Benefício do Prestação Continuada – Brasil, economia e governo https://www.brasil-economia-governo.com.br Mon, 23 Mar 2015 13:22:09 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=6.7.2 Qual o critério para ser miserável no Brasil? (e como o Judiciário agrava a miséria) https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=2444&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=qual-o-criterio-para-ser-miseravel-no-brasil-e-como-o-judiciario-agrava-a-miseria https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=2444#comments Mon, 23 Mar 2015 13:22:09 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=2444 A Constituição Federal de 1988 assegurou ao idoso e ao portador de deficiência que comprovarem não possuir meios de prover a própria subsistência, ou de tê-la provida por sua família, o direito à percepção de um salário mínimo mensal, a título de benefício assistencial (art. 203, V).

Esse é o Benefício do Prestação Continuada, regulamentado pela Lei nº 8.742/93 (Lei Orgânica da Assistência Social – LOAS), com a atual redação dada pela Lei nº 12.435/11. Nessa norma, estabeleceu-se que se considera “incapaz de prover a manutenção da pessoa com deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário-mínimo” (art. 20, § 3º).

Desta forma, segundo a LOAS, há dois requisitos que devem ser atendidos em situação de cumulativa ocorrência para que o cidadão faça jus ao benefício assistencial: (i) ser idoso ou portador de deficiência; e (ii) encontrar-se em situação de miserabilidade econômica, ocorrente quando a renda familiar per capita for inferior a ¼ do salário mínimo nacional.

Já se discutiu neste site o custo do Benefício de Prestação Continuada no texto “Qual o programa assistencial mais caro do Brasil? (Não é o Bolsa Família)”, no qual se mostrou que o BPC é o programa social que mais onera os cofres públicos, superando inclusive o dispêndio com o Bolsa Família. Estima-se que em 2015 o gasto será de quase R$ 42 bilhões, havendo ainda questionamento quanto à sua eficiência, pois, em relação à pobreza, o BPC não é considerado o instrumento mais efetivo para reduzi-la.

Inicialmente, cumpre salientar que este padrão objetivo de aferição de miserabilidade foi estabelecido por Lei e, portanto, foi alvo de aprofundada reflexão no Poder Executivo e no Legislativo, onde se entendeu que a concessão do benefício àqueles que comprovassem renda familiar inferior a ¼ do salário mínimo não oneraria demasiadamente o erário, e que a instituição dessa política pública, tal como preconizado pelo constituinte, seria salutar, nos moldes desenhados pela Lei nº 8.742/93.

Seguindo os ditames legais, a administração pública passou a negar a concessão do benefício assistencial ao idoso ou deficiente que integrava família com renda per capita superior ao limite máximo legalmente estabelecido. Muitas dessas pessoas recorreram ao Poder Judiciário, pleiteando o estabelecimento do benefício, a despeito do não preenchimento de um dos requisitos.

A orientação predominante nos Tribunais Regionais Federais firmou-se pela possibilidade da concessão do benefício assistencial, ainda que a renda familiar per capita superasse ¼ do salário mínimo, desde que houvesse outros elementos que indiciassem a situação de miserabilidade econômica (e.g. necessidade de comprar remédios caros não fornecidos pelo SUS, custear tratamento médico especializado, contratar enfermeira).

No âmbito do Superior Tribunal de Justiça, consolidou-se que “A limitação do valor da renda per capita familiar não deve ser considerada a única forma de se comprovar que a pessoa não possui outros meios para prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, pois é apenas um elemento objetivo para se aferir a necessidade, ou seja, presume-se absolutamente a miserabilidade quando comprovada a renda per capita inferior a 1/4 do salário mínimo1.

Em 1998, o STF, divergindo do entendimento jurisprudencial prevalecente, reconheceu a constitucionalidade do critério legal matemático estabelecido na LOAS, ao julgar improcedente a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) nº 1.232/DF. Naquela oportunidade, consignou o Min. Nelson Jobin que “compete à lei dispor sobre a forma de comprovação. Se a legislação resolver criar outros mecanismos de comprovação, é problema da própria lei. O gozo do benefício depende de comprovar na forma da lei, e esta entendeu de comprovar dessa forma [1/4 do salário mínimo per capita]. Portanto, não há interpretação conforme possível, porque, mesmo que se interprete assim, não se trata de autonomia de direito algum, pois depende da existência da lei, da definição2.

Assim, naquela ocasião, o Supremo Tribunal Federal foi deferente à decisão dos Poderes Legislativo e Executivo.

Todavia, em 2013, a própria Corte Suprema reviu seu posicionamento quando do julgamento do Recurso Extraordinário (RE) nº 567.985/MT. Os ministros passaram a admitir que outros critérios fossem utilizados pelos magistrados para aferir a miserabilidade econômica dos postulantes ao benefício assistencial.

O fundamento da reversão jurisprudencial (overruling) foi, em síntese: (i) que o parâmetro objetivo legalmente estabelecido poderia acarretar a exclusão do direito assistencial a pessoas miseráveis, que realmente precisariam do auxílio estatal; e (ii) que, “Paralelamente, foram editadas leis que estabeleceram critérios mais elásticos para a concessão de outros benefícios assistenciais, tais como: a Lei nº 10.836/2004, que criou o Bolsa Família; a Lei nº 10.689/2003, que instituiu o Programa Nacional de Acesso à Alimentação; a Lei nº 10.219/01, que criou o Bolsa Escola; a Lei nº 9.533/97, que autoriza o Poder Executivo a conceder apoio financeiro a Municípios que instituírem programas de garantia de renda mínima associados a ações socioeducativas”.

Ao desconsiderar a escolha política (1/4 do salário mínimo), o STF acabou exercendo, obliquamente, controle de decisões técnicas de órgãos políticos (Presidência da República e Casas do Congresso Nacional).

Desde essa decisão paradigmática, os Tribunais, de forma amplamente majoritária, se não unânime, têm aceitado outras provas de miserabilidade, reconhecendo o direito à percepção de um salário mínimo legal mesmo para aqueles que auferem renda familiar per capita superior a ¼ do salário mínimo3.

Já se discutiu também neste site qual é o ponto ótimo de intervenção do Poder Judiciário nas políticas públicas, considerando o bem-estar da sociedade (Qual a quantidade ótima de intervenção judicial nas políticas públicas?). No presente caso, relativo à definição do conceito de miserabilidade, não há negar que a intervenção do Judiciário colaborou para colocar o BPC como o programa assistencial mais caro do País. Alargam-se os benefícios vinculados aos direitos sociais, mas não se prevê uma harmonização entre esses direitos e os recursos disponíveis para a concretização das políticas públicas (regra da contrapartida), tampouco com a necessidade de aplicação dos escassos recursos em outras finalidades que poderiam gerar maior bem-estar à sociedade.

Para agravar a situação, consagrou-se situação de insegurança jurídica que apenas sobrecarrega o próprio Judiciário. Isso porque a administração deve sempre pautar sua atuação em lei. Assim sendo, está impedida de apreciar se, no caso, apesar da renda familiar superar ¼ do salário mínimo, o postulante está em situação de miserabilidade (uma vez que a lei não lhe confere tal discricionariedade e, ainda que assim não fosse, a autoridade administrativa possui limitados instrumentos para apurar a condição social e econômica do requerente). Logo, só resta ao pretenso beneficiário recorrer ao Judiciário e, em realidade, por vezes nem mesmo ele sabe se faz jus ao benefício, já que a aferição da miserabilidade passou a ser bastante flexível e subjetiva.

Em outras palavras, o STF permitiu que mais pessoas sejam enquadradas como miseráveis sem realizar prévio estudo técnico quanto ao impacto orçamentário de sua decisão. Indo além, desconsiderou o critério objetivo traçado pelos Poderes Executivo e Legislativo. Tal proceder, que poderia ser qualificado por alguns como “ativista”, impõe um enorme custo social que suga considerável alocação orçamentária para atender às demandas judiciais, restando menos recursos para o desenvolvimento de políticas públicas que poderiam atender à sociedade de forma generalizada e criando mais obstáculos para o desenvolvimento econômico.

___________

1REsp (Recurso Especial) nº 1.112.557/MG, Rel. Min. NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, STJ – 3ª Seção, DJe 20/11/2009.

2ADI (Ação Direta de Inconstitucionalidade) nº 1.232-1/DF, Rel. Min. Ilmar Galvão, STF – Pleno, julgado em 27/08/1998.

3Nesse sentido, ver TRF-1, AC 180146120134019199, DJe 16/10/2013; TRF-2, AC/RE 201402010065423, DJe 09/10/2014; TRF-3, AC 00337173720124039999, DJe 13/09/2013; TRF-4 AG 200104010887366; e TRF-5, REO 00034470620104058201.

 

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