Bolsa Familia – Brasil, economia e governo https://www.brasil-economia-governo.com.br Tue, 11 Nov 2014 13:13:57 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=6.7.2 Qual o programa assistencial mais caro do Brasil? (Não é o Bolsa Família) https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=2331&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=qual-o-programa-assistencial-mais-caro-do-brasil-nao-e-o-bolsa-familia https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=2331#comments Tue, 11 Nov 2014 13:13:57 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=2331 Introdução

Principal política pública discutida pela opinião pública nas eleições de 2014 e objeto de uma permanente polêmica na sociedade brasileira, pode surpreender alguns que o Bolsa Família não seja o “programa assistencial de transferência de renda” que mais custa aos cofres públicos: este posto é do Benefício de Prestação Continuada (BPC). Regido pela Lei nº 8.742/1993 (Lei Orgânica da Assistência Social – LOAS), o BPC atinge quatro milhões de pessoas, entre idosos com mais de 65 anos e pessoas com deficiência cuja renda mensal per capita seja inferior a um quarto do salário mínimo. Esses beneficiários têm o direito de receber um salário mínimo por mês (R$ 724 em 2014, R$ 788 a partir de janeiro de 2015). O governo projeta para o próximo ano um gasto de quase R$ 42 bilhões de reais com o BPC e o seu antecessor, a Renda Mensal Vitalícia (RMV)1.

Em relação à pobreza, o Benefício de Prestação Continuada (BPC) não é considerado o instrumento mais efetivo para reduzi-la. Desde a sua implantação e até recentemente, o BPC, junto com as transferências do INSS, ajudou a retirar da pobreza milhões de idosos e deficientes pobres, mas gastos adicionais com o benefício não trazem mais resultados significativos nessa direção. O programa recebe ressalvas também por desincentivar a adesão à Previdência Social e pelo seu custo crescente, já que, por previsão constitucional, o valor do benefício não pode ser inferior ao salário mínimo – que sofreu grandes aumentos reais nos últimos anos.

No que tange à distribuição de renda, os economistas consideram que o Programa Bolsa Família foi nos últimos anos um programa muito mais efetivo na redução da desigualdade e muito mais barato quando comparado ao BPC. O Bolsa Família é objeto de constante estudo e avaliação2, mas tem ampla aceitação entre economistas com diferentes posições no espectro ideológico, ao contrário do que poderia levar a crer os polarizados debates que se observa na sociedade e na imprensa, acentuados nas últimas eleições.

Desigualdade de renda

De acordo com dados do Ministério da Previdência Social para o ano de 2011, apresentados por Caetano (2014)3, menos de 10% dos brasileiros de 65 anos estão abaixo da linha de pobreza, enquanto, em algumas idades, quase 50% das crianças brasileiras estão abaixo dessa linha. Também nesse sentido, Giambiagi, Tafner e Carvalho (2010) estimam que as crianças do país têm 11 vezes mais chances de ser extremamente pobres do que os idosos4.

Assim, percebe-se que o BPC não possui o melhor grau de focalização entre os mais pobres. É verdade que o BPC foi responsável por reduzir a pobreza e garantir segurança de renda aos idosos e deficientes de baixa renda, porém não há mais espaço para avançar nessa área por meio da expansão do programa.

Em contraste com o BPC, o Bolsa Família – que foca nas famílias extremamente pobres5 e nas famílias pobres6  que tenham filhos de até 17 anos – paga benefícios muito menores, entre R$ 35 e R$ 42 mensais por criança ou adolescente, além do benefício básico de R$ 77 (já contemplando o reajuste anunciado pela Presidenta Dilma Rousseff no último 1º de maio). Ressalta-se que este benefício básico é pago apenas para as famílias extremamente pobres: as famílias que são “apenas” pobres têm direito somente ao benefício por criança ou adolescente. Entre 2001 e 2005, o BPC teria sido responsável por apenas 11% da queda da desigualdade – com a ressalva de que o Bolsa Família só começou no penúltimo ano do período7.

Não apenas considerações sobre a efetividade do BPC no combate à pobreza e na redução da desigualdade merecem ser feitas, como também em relação à sua eficiência e ao seu custo-benefício. Como visto, o BPC custará quase R$42 bilhões no ano de 2015 (50% a mais que o Bolsa Família), atingindo cerca de quatro milhões de beneficiários. Ainda em contraste, o Programa Bolsa Família, mais efetivo, custará R$ 27 bilhões, para um número de beneficiários muito maior, de cerca de 50 milhões de brasileiros (14 milhões de famílias).

Tal qual o Bolsa Família, o BPC é um programa assistencial que não tem contrapartida contributiva (ao contrário dos benefícios do INSS: aposentadorias, pensões e auxílios). Cabe observar que alguns pesquisadores considerariam que o programa assistencial mais caro do país seria o pagamento da aposentadoria rural, já que este benefício, embora pertença à Previdência Social, não exige contribuição direta ao sistema de seguridade, mas apenas a comprovação de 15 anos de trabalho rural8.

Seria possível argumentar que o BPC e o Bolsa Família não poderiam ser comparados, porque as necessidades de consumo de um idoso seriam maiores que as de uma criança, o que justificaria a discrepância no valor dos benefícios (para pagar por remédios, por exemplo). Realmente é razoável que um adulto, mesmo que não seja chefe de família, tenha gastos maiores do que os de uma criança. O que se critica é a desproporcionalidade: o valor do BPC é mais de 22 vezes maior que o valor do benefício por criança ou gestante no Bolsa Família. Como assinalado acima, a vulnerabilidade das crianças no Brasil é muito mais alta que a dos idosos. Cumpre ressaltar também que os gastos com assistência social voltados às crianças têm um poder maior de transformação da realidade futura da pobreza no país.

Portanto, ampliar o BPC não parece a melhor maneira de diminuir a pobreza entre os segmentos mais necessitados da população. Esses recursos poderiam ser utilizados, com o mesmo fim, em outras políticas assistenciais ou em políticas econômicas que promovam o crescimento da renda como um todo.

Ressalta-se também que o valor do BPC está vinculado ao salário mínimo, de maneira que o benefício já recebeu, dessa forma, grandes aumentos reais nos últimos anos (aumento nominal de 203% desde 2004, contra 54% do Bolsa Família). Ainda, essa vinculação faz com que a própria cobertura do BPC seja continuamente ampliada, porque a cada aumento do salário mínimo também se aumenta a linha de elegibilidade para o programa (um quarto do salário mínimo).

Quadro 1 – Comparação entre o Bolsa Família e o BPC

img_2331_1

Adesão à Previdência Social

A adesão à Previdência Social é desestimulada pelas atuais regras de concessão do BPC e dos benefícios do INSS. Atualmente, tem direito à aposentadoria por idade, no caso dos homens, o segurado com 65 anos de idade, exatamente a idade mínima de elegibilidade para o BPC. Da mesma forma, o menor benefício a ser pago pelo INSS é o de um salário mínimo, mesmo valor do BPC. Sendo assim, por que contribuir com parte do salário durante toda vida para receber um salário mínimo como benefício, se esta mesma quantia pode ser obtida, sem contribuição, por meio do BPC? De fato, nas faixas salariais mais baixas, a adesão à contribuição previdenciária é menor.

Em verdade, o trabalhador que contribui para o INSS pode até ser prejudicado. Isso porque, para um idoso ser elegível ao BPC, sua renda familiar per capita tem de ser inferior a ¼ do salário mínimo. Para o cômputo dessa renda, contudo, consideram-se aposentadorias, mas não se consideram BPCs recebidos por outros idosos da mesma família. Dessa forma, cada membro de um casal de idosos que não possui nenhuma renda terá direito ao BPC. Já se um dos membros do casal receber aposentadoria, a renda familiar per capita será maior que ¼ do salário mínimo, de forma que o outro membro desse casal não terá direito ao BPC.

Ainda que o BPC seja guiado por uma noção de solidariedade, é primordial que existam incentivos para que o sistema de seguridade social tenha uma trajetória sustentável – e isso passa por uma maior formalização no mercado de trabalho e a efetiva adesão à Previdência.

Uma menor adesão à Previdência Social tem como consequência o agravamento da informalidade (que em meados desse ano ainda atingia um terço dos trabalhadores, segundo o IPEA9) e da desproteção no mercado de trabalho (um trabalhador informal não tem direito ao auxílio-doença, ao seguro desemprego ou à aposentadoria por invalidez, por exemplo). Ainda há como consequência a diminuição das receitas do INSS, dificultando ainda mais o controle do seu crônico e crescente déficit (estimativa de R$55 bilhões para 2014).

Giambiagi (2014)10 defende que em 2015 se emende a Constituição para que o piso assistencial seja diferente do piso do mercado de trabalho e do previdenciário (salário mínimo), passando os benefícios de prestação continuada a partir dali a serem reajustados pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC), conservando seu valor real. Essa medida permitiria deslocar mais recursos para outras políticas mais efetivas e valorizar mais o segurado da Previdência Social, que contribui para o sistema.

Considerações finais: É possível fazer um ajuste fiscal sem comprometer a queda da desigualdade?

No recente debate eleitoral, aqueles que salientavam o desequilíbrio das contas públicas brasileiras e enfatizavam a necessidade de um ajuste fiscal foram acusados de querer cortar gastos sociais e interromper a trajetória de redução da desigualdade. Trata-se, no entanto, de uma falácia.

A comparação feita aqui entre o BPC e o Bolsa Família indicou a importância da análise da efetividade do gasto público. Nesse caso, vimos que uma política é muito mais efetiva do que a outra em reduzir a pobreza: mais gasto com uma delas é recomendado para esse fim, com a outra não.

Nesse sentido, é possível fazer sim um ajuste fiscal, mesmo focado nas despesas correntes, sem comprometer a redução da desigualdade. Outros gastos correntes estão relacionados a políticas públicas que têm sérias distorções, como os gastos com pensões na Previdência (já discutidos neste blog), os excessos no seguro-desemprego (que faz com que os gastos aumentem justamente quando o desemprego cai), o programa de abono-salarial11, e as despesas altas com a burocracia federal, todas essas reconhecidas mesmo por economistas que costumam associar ajuste fiscal com perdas para os mais pobres12. Até despesas que não são correntes merecem ser rediscutidas, como a política de gigantescos aportes do Tesouro para o BNDES (também analisada recentemente aqui).

Não se pode também esquecer que ajuste fiscal é condição necessária (embora não suficiente) para aumento de renda no longo prazo. Deveríamos adotar uma política econômica focada em um ajuste fiscal que não comprometesse a redução da desigualdade no curto prazo, mas que garantisse o incremento dos rendimentos médios no longo prazo.

Assim, percebe-se que é necessário desmistificar certas pré-concepções a respeito da política assistencial no Brasil, notadamente em relação ao Bolsa Família. O Banco Mundial destaca o êxito e vantagens desse tipo de políticas, conhecidas como “transferências condicionadas de renda” (TCR) ou Conditional Cash Transfers (CCT) e ressalta que houve uma “onda” delas em países emergentes nas últimas duas décadas13. Elas foram implementadas em praticamente toda a América Latina – com destaque para o mexicano Oportunidades (Progresa) -, em outras economias emergentes importantes – como Índia, Indonésia e Turquia -, além de outros países asiáticos e africanos. Mesmo países desenvolvidos costumam ter alguma rede de proteção para a população pobre. A pobreza e a desigualdade são grandes problemas para o Brasil, mas o debate sobre as políticas de redistribuição de renda infelizmente está pautado por equívocos, que precisam ser esclarecidos para que um debate de melhor qualidade ganhe espaço.

___________________

1 Segundo o Projeto de Lei Orçamentária de 2015 (PLOA 2015), serão R$ 40 bilhões para o BPC e cerca de R$ 1,6 bi para o RMV.

2 Para uma discussão aprofundada sobre o futuro do programa, ver, entre outros, Soares e Sátyro (2009). SOARES, S.; SÁTYRO, N. Programa Bolsa Família: Desenho Institucional, Impactos e Possibilidades Futuras. Brasília: Ipea, 2009. (Texto para Discussão, n. 1.424). Disponível em: <http://www.ipea.gov.br>

3 CAETANO, M. A. Reforma previdenciária, cedo ou tarde. In: Giambiagi, F.; Porto, C. (Org.). Propostas para o Governo 2015/2018. Rio de Janeiro: Elsevier, 2014. 393p.

4 GIAMBIAGI, F.; TAFNER, P.; CARVALHO, M. M. Assistencialismo – o cidadão não contribui. E daí? In: Giambiagi, F.; Tafner. P. Demografia – A Ameaça Invisível: o dilema previdenciário que o Brasil se recusa a encarar. Rio de Janeiro: Elsevier, 2010. 198p.

5 Renda renda per capita de até R$ 77,00.

6 Renda per capita entre R$ 77,01 e R$ 154,00.

7 SOUZA, A. P. Políticas de Distribuição de Renda no Brasil e o Bolsa Família. In: Bacha, E. L.; Schwartzman, S. (Org.).  Brasil: a nova agenda social. Rio de Janeiro : LTC, 2011.

8 A partir dos 60 anos de idade para homens e 55 para mulheres. O custo com as aposentadorias rurais em 2014 deve ser de cerca de R$ 65 bilhões, para 9 milhões de benefícios.

9 INSTITUTO DE PESQUISA ECONÔMICA APLICADA. Boletim Mercado de Trabalho – Conjuntura e Análise nº 57, Agosto de 2014.

10 GIAMBIAGI, F. Salário-mínimo – razões e bases para uma nova política. In: Giambiagi, F.; Porto, C. (Org.). Propostas para o Governo 2015/2018. Rio de Janeiro: Elsevier, 2014. 393p.

11 O abono-salarial é previsto na Constituição e concede um salário mínimo por ano aos trabalhadores do setor formal que recebem, em média, até dois salários mínimos mensais. Por atender aos trabalhadores do setor formal, o programa não focaliza os mais pobres entre os pobres. Em 2013, os gastos com o programa atingiram R$ 14,6 bilhões, mais da metade dos gastos com o Bolsa Família.

12 BARBOSA, N. ‘É preciso ir além com o gasto social, diz ex-secretário executivo da Fazenda’ [15 de fevereiro de 2014]. São Paulo: O Estado de S. Paulo. Entrevista concedida a Alexa Salomão e Ricardo Grinbaum.  Disponível em: http://brasil.estadao.com.br/noticias/geral,e-preciso-ir-alem-com-o-gasto-social-diz-ex-secretario-executivo-da-fazenda,1130766. Acesso em: 07/11/2014.

13 FIZBEIN, A.; SCHADY, N.; FERREIRA, F.; GROSH, M.; KELEHER, N.; OLINTO, P.; SKOUFI, E. Conditional Cash Transfers: Reducing Present and Future Poverty. Washington: The International Bank for Reconstruction and Development / The World Bank, 2009.

 

Download:

  • Veja este artigo também em versão pdf (clique aqui).
]]>
https://www.brasil-economia-governo.com.br/?feed=rss2&p=2331 4
A desigualdade de renda parou de cair? (Parte III) https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=2041&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=a-desigualdade-de-renda-parou-de-cair-parte-iii https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=2041#comments Tue, 29 Oct 2013 13:44:19 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=2041 O texto da semana passada mostrou como o mercado de trabalho atuou no sentido de reduzir a desigualdade de renda desde pelo menos o início da primeira década do século XXI. Argumentou-se, naquele texto, que as condições que levaram à redução da desigualdade podem não se reproduzir nos próximos anos, o que faria com que a trajetória de queda se interrompesse.

O presente texto analisa o impacto das políticas sociais mostrando que, também nesse caso, os ganhos mais fáceis em termos de redistribuição já foram obtidos, podendo-se prever redução do seu efeito redistributivo nos próximos anos.

De acordo com IPEA (2013)1, aproximadamente 40% da queda da desigualdade entre 2002 e 2012 decorreu de políticas governamentais, sendo os seguintes os impactos individuais de cada política: aumento do valor real das aposentadorias de menor valor, indexadas ao salário-mínimo (21%); expansão do Bolsa Família (12%) e do Benefício de Prestação Continuada (BPC) (6%). Souza e Medeiros (2013)2, analisando a variação da desigualdade entre 2002 e 2009, chegam a números similares.

Trata-se de impacto significativo: as políticas sociais estão, de fato, ajudando a reduzir a desigualdade. Todavia, o governo poderia ter feito muito mais em termos de redução da desigualdade e da pobreza sem, ao mesmo tempo, ter prejudicado tanto as perspectivas de crescimento econômico, no curto e no médio prazo.

Em primeiro lugar, deve-se considerar que o Bolsa Família, entre os instrumentos de políticas públicas de redução de pobreza e desigualdade, é o mais eficiente, pois reduz a desigualdade a baixo custo. Já os benefícios previdenciários indexados ao salário-mínimo e o BPC (que também é reajustado de acordo com o mínimo) têm elevado custo fiscal. Outros programas públicos, como o Seguro-Desemprego e o Abono Salarial, além de impacto pífio sobre a desigualdade, também têm custo mais alto que o Bolsa Família.

Não obstante isso, o governo insiste em manter programas sociais menos eficientes e de alto custo, em vez de ampliar as intervenções de menor custo, na linha do Bolsa Família. Em especial, insiste nos aumentos reais do salário-mínimo, que provocam grandes aumentos de despesa pública, gerando desequilíbrio fiscal (além do problema citado na parte II, publicada na semana passada: elevação de custos e perda de competitividade das empresas).

Os aumentos reais do salário-mínimo são uma importante ferramenta eleitoral, o que torna difícil alteração de rota em tal política, a despeito de seus impactos adversos. O resultado é a expansão do gasto público, que pressiona a taxa de juros e a carga tributária. Ambos desestimulam o investimento e o crescimento econômico.

Em segundo lugar, é preciso considerar que a Previdência Social como um todo (considerando-se não só os benefícios de um salário-mínimo mas todas as aposentadorias, pensões e demais benefícios pagos) é fortemente concentradora de renda. De acordo com IPEA (2012)3, em 2011 a Previdência era responsável por 18% de toda desigualdade de renda. Ou seja, se não existissem os pagamentos feitos pela Previdência Social, o Índice de Gini seria aproximadamente 18% menor.

Isso ocorre porque são pagos benefícios de valor mais elevado para segmentos de renda mais alta. Uma reforma da previdência que reduzisse os privilégios hoje existentes (como, por exemplo, a concessão de pensões por morte sem qualquer limitação do prazo de concessão ou restrições de valores), diminuiria esse efeito concentrador de renda. No entanto a reforma da previdência saiu da agenda política, tendo sido aprovada apenas uma versão mitigada da previdência complementar dos servidores públicos.

Em terceiro lugar, houve no período 2007-2010 (segundo mandato do Presidente Lula) significativos aumentos salariais para os servidores públicos, o que também tem impacto concentrador de renda, pois o funcionalismo está no topo da distribuição de renda. Houve aumento real da folha de pessoal da União da ordem de 8% ao ano naquele período4, com posterior estabilização ao longo do Governo Dilma.

De acordo com o texto de Souza e Medeiros (2013), acima citado, entre 2003 e 2009 quase toda a redução de desigualdade promovida pelo Bolsa Família (12%) foi desfeita pelo aumento da remuneração dos servidores públicos, que aumentou a desigualdade em  10%. Note-se que também nesse caso houve deterioração das contas fiscais e necessidade de aumento de impostos e juros, com prejuízo para o crescimento da economia.

Em quarto lugar, duas políticas públicas fundamentais para melhorar as condições de vida da população e ao mesmo tempo elevar a produtividade dos trabalhadores, têm apresentado pouco progresso ou estagnação. Trata-se do saneamento e da saúde.

No caso do saneamento, IPEA (2013, p. 7) apresenta a  informação de que “o percentual de pessoas que tiveram acesso simultaneamente a energia elétrica, coleta de lixo, esgotamento sanitário adequado e acesso adequado à rede geral de água aumentou 1 ponto percentual em 2012, atingindo o universo de 59,2%”. Este é um dado muito ruim: 40,8% da população brasileira não têm acesso a serviços públicos básicos.

É relevante ressaltar que enquanto houve farta distribuição de desonerações tributárias nos últimos anos, as empresas de saneamento básico continuaram a ser taxadas integralmente pelo PIS/COFINS e CSLL, a despeito de haver no Congresso diversos projetos propondo tal isenção.

Na saúde, conforme registra Médici (2011)5, houve descontinuidade de importantes políticas de ampliação de atenção à saúde dos mais pobres. Entre 1992 e 2002 a cobertura do Programa Saúde da Família expandiu-se a uma taxa anual de 25,5%, depois, entre 2002 e 2009, essa taxa reduziu-se para 8% a.a.. A mesma desaceleração foi verificada no Programa de Agentes Comunitários de Saúde, que crescia a 72,6% ao ano entre 1994 e 2002 e desacelerou para 2,5% ao ano no período 2002-2009.

Também foi interrompido o processo de organização da rede de atendimento ambulatorial de forma regionalizada. Por esse meio, postos de atendimento básico filtravam os pacientes mais graves para unidades capacitadas para atendimento mais complexo, geridas pelos estados e cobrindo vários municípios. O sistema regrediu para o modelo anterior de hospitais municipais pequenos, sem economia de escala, baixa capacidade operacional e alta ociosidade.

Pouca ênfase foi dada às experiências de gestão hospitalar por Organizações Sociais, em contratos de gestão mais flexíveis que, comprovadamente, reduzem o custo e aumentam a resolutividade e qualidade dos atendimentos.

Ainda na saúde interrompeu-se a implantação do Cartão SUS, que agregaria qualidade ao atendimento, ao armazenar o histórico clinico dos pacientes. Ao mesmo tempo, o Cartão permitiria a criação de uma câmara de compensação financeira, para que os estados e municípios que prestassem o atendimento fossem por ele remunerados, além de permitir a cobrança, junto a planos de saúde, pelo atendimento de seus clientes que viessem a ser atendidos pelo SUS.

Tais medidas, se levadas adiante, reduziriam a iniquidade no atendimento à saúde, melhorariam a gestão, a produtividade e a qualidade dos serviços prestados. Em última instância, elevariam a capacidade laboral do trabalhador, sua produtividade e as perspectivas de crescimento da economia.

Ou seja, com políticas mais focadas na população pobre teria sido possível diminuir a pobreza e a desigualdade de forma mais intensa do que realmente aconteceu. Esse tipo de aperfeiçoamento da política social se torna cada vez mais importante, pois há motivos para se crer que o atual conjunto de política tende a ter menor efeito sobre a desigualdade nos próximos anos, uma vez que os resultados mais fáceis já foram obtidos. Isso porque:

a) o Bolsa Família e os demais programas sociais estão próximos de esgotar o seu processo de expansão (praticamente toda clientela elegível já é atendida pelos programas) e só continuarão a ter efeito redistributivo se houver aumento real no valor dos benefícios, o que se defronta com a delicada situação fiscal do país;

b) o processo de elevação do valor real do salário-mínimo parece já ter chegado a um ponto de esgotamento, tanto por produzir aumentos artificiais de salários, reduzindo a competitividade das empresas, quanto pela pressão que exerce nas contas públicas via previdência social.

c) Segundo Ferreira et al (2013)6, 32% da população brasileira, em 2009, podia ser classificada como “vulnerável”. Essas pessoas deixaram de ser pobres, mas têm razoável chance de voltar a sê-lo. Uma desaceleração da economia pode levar parte desse grande contingente de volta à pobreza, com possível ampliação dos  índices de desigualdade.

Para evitar que a desigualdade e a pobreza parem de cair é preciso ir além dos ajustes nas políticas sociais referidos ao longo desse texto (inclusive nos setores de saúde e saneamento). Deve-se fazer uma reforma da previdência social que, ao mesmo tempo, reduza a iniquidade daquele sistema e promova ajuste estrutural das contas públicas, o que elevará a poupança agregada e, consequentemente, o potencial de crescimento da economia. Portanto, a reforma da previdência combinaria queda de desigualdade com aumento do crescimento.

Da mesma forma, é fundamental dar prioridade à melhoria da qualidade da educação que é o meio mais garantido de gerar, simultaneamente, redução de desigualdade e crescimento econômico no longo prazo. A oferta de educação de qualidade faz com que o futuro das crianças deixe de depender do nível sócio-econômico dos pais. Um sistema educacional equitativo cria igualdade de oportunidades e promove mobilidade social de uma geração para outra. Sem investimentos em educação as famílias podem até melhorar de vida, mas seus horizontes estarão limitados pelo histórico familiar, pois as suas oportunidades de educação tendem a ser similares ou pouco melhores do que as que seus pais tiveram.

Políticas públicas e reformas que combinem redução da desigualdade com remoção de barreiras ao crescimento devem ser as prioridades governamentais.

__________

1 IPEA (2013) “Duas décadas de desigualdade e pobreza no Brasil medidas pela Pnad/IBGE” – Comunicados do IPEA nº 159, de 2013

2 Souza, P.H.G.F, Medeiros, M. (2013) The Decline in Inequality in Brazil in 2003-2009: the role of the State. Universidade de Brasilia. Economics and Politics Working Paper 14/2013.

3 IPEA (2012) A Década Inclusiva (2001-2011): desigualdade, pobreza e políticas de renda. Comunicado IPEA nº 155, de 2012.

4 Fonte: Boletim Estatístico de Pessoal, mar. 2013. Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão.

5 Médici, A. (2011) Propostas para Melhorar a Cobertura, a Eficiência e a Qualidade no Setor Saúde. In: Bacha, E.L. e Schwartzman, S. (Orgs.) Brasil: a nova agenda social. LTC editora.

6 Ferreira, F.H.G. et al (2013) Economic Mobility and the Rise of Latin American Middle Class. Banco Mundial.

Download:

  • veja este artigo também em versão pdf (clique aqui).
]]>
https://www.brasil-economia-governo.com.br/?feed=rss2&p=2041 3
O Programa Bolsa Família incentiva a fecundidade no Brasil? https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=821&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=o-programa-bolsa-familia-incentiva-a-fecundidade-no-brasil https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=821#comments Mon, 07 Nov 2011 10:48:35 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=821 O valor recebido pelas famílias beneficiadas pelo Programa Bolsa Família (PBF) cresce à medida que aumenta o número de crianças e adolescentes da família. Pelos valores praticados em 2011, temos que uma família em extrema pobreza recebe o benefício básico de R$ 70,00. Para cada criança ou adolescente de até quinze anos, a família recebe um adicional de R$ 32,00, conhecido como “benefício variável”. Cada família pode receber até três benefícios variáveis. Ou seja, uma família que tenha três ou mais membros com até quinze anos receberá 70 + 3*32 = R$ 166,00. Há, ainda, o benefício variável vinculado ao adolescente: as famílias que têm um adolescente entre 16 e 17 anos recebem mais R$ 38. São pagos, no máximo, dois benefícios dessa espécie por família, o que elevaria o valor máximo da bolsa a R$ 166,00 + 2*38 = R$ 242

Surge, então, a pergunta: será que o benefício variável pago para cada criança adicional estimula as famílias beneficiárias do PBF a ter mais filhos? Para responder a essa questão precisamos avaliar como tem evoluído a taxa de fecundidade no Brasil, bem como consultar diversos estudos que buscaram medir o impacto do PBF sobre essa taxa.

A fecundidade feminina no Brasil vem caindo continuamente desde os anos sessenta. A Taxa de Fecundidade Total (TFT) era de 6,3 filhos por mulher em 1960, caiu para 5,8 filhos em 1970, 4,4 filhos em 1980, 2,9 filhos em 1991, 2,4 filhos em 2000 e cerca de 1,9 filho em 2010, segundo os censos demográficos do IBGE.

A taxa de fecundidade caiu em todas as Unidades da Federação. Os Estados da região Norte tinham fecundidade acima de 8 filhos por mulher em 1970, caindo para cerca de 3 filhos em 2000. Os Estados da região Nordeste tinham fecundidade de 7,5 filhos por mulher em 1970, passando para 2,7 filhos em 2000. As demais regiões tinham fecundidade mais baixa em 1970 e chegaram a uma taxa próxima ao nível de reposição populacional (2,1 filhos por mulher) na virada do milênio.

Durante a primeira década do século XXI a fecundidade continuou caindo em todo o País e chegou abaixo do nível de reposição na maioria dos Estados brasileiros, sendo que o Rio de Janeiro apresentou a menor TFT, de 1,6 filho por mulher em 2009. Segundo Faria (1989), as políticas públicas de saúde, previdência, crédito e telecomunicações tiveram papel importante na queda da fecundidade no Brasil. As mudanças estruturais e institucionais do país possibilitaram a reversão do fluxo intergeracional de riqueza, aumentando o custo e reduzindo os benefícios dos filhos (Alves, 1994).

As taxas de fecundidade são mais baixas para os segmentos da população urbana, de maior renda, de maior escolaridade, ou seja, de maior inclusão social no Brasil. O tamanho das famílias é menor nos segmentos populacionais que possuem informações e acesso aos serviços de saúde (públicos ou privados) e, em particular, aos serviços de saúde reprodutiva. Para as mulheres de maior renda e maior nível educacional a taxa de fecundidade está em torno de 1 (um) filho por mulher, o que quer dizer que cada casal deste segmento social está gerando apenas a metade das pessoas necessárias para se repor.

Já as parcelas da população com menores níveis de renda e escolaridade possuem taxas de fecundidade mais elevadas. Mas estas taxas também estão caindo. O segmento social composto pelos 20% mais pobres da população tinha fecundidade de 5 filhos por mulher em 1992 e passou para 3,4 filhos por mulher em 2009. Este é o segmento que faz parte do público alvo do Programa Bolsa Família. Portanto, a fecundidade da população mais pobre do Brasil é mais elevada do que a média nacional, mas não é uma “fecundidade africana” (como retrata certos setores da mídia brasileira) e sim uma fecundidade relativamente baixa e em declínio.

Desta forma, os dados indicam que as taxas de fecundidade da população mais pobre do Brasil caíram na última década. Este fato, já é um indício de que o Programa Bolsa Família (PBF), em vigor desde 2004, não parece ter efeitos pró-natalistas, como é o temor de alguns. Os números e as contas vão ficar mais claras quando o IBGE publicar os dados definitivos do censo demográfico 2010. Porém, já existem estudos indicando que o PBF não tem o efeito prático de aumentar a fecundidade no Brasil.

Stecklov et al. (2006), analisando outros programas, que não o PBF, argumentam que há um estímulo pró-natalista nas políticas de transferência de renda, quando a quantidade de recursos transferidos aos beneficiários depende do tamanho da família. Os programas analisados por esses autores foram: Progresa no México, Rede de Proteção Social (RPS) na Nicarágua e Programa de Assistência Familiar (PRAF) em Honduras. Os autores afirmam que o desenho – intencional ou não-antecipado – dos dois primeiros não apresenta estímulo pró-natalistas, enquanto o terceiro geraria estímulo natalistas que dificultam o combate à pobreza.

No documento fundador do Progresa está marcado explicitamente o objetivo de se evitar “fomentar famílias muy extensas”. Já o PRAF, de Honduras, possibilita o aumento de benefícios e a entrada no programa com o aumento do número de filhos.

O Programa Bolsa Família (PBF) tem um desenho parecido com o PRAF de Honduras. Os benefícios do PBF crescem até 5 filhos, sendo 3 crianças de 0-15 anos e até 2 adolescentes de 15 a 17 anos. Assim, teoricamente, o programa de transferência de renda do Brasil teria um desenho pró-natalista.

Contudo, estudos acadêmicos mostram que, na prática, o Programa Bolsa Família não tem provocado o aumento do número de filhos das famílias beneficiadas. Romero Rocha (2009) investiga os incentivos à fecundidade dos programas condicionais de transferência de renda, nos quais a quantidade de recursos transferidos depende do tamanho da família. Usando uma metodología econométrica ele mostra que o PBF não tem provocado o aumento da fecundidade da população pobre no Brasil.

Patrícia Simões e Ricardo Soares (2011) não encontram efeitos pró-natalistas no PBF. Bruna Signorini e Bernardo Queiroz (2011) utilizam dados das PNADs 2004 e 2006 para observar o efeito médio do programa nos beneficiários do PBF, utilizando a metodologia do escore de propensão para identificar os grupos de tratamento e controle. Os resultados encontrados pelos autores indicam que não há impacto significativo do recebimento do BF na decisão de ter filhos.

Alves e Cavenaghi (2011), com base na pesquisa “Impactos do Bolsa Família na Reconfiguração dos Arranjos Familiares, nas Assimetrias de Gênero e na Individuação das Mulheres”, realizada na cidade do Recife em 2007/2008, mostram que não existe diferença significativa no comportamento reprodutivo entre as mulheres que vivem em famílias cadastradas no CadÚnico[1] beneficiadas e não beneficiadas pelo PBF. Embora haja uma tendência de as famílias beneficiadas terem uma fecundidade ligeiramente maior, assim como uma proporção um pouco maior de mulheres com 3 ou mais filhos (22,7% contra 16,4% das não-beneficiárias), o fato é que o maior número de crianças tende a reduzir a renda per capita, aumentando a probabilidade das famílias se tornarem elegíveis aos benefícios do Programa. Dessa forma, a causalidade entre número de filhos e beneficiados pelo PBF seria inversa. A mulher não tem mais filhos porque passou a receber o PBF, mas sim o contrário: por ter mais filhos, e, com isso, reduzir a renda per-capita familiar, a mulher se credencia a participar do PBF.

Fazendo um breve resumo da pesquisa, observa-se que apenas 8,4% (beneficiárias do Cadúnico) e 25,1% (não beneficiárias) das adolescentes e jovens entre 15 e 19 anos, cadastradas no Cadúnico, não tinham filhos, enquanto a Pesquisa Nacional de Demografia e Saúde (PNDS -2006) indicou um número de 84% de mulheres sem filhos nesta faixa etária no Brasil. No Recife, 50% (beneficiárias) e 33,3% (não beneficiárias) das adolescentes e jovens entre 15 e 19 anos, em famílias do CadÚnico, já tinham tido um ou dois filhos, respectivamente, contra apenas 14% (beneficiárias) e 0,2% (não beneficiárias) do conjunto de mulheres do país que responderam à PNDS-2006. Isto mostra que o padrão de fecundidade é muito jovem e que a maternidade faz parte da vida cotidiana da maioria absoluta das adolescentes e jovens pobres do Recife.

A fecundidade mais elevada entre a população pobre, menos escolarizada, com menor nível de consumo e piores condições habitacionais é uma realidade constatada em todas as pesquisas sobre o comportamento reprodutivo no Brasil. A literatura mostra que, em grande parte, esta maior fecundidade se deve à falta de acesso aos serviços de saúde sexual e reprodutiva, mas também acontece devido à falta de perspectivas profissionais e educacionais, assim como de um projeto de vida que possibilite o progresso cultural e material destas mulheres.

Os dados da pesquisa também mostram que é alta a percentagem de mulheres que engravidaram sem ter planejado segundo a participação ou não no PBF. De certa forma, isto ratifica a hipótese de que estas mulheres estão no programa porque tiveram filhos e não o contrário, isto é, tiveram filhos porque estão no Programa.

O survey mostrou ainda que mais da metade das famílias obtém os métodos contraceptivos por meio do Programa de Saúde da Família (PSF). As outras fontes de obtenção para as famílias beneficiadas do PBF são os centros de saúde (ou ambulatório) e as farmácias particulares, com 17% e 26%, enquanto as famílias não beneficiadas do PBF conseguem 27% e 20% respectivamente nestes dois locais. O fato de as famílias beneficiadas recorrerem um pouco mais às farmácias particulares pode indicar que o efeito renda do PBF pode estar sendo usado inclusive para a compra de métodos contraceptivos via mercado. Assim, as falhas da política pública de saúde reprodutiva poderiam estar sendo compensadas, em parte, pela política de transferência condicionada de renda.

Como apontado na literatura demográfica, as mulheres com menor nível de renda e educação no Brasil começam a ter filhos mais cedo (rejuvenescimento da fecundidade) e fazem um “controle por terminação” também mais cedo após se atingir um determinado tamanho da prole. Como possuem dificuldades para obter métodos de regulação da fecundidade de forma eficiente e constante, acabam recorrendo às esterilizações. Das quase 90 mil mulheres em idade reprodutiva e que recebiam o benefício do PBF na cidade do Recife, 44% estavam esterilizadas no momento da pesquisa, assim como mais da metade das 14 mil mulheres que estavam registradas no CadÚnico, mas se encontravam em famílias que não recebiam benefícios.

Quando perguntado quem optou por utilizar a esterilização, mais de dois terços das mulheres disseram que foram elas mesmas sem a orientação de ninguém (47%) ou elas mesmas com orientação do médico (25%). Em torno de 10% das mulheres disseram que optaram pela esterilização em comum acordo com o cônjuge e apenas algo em torno de 1% das mulheres afirmaram que optaram pelo método em função do cônjuge ou companheiro. Não houve diferenças significativas entre as famílias beneficiadas e não beneficiadas pelo PBF neste quesito.

A pesquisa mostra de maneira clara que esta parcela pobre da população do Recife registrada no CadÚnico, assim como o conjunto da população brasileira, também tem passado pelo processo de transição da fecundidade. A transição da fecundidade não é um fenômeno exclusivo da população rica. A geração mais velha, formada pelas mães das mulheres entrevistadas, teve um número de filhos bem superior à geração atual, pois quase 80% tiveram 4 ou mais filhos e foi praticamente zero o percentual de sem filhos. Já para a geração atual, formada por todas mulheres que responderam à pesquisa, somente 17,9% tiveram 4 ou mais filhos, 21,8% tiveram 3 filhos e o percentual maior (37,1%) ficou para as mulheres que tiveram 2 filhos. O percentual com um filho ficou em 21,6% e as sem filhos com 1,5%.

Contudo, quando se pergunta sobre o número de filhos desejados (se pudesse escolher o número de filhos, quantos seriam?) as mulheres apontaram um número bem menor do que os obtidos pela geração passadas. Nota-se que o percentual de mulheres que manifestaram o desejo de ter 3 ou mais filhos é bem menor do que o número de filhos que elas ou suas mães tiveram. Em contraponto, no que se refere à fecundidade desejada, cresce a preferência de ter 2 ou menos de 2 filhos, inclusive com 6,4% das mulheres manifestando não desejar filhos (fecundidade zero).

O que se pode constatar é que mesmo a população de baixa renda tem apresentado redução no número médio de filhos à medida que o país vai se urbanizando e a população vai tendo acesso às políticas públicas de educação e saúde. Tanto as mulheres que recebem quanto as que não recebem os benefícios do PBF desejam ter menos filhos e possuem alto índice de gravidez não planejada. Ainda falta muito para o Sistema Único de Saúde (SUS) universalizar, na prática, os serviços de saúde sexual e reprodutiva.

Em geral, as mulheres beneficiadas vão para o PBF porque têm filhos e, não necessariamente o contrário, têm filhos para entrar no PBF. A presença de cônjuge no domicílio não melhora a renda necessariamente, mas apenas quando este trabalha. O desenho do Programa Bolsa Família pode até ser considerado potencialmente pró-natalista (como sugere Stecklov et al. 2006), porém, o valor da parte variável do benefício é muito baixo (R$ 32,00 mensais para crianças até 15 anos, e R$ 38,00 mensais para adolescentes com 16 ou 17 anos) e dificilmente teria um impacto capaz de alterar a tendência média das taxas de fecundidade que, de modo geral, estão em declínio em todo o Brasil.

As pesquisas mostram que os diferenciais de fecundidade da população tendem a se reduzir e a convergir para níveis baixos quando se universaliza o acesso às políticas públicas e cresce a inclusão social.

Downloads:

  • veja este artigo também em versã o pdf (clique aqui).

Para ler mais sobre o tema:

ALVES, J. E. D. Transição da fecundidade e relações de gênero no Brasil. 1994. 152f. Tese (Doutorado) – Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 1994

ALVES, JED. CAVENAGHI, S. O Programa Bolsa Família, Fecundidade e a Saída da Pobreza, Scribd, 2011. Disponível em:

http://pt.scribd.com/doc/69786813/O-Programa-Bolsa-Familia-Fecundidade-e-a-Saida-da-Pobreza

ALVES, JED. CAVENAGHI, S. O Programa Bolsa Família e políticas públicas: saúde reprodutiva e pobreza na cidade do Recife.  IX Encontro Nacional da Associação Brasileira de Estudos Regionais e Urbanos – IX ENABER, Natal, 19 a 21 de outubro de 2011. Disponível em:

http://200.251.138.109:8001/artigosaprovados/12.61.pdf

ALVES, JED, CAVENAGHI, S. Dinâmica demográfica e políticas de transferência de renda: o caso do programa Bolsa Família no Recife. Revista Latinoamericana de Población. , v.3, p.165 – 188, 2009

Disponível em: http://www.alapop.org/2009/Revista/Articulos/Relap4-5_art7.pdf

FARIA, V.E. Políticas de governo e regulação da fecundidade: conseqüências não antecipadas e efeitos perversos. In: CIÊNCIAS sociais hoje. São Paulo, ANPOCS, 1989.

ROCHA, R. Programas Condicionais de Transferência de Renda e Fecundidade: Evidências do Bolsa Família. PUC/Rio, Rio de Janeiro, 2009. Disponível em:

http://www2.dbd.puc-rio.br/pergamum/tesesabertas/0510700_09_cap_03.pdf

SIGNORINI, B.A., QUEIROZ, B.L. The impact of Bolsa Família Program in the beneficiary fertility. Texto para Discussão, n. 439, Cedeplar/UFMG, Belo Horizonte, Agosto de 2011. Disponível em:

http://www.cedeplar.ufmg.br/pesquisas/td/TD%20439.pdf

SIMÕES, P., SOARES, R.B. Efeitos do Programa Bolsa Família na Fecundidade das Beneficiárias.  CAEN/UFC, Fortaleza, 2011. Disponível em:

http://www.caen.ufc.br/arquivos/dissertacoes_defendidas_mestrado_economia_2009_2010_2011.pd

STECKLOV G, WINTERS P, TODD J, REGALIA F. Demographic Externalities from Poverty Programs in Developing Countries: Experimental Evidence from Latin America. American University, Washington, n. 1, 41 p. january 2006, Disponível em: http://aladinrc.wrlc.org/handle/1961/4969


[1] Cadastro instituído pelo Decreto nº 6.135/2007, para registro das famílias elegíveis para acesso a programas sociais.

]]>
https://www.brasil-economia-governo.com.br/?feed=rss2&p=821 8
O aumento do salário mínimo e dos benefícios a ele vinculados favorece ou dificulta a eliminação da miséria no Brasil? https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=173&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=o-aumento-do-salario-minimo-e-dos-beneficios-a-ele-vinculados-favorece-ou-dificulta-a-eliminacao-da-miseria-no-brasil https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=173#comments Fri, 11 Feb 2011 00:18:21 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=173 Mais de 20 milhões de pessoas foram retiradas da pobreza em função das transferências previdenciárias, particularmente no âmbito do setor rural[1]. De fato, a previdência no Brasil cumpriu papel relevante não apenas na redução da pobreza entre idosos quanto na redistribuição de renda em favor destes últimos e na redução das desigualdades regionais.

O caráter distributivo fica evidente quando se constata que, embora apenas metade da força de trabalho brasileira contribua para a previdência, a quase totalidade dos idosos é hoje coberta por benefícios previdenciários ou pelo benefício assistencial de prestação continuada (BPC) pago ao portador de deficiência e idoso (65 anos ou mais) de família com renda mensal per capita inferior a ¼ do salário mínimo.

Com relação ao setor rural , a quase totalidade dos benefícios previdenciários concedidos possui caráter eminentemente assistencial. Além de seus trabalhadores se aposentarem cinco antes que os urbanos, as contribuições previdenciárias oriundas desse setor nem de longe cobrem as despesas. A base contributiva é pequena, assim como reduzidas são as condições efetivas de contribuição dos trabalhadores rurais brasileiros, cuja grande maioria é carente.

Com isso, a arrecadação rural só consegue cobrir cerca de 10% da sua despesa com benefícios, sendo a diferença coberta pelo Tesouro Nacional, conforme se verifica abaixo.

Arrecadação Líquida, Despesa com Benefícios Previdenciários e Resultado Previdenciário, segundo as clientelas urbana e rural (2009)

R$ milhões de Dez/2009 – INPC

Clientela Arrecadação Líquida (a) Benefícios

Previdenciários (b)

Resultado (a-b)
Urbana 168.611 170.108 (1.497)
Rural 5.298 42.518 (37.220)
Total 173.908 212.626 (38.717)

Fonte: MPS (2010)

Esses benefícios rurais – que, em 2008, superaram as transferências do Fundo de Participação dos Municípios (principal transferência feita pelo Governo Federal aos governos municipais) em cerca de 2/3 dos municípios –, somados ao benefício assistencial, constituíram verdadeiros motores das economias locais. Melhoraram a vida no campo, desestimularam a migração para os centros urbanos e transferiram recursos dos municípios mais ricos para os mais pobres. Efeitos inquestionavelmente positivos.

Agregando o Programa Bolsa Família, constatamos que as transferências de renda hoje representam quase 20% da renda das famílias, contribuindo inequivocamente no combate à pobreza no Brasil[2].

Não obstante, embora se perceba a relevância das transferências para todas as idades, é de fato na população mais idosa que se verificam os maiores benefícios: com a expansão das transferências previdenciárias (87% do total) e da assistencial, o percentual de pobres entre indivíduos com 65 anos ou mais de idade  despencou de 14% em 1978 para menos de 2% em 2008.

É fundamental destacar ainda que não apenas a quase totalidade dos idosos brasileiros recebe renda, como esta renda tem crescido sistematicamente para a maioria deles nos últimos anos. Dois em cada três segurados da previdência social e a totalidade dos beneficiários do BPC recebem benefícios iguais ao salário mínimo, cujo valor aumentou 122% acima da inflação entre 1995 e 2010.

Com isso, estima-se que hoje a cada R$ 1 real de elevação do salário mínimo, as despesas com benefícios previdenciários sobem R$ 198 milhões e as relativas ao BPC, R$ 46,3 milhões. As receitas, por seu turno, por não estarem concentradas em torno dos benefícios de um salário mínimo, crescem apenas R$ 14 milhões. Resultado: o déficit total do INSS é elevado em R$ 230 milhões a cada R$ 1 de aumento do mínimo.

Fruto, em grande parte, da política de valorização do salário mínimo e de sua vinculação ao piso dos benefícios da previdência social, o crescimento dos gastos previdenciários, nos últimos anos, foi estratosférico – passaram de 2,5% para 7,2% do PIB, entre 1998 e 2009 –, abocanhando hoje 32% do total da despesa primária federal.

No caso do benefício assistencial, a situação é menos grave, embora requeira atenção, já que os respectivos gastos mais que dobraram, passando de 0,27% do PIB em 2003 para 0,60% em 2010, o que representa quase 3% da despesa não financeira da União (maior, portanto, do que os dispêndios do Programa Bolsa Família, responsáveis por menos de 2% dessa despesa).

Embora as despesas do BPC sejam maiores do que as do Bolsa Família, o primeiro programa assistencial beneficia 3,2 milhões de idosos e deficientes enquanto o segundo, 12,4 milhões de famílias.

Resultado desse substancial avanço das despesas previdenciária e assistencial vis-à-vis a política de obtenção sistemática de superávits fiscais primários, gastos essenciais ao crescimento autossustentado do País acabaram sendo comprimidos, ao longo do tempo, tais como os vinculados a investimentos em infraestrutura e educação, além dos direcionados à saúde, segurança pública e outros essenciais ao bem-estar da população brasileira.

Além disso, quando se focaliza a situação dos mais jovens e responsáveis pelo Brasil de amanhã, constata-se que, enquanto a pobreza praticamente acabou entre os idosos, 44% das crianças de até 14 anos de idade são pobres, das quais perto de 20%, extremamente pobres. Não seria chegada a hora de passar a focalizar as transferências de renda primordialmente nos mais jovens (sem deixar de amparar os idosos, obviamente)?

Nesse contexto, cabe averiguar se continuar pagando benefícios previdenciários e assistenciais cada vez mais elevados para idosos, já que seguem a política de valorização do salário mínimo, é a melhor forma de reduzir a pobreza e a triste indigência que ainda assolam nosso País.

Ao comparar o combate à pobreza no Brasil com o ocorrido em outros países da América Latina, conclui-se que nossa política não tem sido tão efetiva quanto poderia ter sido, em face do substancial nível dos nossos gastos sociais. Isso porque, de acordo com dados da Cepal de 2008, registramos a quarta pior performance do Continente.

Ademais, informações da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicilios (PNAD) para o mesmo ano permitem inferir que, entre aqueles que recebem benefícios previdenciários equivalentes a um salário mínimo, somente 7,6% continuam pobres e apenas 0,6%, extremamente pobres. No caso dos idosos que recebem o benefício assistencial de prestação continuada, apenas 9,4% permanecem pobres e 0,8%, extremamente pobres.

Essas estatísticas traduzem a seguinte realidade: resultado da expressiva escalada de aumentos reais verificada pelo piso salarial de nossa economia, quem hoje o recebe não mais pode ser considerado pobre. Isso, por sua vez, implica que, no futuro, novos incrementos reais no valor do salário mínimo tenderão a melhorar a vida dos que, felizmente, já conseguiram deixar para trás a miséria e se distanciar da pobreza. É como se houvesse dois indivíduos pobres, sendo um mais pobre que o outro, e o menos pobre fosse aquele que estivesse recebendo as maiores transferências de renda. Tal estratégia reduz a pobreza, mas não da forma fundamental.

Em outras palavras: embora a vinculação do salário mínimo ao valor do piso previdenciário e do benefício assistencial de prestação continuada tenha contribuído para a redução da pobreza no Brasil, especialmente entre os idosos; a política de valorização desse salário já atingiu um patamar a partir do qual seu efeito sobre a pobreza está praticamente esgotado.

Conclusão: aumentar os gastos com a previdência social e com o pagamento do benefício assistencial não é hoje o melhor instrumento para reduzir a pobreza e pouco resultado tem na diminuição da miséria.

Desse modo, defender as elevadas despesas advindas da política de valorização do salário mínimo sob o argumento de que constituem importante instrumento de redução da pobreza esconde hoje uma grande verdade: se parcela dos gastos redundantes do sistemático aumento do piso previdenciário e do BPC for alocada na expansão de programas sociais efetivamente focalizados nos extratos inferiores de renda, como por exemplo, o Programa Bolsa Família, a pobreza e a miséria diminuirão muito mais.

Assim, caso se queira contribuir para a concretização do pacto contra a miséria proposto pelo novo Governo lançado ao poder a partir de 2011, o mais indicado é mudar a estratégia. Ao invés de continuar elevando a renda daqueles que recebem benefícios previdenciários e assistenciais equivalentes ao salário mínimo, o mais indicado é preservar o valor real desses benefícios (mediante reajustamentos anuais por índice de preços), direcionando parte dos recursos poupados pela não concessão de aumentos reais aos programas de transferência de renda efetivamente focados nos mais pobres.

Se a opção for por dar continuidade à política de valorização do salário mínimo, isso exigirá que se elimine a vinculação entre este salário e os valores do piso previdenciário e do benefício assistencial de prestação continuada.

Tal estratégia possibilitará manter a proteção aos idosos e, ao mesmo tempo, melhorar a qualidade de vida dos brasileiros de baixa renda mais jovens, potencializando, assim, a redução da pobreza e a eliminação da miséria que ainda impedem que tais cidadãos sejam partícipes do crescimento econômico do Brasil. E o melhor: sem pressionar o aumento das despesas públicas, que devem passar a conferir maior foco aos investimentos em infraestrutura e aos gastos em educação, essenciais ao desenvolvimento sustentado da economia brasileira, com evidentes benefícios à camada mais pobre da população.

Downloads:

  • veja este artigo também em versã o pdf (clique aqui).


Para ler mais sobre o tema:

AMARO, Meiriane N. Terceira Reforma da Previdência: até quando esperar? Brasília: Centro de Estudos da Consultoria do Senado, fev/2010 (Texto para Discussão nº 84). Disponível no site: http://www.senado.gov.br/senado/conleg/textos_discussao.htm

Palavras-chave: salário-mínimo, miséria, benefícios, previdenciários, aposentadorias, idosos, pobreza, redistribuição de renda, bolsa família.


[1] MPS. “Evolução Recente da Proteção Previdenciária e seus Impactos sobre o Nível de Pobreza”. Informe da Previdência Social, vol. 22, nº 10, outubro 2010. Brasília: MPS, 2010.

[2] IPEA. Previdência e Assistência Social: Efeitos no Rendimento Familiar e sua Dimensão nos Estados. Comunicados do IPEA nº 59, 22/07/2010. Rio de Janeiro: IPEA, 2010.

]]>
https://www.brasil-economia-governo.com.br/?feed=rss2&p=173 5