barragens – Brasil, economia e governo https://www.brasil-economia-governo.com.br Mon, 26 Jan 2015 10:46:39 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=6.7.2 Quem tem medo de reservatórios? https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=2374&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=quem-tem-medo-de-reservatorios https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=2374#comments Mon, 26 Jan 2015 10:46:39 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=2374 Na década de 1980, sob pressão de setores ambientalistas, o Banco Mundial deixou de apoiar a construção de hidrelétricas, que, para eles, não podiam ser consideradas fontes limpas, por causa dos seus reservatórios. Era, segundo Francisco Gomide, professor titular da Universidade Federal do Paraná e ex-Ministro de Minas e Energia, o início de um processo de “criminalização” das barragens, equívoco que durou bom tempo até que o Banco voltou a considerar as hidrelétricas como fontes renováveis de energia. Esse engano terrível contribuiu, segundo ele para que o século XX terminasse contabilizando 1,6 bilhão de pessoas sem energia elétrica e mais de 850 milhões sem acesso à água.

O Banco reviu sua posição, mas os radicais e os equivocados não! No Brasil, a cruzada contra as hidrelétricas continuou firme, a pretexto da intocabilidade da Floresta Amazônica, reforçada por celebridades como Sting e James Cameron. O principal símbolo dessa luta tem sido a Usina Belo Monte. Graças a essas pressões, o projeto de Belo Monte foi alterado na década de 90, e a usina está sendo construída “a fio d’água”, sem capacidade de gerar no período seco porque não tem o reservatório previsto no projeto original. Com isso, perdem-se mais de 5 mil MWmédios de energia, mais de 60% da energia de Itaipu, a maior geradora mundial de energia elétrica.

Neste ponto, é importante registrar que todos esses reservatórios construídos e a construir na Amazônia ocuparão apenas 10.500 km², ou seja, 0,16% desse bioma, que tem 6.500.000 km².

Mas essa foi a forma de “viabilização sociopolítica” encontrada pelo governo para Belo Monte e para outras hidrelétricas: construir usinas sem reservatório, renunciando à sua imensa capacidade de geração de energia firme, limpa e barata, rasgando a Lei nº 9.074, de 1995, que determina o aproveitamento ótimo dos recursos hídricos das bacias. Renunciando à reservação, haveria menos área alagada e a grita dos oponentes seria menor.

Com essa política, contudo, renunciamos em definitivo a uma insubstituível fonte de geração de energia limpa e barata, patrimônio de toda a população brasileira. Uma hidrelétrica construída sem obediência ao aproveitamento ótimo legal significa perda de capacidade de geração de energia por toda a sua vida útil, de até mais de 100 anos. Com isso, o Brasil perde competitividade no mercado internacional porque não dispõe de energia barata, o que seria uma de nossas vantagens comparativas, dado o nosso potencial hídrico, e a conta de luz do consumidor residencial aumenta.

Mas por que os reservatórios são importantes? As usinas podem continuar gerando no período seco, se houver água guardada. Se não, é preciso acionar térmicas a combustível fóssil, muito mais caras e mais poluentes. As hidrelétricas com reservatório oferecem energia limpa a, no máximo, R$ 160,00/MWh, além de proporcionar regularização de cheias, água para consumo e irrigação, piscicultura, pesca e turismo, entre outros benefícios. As térmicas geram apenas energia, calor e CO², a um preço que vai de R$ 340,00 a R$ 1.000,00/MWh. Mas elas não são as vilãs do filme. Na verdade, têm sido, em vista dos equívocos da política setorial, a única alternativa segura para garantir o abastecimento.

A fonte eólica, já economicamente viável, e a solar, ainda muito cara, ambas queridinhas dos radicais equivocados, são apenas complementares, porque dependem da ocorrência de sol e vento, não são fontes seguras. Além disso, podem apresentar efeitos ambientais altamente perversos. Uma usina solar moderna, por exemplo, esterilizaria uma área de 2.200 km² com os seus painéis para gerar a mesma quantidade de energia que será entregue por Belo Monte, cujo lago medirá apenas 516 km².

Vivemos uma grande crise hídrica no País. Os reservatórios das hidrelétricas do Sudeste/Centro-Oeste, responsáveis por cerca de 70% do abastecimento nacional, encerraram dezembro com apenas 19,36% de sua capacidade. Em 2001, ano em que o Brasil foi obrigado a racionar energia, esse percentual era de 32,27%!

Por sorte, temos hoje um parque térmico bem maior que o existente naquele ano, montando a quase 30% da capacidade instalada nacional. Essas térmicas têm sido acionadas praticamente a sua capacidade plena desde 18 de outubro de 2012, quando a escassez de chuvas começou a assustar o governo, a um custo que pode chegar até a R$ 50 bilhões, segundo alguns especialistas. Daí, também vêm as previsões sobre os aumentos da conta de luz que já estão sendo anunciados. Se teremos um racionamento este ano ainda é coisa difícil de prever, mas a situação é bastante ruim.

Em São Paulo há uma crise hídrica ainda pior. Lá falta água para o consumo humano. Como culpar São Pedro não resolve o problema, só nos resta fazer o que se faz desde a Antiguidade: armazenar e poupar água. A Grande Barragem de Marib, no atual Iêmen, construída no século VIII A.C., é considerada a barragem mais antiga do mundo e permitiu irrigação e a sobrevivência dos nabateus, que então viviam na região. Os Estados Unidos têm hoje 75.000 barragens, com idade média de 50 anos. Elas armazenam entre 800 e 1.000 km³ de água. Não há sinais, até aqui, de que construí-las tenha sido um erro. De resto, todos os países do mundo que têm a possibilidade de construir hidrelétricas já o fizeram, e os que ainda não o fizeram se apressam a fazê-lo, como os chineses.

O Brasil dispõe do 3º maior potencial hidrelétrico do mundo, que representa 10% da disponibilidade mundial. Estima-se que tenhamos ainda cerca de 120 mil MW de capacidade a aproveitar, quase 90% da nossa capacidade total de geração. Até quando vamos continuar desperdiçando essa riqueza? Até quando continuaremos cultivando uma aversão irracional contra hidrelétricas com reservatórios?

 

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Hidroelétricas no Brasil: a vitória do obscurantismo https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=2065&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=hidreletricas-no-brasil-e-a-vitoria-do-obscurantismo https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=2065#comments Mon, 18 Nov 2013 12:49:33 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=2065 O anedotário da caserna nos conta que, ao assumir o comando de um quartel, um coronel indagou de seu oficial imediato acerca de um posto de sentinela permanente em frente a um banco de praça. Percorreu-se, sem sucesso, toda a cadeia hierárquica atrás da resposta, até que o soldado mais antigo do quartel acabou com mistério: há muitos anos, o banco fora pintado e, por isso, providenciou-se uma sentinela para evitar que alguém, inadvertidamente, sentasse sobre a tinta fresca. Desde então, o posto nunca mais ficou sem vigilância.

É inevitável a lembrança da sentinela do banco quando se assiste a alguém do Governo Federal, compungida e conformadamente, informar à platéia que “a sociedade decidiu que não se pode mais construir hidroelétricas com grandes reservatórios”. A sociedade quem, cara-pálida? Quando, onde e por quem essa decisão foi tomada?

Fala sério, autoridade! Isso nunca foi discutido adequadamente no Brasil e, menos ainda, definido por meio de mecanismos da democracia representativa. Nem quem vota nem quem foi votado escolheu coisa alguma. Essa decisão é de responsabilidade exclusiva de gente amedrontada por meia dúzia de bumbeiros tonitruantes. Gente que, passivamente, ouve os parlapatões midiáticos dizerem que a energia eólica substitui, com vantagens, a hidroeletricidade. Gente que afirma que Belo Monte vai afetar o Parque Nacional do Xingu, aquela maravilha situada rio acima – a “apenas” 1.300km, aproximadamente.

A Comissão Internacional de Grandes Barragens, uma entidade de reconhecida qualificação técnica que realiza levantamentos sistemáticos em diversos países, periodicamente publica uma lista dos países com mais de duzentas grandes barragens em operação. Trata-se aqui de estruturas com altura igual ou superior a 15m e, também, as que possuem altura variável entre 10 e 15m, desde que tenham capacidade de armazenar mais de 3 milhões m3 de água em seus respectivos reservatórios.

Como esperado, a China, os Estados Unidos e a Índia ocupam as primeiras posições na lista. O Japão e a Coreia do Sul, surpreendentemente, ocupam a quarta e a quinta posições, respectivamente, superando, sucessivamente, o Canadá, a África do Sul e o Brasil.

Quando nos lembramos das condições climáticas adversas do enorme território canadense, ficamos nos perguntando sobre certo país privilegiado, em cujos corpos d’água se encontram 12% da água doce superficial do planeta – muito mal distribuídos, diga-se de passagem. Chega-se à conclusão de que a razão entre a quantidade de barragens e a extensão do nosso território é bem modesta, nomeadamente quando comparada com os dois países asiáticos que, obviamente, não se destacam no panorama internacional pela extensão territorial e, tampouco, pela geração hidrelétrica.

Há atualmente cerca de 50 mil grandes barragens em operação mundo afora. O Brasil mal ultrapassa o milhar, enquanto a Coreia do Sul, um país menor do que o Estado de São Paulo, tem um terço a mais, e o Japão, o triplo. Isso nos leva a pensar que essas sociedades priorizaram a regularização das vazões de seus rios, como forma de controlar os seus múltiplos usos, tais como o controle de inundações, a mitigação dos efeitos das secas, a irrigação de lavouras, o suprimento de água potável, a navegação e o controle de doenças de origem hídrica.

É interessante notar que, no Brasil, quanto mais sectários são os opositores aos empreendimentos hidroelétricos, mais eles se utilizam da palavra “barragem”, em vez de “usina” ou de “hidroelétrica”, sugerindo que os barramentos ao curso natural dos rios não podem ser feitos, em nenhuma hipótese. Eles falam em impactos “irreversíveis”. Não usariam esse termo se tivessem prestado atenção às aulas de química nos cursos de ensino médio – especialmente às que tratam de equilíbrios e seus deslocamentos. Lembrariam que há uma quantidade fixa de água no planeta e que os reservatórios são uma forma milenar de gestão desse recurso. Distinguiriam os argumentos coerentes daqueles contaminados por avaliações subjetivas, desprovidas de consistência técnica ou científica.

Aqui, os conflitos vêm sendo criados, predominantemente, por crenças e convicções preestabelecidas, colidentes com os fundamentos das abordagens científicas dos impactos ambientais. Em vez de ciência, o licenciamento ambiental é uma notável coleção de opiniões. Neste país paradoxal, ao tempo em que se dá espaço na mídia a palpiteiros que combatem as hidroelétricas e seus reservatórios, não se toma conhecimento das diversas manifestações da Agência Nacional de Águas (ANA), onde gente que estuda seriamente o assunto defende o armazenamento de água como essencial para o desenvolvimento sustentável.

Não se trata de construir barragens apenas para que o setor elétrico utilize a energia hidráulica dos nossos rios. Trata-se de contar com “registros no encanamento”, controlando a disponibilidade hídrica, guardando e usando com moderação e responsabilidade, de acordo com o atávico conhecimento dos usos múltiplos de reservatórios. É fazer o maior número possível de barragens permitido pelo conhecimento científico atual. Isso não é para “achistas” que, deturpando o Princípio da Precaução, pretendem estancar a marcha do conhecimento humano. Houvessem prestado atenção às aulas de matemática e de biologia, saberiam por que “risco zero” pode significar “custo infinito” e por que a energia mais poluente é a que não se tem.

Na versão 2012 do Programme for International Student Assessment (PISA), uma medida da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) para avaliar a qualidade da educação no mundo em 65 países, o Brasil aparece em 53ª posição, entre os 15 com pior desempenho. A China lidera o ranking, seguida de Coreia do Sul, Finlândia, Hong Kong e Cingapura.

Entre os países que pertencem à OCDE, há seis que apresentam um elevado nível de proficiência em ciências ambientais na escala do PISA. Isso quer dizer que os alunos conseguem aplicar o conhecimento científico na busca do entendimento das questões ambientais. Entre esses países, estão o Japão, a Coreia do Sul e o Canadá – nações que apresentam proporções particularmente altas nessa avaliação e que – ora vejam – utilizam intensivamente o armazenamento de água em barragens.

O Brasil possui seis engenheiros para cada grupo de 100 mil pessoas. O Japão possui cinco vezes mais. Em 2012, o Brasil formou menos de 40 mil engenheiros, e a Coreia do Sul, com menos de um quarto da nossa população, formou o triplo. Tudo isso deve ser coincidência.

(Texto originalmente publicado no jornal Valor Econômico em 11/11/2013.)

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