiária, afetando diretamente as populações mais carentes; ainda existem questões arquitetônicas que travam a obtenção de licenças. É importante ressaltar que estas legislações geram incongruência entre as legislações municipais e a necessidade para avanço pleno do 5G.

Além de entraves legais, o tempo médio para o licenciamento de uma antena também gera atrito. De acordo com a Lei Geral de Antenas (Nº 13.116/2015), o prazo para emissão de qualquer licença referida à instalação de infraestrutura de suporte em área urbana não poderá ser superior a 60 dias. Entretanto, o tempo médio efetivo tem sido de seis meses, chegando até a 1 ano em algumas cidades, o que não é compatível com a nova tecnologia.

A vitória conquistada pelo setor no Senado Federal em julho de 2022 com a aprovação do PL 1885/2022 é muito oportuna para facilitar a instalação da infraestrutura. O projeto chamado “Silêncio Positivo” autoriza operadoras a instalarem equipamentos de infraestrutura de telecomunicações nos municípios caso as autoridades locais não se manifestem no prazo determinado pela LGA. O projeto aguarda agora sanção presidencial.

As revoluções tecnológicas do setor de telecomunicações têm impacto direto na contínua expansão da economia, através da promoção de inovações ou adequação de cadeias para modelos mais produtivos e eficientes. A vertente do novo institucionalismo de Douglas North expõe que as tecnologias apenas surgiram e se desenvolveram em países com ambiente institucional propicio. É imperativo que o arcabouço jurídico que envolve o setor no Brasil reflita a vanguarda e rapidez como o mundo digital avança. Essas mudanças visam acomodar o progresso tecnológico na estrutura brasileira de modo a promover impactos positivos nos mais diversos campos.

 

Referências

Caballero, R. 2008. Creative Destruction. The New Palgrave Dictionary of Economics, Second Edition.

Dosi, G. (1988). The Nature of the Innovation Process. In G. Dosi, C. Freeman, R. Nelson, G. Silverberg, & L. Soete (Eds.), Technical Change and Economic Theory (pp. 221-238).

Ferrari, Marcos. 2006. A economia evolucionária/neoschumpeteriana e o novo institucionalismo: em busca de explicações para a mudança tecnológica e institucional. Vitória: XI Encontro Nacional de Economia Política.

Ferrari, Marcos & Lopes, Amanda. 2022. The 5G Agenda and its Impact on the Economy. São Paulo: The Winners n° 46.

Paudel, P. & Bhattarai, A. 2018. 5G Telecommunication Technology: History, Overview, Requirements and Use Case Scenario in Context of Nepal.

Schumpeter, J. 1942. Capitalism, Socialism, and Democracy. New York: Harper & Bros.

UIT. 2018. Key features and requirements of 5G/IMT-2020. Algeria: ITU Arab Forum.

 

 * Marcos Ferrari é doutor em Economia pela UFRJ e Presidente-Executivo da Conexis Brasil Digital, também foi Diretor de Infraestrutura e Governo do BNDES, Secretário de Assuntos Econômicos do Ministério do Planejamento e Secretário Adjunto de Política Econômica do Ministério da Fazenda. 

** Amanda Lopes é mestranda em Políticas Econômicas pela Erasmus University of Rotterdam e Analista de Estudos Econômicos na Conexis Brasil Digital.

 

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Políticos negligenciam o crescimento econômico https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=3613&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=politicos-negligenciam-o-crescimento-economico Sat, 07 May 2022 00:59:57 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=3613 Políticos negligenciam o crescimento econômico

Tanto o presidente da República como parlamentares estão mais preocupados com seus interesses pessoais e eleitorais.

 Por Roberto Macedo*

Insisto novamente – e vou continuar nesta linha – na minha pregação de que há tempos a economia brasileira enveredou por um caminho que prejudicou muito seu crescimento econômico e que a sociedade precisa cobrar dos políticos um sério e rápido enfrentamento desse problema.

Desde a década de 1980, a economia brasileira, que em meados do século passado foi uma das que mais cresceram mundialmente, passou a taxas de crescimento muito baixas relativamente a seu potencial, ficando para trás diante da maioria dos países.

A década passada teve o pior desempenho médio anual do PIB desde a década de 1900. Olhando números do governo Bolsonaro, de 2019 a 2022, segundo cálculos do economista José Roberto Mendonça de Barros, em artigo publicado neste jornal no dia 1.º de maio, o crescimento anual médio será de 0,55%, se o PIB crescer 0,5% em 2022, ou de 0,68%, se neste ano avançar 1% – previsões que são referendadas por outros analistas do assunto.

São taxas inferiores à do crescimento populacional, estimada em 0,7% ao ano, o que levaria a uma queda do PIB per capita no mesmo governo. Mas não vejo Jair Bolsonaro tratando deste problema, mais preocupado que está em se reeleger na próxima eleição presidencial e com seguir suas convicções políticas, que, entre outros casos, provocam atritos com o Supremo Tribunal Federal (STF), prestigiando até manifestações contra esse tribunal. Os episódios mais recentes foram o indulto ao deputado federal Daniel Silveira, além de voltar a insistir equivocadamente contra a lisura do processo eleitoral.

Entendo que o maior problema da economia está na política e que foram políticos, salvo exceções cada vez mais excepcionais, que nas últimas quatro décadas se comportaram de forma a contribuir para o mau desempenho econômico do Brasil.

O que leva ao crescimento econômico é, principalmente, a realização de investimentos em formação bruta de capital fixo (máquinas, equipamentos, infraestrutura e outros), pois geram produção, empregos e renda, com efeitos que se disseminam pela economia além do próprio investimento em si. Nesse contexto, os investimentos públicos se destacaram por sua queda. Tenho à vista um gráfico dos investimentos públicos de 1947 a 2019 produzido pelo Observatório de Política Fiscal da Fundação Getúlio Vargas. Ele mostra esses investimentos como proporção do PIB, e a série começa com valor perto de 3% e sobe até seu pico, próximo de 10%, nos anos 1970, aqueles em que a economia apresentou seu maior avanço desde 1900. Depois, a taxa de investimento público/PIB volta a cair, atingindo um valor um pouco abaixo desses 3% em 2019. Ou seja, esses investimentos perderam quase todo o seu papel na promoção de um maior crescimento econômico.

Visto de outra forma, esse gráfico mostra que as despesas obrigatórias, como salários e previdência, cresceram mais, a ponto de sacrificar os investimentos. Como a carga tributária aumentou e o governo continua se endividando, a economia sofre com esta maior transferência de recursos de empresas e famílias para o governo, que investe muito menos do que essas fontes de tributos e empréstimos. Vejo isso como altamente prejudicial ao crescimento econômico, mas praticamente nada se faz para corrigir o problema.

Ao contrário, no caso federal, tanto o presidente da República como o Congresso se empenham em agravar essa redução dos investimentos públicos. Para realizá-los, é preciso haver recursos. Um exemplo: segundo matéria do jornal O Globo no dia 3/5, o governo abriu mão de R$ 40 bilhões em impostos, o que, além de prejudicar investimentos, deixa uma conta para o próximo governo, pois o atual vem contando com um aumento de arrecadação provocado, em grande parte, pela maior inflação. E essa renúncia também tem sido causada por interesses eleitoreiros.

No Congresso, a Câmara é dominada pelo Centrão, que também tem força no Senado, e a preocupação reinante é distribuir recursos para as bases dos congressistas para colher vantagens eleitorais. E o fazem por meio de absurdas emendas parlamentares, conhecidas como “de relator”, arbitrariamente determinando os municípios que as receberão, em proveito de seus autores. E outra aberração apareceu também no jornal citado. Trata-se de emendas chamadas de “cheque em branco” ou “pix orçamentário”, em que a verba vai diretamente para o caixa das prefeituras, sem a necessidade de um projeto específico. Segundo a reportagem, emendas desse tipo passaram de R$ 557 milhões, em 2020, para R$ 1,87 bilhão, em 2021, e no Orçamento atual estão previstos R$ 3,28 bilhões com essa “destinação”.

Chamar isso de investimento público pode até valer do ponto de vista contábil, se for apurado esse uso da verba. Mas as emendas em geral são recursos pulverizados seguindo o interesse de parlamentares e fogem à ética do bem comum, que deveria orientar os investimentos públicos. Ou seja, além da mudez quanto ao crescimento econômico, os parlamentares se engajam em práticas que o prejudicam.

 

* Roberto Macedo é economista (UFMG, USP e Harvard), professor sênior da USP e membro do Instituto Fernand Braudel.

 

Artigo publicado no jornal O Estado de S. Paulo em 5 de maio de 2022.

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O papel das Instituições Fiscais Independentes (IFIs) e o caso da IFI do Brasil https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=3589&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=o-papel-das-instituicoes-fiscais-independentes-ifis-e-o-caso-da-ifi-do-brasil Mon, 07 Mar 2022 20:33:15 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=3589 O papel das Instituições Fiscais Independentes (IFIs) e o caso da IFI do Brasil*

 

Por Felipe Scudeler Salto[1] e Rafael da Rocha Mendonça Bacciotti[2]

 

  1. O que esperar de uma IFI?

As Instituições Fiscais Independentes (IFIs), ou Conselhos Fiscais, são organismos públicos com mandato para realizar análises técnicas e apartidárias sobre política fiscal e orçamentária. O objetivo é melhorar a disciplina fiscal, promover maior transparência das contas públicas e elevar a qualidade do debate público nas temáticas de finanças públicas e economia em geral.

A ampliação do número de conselhos fiscais ao redor do mundo representa uma inovação institucional importante no campo da política fiscal (Mulas-Granados, 2018). Em resposta aos efeitos negativos da crise econômica e financeira de 2008, diversos países, particularmente, os que compõem a Organização para a Cooperação do Desenvolvimento Econômico (OCDE), criaram instituições fiscais independentes para fortalecer a credibilidade da política fiscal (Kopits, 2016).

Essa tendência de aumento é observada, principalmente, entre os países membros da União Europeia, tendo ganhado mais força com a aprovação, no Parlamento, do Regulamento nº 4733[3], de 2013. Como parte da resposta da região à crise da dívida pública, o Regulamento atribuiu mandato a um “órgão independente”, em nível nacional, para monitorar o cumprimento das regras da política fiscal e fornecer ou endossar previsões macroeconômicas e fiscais realistas para a elaboração do orçamento (FMI, 2013 e Ribeiro, 2020).

A dinâmica desfavorável do nível de endividamento foi amplificada pelas políticas de estímulo e pelas perdas acumuladas de receitas. Somou-se a isso o fato de o conjunto de regras numéricas utilizadas para controlar a discricionariedade da política fiscal, no processo orçamentário, não garantir, isoladamente, a condução prudente das contas públicas. Esses fatores favoreceram o surgimento de fiscal watchdogs (vigilantes ou cães de guarda), no pós-crise, com apoio crescente obtido junto aos organismos multilaterais.

A OCDE, por exemplo, divulgou, em 2014, os princípios orientadores para o design e operacionalização das IFIs. Trata-se de codificação de valores mínimos de governança que resultou de discussões e sistematização de boas práticas –, reconhecendo o potencial papel positivo dessas instituições[4].

O Fundo Monetário Internacional, por sua vez, mapeia a existência de 39 IFIs operando em 2016 (último levantamento disponível)[5], 25 das quais apareceram depois da crise econômica e financeira de 2008, como se observa no Gráfico 1.  As IFIs veteranas, existentes antes da crise, como o “Congressional Budget Office” (CBO) dos Estados Unidos e o caso pioneiro na Holanda – “Central Planning Bureau” (CPB) –, diferem da nova geração de IFIs, por terem aparecido em resposta a eventos históricos locais e  singulares (Bjios, 2014).

 

 

  1. Revisão de literatura: viés deficitário da política fiscal

Do ponto de vista teórico, as IFIs aparecem, na literatura, ao lado das regras fiscais (mecanismos que introduzem, por certo período, restrições ou limites quantitativos para alguma das variáveis fiscais como: dívida, resultado, resultado estrutural, despesa ou receita). São tidas como soluções institucionais mais comuns para atenuar o viés deficitário (tendência crescente do déficit e do nível de endividamento público ao longo do tempo) e a pró-ciclicidade do gasto público (tendência a gastar receitas extraordinárias sobretudo nos momentos de alta do ciclo econômico ao invés de poupá-las para que possam ser utilizadas para estimular o retorno da atividade econômico para o equilíbrio nos momentos de baixa), que acentua a volatilidade do ciclo econômico.

A literatura documenta diversas fontes que estariam por trás da geração de déficits persistentes e da tendência à pró-ciclicidade, que impactam a discricionariedade da política fiscal em muitas economias emergentes e avançadas, afetam a dinâmica da dívida pública (favorecendo a recorrência de crises fiscais) e reduzem o bem-estar social.  As implicações negativas sobre a estabilidade macroeconômica fundamentam a ênfase colocada na restauração e manutenção de posições fiscais sólidas. (Hemming e Joyce, 2013)

Calmfors e Wren-Lewis (2011) lista diversas classes teóricas de explicações:

(i) assimetrias de informação entre o público e o governo: os eleitores podem não conhecer a posição fiscal do seu país ou as projeções macrofiscais podem ser pouco realistas, por exemplo;

(ii) a impaciência, principalmente dos governos, em razão de objetivos eleitorais, pode levá-los a desejar aumentar o produto interno acima de seu nível natural, por meio de ações fiscais expansionistas;

(iii) conflito intergeracional: geração de eleitores pode não levar em conta que a carga futura aumentará, por exemplo, no caso em que a política fiscal atribua peso pequeno à pressão de gastos associada com o envelhecimento da população (Carlin e Soskice, 2015);

(iv) a competição entre os partidos políticos pode fazer com que os governos não internalizem totalmente o custo da dívida;

(v) o problema dos recursos comuns leva atores do processo orçamentário a pressionar por mais gastos ou incentivos tributários; e

(vi) a inconsistência temporal de compromissos de interesse nacional firmados ex ante, que podem deixar de ser desejáveis por questões eleitorais, por exemplo.

Na sequência, os autores exploram as potencias contribuições que os conselhos fiscais poderiam dar no sentido de reduzir o viés deficitário e fortalecer a disciplina fiscal:

(i) avaliação ex-post para averiguar o comportamento passado da política fiscal, se houve cumprimento das metas ou não;

(ii) avaliação ex-ante sobre a probabilidade de cumprimento das metas fiscais;

(iii) análise de sustentabilidade ou equilíbrio de longo prazo das finanças públicas;

(iv) análise de transparência das contas públicas;

(v) mensuração do custo e do impacto fiscal de proposições de políticas públicas;

(vi) projeções macroeconômicas; e

(vii) formulação de recomendações normativas sobre a política fiscal.

A Tabela 1, extraída de FMI (2013), sintetiza diversas explicações potenciais do viés deficitário, posicionando-as ao lado das funções que as IFIs poderiam exercer no decorrer de seus mandatos para atenuar as imperfeições e distorções existentes na condução da política fiscal, de modo a reduzir a assimetria de informação entre os formuladores de política e os eleitores.

 


  1. Critérios para avaliação de efetividade das IFIs no desempenho fiscal

Apesar da experiência relativamente recente com conselhos fiscais na maior parte dos países, a literatura, a partir de análises econométricas complementadas por nuances narrativas de estudos de casos, tem avançado no sentido de avaliar se eles têm obtido sucesso (se têm sido efetivos) na tarefa de influenciar os formuladores de políticas na direção de políticas fiscais sólidas. (Lledó, 2018)

Além do fato de serem, em sua maioria, instituições novas e heterogêneas entre si, existem muitos desafios metodológicos associados à avaliação empírica do impacto dos conselhos no desempenho fiscal, que derivam, entre outros fatores: i) da existência de causalidade reversa, uma vez que governos mais comprometidos com a disciplina fiscal tendem a ser mais sensíveis à promoção de reformas institucionais e ii) do fato de não serem os únicos elementos no arcabouço institucional encarregadas de encorajar políticas fiscais sustentáveis (Lledó, 2018).

Hagemann (2011) indica que a existência de conselhos fiscais bem desenhados é uma condição necessária para melhorar a performance fiscal, embora a falta de comprometimento político com um objetivo de médio prazo e, em alguns casos, com o próprio mandato dos conselhos, limitaria melhorias duradouras.

Debrun e Kinda (2014), utilizando dados em painel de uma amostra de 58 economias avançadas e emergentes, de 1990 a 2011, e cientes dos desafios de endogeneidade associados à estimação econométrica, relacionam a presença de IFIs com o desempenho fiscal (medido pelo nível do resultado primário), controlados por outros efeitos que influenciam o desempenho fiscal, como o hiato do produto e o nível de endividamento. A conclusão do estudo sugere que a existência de conselhos em si não é suficiente para promover disciplina fiscal (a correlação é positiva, mas não significante em termos estatísticos), o que ocorre apenas quando o conselho apresenta certas características e atribuições:

  1. i) grau de independência com relação às disputas políticas;
  2. ii) papel no monitoramento de regras fiscais;
  3. ii) produção ou avaliação de projeções macrofiscais;
  4. iv) impacto na mídia: como os conselhos fiscais não exercem influência direta sobre a condução da política fiscal, esse canal é importante para ampliar a presença no debate público.

Beetsma et al (2018), utilizando a base de dados sobre conselhos do FMI atualizada até 2016, também traz evidencias empíricas no sentido de que a presença de conselhos fiscais bem desenhados parece reduzir o viés otimista nas projeções orçamentárias e favorecer o cumprimento das regras fiscais.

Lledó (2018) constata, a partir da revisão de diversos estudos empíricos e casos narrativos, que conselhos bem desenhados, dotados de certas características (independência com relação a disputas políticas e impacto na mídia) e funções (produzir ou avaliar projeções macroeconômicas e monitorar o cumprimento de regras fiscais), parecem ter maior capacidade em promover políticas fiscais sólidas.

 

  1. A situação da IFI brasileira em relação às demais

Como se observou na seção 3 deste capítulo, parece haver um consenso na literatura de que o desenho de um conselho efetivo, capaz de melhorar o desempenho da política fiscal, passa, principalmente, pela presença constante no debate público, pelo grau de independência e pelo papel na produção ou avaliação de projeções macroeconômicas e no monitoramento do cumprimento de regras fiscais.

A base de dados da OCDE sobre as IFIs (OCDE, 2019)[6] possibilita mapear algumas dessas características chave e situar o Brasil – que é o único país, além dos membros da organização, monitorado nessa base – em relação aos países membros da Organização.

A base é bastante ampla e permite acessar informações sobre o contexto para estabelecimento, base legal, modelo institucional, relacionamento com o legislativo, independência, liderança, recursos, mandato e funções, publicações, acesso à informação, transparência, apoio consultivo e acordos de avaliação.

Segundo o monitoramento, 28 dos 36 países membros têm IFIs em operação. O Brasil, único país não pertencente à OCDE, também é acompanhado pelo órgão multilateral em sua base de dados que mapeia as principais características dessas instituições.

Na prática, como se observa na Tabela 2, 73% desses organismos se envolvem com projeções macrofiscais (sendo que, algumas delas, como o CBO, dos Estados Unidos, produzem projeções alternativas que servem de base de comparação para as projeções do governo; outras preparam as projeções utilizadas pelo governo, como o OBR do Reino Unido e o CPB da Holanda; enquanto outras endossam ou opinam sobre as previsões oficiais); 70,3% são incumbidas de monitorar o cumprimento das regras fiscais, ao passo que 64,9% têm um papel na análise de sustentabilidade fiscal de longo prazo. Por outro lado, 40,5%, 29,7% e 10,8% apuravam o custo fiscal de iniciativas do governo, realizavam suporte a parlamentares com análises sobre o orçamento e avaliação do custo de plataformas eleitorais, respectivamente.

 

Tabela 2. Funções de uma IFI de acordo com a OCDE

  IFI / Brasil IFIs que compõem a base de dados
  Sim
Projeções macroeconômicas e fiscais  

x

73,0%
Monitoramento de regras fiscais  

x

70,3%
Análise de sustentabilidade fiscal de longo prazo  

x

64,9%
Apuração do custo de iniciativas do governo  

x[7]

40,5%
Suporte direto a parlamentares com análises sobre orçamento  

29,7%
Avaliação do custo de plataformas eleitorais  

10,8%
Fonte: OECD Independent Fiscal Institutions Database (2019). Elaboração dos autores.

 

Mesmo que as IFIs ao redor do mundo tenham papéis e estruturas distintas (“there is no one size fits all model”), refletindo diferentes arcabouços fiscais e circunstâncias que estão por trás da origem de seu estabelecimento, elas apresentam funções convergentes, sendo que a maioria delas exerce as funções principais mapeadas por Debrun e Kinda (2014) para a mensuração de sua efetividade.

Segundo Von Trapp e Nicol (2018) e OCDE (2019), o grau de independência de um conselho fiscal pode ser avaliado por meio de quatro pilares, delineados nos princípios de boas práticas contidos em OCDE (2014).

  1. i) independência técnica: avaliada de acordo com o processo de seleção de pessoas para as IFIs, isto é, se ocorre com base no mérito e na competência técnica, se a duração do mandato é estabelecida de forma independente do ciclo eleitoral e se os critérios para a demissão das lideranças são especificados em legislação;
  2. ii) independência legal/financeira: refere-se ao marco jurídico da instituição e à proteção dos recursos financeiros contra contingenciamentos e interferências políticas. As variáveis desse pilar buscam analisar se a instituição foi estabelecida por legislação primária, se possui uma dotação orçamentária própria para assegurar os recursos para o desempenho de suas atividades e se há um compromisso plurianual de financiamento;

iii) independência operacional: trata-se da autonomia das IFIs em relação às suas operações, considerando-se, ainda, se fazem ou não recomendações normativas de políticas (o que pode colocar em risco a reputação por meio do viés partidário). As variáveis para mensurar a independência operacional incluem os seguintes tipos de critérios: se a instituição tem liberdade para definir o programa de trabalho e para produzir análises por iniciativa própria, se faz recomendação de política e se possui equipe qualificada própria para a execução do mandato.

  1. iv) acesso à informação e transparência: refere-se aos mecanismos de garantia legal para eventuais pedidos de informações requeridas ou viabilizadas por memorandos de entendimento, ao plano de trabalho e demais documentos operacionais publicados e se relatórios e metodologias subjacentes às análises também ficam disponíveis ao público interessado.

A Tabela 3, construída a partir das informações obtidas na base de IFIs da OCDE, coloca em perspectiva a IFI brasileira em relação às instituições dos países membros no quesito da independência. Do ponto de vista formal, observa-se a presença de muitas das medidas delineadas nos quatro pilares, indicando que a IFI brasileira segue as recomendações internacionais. Na seção 5, passaremos a tratar especificamente do caso brasileiro.

Há, de toda forma, certa distância em relação às demais nos itens “dotação orçamentária própria” (presente em 47% das IFIs que compõe a base de dados) e no número de funcionários (apesar de possuir equipe qualificada própria, a quantidade de colaboradores permanentes encontra-se bem abaixo da média dos pares: 9 x 27). O orçamento da IFI brasileira é vinculado ao do Senado Federal, ainda que exista garantia de espaço orçamentário para contratação de pessoal, em ato específico da Comissão Diretora do Senado Federal, como discutiremos à frente. Essas são questões importantes para os próximos passos no processo de “institutional building” da IFI brasileira.

 

Tabela 3. Aspectos relativos à independência

Pilares de independência IFI/ Brasil IFIs que compõem a base de dados
Sim
Independência técnica

Seleção de pessoas baseada no mérito e na competência técnica?

x

 

100%

Termo do mandato estabelecido de forma independente ao ciclo eleitoral?

 

x

 

97%

Critérios para a demissão das lideranças especificados em legislação?

 

x

 

72%

 

Independência legal/financeira

 

 

Instituição estabelecida por legislação primária?

 

x

 

83%

Dotação orçamentária própria?

 

 

47%

Compromisso plurianual de financiamento?

 

 

14%
 

Independência operacional

Liberdade para definir o programa de trabalho?

 

x

 

94%

Liberdade para produzir análises por iniciativa própria?

 

x

 

94%

Faz recomendação de política?

 

 

14%

Número de funcionários que compõem a equipe?

 

9[8]

27[9]

 

Acesso à informação e transparência

Acesso à informação requerida é assegurado pela legislação?

 

x

 

25%

Acesso à informação apenas por memorando de entendimento?

 

 

11%

Acesso à informação por ambos?

 

 

42%

Plano de trabalho e demais documentos operacionais são publicados?

 

x

 

89%

Relatórios e metodologias subjacentes também ficam disponíveis ao público?

 

[10]

 

69%

Fonte: OECD Independent Fiscal Institutions Database (2019). Elaboração dos autores.

Pontes (2018), a partir dos dispositivos da resolução que criou a IFI brasileira, mostra que a instituição apresenta elevado grau de aderência da base normativa e procedimental nas dimensões relativas à independência no desempenho de atribuições e no que se refere à abrangência de atribuições previstas para uma IFI frequentemente apontadas pela literatura e identificadas na experiência internacional – reforçando a impressão inicial que fica da simples análise comparativa a partir dos dados extraídos da base da OCDE.

Uma avaliação mais robusta da aderência em relação às boas práticas internacionais viria da própria OCDE, que produz com frequência relatórios técnicos sobre as IFIs que compõem sua rede[11] com avaliações detalhadas (realizadas pelos pares, membros da própria OCDE e acadêmicos) sobre o desempenho de uma instituição em relação aos princípios de boas práticas, identificando aspectos que podem ser aprimorados como forma de preservar a viabilidade no longo prazo. As análises abrangem tipicamente os elementos de inputs (recursos humanos e financeiros, acesso à informação e independência), outputs (qualidade das publicações e metodologias empregadas) e de impacto do trabalho da IFI em termos da influência no debate público e da ampliação da transparência.

Importante mencionar, de toda forma, que já há um reconhecimento internacional da IFI brasileira com relação à credibilidade de seus trabalhos. No documento “OECD Economics Surveys – Brazil”[12], publicado em 2018, a organização expressou que o Brasil progrediu em sua estrutura fiscal com o estabelecimento de um conselho fiscal que publica relatórios mensais de alta qualidade.

Finalmente, vale destacar que o Fundo Monetário Internacional (FMI) também tem acompanhado o trabalho da IFI do Senado Federal, por meio de reuniões e visitas da chamada Missão do Artigo IV. Em 2017, o FMI reconheceu em texto público a importância da criação da IFI no Brasil[13].

 

  1. Histórico da Instituição Fiscal Independente (IFI) do Senado Federal

A Instituição Fiscal Independente (IFI) foi criada pela Resolução do Senado Federal nº 42, de 2016[14], com o objetivo de melhorar a transparência e a disciplina das contas públicas. A IFI é um órgão do Senado, mas com independência para realizar suas funções legais, seguindo as boas práticas internacionais, conforme discutidas nas seções anteriores. Ela é dirigida por um Conselho Diretor e conta com um Conselho de Assessoramento Técnico (CAT), de caráter consultivo, indicado pelo Diretor-Executivo do Conselho Diretor. A independência é garantida pelo mandato fixo dos Diretores e do Diretor-Executivo.

Antes de discutir a experiência da IFI brasileira, destaca-se que as funções da IFI não invadem atribuições do Tribunal de Contas da União (TCU) ou mesmo das Consultorias do Senado e da Câmara. O TCU é um órgão de controle, uma corte de contas com poder judicante. As Consultorias prestam assessoria direta aos parlamentares. A IFI, por sua vez, produz informações – este é o seu poder – na área de contas públicas, por meio de publicações que auxiliem na tarefa de ampliar a transparência e a disciplina fiscal, sem poder judicante e não tendo a missão de prestar consultoria direta[15].

A instalação da IFI se deu no dia 30 de novembro de 2016[16], com a posse do primeiro Diretor-Executivo, o economista Felipe Salto[17], para exercer um mandato de seis anos, sem recondução. Os próximos Diretores-Executivos terão sempre mandatos de quatro anos.

Cabe esclarecer que a indicação do Diretor-Executivo se dá pela Presidência do Senado Federal, conforme o inciso I do parágrafo 2º do artigo 1º da Resolução nº 42. O indicado deve passar por duas etapas para assumir o mandato fixo: arguição pública e aprovação pelo Senado Federal, conforme o parágrafo 3º da mesma Resolução. Segundo o dispositivo, os indicados devem ter notório saber nos temas de competência da IFI e reputação ilibada. Esses requisitos são checados pelo parlamentar relator do processo de indicação e, também, na sabatina realizada pela Comissão Diretora do Senado Federal. A aprovação do indicado deve se dar tanto pela Comissão Diretora quanto pelo Plenário do Senado.

O primeiro Diretor-Executivo indicado foi aprovado pela Comissão Diretora do Senado Federal, em 29 de novembro de 2016[18], após arguição pública realizada pelo colegiado. No mesmo dia, foi aprovado por 50 votos favoráveis no plenário[19]. Houve um voto contrário e duas abstenções. No dia 30 de novembro, como mencionado, ocorreu a cerimônia de posse e o início dos trabalhos da IFI.

Os objetivos da IFI estão bem definidos na Resolução nº 42 e envolvem o trabalho técnico de projeção e análise econômica e fiscal. Isso se dá por meio do cumprimento dos quatro dispositivos legais, fixados no artigo 1º da Resolução:

“I – divulgar suas estimativas de parâmetros e variáveis relevantes para a construção de cenários fiscais e orçamentários;

II – analisar a aderência do desempenho de indicadores fiscais e orçamentários às metas definidas na legislação pertinente;

III – mensurar o impacto de eventos fiscais relevantes, especialmente os decorrentes de decisões dos Poderes da República, incluindo os custos das políticas monetária, creditícia e cambial; e

IV – projetar a evolução de variáveis fiscais determinantes para o equilíbrio de longo prazo do setor público.”

O objetivo fixado no inciso I consiste em elaborar projeções macroeconômicas, a exemplo da trajetória do PIB, da inflação, dos juros reais e nominais, da taxa de câmbio, dentre outras variáveis relevantes para os cenários fiscais. O inciso II determina que a IFI acompanhe as metas fiscais vigentes, comparando-as aos indicadores fiscais, a exemplo do teto de gastos (fixado pela Emenda Constitucional nº 95, de 2016) e da meta de resultado primário (prevista na Lei de Responsabilidade Fiscal – Lei Complementar nº 101, de 2000).

No inciso III, a instituição recebe a incumbência de definir eventos que tenham impacto relevante nas contas públicas e elaborar suas avaliações sobre tais assuntos, a exemplo das reformas previdenciária, tributária e administrativa. Por fim, o quarto inciso manda que a IFI projete a evolução das variáveis fiscais relevantes ao equilíbrio de longo prazo, a exemplo da dívida pública, do déficit primário e nominal, das receitas e despesas do governo federal.

Após a instalação da IFI, o Diretor-Executivo Felipe Salto montou uma equipe, a partir da regulamentação da Resolução nº 42, de 2016, feita pelo Ato nº 10 da Comissão Diretora do Senado Federal, de 2016[20]. O referido ato forneceu os subsídios para recrutar servidores e realocou cargos para contratação de pessoal de fora do Senado. Ainda sem o Conselho Diretor completo, portanto, a IFI passou a funcionar, no âmbito do Senado, mas com total independência para realizar seus estudos e análises.

Isso está em linha com a revisão de literatura apresentada na seção 4. Ainda que a IFI não possua um orçamento autônomo, o espaço fiscal fixo para contratação de pessoal está garantido por lei. Como mencionado, esta é uma área em que a IFI poderá avançar, ganhando mais estrutura e recursos para poder realizar suas atribuições legais. Entende-se que este é um processo de “institutional building”, que está diretamente associado aos resultados produzidos pela instituição.

Vale dizer, no período de quatro anos de funcionamento completados em novembro de 2020, a IFI já havia conquistado um amplo reconhecimento da imprensa, critério importante destacado por Debrun e Kinda, supracitados. Mais à frente, mencionaremos alguns números a fundamentar essa análise. Este reconhecimento foi fundamental para solidificar a posição da instituição diante do parlamento e mesmo para obter melhorias e avanços operacionais e de estrutura, como a própria conquista de um espaço físico adequado para a realização das atividades da IFI.

Logo no início do funcionamento do novo órgão, após recrutar dois servidores do Ministério do Planejamento – um da Secretaria de Orçamento Federal (SOF) e um do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) – e dois servidores efetivos do Senado Federal – um da Consultoria de Orçamentos (Conorf) e outro da Consultoria Legislativa (Conleg) –, a IFI elaborou um modelo de relatório mensal e publicou sua primeira versão em fevereiro de 2017[21]. Logo em seguida, recrutou um economista com experiência em contas públicas para reforçar a equipe, além da secretária, que também exerce funções de auxiliar administrativa.

Ainda sobre a questão da equipe, é importante destacar que, conforme o artigo 2º da Resolução 42, a equipe deve ter sempre 60%, no mínimo, de mestres ou doutores nas áreas de atuação da IFI, requisito sempre cumprido, incluindo todos os servidores efetivos e comissionados que compõem ou compuseram a equipe e a Diretoria.

Esse primeiro trabalho mencionado foi denominado “Relatório de Acompanhamento Fiscal” (RAF), que viria a ser o principal produto da IFI, com periodicidade mensal[22]. Ele já está na 48ª edição, publicada em janeiro de 2021[23]. Sua aceitação por parlamentares, imprensa, especialistas do mercado e academia tem sido muito positiva. Para divulgar o primeiro trabalho da IFI, em fevereiro de 2017, realizou-se coletiva à imprensa[24], da qual participaram jornalistas especializados dos principais veículos de comunicação e economistas e servidores públicos do Executivo e do Legislativo. Apenas no mês de fevereiro de 2017, houve onze menções à IFI na imprensa nacional. Também o Poder Executivo comentou projeções e cálculos publicados no primeiro RAF, cumprindo-se, assim, desde o início, uma função precípua de toda IFI, que é a de estabelecer um contraponto saudável com a área econômica do governo, a partir do acompanhamento macrofiscal.

Em janeiro de 2017, foi publicado um artigo do Diretor-Executivo da IFI, na página A2 do jornal O Estado de S. Paulo, que é útil para entender o contexto, a lógica e os objetivos do novo órgão do Senado: “O papel da Instituição Fiscal Independente”[25]. Nele, o economista explicou as razões da criação do novo órgão em um quadro de crise econômica e fiscal. É importante mencionar que a IFI foi uma resposta do Senado àquela situação conjuntural bastante grave das contas públicas e da atividade econômica. Vale dizer, a economia passava por um biênio, de 2015 a 2016, que viria a ser o pior da série histórico do PIB. As contas públicas também já seguiam por alguns anos apresentando déficit e crescimento da dívida/PIB. Nesse sentido, há um claro paralelo com as experiências de criação e consolidação de instituições ou conselhos fiscais, conforme relatadas pelos autores citados nas seções anteriores deste capítulo.

Para completar a primeira formação do Conselho Diretor, conforme determinado pela Resolução nº 42, a Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) e a Comissão de Transparência (CTFC)[26] do Senado Federal precisavam fazer suas indicações, proceder à sabatina e aprovação, para em seguida haver a deliberação em plenário. Foram indicados os economistas Gabriel Barros[27], para a vaga da CAE, e Rodrigo Orair[28], para a vaga da CTFC, completando, ainda em meados de 2017, a primeira formação do Conselho Diretor da IFI, ao lado de Felipe Salto.

Cabe ainda explicar a lógica dos mandatos não coincidentes prevista na Resolução 42. O mandato do primeiro Diretor indicado pela CAE, conforme a resolução, seria de quatro anos. Já o mandato do Diretor indicado pela CTFC, de dois anos. Assim, o primeiro Diretor-Executivo teria seis anos, o primeiro Diretor indicado pela CAE, quatro anos, e o primeiro Diretor indicado pela CTFC, dois anos. Os segundos indicados para todas as três vagas teriam sempre mandatos fixos de quatro anos, preservando-se a descontinuidade inicial. A recondução é proibida. Em caso de vacância, substitui-se o Diretor por meio do mesmo processo descrito acima, para que se complete o período remanescente do mandato original, seja para o Diretor-Executivo seja para os demais Diretores.

Essa descontinuidade inicial serve para que as trocas de Diretoria nunca ocorram de maneira concomitante. Esta é uma forma de preservar a blindagem político-partidária da IFI, isto é, a sua independência técnica em relação a essas questões. O mecanismo está em linha com as boas práticas e um dos critérios utilizados pela OCDE, por exemplo, para avaliação da independência das IFIs.

Transcorridos quase quatro anos desde a instalação da IFI, já houve duas trocas na Diretoria. O primeiro Diretor indicado pela CAE renunciou após dois anos de mandato, o que ensejou a indicação de um novo nome para completar o período faltante para os quatro anos. Já o Diretor indicado pela CTFC cumpriu o seu mandato completo e, ao término dos dois anos, a referida comissão indicou um novo nome para exercer, então, conforme a regra da Resolução nº 42, um mandato de quatro anos.

A substituição do Diretor indicado pela CAE transcorreu sem maiores percalços. Foi indicado o economista Josué Pellegrini, que já participava da equipe da IFI, como analista, além de ser Consultor Legislativo do Senado Federal. Pellegrini é Doutor em Economia pela USP, tem livros publicados na área de economia e contas públicas e foi diversas vezes premiado pelo Tesouro Nacional com artigos relevantes. Além disso, tem vasta experiência em docência, tendo sido um dos professores que ajudou a montar a Faculdade de Economia da USP de Ribeirão Preto. O Presidente da CAE fez a indicação, seguida do mesmo processo: sabatina, aprovação na comissão e no plenário. Pellegrini completará o mandato de quatro anos, portanto, conforme prevê a Resolução 42, contando os dois anos iniciais cumpridos pelo primeiro Diretor indicado pela CAE.

Quanto à substituição do Diretor indicado pela CTFC, com o término do mandato, seguiram-se os trâmites já explicados. O indicado foi o economista Daniel Couri, que fazia parte da equipe da IFI desde a sua instalação, sendo Consultor de Orçamento do Senado. Seu mandato será de quatro anos. Couri tem Mestrado em Economia pela UnB e experiência como servidor do Tribunal de Contas da União (TCU) e da Secretaria de Orçamento Federal (SOF) do Ministério do Planejamento.

Portanto, a atual formação do Conselho Diretor conta com os economistas: Felipe Salto, Josué Pellegrini e Daniel Couri. Todas as decisões sobre a definição dos assuntos a serem tratados pela IFI, dentro do plano de trabalho definido na própria Resolução nº 42, são colegiadas. Ouvem-se os membros da equipe, discutem-se os temas relevantes e fixam-se prazos para as publicações. O Relatório de Acompanhamento Fiscal (RAF) é a publicação fixa da IFI e mais importante, no sentido de que cumpre pelo menos três dos quatro objetivos fixados na Resolução nº 42. Além dos doze trabalhos anuais, a IFI ainda publica Estudos Especiais, Notas Técnicas e Comentários da IFI, de acordo com temas discutidos nas reuniões de Equipe e Conselho Diretor, levadas também em consideração as sugestões colhidas nas reuniões do CAT. Sempre no mês de dezembro, realiza-se reunião de planejamento para definir algumas diretrizes a esse respeito.

A equipe técnica da IFI também foi sofrendo alterações em relação ao seu quadro inicial. Como explicado, dois servidores do Senado tornaram-se Diretores, ao longo dos últimos quatro anos. Além disso, os dois servidores cedidos pelo Ministério do Planejamento saíram da equipe, tendo sido substituídos por outros economistas contratados com o espaço orçamentário contido no Ato nº 10 de 2016. Hoje, a IFI conta com um economista com doutorado, dois economistas com mestrado e dois economistas com nível de graduação, além de uma secretária e assistente administrativa. Além disso, há dois estagiários[29] a auxiliar a equipe e os Diretores. Os três diretores funcionam também como analistas, isto é, participam ativamente da elaboração dos produtos da IFI, além de exercerem suas funções administrativas no Conselho Diretor. É importante notar, para que se tenha a dimensão do orçamento de pessoal destinado à IFI, que a formação acima descrita já preenche praticamente 100% do orçamento disponível[30].

Destaca-se que, dentro do processo de “institutional building”, a IFI conseguiu que o Conselho de Assessoramento Técnico (CAT) fosse instalado, em 2019, pelo Presidente do Senado Davi Alcolumbre, conforme prevê o parágrafo 9º do artigo 1º da Resolução 42. Os cinco nomes apontados pelo Diretor-Executivo Felipe Salto foram: Yoshiaki Nakano, Diretor da Escola de Economia de São Paulo da FGV e ex-Secretário da Fazenda de São Paulo; José Roberto Afonso, pesquisador e professor do IDP e Doutor em Economia pela Unicamp; Monica de Bolle, professora da Johns Hopkins University; Gustavo Loyola, ex-Presidente do Banco Central; e Bernard Appy, Diretor do Centro de Cidadania Fiscal.

O CAT foi regulamentado pelo Ato nº 8 do Presidente do Senado, de 25 de março de 2019[31]. Nele, o instala-se o Conselho com os membros indicados pelo Diretor-Executivo da IFI. Os membros não são remunerados e exercem a função de ampla assessoria consultiva, em reuniões organizadas semestralmente. A primeira reunião do Conselho de Assessoramento Técnico foi pública e transmitida pela TV Senado. O evento contou com a presença de autoridades do Executivo e do Legislativo, economistas do mercado e jornalistas[32].

A instalação formal do CAT, ainda que a IFI já contasse com o apoio informal de economistas que vieram a compor o Conselho, foi um passo que completou, por assim dizer, as etapas principais de construção da instituição previstas na Resolução nº 42.

 

  1. Balanço de quatro anos

A IFI é inspirada em experiências internacionais importantes, a exemplo do “Congressional Budget Office” (CBO), nos Estados Unidos, e do “Office for Budget Responsibility” (OBR), no Reino Unido, já mencionados anteriormente. A OCDE congrega essas experiências e acompanha suas atividades por meio de uma rede, da qual a IFI brasileira passou a fazer parte, na categoria de “key partner country”, em base de dados publicada pelo organismo multilateral citada na seção 4.

O Conselho de Finanças Públicas (CFP) de Portugal é uma terceira referência fundamental, não apenas pela proximidade cultura e linguística, mas pela forma de atuação e modelo de governança. A IFI já participou de dois encontros anuais da rede de IFIs da OCDE, na Coreia do Sul e em Portugal. No encontro de Seul, em 2018, o Diretor-Executivo da IFI firmou um memorando de entendimentos para troca de experiências no campo técnico entre a IFI sul-coreana – “National Assembly Budget Office” (NABO) – e a IFI do Senado Federal do Brasil[33]. Na ocasião, o Diretor-Executivo da IFI também fez uma apresentação sobre a IFI brasileira[34].

A rede da OCDE é muito rica, do ponto de vista da troca de experiências, sobretudo para a instituições mais recentemente criadas, como é o caso da IFI brasileira. Como resultado dos diálogos e contatos, a IFI tem conseguido estabelecer trocas constantes de informações, mesmo à distância, coletar informações de outras instituições ao redor do mundo, além de reportar à OCDE os avanços obtidos. Em 2020, o Estudo Especial sobre o modelo macroeconômico da IFI foi enviado à equipe da OCDE, traduzido para o inglês, e a receptividade foi positiva. O avanço no uso de instrumentos e modelagem adequada, nas tarefas das IFIs, é algo fundamental para se buscar um resultado satisfatório em termos de análises e projeções econômicas e fiscais, incluindo simulações de impacto, a exemplo dos estudos publicados pela IFI em 2019, ao longo da tramitação da reforma da previdência no Congresso Nacional.

Por ocasião do aniversário de quatro anos da IFI, no fim de novembro, o jornal O Estado de S. Paulo publicou duas reportagens relatando as atividades e resultados obtidos pela instituição, inclusive trazendo a opinião de economistas da OCDE a respeito da IFI brasileira[35]. A atuação junto à imprensa é fundamental para o desempenho da IFI, como mostramos na revisão de literatura deste capítulo. A esse respeito, a IFI consolida, diariamente, em seu site[36], as citações de seus trabalhos pela imprensa. A partir disso, é possível observar que, em quatro anos de funcionamento, a IFI teve 2.692 aparições na imprensa nacional, o que corresponde a uma média de 1,8 ao dia. A evolução, entre o fim de 2016 e 2020, pode ser vista na Tabela 4 a seguir[37].

 Tabela 4. Aparições da IFI do Senado Federal na imprensa

Do ponto de vista do número de publicações, a IFI já produziu 48 Relatórios de Acompanhamento Fiscal (RAFs), 14 Estudos Especiais (EEs), 45 Notas Técnicas (NTs) e 9 Comentários da IFI (CIs), totalizando 2.911 páginas publicadas. O RAF contém, na sua versão atual, três seções básicas: Contexto Macroeconômico, Conjuntura Fiscal e Orçamento[38]. O objetivo do produto é analisar os principais indicadores econômicos e fiscais, acompanhar as publicações do governo cotejando suas projeções e análises às realizadas pela IFI, acompanhar o cumprimento das metas fiscais e apresentar os cenários projetados pela instituição.

Duas vezes ao ano, em maio e em novembro, são revisados os três cenários de estimativas da IFI: base, otimista e pessimista, e reapresentados no RAF, que então assume formato um pouco distinto. Em anos atípicos, com foi 2020, em razão da crise pandêmica da Covid-19, a IFI acaba apresentando maior número de revisões. Em 2020, foram quatro RAFs contendo revisões dos cenários prospectivos para dívida e déficit público, receitas e despesas do governo central, PIB, inflação, taxa de juros, taxa de juros real, taxa de câmbio, mercado de trabalho, dentre outras variáveis. Além dos textos, também veiculamos arquivo em planilha eletrônica com todos os dados, tabelas e gráficos contidos na publicação[39].

Os EEs servem ao propósito de analisar um tema com maior profundidade e pode ser metodológico ou temático. Têm como característica trazer revisão de literatura, comparação internacional e uso de instrumentos metodológicos para avançar sobre determinado assunto. A IFI já realizou EEs sobre: estimativa do hiato do produto; projeções de dívida bruta; situação fiscal dos estados; previdência; metodologia de projeção do PIB; reservas internacionais; operações compromissadas; despesas de pessoal; previdência estadual; balanço patrimonial da União; Regra de Ouro; dentre outros[40].

As NTs são estudos de menor alcance, mas também seguem rigor técnico e analítico, servindo, normalmente, para explorar assuntos que subsidiarão as projeções, cálculos de impacto e elaboração de cenários pela IFI. Dentre os temas tratados em NTs, estão: gastos em Defesa Nacional; cálculos de efeito fiscal do Benefício Emergencial do Emprego (BEm); análises das finanças dos estados; cálculo de impacto do Auxílio Emergencial a Vulneráveis (AE); impacto do Programa de Contrato Verde e Amarelo; custo de carregamento das reservas internacionais; impacto dos juros na dívida pública; análise das propostas de reforma tributária; diversos trabalhos sobre a reforma da previdência; Orçamento Impositivo; Desvinculação das Receitas da União (DRU); FAT e BNDES; Abono Salarial; Benefício de Prestação Continuada (BPC); relação Tesouro-Banco Central; riscos fiscais da União; FGTS; impacto de decisão do STJ sobre aposentadorias; teto de gastos; elasticidade receita-PIB; deflator do PIB; gastos tributários; capacidade de pagamento dos estados (capag); cálculos sobre o resultado primário mensal; atividade econômica e PIB; análise da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO); dentre outros.

Por fim, os Comentários da IFI (CIs), criados mais recentemente, em 2019, servem para manifestações que precisem ser mais rápidas a respeito de algum evento da conjuntura ou, ainda, posicionamentos institucionais do Conselho Diretor. Um exemplo recente foi a análise do teto de gastos assinada pelos três membros do Conselho Diretor da IFI[41].

Vale registrar que eventos da conjuntura política, fiscal e econômica influenciam a escolha dos temas. Em 2019, por exemplo, a IFI publicou diversos trabalhos sobre a reforma da previdência, acompanhando sua tramitação e elaborando cálculos de impacto de cada medida e alteração proposta no parlamento. Os cálculos foram utilizados para cotejamento com os números do governo federal, cumprindo-se, assim, a função de qualificar o debate público e colaborar para a transparência e a disciplina fiscal. Já em 2020, a crise da covid-19 requereu revisões mais frequentes dos cenários e cálculos de impacto fiscal das diversas medidas anunciadas, incluindo análises com microdados sobre o Auxílio Emergencial a Vulneráveis, as transferências a estados e municípios, o apoio às empresas e os gastos em saúde.

A respeito deste último tópico, em 2020, a IFI desenvolveu um painel de dados para acompanhamento da execução do chamado Orçamento de Guerra, instituído por Emenda Constitucional, para facilitar o acesso da sociedade a informações sobre os gastos relacionados à covid-19[42]. Além desta base especial, a IFI mantém, em seu site, um repositório de dados com séries calculadas pela instituição ou dados por ela trabalhados[43].

Além dos produtos publicados, a IFI realiza outras atividades: organização de seminários técnicos (ou webinários, como em 2020[44]); participação em Comissões do Senado Federal e da Câmara dos Deputados; participação específica na CAE para apresentar revisões de cenários e acompanhamento fiscal (prevista na Resolução nº 42); reuniões com organismos multilaterais, membros dos órgãos da área econômica do Executivo, órgãos de assessoramento do Legislativo, Tribunal de Contas da União, economistas do mercado, parlamentares e jornalistas; realização de palestras ou conversas com instituições privadas e públicas para apresentação dos trabalhos da IFI; participação em seminários acadêmicos; publicação de artigos e concessão de entrevistas à imprensa; e reuniões com acadêmicos da área de economia e contas públicas.

Por fim, ainda sobre as atividades da IFI, nestes quatro primeiros anos, vale destacar o recebimento de dois Prêmios do Tesouro Nacional. Um deles, na 1ª colocação, foi concedido ao trabalho sobre reservas internacionais (custo, nível ótimo e relação com a dívida pública) publicado pelo Diretor Josué Pellegrini, na forma de Estudo Especial[45], e submetido à referida premiação, ocorrida em 2017. O segundo prêmio, uma menção honrosa, também no âmbito do Prêmio de Monografias em Finanças Públicas do Tesouro Nacional, foi concedido em razão do Estudo Especial desenvolvido pelo analista da IFI Alessandro Casalecchi, pelo então Diretor Rodrigo Orair, com apoio do estagiário Pedro Henrique Oliveira. O trabalho versa sobre as despesas dos regimes próprios dos servidores civis da União[46].

Além disso, o reconhecimento dos parlamentares tem sido crescente. A IFI recebe demandas que são, sempre que possível, adequadas aos trabalhos desenvolvidos pela instituição, preservando, assim, sua independência. Realiza, com frequência, reuniões com parlamentares para discutir questões fiscais, cenários e conjuntura econômica. O uso dos relatórios da IFI pelos gabinetes parlamentares é também um indicativo relevante.

Os desafios, para os próximos anos, concentram-se no maior fortalecimento institucional, incluindo questões de estrutura e orçamento, na manutenção do ritmo de publicações e da repercussão na imprensa especializada e geral, na ampliação da equipe e no desenvolvimento de mais trabalhos envolvendo o cálculo de medidas que tenham efeito fiscal relevante. Na parte de elaboração de projeções e no acompanhamento das metas fiscais, entende-se que a IFI já avançou de maneira significativa, mas pode dar novos passos para consolidar metodologias de projeção, por meio de publicações técnicas, tempestivamente. Uma questão adicional, que deve ser debatida, é a eventual vinculação constitucional da IFI, a partir da experiência acumulada até aqui e do modelo vigente, fundamentado na Resolução do Senado, que tem força de lei.

 

  1. Conclusões

Neste capítulo, discutimos o contexto geral de criação e consolidação das Instituições Fiscais Independentes (IFIs) ou Conselhos Fiscais, à luz da literatura relevante e da experiência internacional. Em seguida, discute-se o caso da IFI do Senado Federal, o conselho fiscal brasileiro, criado em novembro de 2016 como resposta à crise econômica e fiscal vivenciada pelo Brasil. Uma preocupação central dos países europeus, principalmente, que criaram boa parte de suas instituições no pós-crise de 2008, é o chamado “viés deficitário” da política fiscal e a necessidade de se ter maior acompanhamento e transparência nas contas públicas. As regras fiscais, isoladamente, não se mostraram suficientes para levar a condutas fiscais mais responsáveis, o que está na gênese das IFIs.

Os estudos disponíveis sobre a efetividade da atuação das IFIs indicam que elas exercem seu papel em contextos em que está garantida a independência de seu corpo diretivo, sobretudo na definição dos estudos, análises e trabalhos que escolhe desenvolver. Também a imprensa é fundamental para a atuação dos “watchdogs”, pelo fato de que essas instituições têm o único poder de produzir informações. Assim, para que sua atuação seja efetiva para ajudar a qualificar o debate e melhorar a disciplina fiscal, o uso dos dados produzidos pela imprensa torna-se uma dimensão central.

No caso da IFI brasileira, os quatro anos de atuação revelam que são bastante positivos os resultados colhidos, com ampla presença na mídia e crescente consolidação interna, no Senado Federal, ao qual a IFI está vinculada. O desafio, daqui em diante, é avançar na estrutura de pessoal, orçamentária, mantendo e ampliando o escopo dos produtos entregues pela instituição.

 

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Referências bibliográficas

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International Monetary Fund. 2013. “The Functions and Impacts of Fiscal Councils”, IMF Policy Paper, Washington, DC.

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CALMFORS, L. e WREN-LEWIS, S., 2011, “What Should Fiscal Councils Do?” Economic Policy, 26, pp. 649-695.

CARLIN, W.; SOSKICE, D. Macroeconomics: Institutions, instability, and the financial system. Oxford University Press, 2015.

LLEDÓ, V. The effectiveness of fiscal councils: Emerging international evidence em Beetsma Roel and Xavier Debrun (ed.) Independent Fiscal Councils: Watchdogs or lapdogs? CEPR, 2018.

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BEETSMA et al. Independent Fiscal Councils: Recent Trends and Performance. International Monetary Fund, 2018.

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PONTES, F. (2018). Governança fiscal num contexto de elevada rigidez da despesa: uma análise da aderência do caso brasileiro aos padrões internacionais. Dissertação apresentada ao Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), 2018.

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[1] Felipe Scudeler Salto é diretor-executivo da IFI e membro do Instituto Fernand Braudel.

[2] Rafael da Rocha Mendonça Bacciotti é analista da IFI.

[3] Pode ser consultado em: https://eur-lex.europa.eu/legalcontent/EN/TXT/PDF/?uri=CELEX:32013R0473&from=EN

[4] Disponível em: http://www.oecd.org/gov/budgeting/recommendation-on-principles-for-independent-fiscal-institutions.htm

[5] Disponível em: https://www.imf.org/external/np/fad/council/

[6] OECD Independent Fiscal Institutions Database (2019), http://www.oecd.org/gov/budgeting/OECD-Independent-Fiscal-Institutions-Database.xlsx  

[7] A IFI brasileira estima o custo de eventos fiscalmente relevantes, por exemplo, a reforma previdenciária que teve aprovação definitiva em 2019 e as medidas de combate à crise do coronavírus ao longo de 2020.

[8] No Brasil, a equipe é composta por 8 analistas (já incluídos os 3 diretores) e 1 secretária e assistente administrativa. Note-se que os 3 diretores também produzem estudos técnicos, junto com os analistas.

[9] Média simples do número de funcionários (tempo integral) das 36 IFIs em operação.

[10] No Brasil, a IFI explica e mostra suas hipóteses e tem como objetivo publicar todas as metodologias e questões técnicas no futuro. Em setembro de 2020, por exemplo, foi publicado o Estudo Especial n. 13 sobre a metodologia de previsões das variáveis macroeconômicas, que pode ser acessado aqui – https://www12.senado.leg.br/ifi/publicacoes-1/estudos-especiais/2020/setembro/estudo-especial-no-13-metodologia-de-previsao-das-variaveis-macroeconomicas-set-2020-1

[11] Disponíveis na página da OCDE sobre o “Network of Parliamentary Budget Officials and Independent Fiscal Institutions”: http://www.oecd.org/gov/budgeting/parliamentary-budget-officials/

[12] Disponível em: http://www.oecd.org/economy/surveys/Brazil-2018-OECD-economic-survey-overview.pdf

[13] Veja aqui a matéria da Agência Senado sobre o assunto, com o link para acesso ao relatório do FMI – https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2017/08/07/fmi-destaca-criacao-da-instituicao-fiscal-independente

[14] A Resolução 42 foi um projeto inserido na chamada “Agenda Brasil”, do Senado Federal, tendo sido desenvolvida pelo então Presidente Renan Calheiros e pelo Senador José Serra, com apoio do corpo técnico do Senado, destacando-se o papel do servidor do Senado Federal Leonardo Ribeiro neste processo. Acesse aqui a íntegra da Resolução – https://legis.senado.leg.br/norma/582564/publicacao/17707278

[15] Ainda que, como resultado do trabalho, os parlamentares se beneficiem do trabalho, acessando os relatórios, dialogando com a equipe e o corpo diretivo da IFI sobre conjuntura, cenários etc.

[16] Matéria jornalística sobre a posse do 1º Diretor-Executivo e início das atividades da IFI – https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2016/11/30/diretor-executivo-da-instituicao-fiscal-independente-toma-posse

[17] Salto tem experiência em análise das contas públicas, tendo trabalhado em consultoria, academia e no Legislativo. Possui Mestrado em Administração Pública e Governo pela Fundação Getúlio Vargas (FGV) e experiência em docência na mesma instituição. Foi também Assessor Legislativo no Senado e, à época, havia publicado o livro “Finanças públicas: da contabilidade criativa ao resgate da credibilidade” (Editora Record, 2016. Prêmio Jabuti – 2017), junto com o economista Mansueto Almeida, ex-Secretário do Tesouro Nacional. Foi um dos primeiros economistas do mercado a falar sobre a chamada “contabilidade criativa”, ainda em novembro de 2009, em parceria com o ex-Ministro da Fazenda Mailson da Nóbrega. https://www.estadao.com.br/noticias/geral,contabilidade-criativa-turva-meta-fiscal,474130

[18] Matéria jornalística sobre a criação da IFI – https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2016/11/29/felipe-salto-e-aprovado-para-direcao-executiva-da-instituicao-fiscal-independente

[19] Vídeo da aprovação em plenário da primeira indicação à Diretoria-Executiva da IFI – https://www12.senado.leg.br/noticias/videos/2016/11/senado-aprova-indicacao-de-felipe-salto-para-diretor-da-instituicao-fiscal-independente

[20] Acesse aqui o Ato nº 10 e modificações feitas no mesmo ano, pelo Ato nº 18 – https://www12.senado.leg.br/ifi/sobre-1/copy_of_sobre

[21] O Relatório de Acompanhamento Fiscal (RAF) nº 1 pode ser acessado aqui – https://www12.senado.leg.br/ifi/publicacoes-1/relatorio/2017/fevereiro-de-2017/raf-relatorio-de-acompanhamento-fiscal-fev-2017

[22] Reportagem da Agência Senado sobre o primeiro relatório da IFI – https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2017/02/02/instituicao-fiscal-aponta-que-emenda-do-teto-de-gastos-nao-conseguira-tirar-pais-do-vermelho

[23] Acesse aqui o RAF nº 48 – https://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/583296/RAF48_JAN2021.pdf

[24] Vídeo sobre a 1ª coletiva à imprensa realizada pela IFI –  https://www12.senado.leg.br/noticias/videos/2017/02/instituicao-fiscal-independente-retomada-economica-depende-de-novas-medidas

[25] Leia aqui a íntegra do artigo – https://opiniao.estadao.com.br/noticias/geral,o-papel-da-instituicao-fiscal-independente,10000097557

[26] Esta Comissão foi alterada, desde a publicação da Resolução 42, mas a sua designação atual é esta: CTFC. A alteração implicou mudança no texto da Resolução 42, que pode ser vista no link indicado anteriormente, no texto compilado da norma.

[27] Gabriel Barros já era membro da equipe de analistas da IFI, com experiência em análise das contas públicas, no setor privado, em banco e no Instituto Brasileiro de Economia (Ibre) da FGV

[28] Rodrigo Orair é pesquisador do Ipea, com experiência na análise das contas públicas e da economia nacional, sobretudo no assunto sistema tributário nacional.

[29] Para fins da comparação apresentada na seção 4, não consideramos os estagiários, pois ainda em processo de formação.

[30] Veja os currículos dos Diretores e Equipe da IFI aqui – https://www12.senado.leg.br/ifi/sobre-1/copy_of_equipe

[31] Acesse aqui o Ato do Presidente do Senado Federal que criou o CAT – https://legis.senado.leg.br/diarios/ver/100325?sequencia=145#diario

[32] Os anais do evento inaugural podem ser encontrados aqui – https://www12.senado.leg.br/ifi/conselho/sobre-1

[33] Veja aqui o Memorando de Entendimentos – https://www12.senado.leg.br/ifi/publicacoes-1/apresentacoes-e-outros-documentos/2018/julho/memorando-de-entendimento-entre-o-national-assembly-budget-office-da-republica-da-coreia-e-a-instituicao-fiscal-independente-do-senado-federal-do-brasil

[34] Acesse aqui o documento apresentado em Seul – https://www12.senado.leg.br/ifi/publicacoes-1/apresentacoes-e-outros-documentos/2018/julho/the-creationand-operationof-theindependentfiscal-institutionof-thebrazilianfederal-senate-oecd

[35] Matérias sobre os quatro anos de atividades da IFI – 1. https://economia.estadao.com.br/noticias/geral,ifi-faz-parte-de-rede-global-de-monitoramento,70003533490 e 2. https://economia.estadao.com.br/noticias/geral,como-funciona-o-cao-de-guarda-das-contas-publicas,70003533476

[36] Veja o “IFI na Mídia”, em nosso site –  https://www12.senado.leg.br/ifi/

[37] Além disso, os membros da IFI publicaram, no período, 39 artigos de opinião em diferentes veículos.

[38] Durante algum tempo, a IFI publicava algumas análises tópicas dentro do próprio RAF, mas passou a criar produtos específicos para atender a esse objetivo.

[39] Os arquivos completos dos Relatórios de Acompanhamento Fiscal (RAF) podem ser acessados aqui – https://www12.senado.leg.br/ifi/relatorio-de-acompanhamento-fiscal

[40] Todos os Estudos Especiais (EEs) da IFI podem ser acessados aqui – https://www12.senado.leg.br/ifi/publicacoes-estudos-especiais.

[41] Comentários da IFI (CI) nº 9 – https://www12.senado.leg.br/ifi/publicacoes-1/comentarios-da-ifi/ci-comentario-da-ifi-no-9-consideracoes-sobre-o-teto-de-gastos-da-uniao

[42] O painel covid pode ser acessado aqui – https://www12.senado.leg.br/ifi/covid-19/painel-de-creditos-covid-19

[43] Acesse aqui para consultar o repositório da IFI – https://www12.senado.leg.br/ifi/dados/dados

[44] No canal da IFI, no YouTube, podem ser encontrados os vídeos das gravações dos webinários realizados em 2020 e outros vídeos elaborados pela instituição ou decorrentes de entrevistas – www.youtube.com.br/instituicaofiscalindependente.

[45] Veja aqui a íntegra do Estudo Especial nº 1 – https://www12.senado.leg.br/ifi/publicacoes-1/estudos-especiais/2017/marco-de-2017/estudo-especial-no-01-o-custo-fiscal-das-reservas-mar-2017

[46] Veja aqui a íntegra do Estudo Especial nº 10 – https://www12.senado.leg.br/ifi/publicacoes-1/estudos-especiais/2019-1/julho/estudo-especial-no-09-despesas-do-rpps-dos-servidores-civis-uniao-jul-2019

 

* Capítulo do livro Governança Orçamentária no Brasil, organizado por Leandro Freitas Couto e Júlia Marinho Rodrigues (Brasília: IPEA, 2021), disponibilizado em early view no site do IPEA.

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Crescimento do PIB dentro de 2021 foi de apenas 1,3% https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=3585&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=crescimento-do-pib-dentro-de-2021-foi-de-apenas-13 Mon, 07 Mar 2022 19:06:36 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=3585 Crescimento do PIB dentro de 2021 foi de apenas 1,3%

 

Resultado de 4,6% veio mais do buraco de 2020 do que do desempenho no ano passado

 Por Roberto Macedo

O IBGE anunciou nesta sexta-feira, 4, que entre 2020 e 2021 o PIB cresceu 4,6%, o que dá uma visão enganosa da variação do PIB dentro de 2021, que foi de apenas 1,3%. O gráfico que acompanha este artigo explica essa diferença.

Nota-se que em 2020 o índice do PIB teve um movimento em V, ou seja, de queda e recuperação, com esta se completando só no primeiro semestre de 2021, cujo índice do PIB, de 171,8, foi bem próximo daquele do quarto trimestre de 2019 (171,2). Com esse movimento em V o índice do PIB trimestral médio de 2020, ficou em 163,5, e sabe-se que isso levou a uma queda de 3,9% relativamente à média de 2019.

Índice de Volume Trimestral do PIB – Série encadeada

(média de 1995 =100)

2019.IV, 2020.I, II, III e IV

                                                                                Fonte: IBGE

Já em 2021 o índice do PIB trimestral médio foi de 171,6, o que, comparado com a média de 2020 produziu o crescimento de 4,6%. O gráfico também mostra que após a recuperação em V ele passou a um formato similar ao símbolo da raiz quadrada, com o PIB crescendo muito pouco em 2021, inclusive com dois trimestres de variação negativa. Tomando-se o PIB médio de 2021 e comparando-o com o PIB do último trimestre de 2020, chega-se à taxa de 1,3% já citada.

Creio ser importante mostrar essa outra taxa, pois a de 4,5%, que deve dominar o noticiário, é ilusória quanto ao crescimento dentro de 2021, e seu resultado veio mais do buraco de 2020 do que do desempenho no ano passado.

Roberto Macedo é economista (UFMG, USP e Harvard), professor sênior da USP e membro do Instituto Fernand Braudel.

Artigo publicado no jornal O Estado de S. Paulo em 5 de março de 2022.

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PIB pode surpreender em 2022 https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=3577&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=pib-pode-surpreender-em-2022 Thu, 17 Feb 2022 14:22:14 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=3577 PIB pode surpreender em 2022

 

Para economista, por enquanto as previsões sobre o crescimento da economia são muito baixas, mas há fatores pesando a favor de uma taxa maior, a exemplo dos gastos normais em ano eleitoral

 

Por Roberto Macedo

 

A previsão da taxa anual de variação do PIB mais acompanhada pelo noticiário dos meios de comunicação é a do Relatório Focus, do Banco Central, que semanalmente recorre a opiniões de analistas do mercado financeiro para calculá-la. Essa previsão, e de outros indicadores econômico-financeiros, é levantada toda sexta-feira e divulgada na segunda-feira seguinte. A última veio no relatório publicado no dia em que este texto era escrito (14/2), e apontava uma baixíssima taxa, de apenas 0,3%, insuficiente até para cobrir o crescimento da população, hoje estimado em 0,7% ao ano, e assim levaria a uma queda do PIB per capita.

Mas trata-se de uma previsão, e há fatores que, ao estimular a demanda agregada da economia, apontam para um impacto favorável. 2022 é um ano eleitoral e marca a eleição mais ampla de todas, pois abrange a do presidente da República, de governadores estaduais, de senadores e de deputados federais e estaduais. Eleição envolve muitos gastos pelos candidatos, e desta vez foi disponibilizado um fundo recorde de R$5,7 bilhões, que será entregue aos partidos políticos para distribuir entre seus candidatos.

Sabe-se também que vários Estados estão em boa situação financeira, pois entre outras razões, como o crescimento econômico local e a inflação, sua arrecadação cresceu bastante. E governos estaduais devem gastar mais em obras e outros dispêndios, pois estarão em campanha para governadores em busca de reeleição ou de outros voos, como em direção ao Senado ou até a presidência da República. Ou também simplesmente para apoiar outros candidatos.

O caso de São Paulo serve como exemplo, pois seu PIB cresceu mais que o do país, gerando mais arrecadação, e seu governador, candidato à Presidência, está empenhado em obras e em distribuir benesses que levam dinheiro a consumidores. Recentemente, enviou à Assembleia Legislativa proposta de um reajuste salarial de 20% para policiais militares e trabalhadores do setor de saúde e de 10% para os demais funcionários. A partir de março, se a proposta for aprovada, o que é bem provável, todos os servidores poderão aumentar seus gastos, a partir de um aumento de suas remunerações que totalizará R$5,6 bilhões em 2022.

Decisões desse tipo, ainda que não de mesma magnitude e prazo de vigência, já estão ocorrendo em outros Estados. Segundo matéria publicada na Folha de S. Paulo também do dia 14 de fevereiro, neste ano eleitoral os reajustes a servidores já ocorreram em 13 Estados. O INSS também reajustou suas aposentadorias e pensões em 10,16%. Não consegui dados sobre o impacto financeiro dessa medida, mas sei que alcança dezenas de milhões de beneficiários, aliviando efeitos da inflação ampliada, sobre o consumo.

De sua parte, entre outras medidas pró aumento de gastos dos consumidores, o governo federal criou um programa ampliado que substituiu o Bolsa Família, o Congresso deve gastar mais com suas emendas parlamentares, e por aí vai.

Mas, vale lembrar, nem toda a ampliação de rendimentos irá para o consumo. Em 2020, por exemplo, parte significativa do Auxílio Emergencial de R$600 por mês foi parar nas contas de poupança, numa atitude de precaução diante das incertezas que cercam o futuro da economia e do desempenho também muito fraco do mercado de trabalho.

Ainda quanto a fatores atuando em sentido contrário do lado da demanda, há grande incerteza quando ao futuro da economia, que também está sujeita a instabilidades ligadas à fragilidade fiscal do governo federal, ao lado da inflação que levou ao aumento da taxa básica de juros e das taxas de juros em geral, o que também desestimula consumidores e investidores a tomar crédito para ampliar seus dispêndios.

Ou seja, há fatores pesando a favor de uma taxa maior do PIB em 2022 do que a previsão citada, e outros que poderiam levar a uma taxa ainda menor do que ela. Deve-se lembrar que previsões do tipo citado envolvem uma distribuição de frequências de opiniões, colhidas a partir de uma amostra, que no caso citado foi de 100 analistas atuantes no mercado financeiro, com o BC utilizando a mediana de suas previsões.

Ao longo do ano continuaremos acompanhando a evolução das previsões sobre a variação do PIB e dos fatos que irão afetá-las, e voltaremos ao assunto neste espaço.

 

Roberto Macedo é economista (UFMG, USP e Harvard), professor sênior da USP e membro do Instituto Fernand Braudel.

 

Artigo publicado no site da Fundação Espaço Democrático, em 16 de fevereiro de 2022.

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Cenário do PIB em 2022 é pior que resultado de 2021 https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=3554&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=cenario-do-pib-em-2022-e-pior-que-resultado-de-2021 Fri, 07 Jan 2022 13:32:23 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=3554 Cenário do PIB em 2022 é pior que resultado de 2021

 

Previsão do Boletim Focus para a variação do produto deste ano vem caindo, e a queda desta semana foi bem mais forte.

 

Por Roberto Macedo

 

O primeiro Boletim Focus, do Banco Central, de 2022, publicado na segunda-feira passada, revelou cenário mais difícil para o Produto Interno Bruto (PIB) deste ano do que o observado em 2021. O boletim é semanal e suas previsões são colhidas de analistas do mercado financeiro, na sexta-feira anterior à sua publicação.

A previsão para a variação do PIB de 2022 deste boletim é de apenas 0,36% – na semana anterior, estava em 0,42%, e há quatro semanas era de 0,51%. Ou seja, vem caindo, e esta última queda foi bem mais forte.

Quanto a 2021, a previsão é de uma taxa de 4,5%, mas é enganosa quanto ao desempenho do PIB dentro do ano. Ela é calculada usando o PIB previsto para 2021 relativamente ao de 2020, ou seja, entre esses dois anos. Como em 2020 o PIB caiu 3,9%, essa queda faz com que a comparação entre 2021 e 2020 leve a uma taxa bem mais alta do que a que ocorreria se o PIB houvesse permanecido estável em 2020. Vista de outra forma, a taxa de 4,5% é mais determinada pela queda do PIB de 2020 do que pelo seu fraco desempenho em 2021.

Resumindo, fiz cálculos sobre o assunto e concluí que o crescimento do PIB medido apenas dentro de 2021 foi estimado em apenas 0,9%, o que contrasta fortemente com o referido aumento de 4,5%, que o Boletim Focus apresenta.

Acrescente-se que em 2020 o crescimento do PIB foi bem maior no primeiro do que no segundo semestre, em larga medida impulsionado pelo desempenho do agronegócio no primeiro trimestre, que coincide com o auge das colheitas no meio rural. Mas, em seguida, o desempenho da economia foi se deteriorando até chegar à situação já mencionada, em que os analistas do mercado financeiro viraram o ano reduzindo, ainda mais e fortemente, a sua visão do crescimento do PIB em 2022.

Ainda sobre o PIB, os dados do IBGE de 2019 e de 2020, mais as previsões do Boletim Focus para 2021 e 2022, já permitem obter uma visão do PIB durante todo o governo Bolsonaro. As taxas anuais do PIB obtidas dessas fontes são: 2019 (1,2%), 2020 (-3,9%), 2021 (4,5%) e 2022 (0,4%), o que leva à média de 0,6%, inferior ao crescimento da população, estimado em 0,7% ao ano. Assim, o PIB total cresceu muito pouco e o PIB per capita caiu. Bolsonaro deverá ser cobrado por isso nos debates eleitorais deste ano.

O que fazer? Sou economista, mas entendo que o principal problema da economia brasileira é na esfera política. Nossos políticos, em particular no momento em curso, estão longe de se preocupar com os problemas econômicos do País, ressalvadas exceções cada vez mais excepcionais. Começando pelo presidente da República, é como se não tivéssemos um. E, pior, nem se pode dizer que seja algo como um zero à esquerda. É pior do que isso, pois seu comportamento tem efeitos econômicos negativos. Não tem capacidade nem demonstra interesse por uma gestão presidencial eficaz, a ponto de ter designado o ministro Paulo Guedes como seu “Posto Ipiranga” para questões sobre a economia. Mas parece que o próprio presidente não se interessa mais por seus conselhos ao decidir.

Também não o vejo interessado em liderar uma pauta política de discussões centradas nos principais problemas econômicos do País. Frágil politicamente, e obsessivamente focado só em sua reeleição, optou pelo Centrão para se sustentar no poder e obter um novo mandato a um custo brutal para a economia, pois esse aliado só sabe atuar para atender aos interesses paroquiais dos congressistas, cuja maioria também não está aí para servir o País. Matéria de página inteira deste jornal no dia 26/12/2021 teve este título: Congresso controla mais de 50% dos investimentos do Orçamento. Entrevistado sobre o assunto, o deputado Samuel Moreira (PSDB-SP) afirmou: “Num sistema presidencialista, é complicado ter um Orçamento parlamentarista”.

Um dos resultados é o agravamento do endividamento público, pelo qual o mercado financeiro passou a cobrar mais caro, o que também agrava a dívida. Título de matéria no jornal Valor de ontem ilustra essa dificuldade: Risco fiscal piora e juros disparam. E as preocupações quanto à solvência do governo pressionam, também, a taxa de câmbio e geram efeitos inflacionários.

O que precisa acontecer em 2022 para o Brasil seguir por um caminho ao menos não tão ruim como este evidenciado pelo péssimo desempenho do PIB? Primeiro, é preciso que Bolsonaro não seja reeleito, pois, a julgar pelo que faz no seu mandato, não se credencia a um novo. É preciso que os eleitores atentem para essa questão. Quem ainda o apoia precisa examinar o mal que ele trouxe ao País, que poderia ser sintetizado na expressão um período de desgoverno. Quem ao seu redor ainda o chama de mito e seus apoiadores em geral precisam perceber que ele é mito noutro sentido, de que não é verdadeiro, ao não governar conforme prometeu. E quem não o apoiou ou se desiludiu com o seu desempenho precisa atuar no seu meio social para mudar as crenças dos incautos que ainda pensam em reelegê-lo.

 

Roberto Macedo é economista (UFMG, USP e Harvard), professor sênior da USP e membro do Instituto Fernand Braudel.

 

Artigo publicado no jornal O Estado de S. Paulo em 6 de janeiro de 2022.

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“Eu sou você amanhã”. De novo? https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=3526&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=eu-sou-voce-amanha-de-novo Thu, 04 Nov 2021 14:04:34 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=3526 Brasil e Argentina: “Eu sou você amanhã”. De novo?

 

Por Luiz Alberto Machado*

 

“Enquanto o Brasil sonha com um futuro que não chega, a Argentina sonha com um passado que não volta”.

Roberto Macedo

 

Houve um período relativamente longo, na década de 1980, em que as economias do Brasil e da Argentina se alternavam em situações críticas, ora com uma em situação mais difícil, ora com outra nessa indesejável posição. Numa analogia com um memorável comercial de uma marca de vodca, costumava-se utilizar a expressão “eu sou você amanhã”, para se referir a essa triste alternância.

Nesse período, as equipes econômicas, tanto no Brasil como na Argentina, fizeram diversas tentativas, lançando mão de planos para conter a inflação que assolava os dois países.

Na Argentina, o Plano Austral, de junho de 1985, optou pelo congelamento de preços, tarifas e salários. O congelamento acabou por distorcer os preços relativos da economia e afetar o abastecimento de produtos básicos, entre os quais a carne, produto essencial na dieta dos argentinos. Alguns ajustes ao plano foram feitos em fevereiro de 1986, mas já em agosto do mesmo ano estava claro que o congelamento de preços não funcionara. Em 1987, houve o agravamento da crise econômica, com a inflação se acelerando rapidamente, o que levou o governo argentino  a enfrentar grandes dificuldades fiscais. Em agosto de 1988, foi lançado o Plano Primavera, última tentativa do governo de Raúl Alfonsín de controlar a inflação, mas também sem sucesso.

Quase ao mesmo tempo, o Brasil seguia uma trajetória muito parecida com a dos hermanos. No final de fevereiro de 1986, foi anunciado o Plano Cruzado, que também congelava preços e salários. Assim como na Argentina, a desordem provocada nos preços relativos gerou graves distorções e desabastecimento. Ajustes ao Plano Cruzado foram feitos em novembro de 1986 (Plano Cruzado 2) e, depois da troca da equipe econômica, um novo plano foi adotado em junho de 1987 (Plano Bresser), repetindo a estratégia do controle de preços, igualmente sem resultado. A crise econômica se agravou em 1987 e o governo brasileiro, com dificuldades para pagar a dívida externa, recorreu a uma moratória. Depois de nova troca da equipe econômica, em janeiro de 1989, foi anunciado o Plano Verão, última tentativa do governo de José Sarney para controlar a inflação pela via do controle de preços, novamente sem sucesso[1].

Como o Brasil demorou mais do que outros países sul-americanos para conseguir reduzir a inflação[2], os planos heterodoxos adentraram a década de 1990 com o Plano Brasil Novo (mais conhecido como Plano Collor), anunciado logo a posse do presidente Fernando Collor em março de 1990, e o Plano Collor 2, de janeiro de 1991.

A sequência de insucessos compartilhados pelos dois países ficou conhecido como efeito Orloff: “Eu sou você amanhã”.  Ou seja, para saber o que iria acontecer no Brasil, bastava ver o que tinha acontecido na Argentina ou vice-versa. Em realidade, no comercial o alerta “eu sou você amanhã” vinha seguido da recomendação “pense em você amanhã, exija Orloff hoje”. A mensagem da propaganda de vodca vinculada na década de 1980 era evitar a ressaca do dia seguinte.

A partir do êxito obtido com o Plano Real, que, ao contrário dos planos heterodoxos anteriormente tentados, conseguiu estabilizar consistentemente a nossa moeda, a diferença com a situação econômica da Argentina foi se tornando cada vez mais nítida. Embora o Brasil também tenha testemunhado oscilações em sua economia nas duas últimas décadas e o crescimento médio esteja muito abaixo do observado entre 1870 e 1986[3], a inflação foi mantida sob controle em níveis considerados baixos para nossos padrões. Enquanto isso, a economia argentina passou a maior parte desse tempo envolvida em grave crise, com a perversa combinação de baixo crescimento, elevada inflação, alto desemprego e forte endividamento, tanto interno quanto externo, fazendo com que o país fosse obrigado a recorrer mais de uma vez ao Fundo Monetário Internacional.

Para favorecer uma comparação mais ampla entre o Brasil e a Argentina, vou me estender no exame da longa deterioração do país vizinho.

Nasci em 1955 e, graças ao basquete, a partir dos 13 anos de idade tive oportunidade de realizar uma série de viagens ao exterior, numa época em que tal prática não era tão comum como é nos dias de hoje. Mesmo tendo conhecido diversos outros países antes de conhecer a Argentina, o que aconteceu apenas em 1977, ouvi diversas referências ao elevado nível de desenvolvimento do país que, em meados do século passado, ostentava indicadores socioeconômicos superiores inclusive aos de diversos países da Europa.

Quando estive na Argentina pela primeira vez, o quadro já não era o mesmo e o processo de deterioração já se encontrava em curso. De lá para cá, tive a chance de retornar ao país mais de uma dezena de vezes e, a cada nova visita, constatava o agravamento da situação.

Embora, a exemplo do que ocorreu também no Brasil, tenham se observado algumas oscilações, a tendência declinante foi uma característica marcante da economia argentina nos últimos 60 anos. Marcos Aguinis, brilhante sociólogo argentino, descreve de forma contundente essa trajetória declinante num livro intitulado ¡Pobre patria mía!:

Fomos ricos, cultos, educados e decentes. Em poucas décadas nos convertemos em pobres, mal educados e corruptos. Geniais! A indignação me tritura o cérebro, a ansiedade me arde nas entranhas e enrijece todo o sistema nervoso. Adoto hoje [neste livro] o subgênero do panfleto – elétrico, insolente, visceral – para dizer o que sinto sem ter que por notas de rodapé ou assinalar as citações. O que quero transmitir é tão forte e claro que devo esculpir. Ao leitor que já me conhece só peço, como sucedia com os panfletos do século XIX, que considere minha voz como a voz dos que não têm voz. Ou que, se a tem, não sabem como nem onde transmiti-la. Não se trata de arrogância, mas sim de pedir permissão.[4]

Mais adiante, numa clara manifestação de inconformismo pela pouca importância que a comunidade internacional atribui atualmente a um país que já foi considerado o mais desenvolvido da América do Sul, Aguinis assinala:

Cada vez que regresso de uma viagem ao estrangeiro, alguém me pergunta: “Que opinam a nosso respeito?” Existe ansiedade por obter a aprovação alheia, como se fôssemos conscientes da culpa que carregamos por haver corrompido o presente argentino. Minha resposta, por muitos anos, tratava de refletir os conceitos que haviam chegado a meus ouvidos. Agora já não preciso me esforçar. Respondo sem anestesia: “Crês que opinam mal? Não te iludas! Nem sequer mal: já não falam de nós”.

O casal Kirchner ocupa posição de destaque no rol dos responsáveis pela situação ter chegado até o ponto em que se encontra. O trecho que se segue, extraído já da parte final do livro deixa isso claro:

Nunca o casal K entendeu que o mundo é uma imensa oportunidade, onde nossos produtos seriam avidamente devorados. Que teríamos tudo para abastecer o mercado. Nunca entendeu que se devem respeitar os direitos da propriedade privada porque, ao contrário do que supunha o desinformado Proudhon, constituem a raiz da riqueza e um estímulo ao respeito pelo outro e por si mesmo. Aristóteles demonstrou que “o que é de todos, não é de ninguém”. A carência de hierarquia da propriedade privada permite o avanço da depredação. O famoso “modelo K”, apesar de obscuro, pelo menos deixa entrever que ama a depredação.

A conclusão de Aguinis não deixa margem a qualquer dúvida. É dentro, e não fora do país, que se encontram as razões dessa prolongada decadência.

A firme defesa dos princípios defendidos pelo socialismo bolivariano e o fortalecimento das relações com a Venezuela, a Bolívia e o Equador que se verificaram nos últimos anos serviram apenas para agravar uma situação que já era difícil.

Considerando um horizonte temporal mais reduzido, é possível afirmar que a economia argentina encontra-se em recessão desde 2011. Conseguiu, graças a alguns resultados iniciais obtidos pelo governo do presidente Mauricio Macri, levar a situação com altos e baixos por algum tempo. Porém, quando ficou claro que as metas prometidas por Macri não seriam atingidas, a situação se deteriorou, obrigando o país a contrair um empréstimo de US$ 56,3 bilhões junto ao FMI em 2018. A vitória do peronista Alberto Fernandez no primeiro turno das eleições de outubro de 2019 trouxe alguma esperança a uma parcela da população argentina.  A falta de resultados imediatos e a chegada da pandemia, em março do ano passado, tornaram as coisas ainda mais difíceis.

Não é fácil enumerar todos os problemas que afligem a nação vizinha. Alguns deles, porém, chamam a atenção: (i) a economia argentina permanece dependente da exportação de produtos agrícolas, de baixo valor agregado, enquanto seu parque industrial apresenta sinais alarmantes de obsolescência; (ii) a inflação segue num patamar elevado para os padrões internacionais, apesar de sucessivas tentativas de mantê-la controlada por meio de congelamento e/ou tabelamento dos preços de determinados produtos; (iii) continua existindo na Argentina uma perigosa convivência da moeda local com o dólar, com um ativo mercado paralelo que reflete enorme desconfiança na moeda local; (iv) o país apresenta forte vulnerabilidade por não dispor de reservas internacionais suficientes para lhe permitir condições favoráveis no enfrentamento das pressões ou mesmo na negociação com os credores.

Em conversa recente com Norberto Vidal, ex-cônsul da Argentina em São Paulo,  sobre problemas vividos por nossos países, ele revelou que em consequência da derrota nas primárias realizadas em 12 de setembro, o governo argentino passou a adotar ações desesperadas, com farta distribuição de recursos públicos, com o objetivo de tentar evitar uma derrota ainda maior nas eleições legislativas que serão realizadas no próximo dia 14 de novembro.

Considerando a gravidade da situação vivida pela Argentina e esse comportamento descontrolado do governo, imaginei que a diferença com a situação da economia brasileira se ampliaria ainda mais.

Ledo engano. Num prazo muito mais curto do que eu poderia supor, deparei-me com uma série de ações que, também por motivos eleitoreiros, comprometeram rapidamente nossos indicadores econômicos, com elevação da inflação, deterioração do câmbio e violação do teto de gastos. O argumento, falacioso em minha opinião, foi a necessidade de priorizar aspectos sociais, como se houvesse incompatibilidade entre responsabilidade social e responsabilidade fiscal.

As medidas adotadas provocaram, entre outras coisas, a demissão de dois dos mais importantes assessores do ministro Paulo Guedes, num raro exemplo, nos dias de hoje, de obediência aos padrões de decência por parte de integrantes do Executivo[5].

Com isso, além de nos aproximarmos da situação da Argentina, estamos caminhando celeremente para um passado em que, diante do descontrole na área fiscal, toda a responsabilidade pela contenção da inflação fica com a política monetária. Em outras palavras, com o Banco Central e sucessivas elevações da taxa de juros.

Como bem observa Affonso Celso Pastore, ex-presidente do Banco Central:

Quando um governo irresponsável eleva os gastos sem ter os recursos, impõe ao Banco Central uma dura escolha. Ou este exerce sua independência, elevando a taxa de juros o que for necessário para cumprir seu mandato, ou se submete aos objetivos políticos do governo, tornando-se prisioneiro da dominância fiscal.

Sua conclusão é bem objetiva: “O que resta, diante da irresponsabilidade fiscal do governo e de sua base de apoio no Congresso, é a esperança de que o Banco Central exerça sua independência e cumpra seu mandato”.

 

 

Referências e indicações bibliográficas e webgráficas 

AGUINIS, Marcos. O atroz encanto de ser argentino. São Paulo: Editora Bei, 2002. 

_______________ ¡Pobre patria mía!: Panfleto. 9ª ed. Buenos Aires: Sudameris, 2009.

CHAGUE, Fernando. Eu (não) sou você amanhã. Folha de S. Paulo, 26 de dezembro de 2019. Disponível em https://porque.com.br/eu-nao-sou-voce-amanha. 

DEPOIS das pedaladas, a obscenidade fiscal. O Estado de S. Paulo, 23 de outubro de 2021, p. A3.

FRANCO, Gustavo. O teto e o precipício. O Estado de S. Paulo, 31 de outubro de 2021, p. B6.

GOLFAJN, Ilan. ‘Responsabilidade social não significa irresponsabilidade fiscal’. Entrevista a José Fucs. O Estado de S. Paulo, 31 de outubro de 2021, p. B4.

KUNTZ, Rolf. Bolsonaro e a privatização do Orçamento. O Estado de S. Paulo, 24 de outubro de 2021, p. A8.

MEIRELLES, Henrique. ‘Estou vendo uma volta para trás. Um retrocesso’. Entrevista a Adriana Fernandes. O Estado de S. Paulo, 24 de outubro de 2021, p. B4.

MENDONÇA DE BARROS, José Roberto. Descendo a ladeira. O Estado de S. Paulo, 31 de outubro de 2021, p. B3.

MING, Celso. O Brasil. Mais parecido com a Argentina. O Estado de S. Paulo, 24 de outubro de 2021, p. B3. 

PASTORE, Affonso Celso. Só restou o Banco Central. O Estado de S. Paulo, 24 de outubro de 2021, p. B2. 

RICUPERO, Rubens. O Brasil e o dilema da globalização. São Paulo: Editora SENAC. Série Livre Pensar, 2001. 

SCHUETTINGER, Robert Lindsay; BUTLER, Eamonn. Quarenta séculos de controles de preços e salários: o que não se deve fazer no combate à inflação. Tradução de Anna Maria Capovilla. São Paulo: Visão, 1988.

 

 

[1] Lamentavelmente, os responsáveis pela condução da política econômica do Brasil e da Argentina jamais leram o livro Quarenta séculos de controles de preços e salários, que tem o sugestivo subtítulo o que não se deve fazer no combate à inflação.

[2] Em 1992, a inflação anual na Argentina foi de 17%, enquanto no Brasil atingiu 1.178%. Em 1993, ano anterior ao da adoção do Plano Real, a inflação brasileira foi de 2.567%, ao passo que a inflação média no continente foi de 22%.

[3] No consagrado trabalho World Economic Performance Since 1870, Angus Maddison, um dos mais respeitados analistas de ciclos longos de desenvolvimento, identificou o Brasil como o país que apresentou melhor desempenho de 1870 a 1986, numa amostra que reunia os cinco maiores países da OCDE (EUA, Alemanha, Reino Unido, França e Japão) e os cinco maiores de fora da OCDE (Rússia, China, Índia, México e Brasil). Nesse estudo, publicado em 1987 e apontado pelo embaixador Rubens Ricupero (2001, p. 103) como “o mais impressionante de todos, por comparar grandes economias, portanto entidades pertencentes mais ou menos à mesma ordem de grandeza, e por cobrir duração de tempo tão extensa”, Maddison concluiu que “o melhor desempenho tinha sido o brasileiro, com a média anual de 4,4% de crescimento; em termos per capita, o Japão ostentava o resultado mais alto, com 2,7%, mas o Brasil, não obstante a explosão demográfica daquela fase, vinha logo em segundo lugar, com 2,1% de expansão por ano”.

[4] Todas as citações do livro ¡Pobre patria mía! foram traduzidas para o português pelo autor.

[5] Os dois assessores que pediram exoneração de seus cargos no dia 21 de outubro foram Bruno Funchal, secretário especial do Tesouro e Orçamento, e Jeferson Bittencourt, secretário do Tesouro Nacional.

 

* Luiz Alberto Machado é economista pela Universidade Mackenzie (1977), mestre em Criatividade e Inovação pela Universidade Fernando Pessoa (Portugal, 2012), assessor da Fundação Espaço Democrático e conselheiro do Instituto Fernand Braudel.

 

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PIB – do V ao símbolo da raiz quadrada https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=3511&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=pib-do-v-ao-simbolo-da-raiz-quadrada Fri, 22 Oct 2021 00:28:32 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=3511 PIB – do V ao símbolo da raiz quadrada

 

Após concluída no 1.º semestre, recuperação da economia passou a mostrar linha próxima de uma reta com o resultado do segundo.

 

Por Roberto Macedo*

 

Começarei pelo V. Tenho à minha frente um gráfico que mostra o índice do volume do Produto Interno Bruto (PIB) trimestral desde o trimestre final de 2019, quando o valor desse índice foi de 171,6, com a média de 1995 = 100. Com a chegada da Covid-19, no final do primeiro trimestre de 2020, o índice caiu para 167,6. No trimestre seguinte, teve queda mais forte e atingiu 152,6, seu ponto mais baixo no ano, que se tornou o vértice de um V, porque em seguida veio a recuperação, com o índice passando a 164,3 e a 169,4 no terceiro e no quarto trimestres de 2020, respectivamente.

Com isso, o PIB findou o ano só um pouco abaixo do que era no último trimestre de 2019, ou seja, 171,6, conforme apontado acima. No primeiro trimestre de 2021, a recuperação em V se completou com o índice de 171,5, muito próximo do que tinha no final de 2019. Vale repetir: 171,6.

Com números já citados, o crescimento entre o primeiro trimestre de 2021 e o último trimestre de 2019 foi de 1,2%, taxa muito boa para uma variação trimestral, impulsionada, entre outros fatores, pelo desempenho do agronegócio, que é mais forte no primeiro trimestre, marcado pela colheita de safras plantadas no ano anterior, que cresceram. Também pesou um forte aumento de investimentos em capital fixo (fábricas, máquinas e outros), como proporção do PIB, em boa parte decorrente da contabilização, no Brasil, de caríssimas plataformas de exploração de petróleo até então escrituradas no exterior.

Daí para a frente, a economia brasileira passou a mostrar desempenho fraco, inclusive caindo um pouquinho no segundo trimestre de 2021, quando o índice de seu PIB ficou em 171,4, após ter alcançado 171,5 no primeiro trimestre deste ano.

Olhando para a frente, a previsão do crescimento do PIB entre 2021 e 2020, revelada pelo boletim Focus, do Banco Central (BC), de sexta-feira passada, é de um aumento de 5,0%, o que seria uma taxa ótima, não fosse o fato de que decorre principalmente da forte queda do PIB em 2020, que foi de 4,2%. Com essa queda, e conforme números acima, o índice médio do PIB naquele ano foi de 163,5. Se não crescesse nada dentro de 2021, ficando no valor a que chegou no último trimestre de 2020, ou seja, 169,4, só isso levaria a um crescimento anual de 3,6%!

Portanto, esta previsão de uma taxa de 5% em 2021 é, na sua maior parte, resultante do V que marcou o ano de 2020. E tem implícita a hipótese de que dentro de 2021 o PIB cresceria apenas mais uma parcela de 1,4%. Como já cresceu 1,2% no primeiro trimestre e ficou praticamente estável no segundo, pode-se concluir que a última previsão do relatório Focus, do BC, envolve, também implicitamente, a hipótese de que o desempenho da economia no segundo semestre deste ano será muito fraco.

Com esses dados, a recuperação em V, após concluída no primeiro trimestre do ano, passou a mostrar linha próxima de uma reta com o resultado do segundo. E, juntando o V com essa reta, o gráfico tem formato parecido com o do símbolo da raiz quadrada.

O mesmo formato também aparece a partir de dados do IBC-Br, o Índice de Atividade Econômica do Banco Central, que procura prever as taxas de variação mensal do PIB. Esse índice, que tem como base a média de 2002 = 100, mostrou também um V em 2020, terminando o último trimestre do ano com o valor médio de 137,6. No primeiro trimestre de 2021, subiu 1,5%, caiu 0,4% no segundo e, já mostrando os dados de julho e agosto do terceiro trimestre, a variação da média desses dois meses relativamente à do segundo semestre foi de apenas 0,1%. Ou seja, após a subida no primeiro semestre, caiu no segundo e ficou por aí, levando também a algo próximo da linha reta que forma a raiz quadrada após o V da recuperação.

Dei, também, uma olhada em índices setoriais do IBGE, e vi que até agosto os da indústria, comércio e serviços não mostravam força capaz de crescer o PIB com maior vigor até o fim do ano. Creio que esse panorama da raiz quadrada é que vem levando à redução da previsão do crescimento do PIB também em 2022, que segundo o mesmo Focus estava em 1,5%, e entre analistas do mercado já há quem aposte até em 0,5%.

Por trás desse desempenho está o aumento da inflação, que sobe há 28 semanas no Focus e corrói o consumo das famílias, pois seus rendimentos não acompanham o ritmo inflacionário, mais o aumento dos juros e as incertezas políticas que prejudicam o investimento privado e desvalorizam o real, também com impacto inflacionário. E há, ainda, problemas nas cadeias de suprimentos e um enfraquecimento da economia internacional, em particular da China. Ademais, o governo federal não tem recursos para aumentar sensivelmente os investimentos públicos e parece estar só preocupado em investir em projetos eleitorais do presidente da República e do Centrão.

E assim segue a economia brasileira, sem rumo. Ou, pior, só têm rumo os projetos populistas de seu comandante e dos que o apoiam. Espero que ao menos ele não chegue ao destino que tanto almeja.

 

* Roberto Macedo é economista (UFMG, USP e Harvard), professor sênior da USP e membro do Instituto Fernand Braudel.

 

Artigo publicado no jornal O Estado de S. Paulo em 21 de outubro de 2021.

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Reforma Administrativa: principais aspectos https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=3502&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=reforma-administrativa-principais-aspectos Mon, 27 Sep 2021 14:07:24 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=3502 Principais aspectos da Reforma Administrativa aprovada na

Comissão Especial da Câmara dos Deputados

 

Por Magno Antonio Correia de Mello*

 

Introdução 

A PEC 32, de 2020, destinada a reformar o sistema constitucional que rege a administração pública, sofreu profundas alterações em decorrência da aprofundada discussão travada no âmbito da Comissão Especial encarregada de apreciá-la. O texto original propunha a extinção gradativa do regime jurídico atualmente aplicável aos servidores públicos, substituído por uma profusão de vínculos entre os quais figuraria a contratação de pessoal por tempo determinado, inserida no mesmo sistema aplicável aos demais agentes, e a divisão dos servidores integrantes do quadro permanente em dois grupos, um deles reservado aos ocupantes de cargos que seriam classificados como “típicos de Estado” e outro destinado aos titulares dos postos que não mereceriam tal qualificação.

Nesta configuração, os atuais servidores não seriam aproveitados em nenhuma das situações concebidas pela proposição original. Mesmo aqueles cujos cargos fossem reconhecidos como integrantes do segmento ao qual se atribuiria tratamento diferenciado não se submeteriam ao mesmo regime dos que ingressassem após a introdução da nova sistemática.

O resultado produzido, talvez não percebido pelos autores do texto encaminhado ao Poder Legislativo, seria trágico. A atual força de trabalho da administração pública deixaria de receber a devida atenção dos gestores públicos. Os servidores que viabilizam o funcionamento da máquina estatal sofreriam um processo longo e irreversível de depreciação.

O problema foi felizmente percebido pelo relator da proposição, que optou por implementar mudanças atinentes também ao atual quadro de pessoal. Feitas as adaptações necessárias, o substitutivo aprovado pelo colegiado que examinou a matéria não permite o súbito e descabido rompimento da unidade que precisa nortear o serviço público.

Estes breves apontamentos abordam os principais aspectos do texto aprovado e buscam demonstrar que seu eventual acolhimento no âmbito do Plenário da Casa Legislativa irá além de evitar os graves danos que seriam provocados pelo texto original da proposição. É possível, de fato, se forem desfeitas as desinformações de toda sorte veiculadas a respeito do texto de que se cuida, perceber no novo conjunto de regras um sensível aperfeiçoamento nas normas que regem a administração pública. 

Código Administrativo

Na situação atual, cada ente federado administra seus recursos de forma absolutamente específica. Não existem parâmetros previstos em lei federal que os obriguem a adotar critérios de aplicação geral, o que leva a descompassos e assimetrias indesejáveis no âmbito da administração pública.

Cumpre recordar que a federação brasileira não se confunde com a dos Estados Unidos. Não se verificam códigos penais ou civis específicos. As regras de conduta impostas a cidadãos do Amazonas são as mesmas que obrigam os gaúchos.

Assim, a atribuição de competência à União para editar normas gerais sobre inúmeros aspectos relativos ao funcionamento da administração pública é uma oportunidade que não pode ser desprezada para que uniformizem critérios e se equiparem condutas. Entre os temas abordados, estará a disciplina de concursos públicos, que exige regulamentação há bastante tempo, dada a lamentável disseminação de arbitrariedades e abusos, decorrente justamente da ausência de normas acerca do assunto em âmbito federal. 

Contratação por tempo determinado

Os adversários da reforma usam este assunto para detratá-la sem nenhuma razão. As regras produzidas no substitutivo aprovado pela Comissão Especial são, sem nenhuma exceção, racionais e restritivas.

Na sistemática atual, prevê-se que a lei estabeleça autorizações específicas, por meio da definição de casos concretos em que se verifique “excepcional interesse público”. Tal qualificação, absolutamente subjetiva, predomina sobre a natureza do instituto.

Em outros termos, se for reconhecido o “excepcional interesse público” não se examinará se a necessidade a ser atendida se reveste de caráter temporário ou não. Estará autorizada pelo legislador a formalização do ajuste, sem nenhum limite de prazo e sem qualquer restrição de objeto.

E o que poderia ser considerado “excepcional interesse público”? Infelizmente, não há parâmetro ou delimitação para adjetivos. Na prática, será tudo que o legislador assim qualifique. Na legislação federal, há autorização – por se considerar de “excepcional interesse público” – para que contratações por tempo determinado incidam indefinidamente sobre as “atividades finalísticas do Hospital das Forças Armadas”. Outra permite contratações voltadas à “admissão de professor para suprir demandas decorrentes da expansão das instituições federais de ensino”.

Estas “demandas decorrentes da expansão” serão supridas eternamente por temporários e não houve qualquer ação judicial contra elas, porque atenderiam, de acordo com a lei, ao supramencionado “excepcional interesse público”, a despeito de se tratar de objeto obviamente despido de caráter temporário. O critério, portanto, ao invés de coibir, convive com absolutamente tudo.

Por outro lado, o gestor é obrigado a depender da capacidade de prestidigitação do legislador. Se não houver sido “adivinhada” previamente determinada situação de caráter temporária que exija a atuação da administração pública, a contratação não poderá ser promovida, ainda que literalmente desabem a ponte ou o mundo.

Seria como exigir, em relação a licitações e contratos, que a lei relativa ao assunto efetivasse um rol exaustivo de objetos específicos que podem ser contratados pela administração pública. Presente a analogia, se não constar deste fictício rol exaustivo, determinado bem, a despeito de indispensável para o funcionamento da administração pública, não poderia ser adquirido. Simplesmente não faz sentido.

Na lógica decorrente do substitutivo aprovado pela Comissão Especial, a lei, a exemplo do que ocorre nas compras púbicas, disciplinará as contratações, mas não especificará os casos sobre os quais elas incidem. Não obstante, exigirá o óbvio: que se trate de necessidade temporária, porque o instituto passará, de forma constitucional e explícita, a não se ajustar mais às demandas rotineiras e permanentes que norteiam o funcionamento do aparato estatal.

Pode até ocorrer, e a realidade de modo algum impediria isto, ainda que a Constituição proibisse, a intercorrência de necessidade temporária em atividades realizadas de modo permanente. Se isto acontecer, a contratação será autorizada pela própria Carta, sem que se necessite de regra específica inserida na legislação inferior, mas não se poderá prescindir do caráter transitório da necessidade atendida, vale dizer, o contrato deverá ser fixado por período que cubra o surgimento da necessidade e sua satisfação. Não se acomodará, portanto, ao atendimento de atividades permanentes sem que se apresente justificativa específica.

Contingências podem surgir inclusive em atividades que serão, de acordo com o substitutivo, classificadas como “exclusivas de Estado”. O conceito é sem dúvida discutível, porque sugere a existência de categorias funcionais mais relevantes que outras, mas ainda assim a concessão do título não impede a incidência de necessidades circunstanciais e imprevistas, muitas das quais não podem ou não devem ser atendidas pelo quadro de pessoal permanente.

Acionada na Califórnia, a União poderia optar por notórios especialistas norte-americanos e celebrar com eles contratos administrativos, o que não daria ao ente poder hierárquico sobre os indivíduos contemplados, ou contratar por tempo determinado advogados norte-americanos, que ao governo federal se subordinarão diretamente. O que se resolverá, em um ou em outro caso, será a atividade finalística da Advocacia-Geral da União, órgão cuja atuação, a despeito da competência a ele atribuída, não se ajusta ao exemplo citado.

O prazo de dez anos, estabelecido como limite dos contratos por prazo determinado, não constitui regra de aplicação universal, mas duração limite. O contrato não pode ser celebrado por prazo tão dilatado se for extrapolado o tempo de atendimento do objeto a cuja satisfação se destina. O que deverá pautar o prazo do contrato será o período estabelecido ou estimado para suprimento da necessidade temporária que o justifica, porque todas terão, a partir do novo texto, esta singular característica. Não se poderá fazer com que o mecanismo incida sobre atividades permanentes, sem nenhuma circunstância que justifique, para atender “excepcional interesse público”, conforme ocorre no caso do Hospital das Forças Armadas acima aludido.

Passarão a ser garantidos, por outro lado, direitos trabalhistas que hoje não são assegurados, o que tornará a contratação menos atraente para os gestores. Se forem obrigados a pagar direitos trabalhistas, é razoável esperar que Prefeitos e Governadores passem a refletir melhor sobre a conveniência de substituir efetivos por temporários.

De outra parte, haverá a exigência de processo seletivo impessoal, o que de igual modo não se verifica no texto constitucional vigente. A nomenclatura empregada – “processo seletivo simplificado” – tem como único objetivo evitar que o aprovado reivindique o reconhecimento de que faz jus à efetividade, porque a regra a respeito assegura que o procedimento em questão se sujeita a “ampla divulgação e competição”, o que o torna praticamente equivalente ao concurso público.

Por fim, ao contrário do que se verifica na situação atual, o problema será tratado de forma análoga às licitações e contratos administrativos. A disciplina a respeito será estabelecida em lei que veiculará normas gerais, no âmbito do art. 22 da Constituição[1], o que faculta aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios exclusivamente a edição de normas residuais e específicas, prerrogativa que via de regra sequer é utilizada em relação às operações atualmente disciplinadas pela extensa e minuciosa Lei nº 14.133, de 1º de abril de 2021 (a nova lei de licitações), que chega a prever um portal eletrônico único para que os entes efetuem aquisições de bens necessários ao  funcionamento de suas administrações públicas.

Conforme se verifica, o resultado atingido é o oposto do que tem sido disseminado. Ao invés de ampliar a aplicação das contratações por tempo determinado e torná-las o instrumento a ser utilizado na realização de atividades que não sejam imputadas a cargos exclusivos de Estado, o recurso ao mecanismos passará a ser disciplinada por normas claras e terá alcance mais restrito do que o atualmente registrado. 

Automatização da administração pública

O substitutivo insere no texto constitucional a obrigação de se introduzirem sistemas automatizados que facilitem o contato entre os contribuintes e a administração pública. Tanto quanto nos dois assuntos anteriores, em que são editadas normas de caráter transitório que permitem a imediata alteração dos padrões vigentes, também aqui é feita alusão a uma lei já vigente para que se produzam efeitos imediatos.

Com efeito, de acordo com o § 5º do art. 3º e o art. 8º do substitutivo, vigorará, a respeito, até que se edite lei específica, a Lei nº 14.129, de 29 de março de 2021[2]. A progressiva automatização dos serviços prestados pelo governo federal é evidente e efetiva. A lei em questão não a estabeleceu, apenas legitimou e reduziu ao direito posto procedimentos que já eram materializados pela administração pública federal. Há determinação de que seja aplicada aos demais entes públicos, providência que atualmente se estabelece de modo opcional e que passaria a se revestir de caráter vinculante. 

Limite remuneratório

Foi recentemente aprovado projeto de lei que disciplina a exclusão de parcelas indenizatórias do limite remuneratório. O substitutivo explicita no texto constitucional a validade da metodologia empregada. Embora já exista compatibilidade entre o texto constitucional vigente e a sistemática adotada, a medida é salutar, porque se trata de tema sensível e se deve evitar a eventual declaração de inconstitucionalidade do futuro diploma, que poderia ser motivada pelo desejo de resguardar interesses feridos.

Veja-se que a regra já trabalha, sem que se precise incluí-los de forma expressa, para que magistrados e procuradores sejam abrangidos por regras restritivas. É que o aludido projeto de lei afeta de modo bastante contundente a concessão de férias em período superior a trinta dias para magistrados e membros do Ministério Público.

Sobre o assunto, é relevante também regra que exclui da incidência do teto parcelas pagas em moeda estrangeira a servidores em exercício no exterior. Será afastada a despropositada comparação entre variáveis de teor divergente e serão evitados cortes remuneratórios decorrentes exclusivamente da flutuação do dólar, como resultado de turbulências econômicas sem nenhuma ligação com a realidade em que os referidos pagamentos são feitos. 

Instrumentos de cooperação

Não há restrição de objeto nem na Lei nº 11.079, de 30 de dezembro de 2004, que trata de parcerias público-privadas, nem na Lei nª 13.019, de 31 de julho de 2014, que disciplina o relacionamento entre a administração pública e as ONG’s. Ambos os diplomas foram aprovados em governos petistas, a partir de propostas apresentadas pelo Poder Executivo.

As parcerias que seguem as regras estabelecidas nas referidas leis causam significativamente menos problemas que as demais, por se subordinarem a critérios que permitem o controle por parte da administração pública. O art. 37-A que se pretende acrescentar à Constituição, que vem sendo atacado de forma veemente pela esquerda, permitirá, ao cabo, paradoxalmente, que sejam universalizados os parâmetros corretos que governos de esquerda implantaram no funcionamento da administração pública federal.

A única ressalva é justamente no sentido contrário. Foi mantida regra no substitutivo aprovado pela Comissão Especial que proíbe parcerias destinadas a atividades ditas “exclusivas de Estado”. A restrição precisa ser excluída. Impedirá, entre outros problemas de natureza semelhante, que a Receita Federal e a Polícia Federal se entendam com concessionárias de aeroportos para executar serviços de alfândega, o que não se justifica. 

Avaliação de desempenho de servidores públicos

O assunto foi introduzido na Constituição Federal da pior forma possível. É vexaminoso que se vincule, no texto vigente, estritamente ao desligamento de servidores públicos. Trata-se de situação que causa profundo constrangimento e situa o Brasil nos dez mil anos que antecederam a idade da pedra no que diz respeito à administração pública.

É imprescindível, neste contexto, que as redentoras regras a serem introduzidas na Carta sobre o tema comecem a se defender por si mesmas. Trata-se de abordar a questão na forma como se verifica nas empresas mais avançadas e nos países de primeiro mundo: para que se atinjam os resultados visados pela administração pública e para que ela preste melhores serviços aos contribuintes.

É mantida a possibilidade de desligar servidores por mau desempenho e se introduzem regras muito objetivas para que a providência se efetive, mas é preciso enxergar na eventual adoção rotineira da medida o completo fracasso da avaliação de desempenho, tal como concebida no substitutivo. Com efeito, ao invés de se visar tal resultado, o sistema será inserido no texto constitucional para evitar que os servidores percam seus cargos por insuficiência de desempenho.

Se começarem a ocorrer desligamentos em massa por conta de mau desempenho, os procedimentos de avaliação precisarão ser imediatamente revistos. Será bastante provável, talvez até mesmo líquido e certo, nesta hipótese, que não terão sido respeitados os critérios expressamente introduzidos na Constituição da República.

Cumpre recordar que o desligamento de servidores públicos nas circunstâncias aqui referidas representará, em todos os casos, a frustração de objetivos estabelecidos pela administração pública. É certo que o servidor será prejudicado, porque perderá o cargo que ocupa, mas antes dele o sacrifício foi imposto à coletividade, que não viu seus propósitos cumpridos. 

Estabilidade

Seria reduzida a pó pelo texto original e limitada a menos de vinte por cento do contingente de pessoal mantido pela administração púbica. Como se trata de instituto imprescindível para o bom funcionamento do aparato estatal, foi mantido na exata extensão que atualmente abrange.

Mas o substitutivo suprime distorções que só desmerecem a aplicação da garantia e em nada contribuem para uma boa imagem da administração pública. Não se criou a estabilidade para que servidores sem nenhum rendimento ou utilidade permaneçam retribuídos indefinidamente pelos contribuintes.

Os recursos públicos devem se destinar apenas a servidores que prestam bons serviços e que retribuam os investimentos a eles dirigidos. Evitar que o contrário se verifique de modo algum representa a abertura de oportunidade para desmandos praticados por gestores públicos. Se estes ocorrerem, o sistema de controle, inclusive judicial, deverá entrar em ação. Não faz sentido impor prejuízos indevidos aos que sustentam a administração pública sob o pretexto de evitar abusos, os quais de modo algum estarão autorizados pelo novo texto constitucional.

É preciso assinalar que o corte de servidores integrantes de quadros excedentes ou incumbidos de atividades obsoletas não atingirá os atuais servidores. As regras transitórias introduzidas no substitutivo permitirão que estes, se alcançados pelas referidas situações, sejam aproveitados de maneira racional em outras atividades.

Trata-se de uma providência com cada vez menor viabilidade. É óbvio que o enxugamento de quadros que decorrerá da progressiva e inevitável automatização não permite que medidas da espécie sejam perpetuadas e aplicadas aos futuros servidores. Parece bem mais razoável, destarte, que quando o cenário ocorrer os quadros de pessoal da administração pública já se encontrem concisos e enxutos.

Proibição da pena de cassação de aposentadoria

É uma sanção administrativa descabida. Incide sobre direito constituído, a partir de motivos que nenhuma ligação possuem com sua aquisição. Cabe lembrar, para não ocupar espaço demasiado sobre o assunto, que nunca se cogitou o corte imotivado da aposentadoria de segurados do regime geral de previdência, nem mesmo quando cometem crimes. 

Redução de jornada com corte remuneratório

Não há como enxergar a medida senão de forma positiva. Será introduzida no texto constitucional para ser usada apenas em contexto de crise fiscal, como alternativa evidentemente mais suave do que a exoneração de servidores efetivos.

Na discussão sobre o assunto houve a afirmação, por um parlamentar de oposição, que o mais correto teria sido eliminar a referida possibilidade, ao invés de se introduzir medida paliativa. A partir da premissa do atendimento de interesses corporativos, seria uma solução de fato mais positiva. Difícil seria encontrar no meio social quem fizesse idêntica assertiva.

A fórmula adotada insere no texto constitucional providência que o Supremo Tribunal Federal considerou incompatível com o sistema vigente. Salvo melhor juízo, não poderá mais ser considerada irregular medida admitida de forma expressa pela Carta da República. 

Carreiras exclusivas de Estado

A lista é extensa e denota a eficácia de entidades que defendem, com legitimidade, registre-se, interesses corporativos, mas que em nada contribuíram para nenhum outro aspecto do texto. Será inserida no único local do texto constitucional em que o problema é mencionado: no art. 247 da Constituição.

Passou a servir de anteparo exclusivamente para o corte de servidores estáveis em cenário de crise fiscal. Não se prestará mais à imoral, indecente e abusiva outra finalidade hoje estabelecida, porque não faz sentido que servidores “exclusivos de Estado” ou que outras características tenham sejam privilegiados no que diz respeito ao desempenho a que se obrigam. 

Aposentadoria de policiais

A influência dos servidores integrantes do aparato dedicado à segurança pública sobre as posições adotadas pelo atual governo não evitou problemas de relacionamento. Os policiais não ficaram satisfeitos com o teor da Emenda Constitucional nº 103, de 2019, a despeito de se tratar de texto que tratou a categoria de forma bem menos ríspida do que a que se verificou em relação aos demais servidores.

De todo modo, a introdução do assunto no substitutivo se ateve a critérios bastante bem delineados. No que diz respeito à pensão, foi suprimido um critério cruel, na medida em que só se contemplava as famílias com benefícios integrais caso os policiais sofressem agressão em serviço. Trata-se de atividade estressante e reconhecidamente mais sujeita a intempéries que as exercidas por outros servidores públicos. Admitida a necessidade de tratamento diferenciado a pensionistas, a referida limitação se revela descabida.

A norma introduzida no substitutivo assegura de forma universal o acesso a pensões com valor não inferior ao salário-mínimo. No texto vigente, a garantia é combinada com outras rendas percebidas pelos pensionistas, as quais não possuem ligação alguma com o benefício.

A aposentadoria integral de policiais, de sua parte, limita-se a materializar o que a administração pública federal já pratica. A tentativa de estender a garantia a outras unidades federativas foi abortada pelo relator da reforma administrativa. 

Conclusão

Este texto não visa impor a visão do autor como indiscutível e absoluta. É próprio do sistema democrático que opiniões distintas convivam. A contribuição que se espera ter conferido à discussão reside em outro aspecto: que se busque, a partir das ponderações aqui promovidas, uma análise que enfrente o verdadeiro conteúdo do substitutivo aprovado pela Comissão Especial encarregada de examinar a reforma administrativa. Causa grande preocupação que boa parte dos posicionamentos a respeito venham sendo disseminados a partir de evidentes inverdades e condenáveis distorções interpretativas.

 

[1] Define as competências privativas da União.

[2] Lei que dispõe sobre princípios, regras e instrumentos para o Governo Digital e para o aumento da eficiência pública.

 

* Magno Antonio Correia de Mello é consultor legislativo da Câmara dos Deputados.

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Novo e robusto aumento do PIB até o fim do ano é improvável https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=3460&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=novo-e-robusto-aumento-do-pib-ate-o-fim-do-ano-e-improvavel Tue, 22 Jun 2021 14:01:04 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=3460 Novo e robusto aumento do PIB até o fim do ano é improvável

O crescimento do PIB entre 2020 e 2021 não é o que virá dentro de 2021

Por Roberto Macedo

No primeiro trimestre deste ano o produto interno bruto (PIB) brasileiro cresceu 1,2% relativamente ao quarto trimestre de 2020, uma taxa forte para uma variação trimestral. Mas cabe examiná-la num contexto mais amplo, o dos últimos anos da série encadeada do índice do PIB, publicada trimestralmente pelo IBGE, com a atualização desse índice. Ela teve início no primeiro trimestre de 1998, com ajuste sazonal e média de 1995 igual a 100.

Segundo essa série, o PIB do primeiro trimestre de 2021 apenas voltou a 171,6, o mesmo valor que tinha no quarto trimestre de 2019, concluindo a recuperação em V da recessão iniciada no primeiro trimestre de 2020, a da primeira onda da Covid-19.

Num olhar ainda mais amplo, até hoje o PIB não escapou da depressão, algo mais duradouro e forte do que uma recessão, iniciada após o primeiro trimestre de 2014 (!), quando esse índice foi de 177,1 – o maior da série –, depressão essa que tem um formato mais achatado, como o da parte inferior de um U, durante a qual ocorreram as fortes quedas de 2015-2016 e a da Covid-19. A recuperação desse índice de 177,1, de sete anos atrás (!), ainda não se verificou, e exigiria um aumento de 3,2% do PIB a partir do primeiro trimestre de 2021, taxa mais típica de uma variação anual.Nesse contexto, a previsão do crescimento do PIB neste ano, dada na última sexta-feira pelo relatório semanal Focus, do Banco Central, que sintetiza as avaliações do mercado financeiro, é de um aumento de 4,85%. Não seria essa uma taxa excepcional e digna de comemoração? De fato, ela é excepcional, mas noutro sentido. Desse valor, 3,8% decorrem de que na comparação ano a ano, a base de comparação, o PIB de 2020, teve uma queda de 4,1%, ficando, na mesma série mencionada inicialmente, com um índice médio trimestral de 163,5, e um valor de 169,5 no quarto trimestre de 2020. Se permanecesse aí e não crescesse nada em 2021, isso levaria a um aumento de 3,7% na comparação com 2020, quando o PIB caiu num buraco de 4,1%, com o qual o PIB de 2021 estaria sendo comparado. Tecnicamente isso é chamado de um carregamento que o mau desempenho de 2020 trouxe para o PIB de 2021 nessa comparação anual.

Como já visto, o mercado está prevendo um crescimento ainda maior, de 4,85%. Isso implica que a expectativa implícita nessa taxa é de que durante 2021 o PIB cresça apenas mais 1,15% além dos 3,8%, ficando aproximadamente no mesmo nível em que veio no primeiro trimestre, ou seja, com crescimento de 1,2%. O título deste artigo está em sintonia com essa previsão.

Complicado? Pode ser para quem não aprecie o assunto, nem domine o conceito de PIB e sua métrica no tempo, mas será indispensável assimilar essa diferença entre o crescimento do PIB entre 2020 e 2021 e sua variação dentro de 2021. É bem possível que o governo tente faturar politicamente o forte crescimento que a primeira taxa vai revelar, mas, a bem da verdade, será preciso mostrar as duas taxas e explicar por que a primeira será tão alta.

Quanto à variação do PIB no restante de 2021, não estou otimista, e torço para estar errado. O PIB do segundo semestre deverá ter menor desempenho que o do primeiro, pois não vai contar com o forte impulso do setor agropecuário no primeiro, quando suas colheitas são mais fortes, e a escassez de chuvas no segundo prejudicou várias safras, em particular a do milho, de grande tamanho. Também não vejo condições de repetir o forte crescimento da formação bruta de capital fixo do primeiro semestre, influenciada, entre outros fatores, pela contabilização interna de plataformas de petróleo já operando no País, mas até então contadas como ativos no exterior. De forma correspondente, nota-se que as importações tiveram forte aumento no primeiro trimestre de 2021 relativamente ao último de 2020, a uma taxa de 7,7%. Ainda pelo lado da produção, o setor de serviços, o mais importante da economia, continua com fraco desempenho, cresceu apenas 0,4% no primeiro trimestre de 2021, e a indústria de transformação caiu 0,5% no mesmo período, sempre relativamente ao trimestre anterior.

Pelo lado da demanda, não se espera que o consumo das famílias e do governo, que teve desempenho negativo no primeiro trimestre, se recupere a ponto de ter impacto relevante no PIB, pois o governo não está em condições de fazer isso e o das famílias continua contido pelo distanciamento social e por uma vacinação muito lenta, num contexto também marcado por forte expansão do desemprego. Com tudo isso, o segundo trimestre de 2021 pode até mostrar um pequeno retrocesso, e lembro que cenários como esse podem mudar, em particular no segundo semestre do ano.

Em síntese, ainda em depressão, a economia segue muito doente. Falta-lhe até uma UTI para internação, pois nem o Executivo nem o Congresso parecem estar preocupados em formular e executar eficazmente um tratamento econômico que lhe dê maior dinamismo.

 

Roberto Macedo é economista (UFMG, USP e Harvard), professor sênior da USP e membro do Instituto Fernand Braudel.

 

Artigo publicado no jornal O Estado de S. Paulo em 17 de junho de 2021.

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Wi-Fi 6: mais um aliado na modernização das comunicações https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=3431&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=3431 Tue, 06 Apr 2021 23:28:47 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=3431 Wi-Fi 6: mais um aliado na modernização das comunicações

Por Carlos Baigorri* e José Borges da Silva Neto**

 Os recentes avanços tecnológicos ampliam a capacidade e a qualidade de transmissão de dados em redes locais, fenômeno que dará maior flexibilidade na comunicação de múltiplos dispositivos e intensificará a digitalização de diversos setores da economia. Dentre tais avanços tecnológicos, não se pode esquecer aqueles  associados ao Wi-Fi 6.

Introdução

No primeiro trimestre de 2021, a Anatel avançou em discussões de temas que intensificarão o processo de digitalização da sociedade brasileira, como a aprovação do edital do 5G e os atributos técnicos para o “Wi-Fi 6”.

Grande atenção tem sido direcionada para a quinta geração de sistemas móveis de banda larga, o chamado “5G”, que logo será implantado no Brasil. De forma complementar às tecnologias associadas ao 5G, devemos assinalar que o Wi-Fi 6 (padrão IEEE 802.1ax), que também é um padrão da família de tecnologias sem fio, mas com um alcance mais restrito para redes privadas, surge como mais um vetor para complementar as possibilidades de novos arranjos e de serviços no contexto de uma sociedade mais intensiva em soluções digitais.

Sobre a aprovação do 5G, tivemos a oportunidade de expor seus contornos em artigo anterior – link. Então, aqui dedicaremos especial destaque ao papel do WIFI 6 e como esse padrão tecnológico, em conjunto com o 5G, contribuirá como mais um vetor possível para a difusão de novas tecnologias em todos os setores da economia. 

Por que um padrão tecnológico é tão importante?

Grosso modo, em telecomunicações, a definição de padrões é fundamental para garantir a interoperabilidade de equipamentos dentro de uma rede e também entre redes distintas.  Há uma vasta literatura sobre a importância dos padrões tecnológicos e a competição para a definição de um padrão “vencedor”. Resumidamente, pode-se dizer que a opção de uma indústria pela definição de padrões tecnológicos busca a uniformidade de produção, a compatibilidade de tecnologias, a objetividade na medição e a definição de protocolos para interconexão entre equipamentos.

Assim, a definição de padrões tecnológicos viabiliza a criação de novas possibilidades de usos e serviços, bem como o desenvolvimento de novos terminais e equipamentos. Mas, como isso funciona? O estabelecimento de padrões define características operacionais para o funcionamento em uma rede de telecomunicações. Tais características serão utilizadas por uma série de equipamentos e terminais, tornando possível a integração e a interoperabilidade de diversos dispositivos de fornecedores distintos, além de instigar novas funcionalidades e, assim, novas utilidades para os usuários finais.

Por trás disso, há um fenômeno econômico interessante: quanto mais exitosa em integrar equipamentos e proporcionar novas utilidades para os usuários, mais fornecedores terão incentivo para seguir o padrão e desenvolver equipamentos. Além disso, o padrão tecnológico reduz o “custo de transação” para os usuários. Por exemplo, ao comprar uma impressora ou um telefone celular, ao pesquisar seus atributos, o usuário poderá identificar que esses dois equipamentos podem se conectar por meio das especificações do padrão popularmente conhecido como bluetooth. Nesse exemplo, o padrão citado reduz os custos de transação de pesquisa e de avaliação do usuário, que tem a garantia de que um produto, independente de sua origem, pode ser incorporado com sucesso em um sistema (sua rede pessoal ou uma rede telecomunicações maior). Isso também reforça o efeito rede, pois os usuários também identificam mais valor quanto mais usuários utilizam o mesmo padrão.

Tendo isso em mente, num contexto de rápida evolução tecnológica, de conectividade global e de adensamento de equipamentos que precisam se interoperar, um insumo fundamental é a disponibilização de espectro eletromagnético. Como o padrão bluetooth, o Wi-Fi também precisa de uma porção do espectro para funcionar. Contudo, esses dois padrões citados funcionam com faixas destinadas em que não exige um licenciamento para uso. Assim, cabe à Anatel, da forma mais transparente e neutra, estabelecer os requisitos técnicos para avaliação de conformidade de equipamentos de radiocomunicação de radiação restrita para o uso em sistemas de comunicações sem fio, entre os quais está o Wi-Fi. 

O padrão Wi-Fi 6

O padrão Wi-Fi teve sua primeira especificação (IEEE 802.11-1997) em 1997. Nessa trajetória, o Wi-Fi transformou-se em importante solução para acesso à Internet em áreas locais. De acordo com a pesquisa TIC Domicílios 2019, conduzida pelo Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação (Cetic.br), em 2019, cerca de 71% (setenta e um por cento) dos domicílios brasileiros, urbanos ou rurais, dispunham de acesso à Internet, ao passo que quase 80% (oitenta por cento) destes possuíam Wi-Fi disponível.

Nota-se que o Wi-Fi é predominantemente usado para prover cobertura doméstica, mas se tem observado seu crescente emprego em redes locais sem fio mais amplas para a conexão de clientes em áreas que não dispõem de cobertura móvel, sobretudo em regiões de baixa atratividade econômica, e para o provimento de soluções tecnológicas mais recentes, tais como dispositivos smart home e soluções de internet das coisas (IoT) em geral.

Assim, espera-se que o padrão Wi-Fi se torne cada vez mais essencial às comunicações no Brasil e no mundo. Com efeito, as novas padronizações ampliaram o potencial de uso do Wi-Fi, que se tornará cada vez mais complementar à rede celular.

Em 2019, foi publicada a sexta especificação do Wi-Fi, formalmente denominada 802.11ax e cujo nome comercial foi definido como “Wi-Fi 6”. O novo padrão é capaz de utilizar as faixas de 2,4 GHz e 5 GHz, já em uso pelas versões anteriores, e também a nova faixa de 6 GHz, fazendo uso de canais de até 160 MHz e podendo alcançar taxas de transmissão de até 9,6 Gbps. Em outras palavras, amplia consideravelmente a capacidade de transmissão de dados do Wi-Fi.

Nos Estados Unidos, há a destinação de 1.200 MHz (5,925-7,125 GHz) para o Wi-Fi 6, com determinadas restrições a partes da faixa, especialmente nos 250 MHz finais, recebendo o novo nome comercial “Wi-Fi 6E”.

À semelhança da discussão do 5G, há uma importante discussão sobre a destinação de uso do espectro eletromagnético, recurso escasso por definição. A Anatel já destinou, em 2004, a faixa de 5 GHz para o uso não licenciado, viabilizando o emprego de soluções como o Wi-Fi, e, em 2020, ampliou para incluir a chamada faixa de 6 GHz.

Contudo, para o efetivo uso não licenciado, devem-se respeitar os requisitos técnicos definidos pela Anatel (restrição de alcance e potência dos equipamentos, por exemplo), condição necessária para o efetivo emprego da faixa em questão para o Wi-Fi 6.

De um lado, há as operadoras de rede de telefonia móvel que apontam o potencial de uso da faixa de 6 GHz para emprego nas redes móveis de quinta geração, defendendo o estabelecimento de condições de uso para 500 MHz entre a faixa de 5,925-7,125 GHz. De outro, um conjunto de empresas fornecedoras de equipamentos, empresas nativas da internet, operadoras de telecomunicações de pequeno porte e provedores de internet e associações favoráveis ao estabelecimento de condições para uso não licenciado de toda a faixa, ou seja, para 1.200 MHz.

O Colegiado da Anatel deliberou que a destinação de uso dos 1.200 MHz disponíveis não afasta a possibilidade de que essa faixa venha a ser usada futuramente para o provimento de 5G. Isso porque o 3GPP já expediu padronização para a operação do 5G por meio de uso de faixas não licenciadas (5G NR-U), de modo que a proposição formulada não restringe o uso da faixa, mas o amplia. Assim, disponibiliza-se a maior quantidade de espectro possível para dar uso econômico a esse bem público e permite que o mercado brasileiro usufrua das melhores possibilidades de transmissão de dados e conectividade.

Conforme Raul Katz, a destinação de 1.200 GHz pode destravar um valor econômico equivalente a R$ 925 bilhões, sendo a maior parte dele, US$ 112,14 bilhões (R$ 635 bilhões) em potencial aumento do PIB no período, como consequência da ampliação da cobertura, preços mais acessíveis, maiores velocidades, desenvolvimento mais acelerado da internet das coisas, e no suporte aos mercados de realidade aumentada e realidade virtual. Além disso, outros US$ 30,3 bilhões (R$ 170 bilhões) poderão ser gerados em economia no custo do tráfego para empreendimentos, além de US$ 21,19 bilhões (R$ 120 bilhões) na propensão dos consumidores a pagarem mais por velocidades ainda maiores[1].

Além disso, os requisitos definidos foram pensados para proteger sistemas de alta precisão de interferências, tais como a tecnologia de sistema inteligente de transporte, (do inglês, Intelligent Transport System – ITS). Tal serviço promete ampliar a conectividade de veículos, provendo maior autonomia e segurança na gestão de tráfego. Ou seja, os requisitos técnicos aprovados pela Anatel consideraram parâmetros que mitigam a geração de interferências espúrias por meio de equipamentos avançados.

Assim, o Wi-Fi 6 promete aliar as evoluções em técnicas de múltiplo acesso e modulação à nova faixa de radiofrequências, trazendo nova perspectiva às redes locais de banda larga sem fio. Inegável, portanto, o potencial benefício para usuários e setor de telecomunicações, ao passo que usufruirão de maior capacidade e flexibilidade em dispositivos Wi-Fi de nova geração. 

Implicações regulatórias

A Anatel deve sempre buscar o uso eficiente do espectro, aliado ao interesse público, em suas decisões regulatórias. Permitir aos usuários o usufruto da nova tecnologia de Wi-Fi, em sua plenitude, atende aos preceitos básicos regulatórios da Agência e alinha-se ao crescimento da demanda por acessos de alta capacidade de dados.

Adicionalmente, novas tecnologias ampliam o escopo de possibilidades para a implantação de políticas públicas. Tradicionalmente, as políticas de massificação de acesso às comunicações concentram suas apostas na difusão de acessos fixos por meio do Serviço Telefônico Fixo Comutado – STFC e posteriormente por meio da cobertura de redes móveis por meio do Serviço Móvel Pessoal – SMP. Ambas, guardadas as devidas especificidades, permitiram a difusão da voz em todo o território e, mais recentemente, a difusão da transmissão de dados que tem popularizado o acesso aos serviços da internet.

O desenvolvimento de novas tecnologias, como o aprimoramento do Wi-Fi, dá mais opções para a implementação de políticas de massificação do acesso, bem como a flexibilidade para o operador de rede para gerir seus elementos de rede para alcançar o ideal de integrar mais brasileiro a um mundo cada vez mais digitalizado. 

Comparativo entre Wi-Fi 6 e o 5G

As tecnologias inseridas nos padrões 5G e Wi-Fi 6 pretendem entregar transmissão de dados em alta velocidade com melhor desempenho. Assim, os dois padrões tecnológicos fornecem taxas de dados mais altas para suportar novas aplicações e conectar mais usuários e dispositivos. Logo, colocam-se como elementos importantes dentro do ferramental disponível para incluir mais pessoas e para catalisar a intensificação da Internet das Coisas e de comunicações máquina a máquina.

Por enquanto, o 5G continuará sendo a tecnologia preferida para cobertura de grandes áreas e o Wi-Fi 6 permanece a tecnologia preferida para uso interno ou local, graças aos seus custos de implantação muito mais baixos. Dessa forma, as duas opções poderão atuar de forma complementar para expandir as oportunidades de usos e de soluções, facilitando a digitalização de diversos setores econômicos. No entanto, os limites tradicionais que diferenciavam as gerações anteriores de celular e de Wi-Fi estão se confundindo. Os defensores de uma tecnologia podem argumentar que os benefícios da tecnologia escolhida poderão substituir a outra.

Porém, conforme Oughton et. Al (2021), é esperado que a economia de custos e a conveniência de implantação desempenhem um papel importante. Considerando o efeito path dependence, demarcados pelos sunk costs na infraestrutura legada, é improvável que uma tecnologia seja capaz de substituir a outra totalmente devido aos custos adicionais de transição.

Certamente, a economia de custos será um fator importante que afetará o design de dispositivos sem fio, mas o comportamento do consumidor também é fundamental para “selecionar” a tecnologia mais apropriada para determinado contexto, indoor ou outdoor. Assim, cabe ao mercado realizar a seleção das melhores alternativas tecnológicas. Quanto mais inovações e opções, melhor será para a sociedade brasileira. As duas tecnologias têm papéis importantes a desempenhar no mercado, tendo em vista as possibilidades tão heterogêneas de uso, inclusive combinadas! A pluralidade de tecnologias deve contribuir para fornecer preços acessíveis, confiáveis e conectividade de banda larga sem fio de alta capacidade, disponível em todos os lugares, facilitando a digitalização de todos os segmentos da sociedade contemporânea.

 

Referências

OUGHTON, Edward J. et al. Revisiting wireless internet connectivity: 5G vs Wi-Fi 6. Telecommunications Policy, v. 45, n. 5, p. 102127, 2021.

ANATEL. Acórdão nº 61, de 26 de fevereiro de 2021. Requisitos Técnicos para a Avaliação da Conformidade de Equipamentos de Radiocomunicação de Radiação Restrita que operem na faixa de 5.925 MHz a 7.125MHz. 

 

[1] Raul Katz é professor da Columbia University e as estimativas foram apresentadas em Workshop promovido pela Anatel em outubro de 2020.

 

*Carlos Baigorri é conselheiro-diretor na Anatel e relator do Edital do 5G e dos requisitos de técnicos de conformidade para equipamentos de radiação restrita em comunicações sem fio que operam na faixa de 5.925 MHz a 7.125 MHz.

**José Borges da Silva Neto é mestre em Economia e especialista em regulação na Anatel.

 

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A esquina do futuro https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=3430&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=a-esquina-do-futuro https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=3430#comments Tue, 30 Mar 2021 22:24:33 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=3430 A esquina do futuro

O exercício pleno da cidadania está atrelado à educação, ao conhecimento

Por Luís Eduardo Assis

Já dizia o escritor inglês H. G. Wells: a história da civilização é uma disputa entre a educação e a barbárie. A ideia de que é preciso desvendar mistérios através de métodos científicos é relativamente recente na história da humanidade, mas sem ela não teríamos conseguido os extraordinários avanços dos últimos séculos. Demoramos milhares de anos para aprender que o avanço do conhecimento nos torna melhores. O método científico – que ainda hoje alguns apalermados refutam – é indissociável da ideia de progresso, algo também recente do ponto de vista histórico. Há enorme correlação entre o índice de desenvolvimento humano e o nível de educação dos países. Soa como uma platitude, mas aqui em terras tabajaras a necessidade de fazer avançar o nível educacional só encontra consenso na sua manifestação genérica e superficial.

Ninguém se diz a favor da ignorância, mas as políticas públicas para combatê-la acabam esbarrando na falta de recursos, na incúria da elite e na cristalização de interesses corporativos. Gastamos pouco, gastamos mal e os resultados beiram a calamidade. O exame Pisa, realizado a cada três anos, teve sua última edição em 2018 e avaliou o desempenho acadêmico de jovens de 15 anos em 79 países. O Brasil ficou em 59.º em leitura, 67.º lugar em ciências e 73.º em matemática.

Tudo sugere que a pandemia teve um impacto devastador sobre um esforço que já rendia poucos frutos. Estudo da Unicef divulgado em janeiro mostra que aumentou a evasão escolar durante a pandemia. Em 2019, o IBGE identificou uma taxa de abandono de 2,2% entre crianças e jovens de 6 a 17 anos. Já em outubro de 2020, o porcentual registrado pela Unicef foi de 3,8%, ou seja, 1,38 milhão de pessoas não frequentavam a escola. A este contingente devem ser acrescentados outros 4,1 milhões que afirmaram estarem matriculados, mas não participaram de nenhuma atividade nas escolas. O abandono escolar atinge mais os alunos pobres, cujo atendimento já era insatisfatório e que não tiveram acesso ao ensino remoto. Uma tragédia dentro de um drama.

Em estudo divulgado em julho de 2020 (Consequências da Violação do Direito à Educação), o Insper estimou que, em 2018, 557 mil jovens com 16 anos não concluíram a educação básica. Isto vai provocar uma perda de renda ao longo de toda a vida laboral de cada um destes jovens de R$ 395 mil, o que significa que o custo total do abandono escolar para esta faixa etária alcança a cifra astronômica de R$ 220 bilhões. Para efeito de comparação, o orçamento do MEC para a Educação Básica em 2020 foi de R$ 42,8 bilhões (aliás, 34% menor que o de 2012).

O problema das consequências é que elas chegam depois, já dizia Marco Maciel. O que o governo tem a dizer sobre o abandono escolar provocado pela pandemia? Se o sistema educacional brasileiro já vinha mal antes como evitar que fique ainda pior? O Ministério da Educação não tem planos – nem sequer diagnóstico. No meio da tragédia da covid-19, gastou tempo e esforços na busca da regulamentação do ensino domiciliar, uma abjeta excrescência ideológica. Para um governo que recusa o passado e não reconhece o presente, pensar a longo prazo é um luxo inacessível. A propósito, qual é mesmo o nome do atual ministro da Educação? Quando a pandemia arrefecer, malgrado o descaso do presidente, voltaremos a frequentar pizzarias, mas os jovens que nos entregam as pizzas hoje não voltarão para as escolas.

Haverá uma geração a quem será privado o conhecimento e, desta forma, o exercício pleno da cidadania. Não se trata apenas de fomentar a ignorância; é a barbárie que está à espreita. Há um despacho na esquina do futuro, já dizia Marcelo Yuka.

 

Luís Eduardo Assis é economista, foi diretor de Política Monetária do Banco Central e professor de economia da PUC-SP e FGV-SP. E-mail : luiseduardoassis@gmail.com.

 

Artigo publicado no jornal O Estado de S. Paulo dia 29 de março de 2021.

 

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Mercado vê PIB crescendo 3,2% em 2021, mas deve ficar perto de zero https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=3426&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=mercado-ve-pib-crescendo-32-em-2021-mas-deve-ficar-perto-de-zero Mon, 22 Mar 2021 14:57:52 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=3426 Mercado vê PIB crescendo 3,2% em 2021, mas deve ficar perto de zero

A expectativa dessa taxa de 3,2% vem mais da forte queda do PIB em 2020

Por Roberto Macedo

Esse forte contraste se explica por que, ao olhar para o produto interno bruto (PIB) de 2021, o mercado está muito influenciado pela taxa a ser anunciada pelo IBGE no início de 2022, prevista como muito alta pelo andar recente da economia, e muito mais impactada pela forte queda da economia em 2020 do que pelo desempenho da economia em 2021. Essa previsão de 3,2% acompanha procedimentos estatísticos adotados pelo IBGE ao medir as variações do PIB, conforme explicarei em seguida, pedindo ao leitor desculpas por recorrer a algumas tecnicalidades que tentarei minimizar.

Recorde-se que o PIB teve em 2020 um movimento na forma de um V incompleto na sua haste direita, caindo fortemente com a pandemia da Covid-19 a partir de meados de março e até o segundo trimestre. Depois o PIB passou a crescer, mas sem superar a queda anterior, levando a uma redução de 4,1% no ano. Como o IBGE chegou a esse valor? É como se calculasse a variação média trimestral do PIB ao longo de um ano, por meio de um índice, e a comparasse com a do ano anterior.

Resolvi conferir essa taxa de 4,1% com base no último relatório do PIB trimestral do IBGE, divulgado em 3 de março e, nele, a Série Encadeada do Índice de Volume Trimestral (Média de 1995=100). Tomei as médias dos quatro índices trimestrais de 2020 e 2019 e, dividindo a primeira média pela segunda, o resultado levou a essa queda de 4,1% em 2020.

Noutro exercício, tomei o valor do mesmo índice no último trimestre de 2020 e, supondo para o PIB um crescimento nulo em 2021, esse valor seria o mesmo nos quatro trimestres. E dividindo-o pela média de 2020 encontrei qual seria a taxa de crescimento da economia em 2021, se medida pelo IBGE com essas informações, chegando à taxa de 3,8%. Ou seja, com crescimento zero do PIB, o resultado do IBGE em 2021 seria esse.

Boletim Focus, do Banco Central (BC), divulgado no último dia 15, que mostra as expectativas dos analistas do mercado com relação a vários indicadores, prevê que esse crescimento será de 3,2%, e abaixo do valor a que cheguei, sugerindo que, além de não crescer, o PIB teria uma pequena queda em 2021 na previsão desses analistas.

Ambas as previsões são altas porque em 2020 o valor do PIB caiu bastante, fazendo com que a taxa do PIB de 2021 a ser calculada IBGE tenha um viés de alta independentemente do que acontecer neste ano. Esse viés é chamado de carry over na literatura internacional sobre o assunto, um carregamento transferido de um espaço para outro ou, no tempo, de um para outro período, como no caso sob exame.

Alguém errou nessa história? Não, é uma questão de critério. O IBGE trabalha com essa média trimestral dentro de um ano relativamente à do anterior; outro seria calcular a variação do PIB comparando o valor alcançado em dezembro de 2021 com o verificado de dezembro de 2020. E mais um critério foi o procedimento que adotei acima, de zerar o crescimento em 2021, baseado em outras avaliações que economistas fazem da economia neste ano, independentemente do que aconteceu no ano passado. Entendo que o IBGE está correto, pois é melhor trabalhar com as médias dentro de cada ano comparado. A distorção do carregamento de 2020 para 2021 foi um caso excepcional. O desempenho usual do PIB é de crescimento, e não de queda, e muito menos tão forte como a do ano passado.

Olhando à frente em 2021, o quadro é desalentador. Como foi visto acima, a própria previsão do Boletim Focus, do BC, embute pequena variação negativa do PIB. De fato, ainda sem completar uma efetiva recuperação em V, os dados mais recentes levaram vários economistas a prever até um desempenho negativo do PIB já nos dois primeiros trimestres do ano, percepção que se agravou com a piora da pandemia imposta pela Covid-19. Em matéria de meia página (B3), ontem, este jornal entrevistou vários economistas e assim resumiu o resultado: “País está na contramão do resto do mundo, onde projeções para a atividade sobem; no Brasil, previsão é de queda com inflação em alta”.

Nesse contexto, ganhou surpresa o resultado de um aumento do Índice de Atividade Econômica do Banco Central (|IBC-Br) à taxa de um 1% em janeiro, mas isso foi visto como um ponto fora da curva, pois a economia deve ter mostrado menos ímpeto em fevereiro e deve piorar, avançando no negativo, a partir do mês atual.

Com o contágio e as mortes pela Covid-19 batendo novos recordes desde meados de fevereiro, as reforçadas medidas de isolamento recém-adotadas devem impor novas perdas principalmente ao comércio e ao setor de serviços, o mais importante da economia, com o que ela sofrerá bastante. A vacinação está atrasada e insuficiente, ainda sem efeitos sensíveis no controle da pandemia, com a contaminação pela Covid-19 avançando mais rápido do que a vacinação. Ela veio escassa com o grande descaso do governo em planejá-la, ainda em meados no ano passado, e rapidamente adquirir as vacinas necessárias para a imunização em massa da população.

Deu no que deu.

 

Roberto Macedo é economista (UFMG, USP e Harvard), professor sênior da USP e membro do Instituto Fernand Braudel.

Artigo publicado no jornal O Estado de S. Paulo em 18 de março de 2021.

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Prossegue a tragédia do PIB brasileiro https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=3406&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=prossegue-a-tragedia-do-pib-brasileiro Fri, 05 Mar 2021 04:01:43 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=3406 Prossegue a tragédia do PIB brasileiro

Quanto a políticas públicas em contrário, confesso meu pessimismo

 Por Roberto Macedo

O relatório do IBGE sobre o produto interno bruto (PIB) do quarto trimestre e do ano de 2020, divulgado ontem, é mais um amontoado de más notícias e outro retrato da tragédia por que passa o PIB brasileiro. Este caiu 4,1% em 2020, principalmente como resultado do impacto da Covid-19.

Logo que a Covid surgiu, houve previsões de queda próximas de 9% A política econômica governamental moveu-se em sentido contrário, como no auxílio emergencial e no crédito, mas uma queda de 4,1%, mesmo supondo que poderia ter sido pior, é por si mesma muito alta. E lamentável. Aliás, o relatório aponta que foi a pior taxa desde que a série dados foi iniciada em… 1996 (!). E mais: o PIB per capita, ou por habitante, caiu ainda mais, 4,8%, pois a população segue aumentando.

Em retrospecto, em 2020 as taxas trimestrais, relativamente ao trimestre imediatamente anterior, foram de -2,1% no primeiro, -9,2% no segundo, 7,7% no terceiro, e 3,2% no quarto. Esse movimento de descida e subida costuma ser chamado de recuperação em V, mas ele veio com sua haste direita sem voltar à mesma altura da haste esquerda. Assim, fazendo essa altura no último trimestre de 2019 igual a 100, em 2020 o PIB caiu para 89 no ponto mais baixo do V e alcançou 98,8% no alto de sua haste direita com as taxas positivas verificadas nos dois últimos trimestres do ano. Também se pode dizer que o PIB passou por uma recessão no primeiro semestre de 2020, que foi interrompida no segundo, mas sem voltar ao valor que tinha no final de 2019. Além disso, por conta desse V a média do PIB em 2020 ficou bem abaixo da média de 2019, o que levou a essa queda de 4,1%.

É importante colocar essa taxa no contexto mais amplo da tragédia do PIB brasileiro. Voltando à década passada, desde 2015 o PIB entrou num buraco do qual não saiu até hoje. No detalhe o relatório mostra isso, mas não há referência ao assunto na notícia do documento. Um dos gráficos do relatório apresenta um índice do PIB trimestral entre o primeiro trimestre de 1996 e o quarto de 2020, e percebe-se que o valor mais alto ficou lá atrás, no primeiro trimestre de… 2014! Ou seja, sete anos depois ainda não voltamos a ele. Em 2015 começa um movimento lembrando um U bem rebaixado e estendido, mas cuja haste direita não retornou ao mesmo nível marcado pela esquerda em sua ponta. Isso define uma depressão, algo mais longo do que as duas recessões ocorridas durante o mesmo movimento, a de 2015-2016 e a da Covid-19.

Venho insistindo em apontar essa depressão ainda em curso, mas o noticiário, a classe política e mesmo vários economistas parecem ignorá-la, ou negligenciar a busca do seu enfrentamento. Aliás, influenciados pelo que se passa nos países desenvolvidos, muitos economistas brasileiros focados na economia como um todo concentram sua atenção na chamada macroeconomia, que foca principalmente em movimentos cíclicos ou de curto prazo. Questões de longo prazo são negligenciadas. Além da referida depressão, merece destaque o fato de que desde a década de 1980 a economia brasileira está em estagnação ou cresce abaixo do seu potencial, e muito pouco se fala disso.

Com dados do PIB desde 2014, incluídos os de 2020, estimei que ele precisaria crescer um total perto de 7% a partir de 2021 para voltar ao seu valor de 2014, o que tomaria cerca de três anos aumentando perto de 2,4% ao ano, e com muitas incertezas pelo caminho. Assim, para ao final voltar ao PIB de 2014, tomaria nove anos! Ou seja, quase uma década para voltar a um PIB que o Brasil já havia alcançado antes!

Passo agora a uma visão setorial do último ano. Um gráfico do relatório abrange 12 subsetores da economia, oito mostraram desempenho negativo em 2020, com destaque para o subsetor de outras atividades de serviços e o de transporte, comunicação e correio. O primeiro teve a maior queda, de 12,1%, e o segundo caiu 9,2%, resultados condizentes com o maior impacto da crise da Covid-19 nesses subsetores. Entre os que cresceram, destacaram-se o de atividades financeiras, de seguros e serviços relacionados (4%) e o de atividades imobiliárias exceto construção (2,5%). Este último teve queda de 7,8%, a terceira entre as maiores.

Enfim, esse é um quadro trágico do péssimo estado da economia brasileira. Quanto a políticas públicas em sentido contrário, confesso meu pessimismo com o cenário à frente. 2021 pode até mostrar um crescimento do PIB próximo de 3%, mas principalmente pelo fato de que 2020 teve média muito baixa, bastando a economia não cair mais este ano para mostrar algo até acima dos 2,4% citados. Bolsonaro não se interessa pelo assunto e até mesmo atrapalha com suas propostas, como ao interferir em estatais, gerar incertezas e desencorajar investidores. E a Covid-19 voltou até com mais força, e sem um forte retrocesso também agravará a situação da economia. Mas, nesse mau contexto, pessoalmente hoje me sinto melhor, pois vou sair para tomar a vacina com que sonhava.

 

Roberto Macedo é economista (UFMG, USP e Harvard), professor sênior da USP e membro do Instituto Fernand Braudel.

 

Artigo publicado no jornal O Estado de S. Paulo em 4 de março de 2021.

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Sistema político passou ao incentivado presidencialismo de cooptação https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=3404&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=sistema-politico-passou-ao-incentivado-presidencialismo-de-cooptacao Fri, 19 Feb 2021 13:30:44 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=3404 Sistema político passou ao incentivado presidencialismo de cooptação

 

Parlamentares ficam soltíssimos para defender interesses pessoais e grupais

 

 Por Roberto Macedo

 

Há o presidencialismo de coalização, descrito como uma combinação do presidencialismo com o apoio de uma coalizão multipartidária no Legislativo. Segundo o cientista político Sérgio Abranches, que criou esse conceito, “… é um requisito imprescindível da governabilidade no modelo brasileiro. Nem todos os regimes presidenciais multipartidários dependem tanto de uma coalizão majoritária. No Brasil, as coalizões não são eventuais, são imperativas. Nenhum presidente governou sem o apoio e o respeito de uma coalizão. É um traço permanente de nossas versões do presidencialismo de coalizão”.

E há o presidencialismo de cooptação. Nele o presidente busca o apoio de parlamentares por meio do toma lá verbas e cargos e o dá cá apoio parlamentar. Outra diferença relativamente ao de coalização é que essa troca se dá com parlamentares específicos, ou um grupos deles, e pode ser feita mesmo contrariando a orientação das lideranças e dos programas partidários.

A recente eleição para a presidência da Câmara e a do Senado foi bem mais na linha da cooptação do que da coalizão. Meu artigo anterior neste espaço destacou a reportagem deste jornal Por eleição, Planalto libera R$ 3 bi a parlamentares, publicada em 29 de janeiro. Nela, o que chamou a atenção foi a grande dimensão desse valor, a coincidência dos entendimentos com o período pré-eleitoral nas duas Casas e o amplo alcance de negociações individuais. O ex-presidente da Câmara Rodrigo Maia, que tentou articular uma candidatura em oposição à apoiada pelo Executivo, até reclamou quanto à cooptação praticada.

O senador Tasso Jereissati, em entrevista ao jornal O Globo digital no domingo passado, afirmou: “… esse período agora é diferente, (…) todos os partidos, todos, foram triturados (…) pelo processo eleitoral de Senado e Câmara. (…) Sempre teve isso, mas os partidos também tinham um grande peso. Agora os partidos foram ignorados como se não existissem. (…) o processo (…) nas duas Casas do Congresso foi na base da captação de votos individual”.

A cooptação individualizada envolveu grupos de tamanho relevante no contexto das organizações partidárias, mas também houve dentro delas grupos contrários à cooptação, com o que vieram rachas partidários marcados por posições opostas na eleição. O mais evidente foi no DEM, de Rodrigo Maia, onde alcançou o grupo dele em contraposição ao do ex-prefeito de Salvador Antônio Carlos Magalhães Neto. Os dois até trocaram impropérios em declarações à imprensa.

Outro racha muito citado foi no PSDB. Aí a liderança do governador João Doria alcançava deputados que votaram em Baleia Rossi, o candidato articulado por Rodrigo Maia. Mas houve também quem optasse por Arthur Lira, o candidato de Bolsonaro. O deputado tucano Aécio Neves, uma liderança em evidente declínio nacional, ainda assim foi apontado por Doria como um dos mobilizadores desse apoio, novamente com troca de insultos entre as partes.

Esses dois partidos terão enorme trabalho para recuperar sua identidade programática, e arregimentar seus membros em torno dela, se quiserem ter uma influência de peso nas eleições de 2022. Tudo isso tem como pano de fundo um sistema partidário e eleitoral que cria incentivos para os parlamentares buscarem as cooptações. Não havendo o voto distrital, eles não são cobrados pelos eleitores ao longo de seus mandatos, nem tomam por si a iniciativa de relatar o que fazem, ficando assim soltíssimos para defender interesses pessoais e de grupos que os pressionam. Esse comportamento é também aético, pois se desvia do que, como representantes do povo, e não de si mesmos ou desses grupos, deveria marcar as atitudes parlamentares, a defesa do bem comum.

Temas como a retomada do crescimento econômico, o enorme tamanho e a disfuncionalidade do Estado brasileiro, as carências educacionais, sanitárias, ambientais e tecnológicas, a imagem do Brasil no plano internacional, onde está bem atrás dos países que mais avançam, nada disso parece despertar seu interesse e o empenho em ações corretivas. Salvo exceções cada vez mais excepcionais, o que os move mesmo é o interesse em renovar seus mandatos, para o que focam nas distribuições de benesses, sem ponderar seus custos, e no apoio político inquestionado a quem tem o poder de financiar seus projetos eleitorais.

No contexto desse poder, tem papel importante a enorme quantidade de cargos governamentais a oferecer e a liberação de verbas de interesse exclusivo dos parlamentares e de seus apoiadores, as quais constituem financiamento público indireto de campanhas eleitorais, em prejuízo de candidatos não incumbentes.

Mas a Constituição não diz que todos são iguais perante a lei? Ora, no Brasil é costume dizer que leis são como vacinas: umas pegam, outras não. Assim, o momento atual, o das vacinas previamente testadas, deveria servir para o País buscar vacinas legais eficazes contra nossos muitos males político-institucionais.

 

Roberto Macedo é economista (UFMG, USP e Harvard), professor sênior da USP e membro do Instituto Fernand Braudel.

 

Artigo publicado no jornal O Estado de S. Paulo em 18 de fevereiro de 2021.

 

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Ao escolher o presidente, Câmara ignorou seus representados https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=3402&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=ao-escolher-o-presidente-camara-ignorou-seus-representados Fri, 05 Feb 2021 14:56:56 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=3402 Ao escolher o presidente, Câmara ignorou seus representados

Os congressistas deveriam explicar aos eleitores o seu voto e a razão

Por Roberto Macedo

A Carta Magna de 1988 diz no seu artigo 1.º, parágrafo único, que “todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição”. A julgar por isso, a recente eleição de Arthur Lira (PP-AL) para presidente da Câmara seria inconstitucional, tamanha a distância que a maioria dos seus deputados manteve do povo.

O que se viu foi um processo de vassalagem a um candidato que não teria vencido se não fosse o apoio recebido do presidente Jair Bolsonaro, até mesmo sob forma que anteriormente abominava, o toma lá de verbas e cargos, e o dá cá de votos, vistos como o melhor para lhe evitar incômodos, como um processo de impeachment e comissões parlamentares de inquérito. E também para facilitar medidas para aumentar sua popularidade e suas chances de reeleição em 2022. O anterior presidente da Câmara, deputado Rodrigo Maia, não se curvava diante de Bolsonaro, já Lira deve responder com gratidão.

Quanto a isso, merece destaque a reportagem Por eleição, Planalto libera R$3 bi a parlamentares, publicada por este jornal no último dia 29. Lamentavelmente, negociações de liberação de recursos para parlamentares em troca de apoio político no Congresso é prática antiga e comum em Brasília, mas o que chamou a atenção agora foi a dimensão do valor e a coincidência com o período pré-eleitoral nas duas Casas do Congresso.

Quanto a essas negociações, o jornalista Carlos Brickmann fez esta comparação: “Para evitar o constrangimento de levar uma proposta indecente a um parlamentar decente”, o que procurasse o governo ou fosse chamado para negociar deveria portar um código de barras para mostrar o valor de seu interesse, e acelerar as negociações.

Nos Estados Unidos, propostas legislativas feitas por congressistas em favor de seus redutos eleitorais são chamadas de earmarks, como aquelas plaquinhas colocadas em orelhas de bovinos. Lá são combatidas por uma instituição chamada CAGW (Cidadãos contra o Desperdício Governamental), como não cabíveis num orçamento federal que deve ser voltado para o bem comum, e não para interesses específicos e locais. Aqui caberia iniciativa similar, pois tais emendas parlamentares e outras verbas que recebem violam outro dispositivo constitucional, o de que todos são iguais perante a lei, pois no processo eleitoral os candidatos já incumbentes são beneficiados por essas dotações relativamente aos candidatos sem mandato. Assim, elas constituem indiretamente um financiamento público de campanhas, que distorce a competição entre candidatos.

Voltando à representação dos eleitores, a brasileira é extremamente frágil. Vivi em países com voto distrital, em que o eleito passa a representar um distrito, e não apenas aqueles que o elegeram, e tem o hábito de prestar contas aos moradores distritais ao longo de seu mandato, sem o que poria em risco a renovação dele. Houvesse isso aqui, os congressistas deveriam estar agora explicando em quem votaram na segunda-feira passada e a razão. Muitos enfrentariam problemas, pois a avaliação de Bolsonaro vem caindo e está perto de 30% a proporção dos que veem sua gestão como ótima ou boa. Aliás, a representatividade dos parlamentares eleitos no Brasil é tão baixa que é como se eles fossem parlamentares cometas, pois só aparecem diante do eleitor a cada quatro anos, em busca de votos.

No Senado, o resultado pareceu-me diferente do da Câmara e não tão ruim. Foi eleito o senador Rodrigo Pacheco (DEM-MG) por maior margem relativa de votos, tendo como adversária apenas uma concorrente simbólica, Simone Tebet (MDB-MS), que disputou individualmente. Seu próprio partido deixou de apoiá-la. Bem articulado, Pacheco teve apoio até do PT.

Li na Agência Brasil reportagem sobre seu discurso de posse e destaco estes trechos: “Defendeu a independência da Casa, o combate à corrupção, a geração de empregos, o combate à pandemia, a estabilidade econômica e a preservação do meio ambiente. (…) (O Senado deve) atuar com vistas no trinômio saúde pública, desenvolvimento social e crescimento econômico, com o objetivo de preservar vidas humanas, socorrer os mais vulneráveis, gerar emprego e renda. (…) também citou as reformas, sobretudo a tributária. (…) votações de reformas que dividem opiniões (…) deverão ser enfrentadas com urgência, mas sem atropelo”. Em tese, tudo muito bonito.

Pacheco chegou ao Congresso em 2014, como deputado federal, e no seu primeiro mandato alcançou a presidência da importante Comissão de Constituição e Justiça, o que demonstra poder de articulação, ratificado pela eleição recente. Seu currículo não levanta tanto as sobrancelhas como o de Arthur Lira, mas tem sido criticado por conflito de interesses entre suas ações políticas e negócios da família.

O que quero mesmo é um Brasil melhor, mas tenho minhas dúvidas quanto à eficácia, nessa direção, dos novos presidentes da Câmara e do Senado, principalmente do primeiro. Certo mesmo é que vou acompanhar de perto o trabalho deles.

 

Roberto Macedo é economista (UFMG, USP e Harvard), professor sênior da USP e membro do Instituto Fernand Braudel.

Artigo publicado no jornal O Estado de S. Paulo em 4 de fevereiro de 2021.

 

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Você realmente sabe o que são juros? https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=3224&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=voce-realmente-sabe-o-que-sao-juros Thu, 13 Jun 2019 19:18:16 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=3224 1 – Introdução

Atualmente, tramitam no Legislativo inúmeros projetos de lei e propostas de emenda à Constituição que visam impor restrições às taxas de juros praticadas no Brasil, seja mediante a determinação de um preço máximo ou impedindo a utilização do método de juros compostos, em detrimento dos juros simples, na contabilização de contratos financeiros.

Da mesma forma, existem incontáveis processos judiciais em andamento sobre os assuntos supracitados, além de inúmeras decisões controversas sendo tomadas nas últimas décadas.

Na esfera legislativa, a aprovação de proposições impondo limitações aos juros pactuados, e, na esfera judicial, a tomada de decisões nesse mesmo sentido, podem causar enorme impacto financeiro negativo e grave insegurança jurídica, como veremos adiante.

Sendo assim, ante a imensa relevância do tema e o grande impacto potencial sobre a população e o desenvolvimento do nosso País, tentarei esclarecer, de maneira acessível e concisa, os principais conceitos relacionados às taxas de juros, a fim de melhor orientar tomadas de decisões quanto ao tema, bem como elucidar para a opinião pública possíveis confusões acerca desse conteúdo.

O foco do texto será na análise econômica das taxas de juros, partindo de um ponto de vista Austríaco, portanto, fazendo uso da praxeologia e do individualismo metodológico como instrumento epistemológico.

2 – O preço intertemporal

Ao contrário do que é afirmado por muitos, juros não são “meios de exploração”, mas simplesmente preços, que surgem a partir das preferências temporais inatas dos seres-humanos[1][2][3]. Afinal, qualquer um prefere receber um valor X hoje que o mesmo X no futuro. Na verdade, essa preferência temporal é hiperbólica: vários estudos científicos comprovam que o ser-humano não apenas prefere o mesmo valor hoje que no futuro, mas que prefere, até mesmo, um valor muito menor hoje a outro muito maior no futuro[4]. Logo, dinheiro à disposição agora vale mais que a mesma quantia monetária no futuro.

Quem poupa e, portanto, empresta dinheiro abre mão de ter um montante disponível hoje – e, consequentemente, de realizar um consumo imediato – e posterga para o futuro a satisfação que obteria com os produtos e serviços que poderia adquirir no presente – exatamente o oposto do que faz aquele que toma o crédito, que prefere realizar um gasto no presente, ainda que não possua recursos disponíveis para isso, ao invés de apenas consumir em uma data futura.

Sendo assim, à medida que os indivíduos fazem avaliações e propostas quanto ao valor do tempo e do uso de recursos monetários, surge um “preço intertemporal” no mercado, que embute a preferência temporal supracitada, bem como riscos de crédito (levar um calote) e expectativas de inflação (corrosão do poder de compra). Todo esse argumento torna-se ainda mais óbvio quando racionalizamos de forma pessoal: basta você avaliar se emprestaria o dinheiro que poupou para desconhecidos sem receber nada em troca. Simplesmente não faz sentido.

Portanto, uma vez que é o “preço do tempo”[5], a taxa de juros equilibra a propensão a poupar de uns com o desejo de pegar emprestado de outros. Sem ela, não existe crédito e, obviamente, crescimento econômico. Logo, qualquer interferência inadequada nas taxas de juros tem o potencial de causar distorções e consequências desastrosas para a economia de um país.

 

3 – Por que os juros são altos no Brasil?

Antes de avançarmos na análise, cumpre esclarecer o que é a “taxa básica de juros da economia”, a chamada taxa Selic: é a taxa de juros derivada das negociações de empréstimos lastreados em títulos públicos federais realizadas pelos bancos em operações overnight gerenciadas pelo Sistema Especial de Liquidação e de Custódia (daí o nome Selic).

Como o Banco Central utiliza tais operações para manipular a oferta monetária, comprando títulos em posse dos bancos e expandindo tal oferta (consequentemente, reduzindo os juros artificialmente) ou vendendo títulos para os bancos e reduzindo a oferta monetária (consequentemente, aumentando os juros artificialmente), tem-se que a Selic é considerada a taxa básica de juros da economia[6].

Tendo em mente todos os conceitos explicitados anteriormente, podemos agora nos questionar por que o valor dos juros cobrados pelos bancos e financeiras excedem, e muito, a taxa Selic.

No entanto, antes de realizarmos prejulgamentos, vale a pena analisarmos esse ponto mais a fundo: afinal, por que existe uma diferença (spread) tão grande entre o valor da Selic e das taxas cobradas pelas instituições financeiras do consumidor final?

Existe grande debate sobre o motivo dessa discrepância[7] e o Banco Central vem atuando na tentativa de reduzir esse gap. De qualquer maneira, existem alguns fatores primordiais indiscutíveis para que tanto os juros quanto os spreads bancários praticados no Brasil sejam elevados:

  1. Baixa concorrência no setor bancário[8]: as regulamentações criadas pelo próprio Banco Central impedem o fácil estabelecimento de novas instituições, que trariam mais concorrência para os grandes bancos. Assim, o sistema bancário funciona como uma espécie de cartel que se sustenta em razão do excesso de regulação do Estado.
  2. Grande insegurança jurídica: o Judiciário é excessivamente leniente com o devedor no Brasil, o que obriga os bancos a fazerem altas provisões contra calotes e a compensarem o risco excessivo de não receber, em virtude das decisões judiciais corriqueiramente favoráveis ao devedor, cobrando mais caro do tomador de empréstimo, inclusive daqueles que pagam em dia, já que é difícil discernir bons de maus pagadores previamente (há um subsídio cruzado) – e tudo isso culmina em juros maiores.

III. Governo: o governo é a razão não só de spreads elevados, em função da alta burocracia administrativa, contábil e tributária imposta a todas empresas, inclusive as financeiras, como também é o responsável primordial pelos elevados juros, em termos absolutos, no País. Afinal, o maior devedor da economia brasileira é o Estado.  Como não consegue financiar todas as suas atividades meramente por meio da arrecadação de impostos, razão dos constantes déficits fiscais e da elevada dívida, o Tesouro Nacional precisa recorrer a financiamentos, via emissão de títulos, em grande volume. O resultado é que boa parte da poupança privada e do capital disponível é desviado para cobrar os rombos públicos.  Logo, o dinheiro que poderia ir para o setor produtivo na forma de crédito acaba indo para o setor não produtivo na forma de empréstimos públicos (que serão pagos via impostos, inflação ou via mais empréstimos – ou seja: o governo se endivida para pagar dívidas antigas.)

  1. Elevados custos de intermediação financeira: segundo o Relatório de Economia Bancária do Banco Central, publicado em 2017[9], as maiores causas dos altos spreads são elevadas provisões contra inadimplência (o que está relacionado com a insegurança juridíca e dificuldade de recuperação de créditos não pagos), despesas administrativas e carga tributária.

 

4 – É possível limitar os juros impondo um valor máximo?

Em decorrência da imensa complexidade do mercado, que é um processo dinâmico de ações variadas de milhões de pessoas, mudando e evoluindo constantemente ao longo do tempo, intervir erroneamente ou tentar reduzir “na marra”, com uma “canetada”, o spread bancário, determinando um valor máximo permitido legalmente para os juros – na tentativa de diminuir os juros cobrados pelas instituições financeiras –, não vai funcionar.

A única saída é atacar as reais causas dos elevados juros e spreads, explicitadas na seção anterior, a começar pelo desenvolvimento de um ambiente institucional e jurídico mais seguro (que gere menos aversão a riscos por parte de investidores) e pela diminuição dos gastos governamentais, responsáveis por déficits tremendos que sugam todo capital disponível.

Caso contrário, na hipótese de se tentar definir legalmente um preço máximo para os juros, as limitações equivocadas culminarão em uma redução de todas as formas de crédito disponíveis e, até mesmo, no fim das linhas de crédito mais arriscadas, como as sem garantias reais, do rotativo do cartão de crédito, cheque especial etc. Ainda, os clientes de baixo poder aquisitivo e com menor capacidade de oferecer alguma forma de garantia colateral serão os mais afetados e terão ainda menos acesso a crédito. Em última instância, haverá grande redução nos investimentos e no crescimento econômico do país[10].

 

5 – Os juros compostos são um problema?

Existe um argumento popularmente difundido e respaldado por muitas decisões judiciais de que a cobrança de juros compostos seria uma “artimanha” utilizada pelos bancos para ludibriar a população e aumentar os seus lucros.

Avaliaremos, em seguida, se a imposição de juros simples para contratos financeiros é uma medida válida. Porém, antes, precisamos compreender melhor as diferenças entre juros simples e compostos e um exemplo irá nos ajudar com essa tarefa.

Pelo método de juros simples, caso o mutuante faça um empréstimo (sem amortizações e pagamentos parciais) no valor de 100 reais, a uma taxa de 10% ao ano, deverá receber, ao final de 10 anos, o valor de 200 reais (o principal somado aos juros de 10% * 10 anos * principal). Já pelo método de juros compostos, o valor emprestado, ao final do primeiro ano, seria de 110 reais (principal somado aos juros de 10%); sobre esse valor, novamente, seriam aplicados 10% de juros, resultando em 121 reais; e assim sucessivamente até o fim do décimo ano, quando o valor da aplicação seria de 259 reais.

No entanto, não se engane. Os juros compostos não proporcionam maiores ganhos para os bancos e tampouco são responsáveis pelos spreads elevados. Conforme vimos em seção anterior, juros são preços e o valor que o mutuante recebe é devido ao custo de se abrir mão de consumo no presente (ao contrário do mutuário). Logo, após a passagem de um período temporal, por exemplo, um ano, o rendimento recebido consiste no pagamento por essa transação intertemporal. Obviamente, o valor auferido incorpora-se ao patrimônio do mutuante. Portanto, ao abrir mão novamente desse valor emprestado em um período temporal sucessivo, é esperado que o novo preço (no caso, os juros) seja cobrado sobre o novo valor que, mais uma vez, não está sendo gasto, mas sim cedido ao mutuário, pelo mutuante. Assim, é indubitável, a partir de uma simples reflexão lógica, que a cobrança de juros compostos é a única possível aplicação.

Caso contrário, se os mutuantes fossem impedidos de contabilizar os juros de forma composta e fossem obrigados a definir juros simples, não haveria uma “economia” para os tomadores de crédito.  O custo não seria menor. As taxas seriam recalculadas de forma a incorporar o fato de os juros não poderem ser calculados de forma composta. Assim, no exemplo anterior, o emprestador, em vez de fazer um contrato com juros de 10% ao ano, faria um contrato com juros simples de 15,9% ao ano, o que lhe renderia, ao final do contrato, os mesmos 159 reais que obteria se fossem cobrados juros compostos de 10% ao ano.

O problema é que esse tipo de contrato aumenta muito os custos de transação, pois deverão ser calculadas infinitas taxas de juros diferentes, de acordo com cada prazo de vencimento possível. Além disso, aumenta o risco para o credor, pois, se o devedor atrasar o pagamento, o valor a ser recebido será menor. Voltando ao exemplo, se o devedor, em vez de pagar a dívida nos 10 anos pactuados, pagar em 11 anos, os juros adicionais seriam de R$ 15,9, se calculados de acordo com o juros simples, e de R$ 25,90 (=10% de R$ 259) se fossem juros compostos – o que implicaria, na prática, juros iniciais ainda maiores que os cobrados pelo método composto para compensar mais esse risco adicional.

Dessa forma, ao obrigar os credores a cobrar juros simples, o custo final ao consumidor deverá ser maior, pois, como vimos,  os juros calculados pelo método simples assumiriam um valor muito superior ao que é pactuado sob o método composto, a fim de tentar compensar a falta de um regime de capitalização, e os custos de transação e os riscos são igualmente mais altos. Afinal, como já ficou claro, juros são preços e não há como pensar neles de outra forma. Para que essa compreensão fique ainda mais cristalina: caso a lógica de um sistema de rentabilidade simples fosse ampliada além da ótica financeira, uma vez que salários, tal qual os juros também são rendimentos (precificados pelo serviço prestado), os trabalhadores deveriam possuir um “salário base” e ter seus aumentos subsequentes incorporados apenas ao valor base. No entanto, é óbvio que não é isso o que acontece – o aumento remuneratório, pelos mesmos motivos explicitados, se dá de forma composta.

Outro argumento lógico, prático e incontestável, corroborando a análise teórica acima, é que, caso seja obrigatória a aplicação de juros simples, seria muito mais vantajoso que o mutuante encerrasse o empréstimo anualmente e re-emprestasse o montante auferido (agora elevado pela incidência dos juros prévios) de forma sucessiva, simulando o efeito dos juros compostos.

Em virtude de toda análise efetuada, fica óbvio por que os juros compostos são o método utilizado no Brasil e em todo o mundo. Os juros simples praticamente não são utilizados como instrumento financeiro e, nas raras ocasiões em que são, é apenas para simplificar o cálculo do rendimento de operações de prazos curtos, inferiores a um ano ou um mês.

 

6 – Por que insistem em intervir no tema?

A resposta para essa pergunta realmente é uma incógnita e poderíamos apenas especular sobre os motivos, indo de uma tentativa de manutenção de influência (poder) sobre a opinião pública – que, muitas vezes é desinformada e, portanto, tende a ser influenciada pela ideia de uma diminuição forçada dos juros ou de um antagonismo utópico entre vilões (que querem juros altos) e mocinhos (que querem os juros baixos) –, ou mesmo uma completa incompreensão do tema (o que parece ser o caso mais provável).

O debate sobre a limitação e a capitalização dos juros no Brasil república vem ao menos desde o Decreto-Lei nº 22.626, de 1933, a chamada Lei da Usura, que dispõe sobre os juros nos contratos.

A Lei dispõe, nos arts. 1º e 2º, que não é válida a cobrança de juros acima do dobro da taxa legal, que, de acordo com o Código Civil vigente na época, seria, no máximo, de 6% ao ano – ou seja, a taxa máxima de juros seria de 12% ao ano.  Já em seu art. 4º, a norma afirma que é proibido contar juros dos juros, ou seja, juros sobre juros, a chamada capitalização, exceto a “acumulação de juros vencidos aos saldos líquidos em conta corrente de ano a ano”.

Sob um prisma histórico, esse decreto, emitido por Getúlio Vargas, anulava a liberação de mútuos introduzida pelo Código Civil de 1916 e revigorava o regime do Código Comercial de 1850, que proibia os juros compostos.

Ao tratar do tema, a Súmula nº 121, de 1963[11], do Supremo Tribunal Federal (STF), corroborando a norma varguista, afirma o seguinte: “é vedada a capitalização de juros, ainda que expressamente convencionada”[12].

Evidentemente, com a expansão do setor bancário e dos mercados de capitais na segunda metade do século XX, as normas supracitadas, por sua falta de razoabilidade e consequente inaplicabilidade, tornaram-se letra morta e a Súmula 121 foi parcialmente revogada pela nº 596, de 1976[13], do STF, que afirma que “as disposições do Decreto 22.626/33 não se aplicam às taxas de juros e aos outros encargos cobrados nas operações realizadas por instituições públicas ou privadas, que integram o sistema financeiro nacional.”

Perdendo a oportunidade de não interferir mais no assunto e para tornar ainda mais incongruente a questão, o próprio STF afirmou, no Recurso Extraordinário (RE) nº 100.336-PE, de 1984[14], que “a conformidade dos julgados que informam a Súmula 121, a proibição do anatocismo[15] constitui ius cogens[16]. Da proibição posta no enunciado não estão excluídas as instituições financeiras. A Súmula 596 não afasta a aplicação da Súmula 121, na espécie”. Em outras palavras, a capitalização prevista na Lei da Usura seria vedada mesmo a operações de instituições financeiras.

Em outro julgado, o  RE nº 1.285, de 1989[17], o STF dispõe que “a Súmula 121 não está superada pela de nº 596. Na verdade, embora relacionadas ambas com juros e com o Decreto 22.626/33, apresentam nítida distinção. Enquanto o enunciado nº 596 se refere ao art. 1º do Decreto 22.626/33, o verbete 121 se apoia no art. 4º do mesmo diploma, guardando sintonia com a regra que veda o anatocismo, ou seja, juros de juros ou capitalização de juros”. Ou seja, em 1989, uma turma do STF afirma que a Súmula 596, de 1976, mesmo se referindo às disposições do Decreto-Lei, estaria, na realidade, apenas tratando do seu art. 1º, que se refere à proibição de se estipular em quaisquer contratos taxas de juros superiores ao dobro da taxa legal. Logo, de acordo com essa interpretação, a Súmula nº 596, de 1976, somente teria revogado essa limitação, permanecendo em vigor o impedimento de utilização dos juros compostos.

Na tentativa de solucionar o imbróglio, o art. 5º da Medida Provisória nº 2.170-36, de 23 de agosto de 2001[18], previu que “nas operações realizadas pelas instituições integrantes do Sistema Financeiro Nacional, é admissível a capitalização de juros com periodicidade inferior a um ano”. Após inúmeras contestações, 14 anos depois, em 2015, o STF reconheceu a constitucionalidade da MP no que tange os requisitos de relevância e urgência[19]. Todavia, o mérito da questão (ou seja, a possibilidade da capitalização de juros em períodos inferiores a um ano), questionado pela Ação de Direta de Inconstitucionalidade (ADI) nº 2316[20] continua em aberto, sem decisão do STF.

Para piorar ainda mais, em 2016, o STF concedeu inúmeras liminares completamente absurdas, alterando o regime dos juros cobrados pelas dívidas dos estados com a União do tipo composto para o simples[21]. Caso tamanho disparate permanecesse, vários estados deixariam de ser devedores e passariam a ser credores da União, conferindo perdas de bilhões de reais ao contribuinte. Pior ainda, causaria enorme insegurança jurídica e abriria um precedente perverso para que a mesma lógica fosse aplicada a diversos instrumentos financeiros, como caderneta de poupança, CDBs, títulos do Tesouro, dentre outros, o que, em última instância, sepultaria o sistema financeira pátrio[22][23].

Tendo em vista que praticamente todos os contratos firmados no Brasil (e no mundo) fazem uso de juros compostos, as reiteradas mudanças de entendimento e tentativas de intervenção nos temas acabam por gerar gravíssima insegurança jurídica.

Corroborando tal entendimento, em 2009, um grupo de 32 especialistas em matemática financeira e acadêmicos das principais universidades brasileiras lançaram um manifesto a favor dos juros compostos e contrariamente às decisões judiciais a favor da aplicação dos juros simples e aos milhões de processos que ainda tramitavam sobre o tema, com base na Súmula nº 121, do STF[24].

Segundo o manifesto, eventual proibição dos juros compostos “é contrária a tudo que se faz no mundo real, não só no que se refere às práticas internacionais no mercado financeiro e de capitais, como também em tudo o que se ensina nas universidades e nos textos dos livros de finanças dos autores mais conceituados. Pode-se assegurar que a quase totalidade das operações financeiras realizadas no mundo, bem como todos os estudos de viabilidade econômico-financeira, são efetivados com base no critério de juros compostos, ou capitalização composta. Proibir a capitalização dos juros implica colocar na marginalidade os fundamentos de uma ciência matemática respeitada, aplicada e reconhecida no mundo inteiro. Apenas para ilustrar, seguem algumas operações realizadas no nosso mercado, calculadas com base nesse critério, começando pelas aplicações financeiras: cadernetas de poupança, fundos de investimento em renda fixa, fundos de previdência, fundos de pensão, fundo de garantia por tempo de serviço (FGTS), títulos de capitalização, títulos de renda fixa privados e todos os títulos da dívida pública federal, estadual e municipal, sejam eles com rendimentos pré ou pós-fixados; do lado dos empréstimos e financiamentos tem-se o crédito pessoal parcelado, financiamento de veículos, todas as formas de crediário de lojas, empréstimos para aposentados, financiamentos e repasses de recursos feitos pelo BNDES, todas as modalidades de financiamentos habitacionais realizados dentro e fora do SFH e muitos outros. Em contrapartida, o número de operações calculadas com base em juros simples é insignificante; entre as mais conhecidas estão as de juros de mora, adiantamento sobre contratos de câmbio (ACC) e as de cálculo de juros sobre saldos devedores dos cartões de crédito.

Do ponto de vista matemático, operacional e contábil, o critério de juros compostos é coerente e consistente, quaisquer que sejam os valores, taxas e prazos envolvidos, e quaisquer que sejam as formas de pagamentos. O mesmo não ocorre com o critério de juros simples que, se utilizado, provoca distorções irreversíveis, principalmente nas operações de empréstimos ou de aplicações financeiras envolvendo dois ou mais pagamentos.

A preocupação sobre o tema aumenta na medida em que se toma conhecimento de pronunciamentos e decisões judiciais fundamentadas em argumentos equivocados, que contrariam a lógica e o bom senso, afetando negativamente o ensino da ciência financeira e da própria ciência jurídica. Membros dos poderes Legislativo e Judiciário têm enorme responsabilidade perante a sociedade brasileira no que diz respeito à elaboração e aplicação das leis; os professores universitários também se sentem responsáveis perante essa mesma sociedade no que se refere à formação técnica e científica dos estudantes e dos profissionais que atuam no mercado financeiro e de capitais. E é em nome da responsabilidade perante o ensino que se propõe uma revisão das regras que ainda restringem a capitalização de juros”.

Quanto aos limites legais para cobrança de juros, existe sobre o assunto um emaranhado de leis (por exemplo, vários artigos do Código Civil, Código Tributário, Lei da Usura e Lei nº 8.692, de 28 de julho de 1993), de proposições em tramitação no Legislativo e de decisões judiciais.

O art. 591 do Código Civil, por exemplo, diz que “destinando-se o mútuo a fins econômicos, presumem-se devidos juros, os quais, sob pena de redução, não poderão exceder a taxa a que se refere o art. 406, permitida a capitalização anual”. Por sua vez, o art. 406 afirma que “quando os juros moratórios não forem convencionados, ou o forem sem taxa estipulada, ou quando provierem de determinação da lei, serão fixados segundo a taxa que estiver em vigor para a mora do pagamento de impostos devidos à Fazenda Nacional”. No entanto, não esqueçamos que a Lei da Usura diz que a cobrança somente poderá ser até o dobro do valor legal e que esta foi editada quanto este valor seria o equivalente a 12% ao ano.

O resultado é que, atualmente, ninguém sabe exatamente quais são limites às taxas de juros pactuadas, especialmente para contratos de mútuo entre particulares[25][26]. Essa insistência em intervir erroneamente no assunto apenas causa distorção e confusão, prejudicando o mercado de crédito e o crescimento do país (afinal, como já cansamos de ver, mas sempre vale repetir: juros são preços, não números mágicos, letras mortas suscetíveis a canetadas arbitrárias ou “meios de expropriação”).

Felizmente, apesar da confusão de decisões judiciais, prepondera o entendimento de que não há limites para a cobrança de juros por instituições financeiras e, tampouco, é obrigatória a imposição do método de juros simples – até porque, como ficou evidente pela nossa análise, tais comandos seriam letra morta, inaplicáveis em termos práticos, já que trariam completo caos para o sistema financeiro com reflexos diretos perversos na atividade produtiva, no crescimento econômico e na qualidade de vida dos brasileiros.

Ainda assim, algumas instituições públicas, como Receita Federal[27], Procuradoria-Geral da Fazenda, Instituto Nacional do Seguro Social (INSS)[28][29], Tribunal de Contas da União (TCU)[30], Justiça Federal e Eleitoral[31], devido a determinações legislativas e jurisprudenciais, continuam aplicando os juros simples nos seus cálculos de juros de mora e dívidas, tanto a pagar quanto a receber.

Em suma, o Judiciário e, especificamente, o STF, ao tomarem inúmeras decisões divergentes ao longo das últimas décadas, muitas vezes contrárias ao interesse da população e à lógica elementar do sistema financeiro, deixa clara a sua incompreensão do assunto. A realidade acerca da matéria, que o Supremo optou por não reconhecer, é que o Decreto de 1933, que estabelece a chamada “Lei da Usura”, foi editado em um período completamente diverso do atual, em que ideias que visavam ao controle estatal e eram contrárias à liberdade proliferavam em nosso país. O próprio decreto supracitado é reflexo disso: foi editado durante a Era Vargas, pouco antes da instituição do Estado Novo, um dos períodos mais autoritários e ditatoriais da história do nosso país. Portanto, resta nítido, embora ainda não tenha sido reconhecido definitivamente o fato pelo STF, que tal decreto não é compatível com a Constituição Federal de 1988.

O argumento contrário (de compatibilização da Lei da Usura com a CF/1988) poderia se apoiar no fato de que a redação inicial do §3º do art. 192 da Constituição Federal impunha tabelamento de 12% ao ano para os juros. No entanto, essa premissa não procede, já que esse dispositivo nunca sequer pôde ser implementado, justamente em virtude da sua completa inconsistência, e foi revogado pela Emenda Constitucional 40/2003. Afinal, a Carta Magna e o seu “espírito”, indiscutivelmente, pressupõem uma economia de mercado, o que é plenamente incompatível com limitações às taxas de juros praticadas na economia. Sendo assim, uma norma fria e literal, incompleta e inaplicável em sua essência, jamais poderia suplantar o espírito constitucional do próprio Legislador originário, que, aliás, apenas incluiu esse dispositivo também por sua incompreensão do assunto.

Na verdade, ao intervir desnecessariamente e impedir a livre pactuação dos valores e do método a ser utilizado para cálculo de taxas de juros nos contratos, pode-se considerar que há uma intromissão indevida do Estado na ordem econômica e na livre iniciativa, fato que contrariaria princípios constitucionais basilares emanados dos arts. 1º, IV, e 170 da Carta Magna de 1988.

 

7 – A solução é mais liberdade e menos intervenção

Portanto, é evidente que os juros compostos não são um problema, mas uma solução, por facilitar cálculos matemáticos que poderiam se tornar complexos em uma situação diversa. Se existe um problema quanto às taxas de juros praticadas no Brasil, tal problema não está no método utilizado para se calcular os juros, mas nos valores elevados, tantos dos juros básicos quanto dos spreads bancários, cujas raízes estão no excesso, e não na falta, de regulação e intervenção governamental e jurídica – que, conforme vimos na seção 3, além de criarem ambiente inóspito para a concorrência no setor bancário, consomem todo capital poupado que poderia ser utilizado como crédito privado, obviamente elevando as taxas de juros.

Nesse sentido, há que se continuar o estímulo à concorrência e o processo de quebra de monopólio de certos serviços financeiros que vêm sendo efetuados pelo Banco Central. Recentemente, foram criadas as Sociedades de Crédito Direto (SCD) e de Empréstimo entre Pessoas (SEP)[32], que visam a facilitar a oferta de crédito e financiamentos por fintechs, com potencial de desburocratizar o setor e diminuir os spreads bancários. Um passo seguinte, por parte tanto do BC quanto do Congresso Nacional e, quanto à jurisprudência, do Poder Judiciário, deveria ser o de permitir que pessoas físicas ou jurídicas não financeiras emprestem seus próprios recursos, sem os limites impostos pelo Código Civil e pela Lei da Usura. Isso também aumentaria a concorrência e permitiria ampliação da oferta de crédito e, consequentemente, queda de juros.

Outra maneira de se amenizar o problema está na maior disseminação de conhecimento sobre finanças, desde a escola. Apesar de poucos efeitos imediatos e de ser um projeto de longo prazo, a implementação de uma adequada educação financeira pode contribuir tanto para diminuição das taxas de juros, por aumentar a capacidade de poupança privada, quanto para melhor compreensão e utilização dos instrumentos financeiros. Afinal, como vimos, esse problema afeta, até mesmo, ocupantes de altos cargos da República com poder de tomar decisões de imensas repercussões.

Por falar nisso, o Poder Judiciário, que tem a oportunidade de pacificar a questão, simplesmente declarando a inaplicabilidade da “Lei da Usura” (seja anunciando sua não-recepção por vícios de constitucionalidade material, por violar, como vimos, diversos princípios essenciais da CF/1988, ou emitindo uma súmula vinculante para pacificar a jurisprudência), ao optar por imiscuir-se indevidamente em assunto que não compreende, causa grave insegurança jurídica e permite reiteradas judicializações do tema, por parte de pessoas que ou também não entendem o conceito ou optam por agir de má-fé. Evidentemente, esse ativismo judicial aumenta os riscos dos investidores (que ofertam o crédito necessário para o crescimento econômico do país) e gera mora, burocracia e custos desnecessários ao mercado – o que, evidentemente, também contribui para alta dos juros.

Uma alternativa ante o intervencionismo e imbróglio judicial é simplesmente a revogação formal da Lei da Usura pelo Legislativo. Dessa maneira, não haveria interpretações conflitantes e errôneas sobre limitações ao valor máximo das taxas de juros e à utilização dos juros compostos como método de contabilização.

Apesar de extremamente subestimada, muitas vezes, a via negativa, da não intromissão, é muito mais produtiva que a da ação. “Fazer algo” é superestimado, especialmente em virtude do seu “apelo humano”. Frequentemente, somos levados a crer que precisamos intervir em algo para tentar “consertá-lo”, quando, na realidade, a melhor solução seria não fazer nada além de se ter paciência para que os processos e ajustes naturais prevaleçam. Isso vale tanto na economia quanto, por exemplo, na medicina, em que, infelizmente, o paciente sempre espera uma ação do médico. Logo, existe uma percepção disseminada de que se o médico, obrigatoriamente, “não fizer algo” este “é ruim”. Por isso, muitos são levados a sempre prescrever um tratamento – ainda que esta tenha efeitos meramente paliativos e, eventualmente, até cause mais efeitos colaterais que benefícios no longo prazo –, quando, na verdade, a melhor receita seria esperar, não intervir e deixar o organismo se curar sozinho[33]. Avançando na metáfora, um governo interventor é como um médico que pretende tratar milhões de pacientes com o mesmo remédio. A prescrição homogênea será benéfica para alguns (principalmente para aqueles que são amigos próximos do médico e, portanto, podem “influenciar” na decisão sobre qual remédio será prescrito), mas certamente prejudicará a grande maioria. E é exatamente isso que vem acontecendo em virtude dos excessos de intervenções que objetivam impor limites a um preço que deveria ser formado naturalmente pelo mercado.

Em suma, recapitulando rapidamente os principais pontos de tudo o que vimos, juros são preços e, portanto, sua manipulação pode ocasionar graves distorções. Assim, tentar impedir a cobrança de juros compostos ou impor um limite às taxas praticadas pelo mercado, ao invés de combater as causas estruturais dos elevados juros básicos e spreads bancários, causa malefícios à economia e pode trazer repercussões negativas justamente para as pessoas que o administrador (no âmbito do Executivo), o legislador (no Legislativo) ou o juiz (no Judiciário) pretendem proteger – ou seja, o cidadão brasileiro.

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[1] MISES, Ludwig Von. Ação Humana. Págs. 555-662

[2] https://www.mises.org.br/Article.aspx?id=1105

[3] https://www.mises.org.br/Article.aspx?id=552

[4] http://www.behaviorlab.org/Papers/Hyperbolic.pdf

[5] Existe o argumento de que, a rigor, juros não poderiam ser considerados preços, uma vez que não respeitariam a lei da utilidade marginal. No entanto, uma análise mais rigorosa pode demonstrar outro ponto de vista. A dificuldade de compreensão da ideia de juros como preços do tempo se dá em virtude do grande grau de abstração do conceito tempo. Sendo assim, uma análise que faça uso da noção de limites pode facilitar a compreensão. Afinal, se considerarmos o tempo de uma forma assintótica, ou seja, se este tendesse ao infinito e nós fôssemos imortais, a utilidade marginal dessa grande “abundância” de tempo à disposição tenderia a zero, da mesma forma que o seu preço (as taxas de juros), pois sempre existiriam pessoas dispostas a abrir mão de consumir agora para obter um ganho mínimo no futuro, já que esse futuro seria certo e eterno. Inversamente, se soubéssemos que nosso tempo tende a zero, ou seja, que morreríamos em breve, a utilidade desse tempo extremamente escasso tenderia ao infinito, assim como as taxas de juros, pois não teríamos nenhum incentivo para esperar para consumir em um futuro que jamais chegaria. Portanto, já que somos mortais e que somos confrontados sempre, ainda que psicologicamente, com essa escassez iminente (não sabemos quando vamos morrer), tempo presente é “mais caro”, e o quão mais caro será precificado pelos juros, que tempo futuro – e essa conclusão está plenamente de acordo com a lei da preferência temporal. Também é errado dizer que, se é o preço do tempo, então os juros devem ser iguais para todas atividades que considerem períodos temporais idênticos. O que ocorre é que a dimensão temporal é diferente para diferentes atividades, já que cada uma dessas dimensões guarda pressupostos, possibilidades e riscos específicos. Assim, é natural que os juros cobrados em uma atividade de alto risco seja muito mais elevado que os cobrados de uma atividade praticamente sem riscos, já que, embora o tempo newtoniano de ambas possa ser o mesmo (por exemplo, um ano), as diferentes possibilidades/probabilidades de acontecimentos dentro de cada fluxo temporal torna esses tempos completamente distintos.

[6] Para não estender o texto excessivamente, não vou entrar do mérito das consequências e da validade ou não da manipulação da política monetária pelo Banco Central. Porém, caso você queira se aprofundar no assunto, recomendo os seguintes textos: https://www.mises.org.br/Article.aspx?id=1538 e https://www.mises.org.br/Article.aspx?id=223

[7] Recomendo o excelente texto sobre o tema: https://www.mises.org.br/Article.aspx?id=1094

[8] https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2018/03/20/concentracao-bancaria-e-uma-das-causas-do-alto-spread-no-brasil-apontam-debatedores

[9] https://www.bcb.gov.br/pec/depep/spread/REB_2017.pdf

[10] Caso queira se aprofundar no tema, recomendo o seguinte texto, do Consultor Legislativo Marcos Köhler: https://www12.senado.leg.br/publicacoes/estudos-legislativos/tipos-de-estudos/outras-publicacoes/volume-iv-constituicao-de-1988-o-brasil-20-anos-depois.-estado-e-economia-em-vinte-anos-de-mudancas/politica-economica-e-monetaria-o-limite-constitucional-dos-juros-do-voluntarismo-ao-aprimoramento-da-gestao-fiscal

[11] http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/menuSumarioSumulas.asp?sumula=2000

[12] https://www.conjur.com.br/2014-jul-24/isaias-coelho-mito-juros-compostos-judiciario

[13] http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=596.NUME.%20NAO%20S.FLSV.&base=baseSumulas

[14] Ementa: Juros. Capitalização. A capitalização semestral de juros, ao invés da anual, só é permitida nas operações regidas por leis ou normas especiais, que expressamente o autorizem. Tal permissão não resulta do art. 31 da Lei 4.595, de 1964. Decreto nº 22.626/1933, art. 4º. Anatocismo: sua proibição. Ius cogens. Súmula 121. Dessa proibição não estão excluídas as instituições financeiras. A Súmula 596 não afasta a aplicação da Súmula 121. Exemplos de leis específicas, quanto à capitalização semestral, inaplicáveis à espécie. Precedentes do STF. Recurso extraordinário conhecido, por negativa de vigência do art. 4º, do Decreto nº 22.626/1933, e contrariedade do Acórdão com a Súmula 121, dando-se-lhe provimento (RTJ do STF, v. 124/616).

[15] Termo jurídico para juros compostos.

[16] De acordo com o art. 53 da Convenção de Viena, internalizada pela Lei nº x, o termo jus cogens se refere a “uma norma aceita e reconhecida pela comunidade internacional dos Estados como um todo, como norma da qual nenhuma derrogação é permitida e que só pode ser modificada por norma ulterior de Direito Internacional geral da mesma natureza.” Logo, é curiosa a sua aplicação no recurso extraordinário analisado, uma vez que os juros compostos são praticados em todos os países do mundo.

[17] Ementa: Direito Privado. Juros. Anatocismo. Vedação incidente também sobre instituições financeiras. Exegese do enunciado nº 121, em face do nº 596, ambos da súmula do STF. Precedentes da Excelsa Corte. A capitalização de juros (juros de juros) é vedada pelo nosso direito, mesmo quando expressamente convencionada, não tendo sido revogada a regra do art. 4º do Decreto 22.626/33 pela Lei nº 4.595/64. O anatocismo, repudiado pelo verbete nº 121 da súmula do Supremo Tribunal Federal, não guarda relação com o enunciado nº 596 da mesma súmula. (Revista do STJ, ano 3, nº 22, junho de 1991).

[18] http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/MPV/2170-36.htm

[19] http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=284716

[20] http://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=1857067

[21] https://www.valor.com.br/brasil/4520755/juro-simples-na-divida-de-estados-geraria-perda-uniao-de-r-313-bi

[22] https://www.valor.com.br/brasil/4521727/especialistas-atacam-uso-de-juros-simples-para-dividas-dos-estados

[23] https://economia.estadao.com.br/noticias/geral,juros-simples–consequencias-severas,10000025864

[24] https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2009/10/635024-leia-a-integra-do-manifesto-de-academicos-a-favor-dos-juros-compostos.shtml

[25] https://nicholastavares.jusbrasil.com.br/artigos/185520765/dos-juros-remuneratorios-nos-contratos-de-mutuo

[26] https://jus.com.br/artigos/63710/juros-moratorios-qual-a-taxa-maxima-legal

 

[27] http://normas.receita.fazenda.gov.br/sijut2consulta/link.action?idAto=42297&visao=anotado

[28] http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8212cons.htm

[29] http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9430.htm#art61

[30] https://portal.tcu.gov.br/sistema-atualizacao-de-debito/

[31] https://www.cjf.jus.br/phpdoc/sicom/arquivos/pdf/manual_de_calculos_revisado_ultima_versao_com_resolucao_e_apresentacao.pdf

[32] https://www.bcb.gov.br/pre/normativos/busca/downloadNormativo.asp?arquivo=/Lists/Normativos/Attachments/50579/Res_4656_v1_O.pdf

[33] Para descrever situações desse tipo, inclusive em cenários socioeconômicos, Nassim Nicholas Taleb (autor de “Antifrágil”, “Arriscando a própria pele”, entre outros livros) generalizou o termo “iatrogenia”, utilizado na Medicina para se referir a complicações, doenças e efeitos adversos causados pela própria prática médica.

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