Auditoria – Brasil, economia e governo https://www.brasil-economia-governo.com.br Tue, 15 Aug 2017 13:01:05 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=6.7.2 Faz sentido pensar em auditoria da dívida? https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=3019&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=faz-sentido-pensar-em-auditoria-da-divida Tue, 15 Aug 2017 13:01:05 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=3019 Um argumento frequente em oposição à reforma da previdência (ou a outras medidas de ajuste fiscal) é a necessidade de, antes de tudo, uma “auditoria da dívida”. Tal auditoria parte da ideia que dinheiro público é desviado para o mercado financeiro no processo de financiamento dos déficits públicos. Resolvido esse desvio, sobrariam bilhões de reais em recursos no orçamento, o que tornaria os ajustes desnecessários.

A auditoria da dívida faz sentido? Não, se levarmos em conta, sem lançar mão de teorias conspiratórias, como é constituída e financiada a dívida pública:

  • O principal fator de endividamento é a diferença entre receitas e gastos do governo – o resultado primário. Esses fatores são bem conhecidos e divulgados, e a Lei de Responsabilidade Fiscal pune gastos não autorizados pelo orçamento ou tentativas de inflar a receita (o argumento jurídico no impeachment da presidente Dilma Rousseff). A “auditoria” possível aqui não leva a um grande resultado imediato: depende do controle e fiscalização dos gastos linha por linha do orçamento – algo que, ao menos em teoria, já é feito pelas Controladoria Gerais e outros órgãos de fiscalização;
  • O gasto com juros é determinado pelo tamanho da dívida e as taxas de juros pagas aos detentores de títulos. Sabendo que o Brasil tem taxas de juros entre as maiores do mundo, aqui recai a suspeita da turma da auditoria – os juros altos beneficiariam os detentores de títulos (muitas vezes chamados de “rentistas”), em detrimento da população.

É possível pagar juros mais baixos? Sim, dizem os “auditores”, se for quebrado um suposto esquema de transferência de recursos para o mercado financeiro. Ocorre que nem o governo, nem os detentores da dívida escolhem as taxas de juro que pagam ou recebem. Há um mercado bastante transparente para a dívida pública, como há para ações e outros ativos financeiros. Brasil e muitos outros países realizam leilões para vender seus títulos da dívida, e o chamado mercado secundário troca entre seus participantes bilhões de reais nesses títulos diariamente. A taxa de mercado depende dos juros praticados pelo Banco Central e variáveis que afetam o risco-país – desde balança comercial até percepção de estabilidade (ou instabilidade) política. Como há muitos investidores potenciais nos títulos do Brasil – bancos, fundos de investimento, fundos de pensão, Tesouros de outros países (via fundos soberanos), seguradoras, etc. – é difícil acreditar que há um “cartel dos juros altos”, um grupo organizado que força o Tesouro Nacional a seguir pagando juros altos.

Como baixar, então, os juros? Essa é a pergunta de vários bilhões de reais e para que, infelizmente, não há resposta fácil.

Os juros praticados pelo Banco Central caem na medida em que é possível manter a inflação estável – algo que tem ocorrido, lentamente e com vários retrocessos, desde o Plano Real. Uma queda no risco-Brasil depende de uma mudança de fundamentos, sobretudo relacionados à sustentabilidade da dívida. Os investidores exigirão juros mais altos se há mais dúvidas sobre a capacidade do país pagar, no futuro, sua dívida sem recorrer ao velho truque da hiperinflação. Pagar a dívida é mais fácil se os gastos e receitas do governo são controlados e previsíveis (daí a importância da reforma da previdência e da redução do crédito subsidiado, uma maneira de transferir recursos do governo sem passar pelo orçamento).

Fazer parte de uma comunidade financeira internacional tem custos e benefícios.

É fácil enxergar os custos da dívida financiada a mercado, enquanto os benefícios são difusos e nem sempre claros (estabilidade de preços, acesso amplo e não-seletivo à moeda estrangeira e crédito, investimentos, etc.). Vários exemplos ao nosso redor – Venezuela e Argentina, sobretudo – escancaram os custos da alternativa heterodoxa. É muito mais difícil inovar em política econômica (o que é necessário para melhorar crescimento e distribuição) sem adotar um mínimo de práticas – bastante conhecidas e estabelecidas – que garantam o acesso do país aos mercados internacionais. Há muito o que melhorar no que controlamos, sobretudo se não gastarmos energia com o que não podemos controlar.

 

Este texto foi originalmente publicado pelo Acredito.

 

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O TCU atrapalha o bom desenvolvimento das obras de infraestrutura do Governo Federal? https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=45&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=o-tcu-atrapalha-o-bom-desenvolvimento-das-obras-de-infraestrutura-do-governo-federal https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=45#comments Sun, 20 Feb 2011 00:48:26 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=45 São comuns críticas de autoridades do Poder Executivo acerca da atividade de fiscalização do Tribunal de Contas da União (TCU). A alegação central dessas críticas seria o suposto fato de que “burocratas” do TCU, preocupados em seguir requisitos formais e de menor importância, estariam determinando a paralisação de uma grande quantidade de obras do Governo Federal, com elevado prejuízo para o País, devido ao atraso na conclusão de infraestrutura vital para acelerar o crescimento da economia.

Em setembro de 2009, por exemplo, a Folha On Line publicou a seguinte declaração do Ministro do Planejamento:

O ministro do Planejamento, Paulo Bernardo, criticou hoje (…)a atuação do TCU (Tribunal de Contas da União).

Disse que o órgão assume as funções de poder Judiciário, Legislativo e Executivo, em vez de se concentrar em seu papel de corte de fiscalização ligada ao Congresso.

Paulo Bernardo afirmou, em tom brincalhão, que se o tribunal continuar nesse passo, o Brasil não conseguirá realizar a Copa do Mundo em 2014, só em 2020.

É natural que altas autoridades empenhadas em acelerar o ritmo de investimentos sintam-se incomodadas com procedimentos que frustram a conclusão de obras. Mas será que, de fato, o TCU atrapalha?

1. Não é o TCU quem paralisa as obras. O TCU realiza auditorias. Quando encontra indícios de irregularidades, recomenda (não determina) ao Congresso Nacional que não aloque verbas no orçamento federal para aquela obra. Quem toma a decisão final é o Congresso Nacional, no âmbito da Comissão Mista de Orçamento.

A criação desse mecanismo ocorreu em 1994 quando do escândalo de corrupção na obra da sede do Tribunal Regional do Trabalho de São Paulo. Embora estivesse evidente que havia desvio de dinheiro naquela obra, não existiam mecanismos institucionais capazes de barrar a destinação e o desembolso de verbas orçamentárias. Por isso, o Congresso passou a incluir nas Leis de Diretrizes Orçamentárias (LDO) um dispositivo prevendo que o TCU deveria recomendar a não alocação de verbas para obras com indícios de irregularidades, e que o Congresso deveria bloquear no orçamento a sua execução física e financeira, até a correção das irregularidades.

Trata-se, portanto, de um mecanismo preventivo, de “estancar a sangria” no momento em que ela é detectada. Procedimento muito mais eficaz do que nada fazer e aguardar que auditorias feitas posteriormente constatem formalmente as irregularidades e os prejuízos, abrindo-se um lento, custoso e quase sempre infrutífero processo de responsabilização criminal e de tentativa de recuperação do dinheiro perdido.

O mecanismo mostrou-se bastante eficaz em episódios marcantes como o da chamada “Operação Navalha” da Polícia Federal que, em 2007, detectou um esquema de corrupção em obras públicas centralizado na construtora Gautama. Antes mesmo da deflagração da operação policial, o TCU já havia apontado irregularidades graves nas obras e o Congresso já havia suspendido a alocação de recursos orçamentários.

2.Os parâmetros de preços são adequados. Uma crítica comum é a de que o TCU usaria preços de referência nacionais, sem levar em conta diferenças regionais e custos de frete. A afirmação não é correta. O TCU utiliza dois sistemas de preços:  o SICRO (elaborado pelo DNIT, existente há quase quarenta anos e submetido a permanente aperfeiçoamento) e o SINAPI (sistema de preços da construção civil elaborado em conjunto pela Caixa Econômica Federal e o IBGE). Ambos os sistemas apuram os custos por região, em bases mensais e são fontes de referência consistentes.

Ademais, a legislação permite que o TCU aceite valores superiores aos de referência, desde que haja justificativa técnica. Além disso, o grau de detalhamento desses sistemas é suficientemente amplo para que se possa compor custos a partir da quantidade de cada material individual utilizado, de modo que se pode diferenciar, por exemplo, o custo de pavimentação de uma rodovia de alto tráfego (que exige piso mais resistente) de uma estrada vicinal de baixo tráfego.

3.As apurações são detalhadas a ponto de detectar manipulações de planilhas. Uma reclamação comum é de que o TCU aponta irregularidades em obras devido a preços elevados em alguns itens da obra, mesmo quando o custo total está abaixo daquele indicado pelos parâmetros técnicos. Esse procedimento do TCU é correto, pois a apresentação, em licitação, de propostas que contêm itens muito caros e outros muito baratos constitui um artifício conhecido como “jogo de planilhas”.

Com o objetivo de ganhar a licitação, há empreiteiros que calculam um custo total competitivo, subfaturando alguns itens e superfaturando outros. No momento de execução da obra, ele executa apenas as partes nas quais os itens estão superfaturados. Quando chega o momento de fornecer os itens subfaturados, ele tem várias opções. A mais simples é abandonar a obra (depois de ter recebido pela parcela superfaturada). Mas ele também pode pressionar por um aditamento de contrato ou, simplesmente, usar uma quantidade menor dos itens subfaturados do que aquela prevista na licitação. Em todos os casos a obra acaba saindo mais cara para o contribuinte.

4.Não é qualquer pequena irregularidade que leva o TCU a recomendar a não alocação de recursos para uma obra. Somente obras com indícios de irregularidades graves recebem a recomendação de suspensão de recursos orçamentários. Faz-se uma avaliação dos benefícios (estancar procedimentos nocivos ao erário) e custos (perdas decorrentes da obra paralisada) antes de se recomendar a paralisação. As Leis de Diretrizes Orçamentárias (LDO) estabelecem claramente que as irregularidades devem alcançar valores relevantes em relação ao custo total da obra. A técnica de auditoria utilizada é de examinar a planilha de custos das obras, analisando os itens em ordem decrescente de valor e de impacto no custo total.

Não se trata, portanto, de recomendar a paralisação da construção de uma hidrelétrica “porque as vassouras compradas pelo departamento de limpeza estavam superfaturadas”. Os critérios para recomendação de paralisação são objetivos, e incluem principalmente :  superfaturamento, projeto básico deficiente ou desatualizado, edital (ou contrato ou aditivo contratual) incompleto ou inadequado e restrição à competição no processo licitatório.

Cabe chamar atenção para outra medida muito utilizada como alternativa à paralisação: a retenção parcial de valores. Nela opta-se pela anuência à continuidade da obra – mesmo com indícios de irregularidades – sempre que fique comprovado na fiscalização que o eventual prejuízo seja de natureza exclusivamente financeira e seja assegurado pelo gestor, sob diversas formas possíveis, um provisionamento de garantias suficientes à cobertura do risco envolvido[1]. Este procedimento permitiu que 20% das obras suscetíveis de paralisação em 2009 e 34,92 % em 2010 não fossem objeto de bloqueio da respectiva execução, sem risco de prejuízo aos cofres públicos.

5. O Congresso Nacional é quem tem a palavra final. O Gráfico abaixo mostra que o número de recomendações de bloqueio feitas pelo TCU difere bastante do número de obras efetivamente bloqueadas pelo Congresso. Em alguns anos o Congresso bloqueia mais obras que o recomendado pelo TCU e, em outros anos, bloqueia menos obras.

Gráfico 1 – Bloqueio de obras: número de obras apontadas pelo TCU e número de obras efetivamente bloqueadas pelo Congresso Nacional

Fonte: Elaboração própria a partir dos dados do TCU e do Congresso Nacional 2

6.O número e o porte das obras bloqueadas são ínfimos em relação ao total dos investimentos públicos. Em 2010 os bloqueios atingiram apenas 0,43% das obras incluídas na Lei Orçamentária Anual. Desde 2004 o maior percentual de obras atingidas por bloqueios foi de 1%, em 2005 . As obras bloqueadas em 2010 somavam R$ 5,45 bilhões, o que representa menos de 5% do investimento total de R$ 128 bilhões autorizado pelo orçamento[3].

7.Grande parte das obras representa problemas crônicos. O Gráfico 2 indica o percentual de obras com recomendação de paralisação em cada ano que já estavam na lista há mais de três anos. Fica evidente que, a cada ano que passa, é maior a concentração da recomendação de paralisação em obras com problemas crônicos. Em 2010 nada menos que 80% das recomendações encaixavam-se nessa categoria, o que leva a crer que as fiscalizações do TCU estão induzindo uma melhoria na gestão de novas obras, que agora estão sendo aprovadas na malha fina das auditorias: um inequívoco benefício para o país.

Gráfico 2 – Percentual de obras que acumulam recomendação de paralisação  há mais de três anos seguidos

Fonte: Elaboração própria a partir dos dados do TCU e do Congresso Nacional.

Assim, os dados demonstram que a atuação dos órgãos de controle externo – embora sujeita a eventuais erros e imprecisões como qualquer outra atividade governamental – não representa em si um obstáculo ao investimento público, nem a sua supressão implicaria em ganhos para o desenvolvimento.

Em vez de um problema em si mesmo, a detecção de irregularidades tem sido um termômetro que indica a existência de problemas de gestão mais sérios, e os bloqueios preventivos têm servido como forma de minimizar prejuízos ao Erário, induzindo uma gestão mais eficiente e reduzindo desperdícios e fraudes.


[1] Para uma descrição detalhada desse mecanismo, veja Nota Técnica Conjunta 09/2009 das Consultorias de Orçamento do Congresso Nacional (Saiba mais).

[2] “TCU” corresponde ao total de subtítulos para os quais o Tribunal recomendou o bloqueio da execução, e “Congresso” ao total de subtítulos constantes do Anexo específico de bloqueio de obras da mesma Lei.

[3] Fonte: sistema SIGA Brasil e leis orçamentárias de cada exercício, com os respectivos relatórios. Dados de execução até maio/2010.

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Para ler mais sobre o tema:

Brasil. Câmara dos Deputados – Consultoria de Orçamento e Fiscalização Financeira/Senado Federal – Consultoria de Orçamento, Fiscalização e Controle. Nota Técnica Conjunta 10/2009 – Mitos e fatos sobre o mecanismo de paralisação de obras com indícios de irregularidades graves. Brasília: Câmara dos Deputados/Senado Federal, 2009.  Saiba mais

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