Anatel – Brasil, economia e governo https://www.brasil-economia-governo.com.br Tue, 06 Apr 2021 23:35:31 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=6.7.2 Wi-Fi 6: mais um aliado na modernização das comunicações https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=3431&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=3431 Tue, 06 Apr 2021 23:28:47 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=3431 Wi-Fi 6: mais um aliado na modernização das comunicações

Por Carlos Baigorri* e José Borges da Silva Neto**

 Os recentes avanços tecnológicos ampliam a capacidade e a qualidade de transmissão de dados em redes locais, fenômeno que dará maior flexibilidade na comunicação de múltiplos dispositivos e intensificará a digitalização de diversos setores da economia. Dentre tais avanços tecnológicos, não se pode esquecer aqueles  associados ao Wi-Fi 6.

Introdução

No primeiro trimestre de 2021, a Anatel avançou em discussões de temas que intensificarão o processo de digitalização da sociedade brasileira, como a aprovação do edital do 5G e os atributos técnicos para o “Wi-Fi 6”.

Grande atenção tem sido direcionada para a quinta geração de sistemas móveis de banda larga, o chamado “5G”, que logo será implantado no Brasil. De forma complementar às tecnologias associadas ao 5G, devemos assinalar que o Wi-Fi 6 (padrão IEEE 802.1ax), que também é um padrão da família de tecnologias sem fio, mas com um alcance mais restrito para redes privadas, surge como mais um vetor para complementar as possibilidades de novos arranjos e de serviços no contexto de uma sociedade mais intensiva em soluções digitais.

Sobre a aprovação do 5G, tivemos a oportunidade de expor seus contornos em artigo anterior – link. Então, aqui dedicaremos especial destaque ao papel do WIFI 6 e como esse padrão tecnológico, em conjunto com o 5G, contribuirá como mais um vetor possível para a difusão de novas tecnologias em todos os setores da economia. 

Por que um padrão tecnológico é tão importante?

Grosso modo, em telecomunicações, a definição de padrões é fundamental para garantir a interoperabilidade de equipamentos dentro de uma rede e também entre redes distintas.  Há uma vasta literatura sobre a importância dos padrões tecnológicos e a competição para a definição de um padrão “vencedor”. Resumidamente, pode-se dizer que a opção de uma indústria pela definição de padrões tecnológicos busca a uniformidade de produção, a compatibilidade de tecnologias, a objetividade na medição e a definição de protocolos para interconexão entre equipamentos.

Assim, a definição de padrões tecnológicos viabiliza a criação de novas possibilidades de usos e serviços, bem como o desenvolvimento de novos terminais e equipamentos. Mas, como isso funciona? O estabelecimento de padrões define características operacionais para o funcionamento em uma rede de telecomunicações. Tais características serão utilizadas por uma série de equipamentos e terminais, tornando possível a integração e a interoperabilidade de diversos dispositivos de fornecedores distintos, além de instigar novas funcionalidades e, assim, novas utilidades para os usuários finais.

Por trás disso, há um fenômeno econômico interessante: quanto mais exitosa em integrar equipamentos e proporcionar novas utilidades para os usuários, mais fornecedores terão incentivo para seguir o padrão e desenvolver equipamentos. Além disso, o padrão tecnológico reduz o “custo de transação” para os usuários. Por exemplo, ao comprar uma impressora ou um telefone celular, ao pesquisar seus atributos, o usuário poderá identificar que esses dois equipamentos podem se conectar por meio das especificações do padrão popularmente conhecido como bluetooth. Nesse exemplo, o padrão citado reduz os custos de transação de pesquisa e de avaliação do usuário, que tem a garantia de que um produto, independente de sua origem, pode ser incorporado com sucesso em um sistema (sua rede pessoal ou uma rede telecomunicações maior). Isso também reforça o efeito rede, pois os usuários também identificam mais valor quanto mais usuários utilizam o mesmo padrão.

Tendo isso em mente, num contexto de rápida evolução tecnológica, de conectividade global e de adensamento de equipamentos que precisam se interoperar, um insumo fundamental é a disponibilização de espectro eletromagnético. Como o padrão bluetooth, o Wi-Fi também precisa de uma porção do espectro para funcionar. Contudo, esses dois padrões citados funcionam com faixas destinadas em que não exige um licenciamento para uso. Assim, cabe à Anatel, da forma mais transparente e neutra, estabelecer os requisitos técnicos para avaliação de conformidade de equipamentos de radiocomunicação de radiação restrita para o uso em sistemas de comunicações sem fio, entre os quais está o Wi-Fi. 

O padrão Wi-Fi 6

O padrão Wi-Fi teve sua primeira especificação (IEEE 802.11-1997) em 1997. Nessa trajetória, o Wi-Fi transformou-se em importante solução para acesso à Internet em áreas locais. De acordo com a pesquisa TIC Domicílios 2019, conduzida pelo Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação (Cetic.br), em 2019, cerca de 71% (setenta e um por cento) dos domicílios brasileiros, urbanos ou rurais, dispunham de acesso à Internet, ao passo que quase 80% (oitenta por cento) destes possuíam Wi-Fi disponível.

Nota-se que o Wi-Fi é predominantemente usado para prover cobertura doméstica, mas se tem observado seu crescente emprego em redes locais sem fio mais amplas para a conexão de clientes em áreas que não dispõem de cobertura móvel, sobretudo em regiões de baixa atratividade econômica, e para o provimento de soluções tecnológicas mais recentes, tais como dispositivos smart home e soluções de internet das coisas (IoT) em geral.

Assim, espera-se que o padrão Wi-Fi se torne cada vez mais essencial às comunicações no Brasil e no mundo. Com efeito, as novas padronizações ampliaram o potencial de uso do Wi-Fi, que se tornará cada vez mais complementar à rede celular.

Em 2019, foi publicada a sexta especificação do Wi-Fi, formalmente denominada 802.11ax e cujo nome comercial foi definido como “Wi-Fi 6”. O novo padrão é capaz de utilizar as faixas de 2,4 GHz e 5 GHz, já em uso pelas versões anteriores, e também a nova faixa de 6 GHz, fazendo uso de canais de até 160 MHz e podendo alcançar taxas de transmissão de até 9,6 Gbps. Em outras palavras, amplia consideravelmente a capacidade de transmissão de dados do Wi-Fi.

Nos Estados Unidos, há a destinação de 1.200 MHz (5,925-7,125 GHz) para o Wi-Fi 6, com determinadas restrições a partes da faixa, especialmente nos 250 MHz finais, recebendo o novo nome comercial “Wi-Fi 6E”.

À semelhança da discussão do 5G, há uma importante discussão sobre a destinação de uso do espectro eletromagnético, recurso escasso por definição. A Anatel já destinou, em 2004, a faixa de 5 GHz para o uso não licenciado, viabilizando o emprego de soluções como o Wi-Fi, e, em 2020, ampliou para incluir a chamada faixa de 6 GHz.

Contudo, para o efetivo uso não licenciado, devem-se respeitar os requisitos técnicos definidos pela Anatel (restrição de alcance e potência dos equipamentos, por exemplo), condição necessária para o efetivo emprego da faixa em questão para o Wi-Fi 6.

De um lado, há as operadoras de rede de telefonia móvel que apontam o potencial de uso da faixa de 6 GHz para emprego nas redes móveis de quinta geração, defendendo o estabelecimento de condições de uso para 500 MHz entre a faixa de 5,925-7,125 GHz. De outro, um conjunto de empresas fornecedoras de equipamentos, empresas nativas da internet, operadoras de telecomunicações de pequeno porte e provedores de internet e associações favoráveis ao estabelecimento de condições para uso não licenciado de toda a faixa, ou seja, para 1.200 MHz.

O Colegiado da Anatel deliberou que a destinação de uso dos 1.200 MHz disponíveis não afasta a possibilidade de que essa faixa venha a ser usada futuramente para o provimento de 5G. Isso porque o 3GPP já expediu padronização para a operação do 5G por meio de uso de faixas não licenciadas (5G NR-U), de modo que a proposição formulada não restringe o uso da faixa, mas o amplia. Assim, disponibiliza-se a maior quantidade de espectro possível para dar uso econômico a esse bem público e permite que o mercado brasileiro usufrua das melhores possibilidades de transmissão de dados e conectividade.

Conforme Raul Katz, a destinação de 1.200 GHz pode destravar um valor econômico equivalente a R$ 925 bilhões, sendo a maior parte dele, US$ 112,14 bilhões (R$ 635 bilhões) em potencial aumento do PIB no período, como consequência da ampliação da cobertura, preços mais acessíveis, maiores velocidades, desenvolvimento mais acelerado da internet das coisas, e no suporte aos mercados de realidade aumentada e realidade virtual. Além disso, outros US$ 30,3 bilhões (R$ 170 bilhões) poderão ser gerados em economia no custo do tráfego para empreendimentos, além de US$ 21,19 bilhões (R$ 120 bilhões) na propensão dos consumidores a pagarem mais por velocidades ainda maiores[1].

Além disso, os requisitos definidos foram pensados para proteger sistemas de alta precisão de interferências, tais como a tecnologia de sistema inteligente de transporte, (do inglês, Intelligent Transport System – ITS). Tal serviço promete ampliar a conectividade de veículos, provendo maior autonomia e segurança na gestão de tráfego. Ou seja, os requisitos técnicos aprovados pela Anatel consideraram parâmetros que mitigam a geração de interferências espúrias por meio de equipamentos avançados.

Assim, o Wi-Fi 6 promete aliar as evoluções em técnicas de múltiplo acesso e modulação à nova faixa de radiofrequências, trazendo nova perspectiva às redes locais de banda larga sem fio. Inegável, portanto, o potencial benefício para usuários e setor de telecomunicações, ao passo que usufruirão de maior capacidade e flexibilidade em dispositivos Wi-Fi de nova geração. 

Implicações regulatórias

A Anatel deve sempre buscar o uso eficiente do espectro, aliado ao interesse público, em suas decisões regulatórias. Permitir aos usuários o usufruto da nova tecnologia de Wi-Fi, em sua plenitude, atende aos preceitos básicos regulatórios da Agência e alinha-se ao crescimento da demanda por acessos de alta capacidade de dados.

Adicionalmente, novas tecnologias ampliam o escopo de possibilidades para a implantação de políticas públicas. Tradicionalmente, as políticas de massificação de acesso às comunicações concentram suas apostas na difusão de acessos fixos por meio do Serviço Telefônico Fixo Comutado – STFC e posteriormente por meio da cobertura de redes móveis por meio do Serviço Móvel Pessoal – SMP. Ambas, guardadas as devidas especificidades, permitiram a difusão da voz em todo o território e, mais recentemente, a difusão da transmissão de dados que tem popularizado o acesso aos serviços da internet.

O desenvolvimento de novas tecnologias, como o aprimoramento do Wi-Fi, dá mais opções para a implementação de políticas de massificação do acesso, bem como a flexibilidade para o operador de rede para gerir seus elementos de rede para alcançar o ideal de integrar mais brasileiro a um mundo cada vez mais digitalizado. 

Comparativo entre Wi-Fi 6 e o 5G

As tecnologias inseridas nos padrões 5G e Wi-Fi 6 pretendem entregar transmissão de dados em alta velocidade com melhor desempenho. Assim, os dois padrões tecnológicos fornecem taxas de dados mais altas para suportar novas aplicações e conectar mais usuários e dispositivos. Logo, colocam-se como elementos importantes dentro do ferramental disponível para incluir mais pessoas e para catalisar a intensificação da Internet das Coisas e de comunicações máquina a máquina.

Por enquanto, o 5G continuará sendo a tecnologia preferida para cobertura de grandes áreas e o Wi-Fi 6 permanece a tecnologia preferida para uso interno ou local, graças aos seus custos de implantação muito mais baixos. Dessa forma, as duas opções poderão atuar de forma complementar para expandir as oportunidades de usos e de soluções, facilitando a digitalização de diversos setores econômicos. No entanto, os limites tradicionais que diferenciavam as gerações anteriores de celular e de Wi-Fi estão se confundindo. Os defensores de uma tecnologia podem argumentar que os benefícios da tecnologia escolhida poderão substituir a outra.

Porém, conforme Oughton et. Al (2021), é esperado que a economia de custos e a conveniência de implantação desempenhem um papel importante. Considerando o efeito path dependence, demarcados pelos sunk costs na infraestrutura legada, é improvável que uma tecnologia seja capaz de substituir a outra totalmente devido aos custos adicionais de transição.

Certamente, a economia de custos será um fator importante que afetará o design de dispositivos sem fio, mas o comportamento do consumidor também é fundamental para “selecionar” a tecnologia mais apropriada para determinado contexto, indoor ou outdoor. Assim, cabe ao mercado realizar a seleção das melhores alternativas tecnológicas. Quanto mais inovações e opções, melhor será para a sociedade brasileira. As duas tecnologias têm papéis importantes a desempenhar no mercado, tendo em vista as possibilidades tão heterogêneas de uso, inclusive combinadas! A pluralidade de tecnologias deve contribuir para fornecer preços acessíveis, confiáveis e conectividade de banda larga sem fio de alta capacidade, disponível em todos os lugares, facilitando a digitalização de todos os segmentos da sociedade contemporânea.

 

Referências

OUGHTON, Edward J. et al. Revisiting wireless internet connectivity: 5G vs Wi-Fi 6. Telecommunications Policy, v. 45, n. 5, p. 102127, 2021.

ANATEL. Acórdão nº 61, de 26 de fevereiro de 2021. Requisitos Técnicos para a Avaliação da Conformidade de Equipamentos de Radiocomunicação de Radiação Restrita que operem na faixa de 5.925 MHz a 7.125MHz. 

 

[1] Raul Katz é professor da Columbia University e as estimativas foram apresentadas em Workshop promovido pela Anatel em outubro de 2020.

 

*Carlos Baigorri é conselheiro-diretor na Anatel e relator do Edital do 5G e dos requisitos de técnicos de conformidade para equipamentos de radiação restrita em comunicações sem fio que operam na faixa de 5.925 MHz a 7.125 MHz.

**José Borges da Silva Neto é mestre em Economia e especialista em regulação na Anatel.

 

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Por que custa caro ligar de telefone fixo para celular? https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=2117&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=por-que-custa-caro-ligar-de-telefone-fixo-para-celular https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=2117#comments Tue, 04 Feb 2014 12:02:24 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=2117 A ampla difusão da telefonia celular levou a alguns comportamentos curiosos dos usuários. Muitos compram telefones que comportam chip  de várias operadoras. Profissionais liberais e prestadores de serviço costumam colocar, em seus cartões profissionais, vários números de telefone celular, cada um de uma operadora diferente.  É comum ver pessoas carregando mais de um aparelho celular, cada um deles com chip de uma operadora diferente. Tornou-se usual o uso da frase: “você tem um número fixo para o qual eu possa ligar?”. Parentes, namorados e amigos que fazem muitas ligações entre si, tendem a escolher a mesma operadora, para aproveitar ligações mais baratas ou promoções de ligação gratuita entre linhas daquela operadora.

Esse tipo de comportamento decorre da política de preços usada pelas operadoras de telefonia móvel, que fixam preços diferenciados, cujo padrão é:

  • Cobrar mais barato por ligações entre linhas móveis da mesma operadora;
  • Cobrar mais caro nas ligações originadas em telefones fixos com destino a telefones móveis;
  • Quando a operadora de telefonia móvel pertence a um grupo econômico que também é proprietário de empresa de telefonia fixa, cobra-se mais barato pelas ligações que provêm da operadora de telefone fixo pertencente ao mesmo grupo do que de ligações de telefone fixo geradas em operadora rival.

Não existe um modelo de custos que apure adequadamente qual a diferença de custos entre uma ligação entre linhas móveis daquela entre linha fixa e móvel; ou a diferença entre ligações dentro de uma mesma rede móvel e ligações entre redes distintas. Não obstante isso, as diferenças de preços cobrados ao consumidor, para esses distintos tipos de ligação telefônica, é bastante grande, na casa dos múltiplos de dez.

Tal diferenciação de preços não é apenas consequência de diferentes custos para viabilizar as chamadas; sendo, também, decorrente de estratégias das operadoras para maximizar lucro e  expandir participação de mercado.

Há, portanto, nessas estratégias de fixação de preços, possibilidade de conduta anticompetitiva e de lesão ao consumidor à qual as instituições reguladoras – ANATEL e Conselho Administrativo de Defesa Econômica – devem ficar atentos.

Para entender o fenômeno é preciso, em primeiro lugar, saber que o regime de tarifação no Brasil é baseado no princípio de que quem paga a ligação é o usuário que fez a chamada: “a parte que chama paga” (calling party pays-CPP).  Além disso, a operadora móvel que recebe uma chamada tem o direito de cobrar pelo uso da sua rede. Trata-se da chamada  “tarifa de interconexão” para a terminação de chamadas da telefonia móvel, o VU-M (Valor de Uso da Rede Móvel) que serve tanto para chamadas originadas em telefones fixos como celulares.

Suponha que João, usuário da operadora (fixa ou móvel) A faça uma ligação para Maria, que tem uma linha móvel da operadora B. No preço cobrado de João por essa ligação estará embutida a “tarifa de interconexão”, que irá para os cofres da operadora B.

Esse sistema de cobrança, usado em diversos países, gera incentivos para que a operadora B fixe uma elevada tarifa de interconexão, encarecendo as ligações feitas para seus usuários a partir de linhas de outras empresas. Isso aumentará a receita da operadora B. Parte dessa receita extra, a operadora pode repassar a seus usuários, sob a forma de descontos na compra de aparelhos,  ligações a baixo custo entre linhas da própria operadora B ou créditos para ligações futuras.

O usuário de uma linha da operadora B, recebedor da chamada, é insensível a preços que são pagos por quem faz a chamada. No momento de escolher a operadora, este não é um preço relevante para ele. Ele vai dar mais atenção aos custos que ele pagará ao fazer suas próprias ligações e ao custo de aquisição do aparelho celular, de modo que a operadora tem incentivos a cobrar barato por isso, para atrair o cliente.

Ao usar essa estratégia, a operadora B atrairá muitos usuários. Por outro lado, uma vez que a operadora B cobra barato por ligações entre linhas da sua própria rede, o consumidor vai se filiar a essa operadora sempre que as pessoas com quem conversa frequentemente também tiverem linhas da operadora B. Ou, então, se essa operadora tiver uma maior fatia de mercado, pois nesse caso será mais amplo o leque de ligações que o consumidor poderá fazer sem sair da própria rede  e, portanto, sem pagar a tarifa de interconexão.

Se todas as operadoras de telefonia móvel raciocinarem e agirem da mesma forma que a operadora B, o resultado será um equilíbrio de mercado no qual: (a) os usuários escolherão suas operadoras de acordo com a operadora usada pelos seus interlocutores frequentes (por exemplo, todos os membros de uma família usando a mesma operadora); (b) pessoas e firmas que usam intensamente o telefone (profissionais liberais, prestadores de serviço) terão celulares de vários chips ou vários aparelhos, para fazer a maioria das suas ligações dentro da rede de uma mesma operadora; (c) os consumidores evitarão as ligações de fixo para celular, pelo menos daqueles que pertencem a grupos econômicos distintos.

Esse equilíbrio, embora não induza à dominação do mercado por uma empresa em particular, preservando a concorrência, é ineficiente, pois gera custos desnecessários como o de adquirir um aparelho mais caro (para vários chips); ou adquirir mais de um aparelho; ou restringir o leque de escolhas de operadora de um indivíduo (eu posso achar que a qualidade das ligações da operadora A é melhor, mas fico na operadora B porque meus interlocutores frequentes estão nela); ou induzir a realização de mais de uma ligação (perco tempo e dinheiro fazendo uma primeira ligação, a partir do meu telefone fixo, para um número móvel, apenas para perguntar se a pessoa tem um número fixo para o qual eu possa ligar e ter uma conversa mais longa).

A cobrança da tarifa de interconexão também pode ser um indutor de comportamento cartelizado das operadoras de telefonia móvel. Elas podem combinar que todas cobrarão uma tarifa de alto valor, de modo que uma não roubará mercado da outra, mas todas as ligações que pagam tal tarifa ficarão caras, elevando as receitas de todos os membros do cartel.

No caso brasileiro existe também um problema de desigualdade de concorrência. Isso porque havendo grupos econômicos que possuem operadoras fixas e operadoras móveis, a estratégia pode ser estendida para induzir a conexão entre fixo e móvel do mesmo grupo. Assim, ligações de fixo para móvel de operadoras de um mesmo grupo econômico tendem a ser mais baratas (com descontos que compensem a tarifa de interconexão) que aquelas de fixo de um grupo para móvel de outro grupo.

As duas principais operadoras de telefonia fixa, Oi e Telefonica, têm seus próprios braços móveis, Oi e Vivo/TIM, respectivamente. A GVT, por outro lado, não tem um braço móvel. Por isso, se tornou a grande prejudicada nesse sistema de tarifação, pois seus usuários pagam altas tarifas de interconexão com as outras redes e ela própria não tem como contratacar, pois não tem operadora móvel para cobrar tarifa de interconexão das demais, nem pode dar desconto nas ligações dentro do próprio grupo.

A GVT reclamou do desequilíbrio à ANATEL e ao CADE. Apesar de a Secretaria de Direito Econômico do Ministério da Justiça (SDE/MJ) 1 ter concluído que o valor elevado do VU-M constituía uma ação anticompetitiva de três operadoras de telefonia celular (Vivo, Claro e TIM) para elevar os custos das rivais, o Tribunal da Concorrência 2 entendeu não caber intervenção do órgão. Isto porque as tarifas de interconxão são reguladas pela ANATEL, e as operadoras não estavam desrespeitando os limites de valor impostos pela agência reguladora. Apenas estavam fixando tarifas de interconexão no limite máximo fixado pela ANATEL. Em função disso, como será mostrado adiante a ANATEL anunciou maior rigor no controle de tarifas de interconexão para a terminação de chamadas da telefonia móvel.

Note-se que no estágio inicial de implantação da telefonia móvel uma elevada tarifa de interconexão entre linhas fixas e móveis cumpria o importante papel de estimular a expansão da rede móvel. Imagine uma situação inicial em que poucas pessoas usam telefone celular e quase todo mundo usa telefone fixo. A imposição de uma VU-M encarece a ligação de fixo para móvel. Assim, se eu quero falar com uma das poucas pessoas que tem telefone móvel eu pagarei mais caro, o que me estimularia a ter uma linha móvel. Ao mesmo tempo, como visto acima, o VU-M é um poderoso instrumento para que as empresas de telefonia móvel ofereçam condições atrativas para atrair clientes a uma linha móvel (aparelhos baratos, ligações gratuitas entre linhas da mesma rede, etc.). Isso ajudou na rápida expansão da telefonia móvel, ao atrair um grande número de consumidores para essa modalidade de telefonia.

Todavia, o Brasil, assim como a grande maioria dos países, já ultrapassou essa fase inicial de consolidação da telefonia móvel, de modo que o ônus imposto à telefonia fixa, para incentivar a móvel, torna-se menos relevante. Em dezembro de 2013 havia 271,1 milhões de linhas móveis, representando 136,45 celulares por 100 habitantes3. Estes números sugerem que os benefícios dos subsídios cruzados entre linhas fixas e móveis seriam muito menores que no passado, quando era importante ampliar a rede móvel, gerando economias de escala e impondo concorrência à telefonia fixa.

Este problema está longe de ser exclusividade brasileira, tendo ocorrido em todos os países que usam o sistema de quem chama paga. Nesse sentido, os países da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) realizaram grandes esforços nos últimos anos para reduzir a tarifa de interconexão da telefonia móvel. A Australian Competition and Consumer Commission (ACCC) desde 1997 supervisiona as tarifas de terminação de chamadas em operadoras móveis. A Comissão Européia em fevereiro de 2003 incluiu a terminação de chamadas das móveis no rol de preços que as autoridades reguladoras nacionais européias deveriam regular.

Como resultado destes esforços, o Relatório da OCDE de 20124 indica que entre 2006 e 2011 houve uma queda média de 53% nas tarifas de terminação de móveis dos países da OCDE.

No Brasil, após uma década de pouco movimento da ANATEL no assunto, resolveu-se seguir a experiência dos países desenvolvidos e definir um cronograma mais significativo de queda da VU-M. Entre 2010 e 2015, prevê-se uma queda de cerca de 62% da VU-M. Na região I do Plano Geral de Outorgas, por exemplo, a VU-M média passaria de R$ 0,42285 por minuto em 2010 para R$ 0,160908 em 2015. O padrão de queda nas outras duas regiões é bem similar. A introdução de um modelo de custos em muito ajudaria a calibrar estas tarifas de forma adequada.

Em resumo, a tarifação de terminação de chamadas constitui um monopólio da operadora a qual o usuário chamado está conectado. Este usuário que recebe a chamada é em geral pouco elástico ao preço de terminação, gerando espaço para exercício de poder de mercado pela operadora. De fato, poucos indagam a operadora, quando escolhem seu plano de celular, qual a tarifa que quem chama paga.

A elevada tarifa de terminação de chamadas no Brasil, a VU-M, gerou várias distorções, entre elas um significativo diferencial entre o custo das chamadas realizadas dentro e fora de uma mesma rede. Isto distorce a concorrência em favor de operadoras grandes ou reduz a escolha dos consumidores, forçando-os a aderir à operadora usada por seus interlocutores frequentes.

Há várias formas de contornar o problema como adotar, pelo menos em parte, i) o regime de quem recebe paga (Receiving Party Pays-RPP) adotado nos EUA, ii) regime de Bill and Keep no qual as operadoras não pagam (ou pagam apenas a partir de certo percentual de diferença entre chamadas originadas e recebidas) interconexão entre si; iii) regular mais vigorosamente as tarifas de terminação em móveis, inclusive com base em uma metodologia de custos.

A ANATEL (2012) optou por uma combinação de ii e iii. Introduziu um bill and keep parcial temporário na relação de interconexão entre operadoras móveis com (Oi, Vivo, TIM e Claro) e sem (todas as outras) Poder de Mercado Significativo, inicialmente na proporção de tráfego de 80/20% e depois na proporção 60/40%. O Bill and Keep entre operadoras móveis com e sem PMS desapareceria após um período de transição. Ademais, a ANATEL definiu um cronograma de redução da VU-M até 2016, que vale para todas as relações de interconexão com terminação em móvel quando se prevê a adoção de uma metodologia de custos.

Acreditamos que o órgão regulador está na direção correta, sendo que o modelo de custos, se apropriadamente implantado, poderá representar grande avanço no tratamento desta importante questão regulatória em telecomunicações. Antes tarde do que nunca.

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1 Ver www.cade.gov.br/temp/D_D000000515371906.pdf
2 Processo Administrativo 08012.008501/2007-91Ver www.cade.gov.br/temp/D_D000000756991343.pdf
3 Os dados do Brasil foram extraídos do site da Telecom, www.teleco.com.br
4 New OECD Report released on developments in mobile termination rates.

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Em que situações a agência reguladora deve intervir na venda de planos? https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=1659&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=regulando-a-qualidade-do-servico https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=1659#comments Tue, 18 Dec 2012 12:05:03 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=1659 (Analisando os casos de Planos de Saúde e Telefonia)

I) Regulação da Qualidade: ReguladorX Usuário

No início de outubro de 2012, a Agência Nacional de Saúde (ANS) suspendeu a venda de 301 tipos de planos de saúde de 38 operadoras. Também a Agência Nacional de Telecomunicações (ANATEL) suspendeu em meados de julho de 2012, a venda de novas linhas de celulares de três operadoras, cada uma em estados específicos. Em novembro, esta agência novamente suspendeu um plano promocional de uma operadora que permitia ligações ilimitadas pelo valor de R$ 0,50 diários[3].

O que ambos os movimentos, em planos de saúde e telefonia celular, têm em comum é a motivação das respectivas agências regulatórias em garantir a qualidade dos serviços. No caso dos planos de saúde foram constatados sistemáticos descumprimentos dos prazos máximos para marcação de consultas, exames e cirurgias. No caso da telefonia, questionou-se a dificuldade em se fazer chamadas e a sua qualidade.

Nosso ponto principal aqui é discutir se este tipo de intervenção é cabível, pois se trata de bloquear não apenas a atividade da empresa, mas também o exercício da livre escolha pelo usuário na pactuação de um contrato. Como se supõe que dois agentes econômicos racionais apenas contratam entre si se ambos forem beneficiados, isto implica que a proibição da comercialização de novos planos poderia comprometer potenciais ganhos de bem-estar tanto de operadoras como de usuários.

A premissa básica desta assertiva é que os dois agentes estão realizando uma transação bem informada, estando muito claro o que ganham e o que perdem. Presume-se que o usuário conheça minimamente a qualidade do serviço que está adquirindo. Se este premissa é quebrada, no entanto, não é mais garantido que o usuário esteja melhor do que antes do contrato, e os efeitos positivos esperados da livre pactuação do contrato ficam comprometidos.

Como veremos, na prática, a premissa de plena informação do usuário é significativamente quebrada no segmento de planos de saúde. Já no caso de telefonia celular, o grau de informação do usuário é bem maior, lançando dúvidas razoáveis sobre se a proibição da comercialização de planos aumenta ou diminui bem-estar.

A falta de informação do usuário dos serviços regulados é resultado do custo da informação. A começar pelo tempo que o usuário precisa gastar para realmente entender todas as cláusulas dos contratos de serviço, seja em planos de saúde, seja em telefonia. Não basta apenas ler o contrato, mas compreendê-lo, o que para ser realizado plenamente pode depender até de consulta a um especialista. Há custo da informação também em procurar se informar como é a prática da operadora para além do que está escrito no contrato. Ainda que não precise gastar dinheiro, o usuário vai gastar tempo, o que, do ponto de vista econômico, é custo do mesmo jeito. Quanto mais detalhado o plano de serviço, mais custosa é a tarefa de entendê-lo, sendo racional que o usuário limite o seu processo de aquisição de informação antes de estar suficientemente informado para uma decisão plenamente fundamentada. Por isso, o usuário decide com base em uma “racionalidade limitada”, ponderando os ganhos e os custos da informação.

De qualquer forma, mesmo havendo falta de informação ex-ante do usuário, pode não se justificar uma intervenção se o usuário se deparar com um baixo custo de troca ex-post da operadora. Isto porque uma boa capacidade de trocar rapidamente permitiria uma tempestiva correção de eventual erro de escolha da operadora.

Mas, mesmo com um baixo custo de troca, o problema da falta de informação do usuário pode persistir por um razoável período de tempo, mesmo após a aquisição do plano, comprometendo a tempestiva correção do erro. Caberia investigar, portanto, quão rápido o usuário aprende sobre aquele plano de serviço. Quanto menos vezes o consumidor puder verificar a qualidade do serviço em seu plano, mais longo este “aprendizado” e mais extensa a manutenção de um plano que reflete uma decisão equivocada baseada em informações parciais. A naturalmente baixa capacidade de verificar a qualidade do serviço de planos de operadoras as quais não seja usuário também compromete o valor desta “curva de aprendizado” para efeito da realização de decisões bem informadas. Ou seja, aprender a avaliar uma operadora não implica saber avaliar todas operadoras sem usá-los.

Pior, as variáveis de qualidade das operadoras podem variar de forma significativa ao longo do tempo, o que implica que o valor informacional da experiência pretérita com o plano pode se reduzir muito rapidamente.

Desta forma, a intervenção da agência na linha da proibição da comercialização de planos de serviço fará tão mais sentido quanto: i) maior a assimetria de informação do consumidor em relação à qualidade do serviço ex-ante, o que está associado a um custo alto desta mesma informação; ii) mais lenta a “curva de aprendizado” ex-post do usuário no que diz respeito ao próprio plano em relação aos demais, o que também depende do custo da informação; e iii) maiores os custos de troca de operadora ex-post após o usuário constatar seu erro de decisão. De outro lado, o usuário terá melhores condições de decidir, sem o apoio do regulador, quando estes três itens lhe forem favoráveis. O escopo da intervenção deveria ser calibrado principalmente para influenciar estes elementos e facilitar não só o processo decisório ex-ante do usuário, mas também sua capacidade de corrigir ex-post suas escolhas.

Um último ponto importante é que a qualidade dos serviços nos dois segmentos responde à capacidade dos agentes de lucrarem. Em qualquer setor da economia, o objetivo do investimento em qualidade é deslocar para cima e para a direita a curva de demanda, permitindo aumentos na quantidade demandada e/ou no preço, incrementando a receita[4]. Quando há regras regulatórias que mitigam a capacidade de os próprios operadores se beneficiarem dos investimentos em qualidade, este incentivo diminui. Em geral, há constrangimentos à lucratividade, como nos casos em que há controle do regulador diretamente sobre as tarifas ou sobre a capacidade de discriminar preços.

No caso dos planos de saúde, por exemplo, o art. 15 da Lei 9.656 estabelece restrições para reajustes diferenciados com base nas faixas etárias.  O parágrafo único do mesmo artigo, em especial, veda variação discriminatória para consumidores com mais de sessenta anos de idade. Ou seja, é possível também observar problemas de qualidade por mudanças regulatórias que permitam que a rentabilidade responda às variações de qualidade, o que implicaria flexibilizar os diversos tipos de controles de tarifas e de discriminação de preços. Esta desregulamentação, no entanto, pode afetar outros objetivos regulatórios, o que deve ser ponderado em uma análise custo/benefício.

A ameaça de outros competidores também incentiva o operador a incrementar voluntariamente sua qualidade, seja para proteger sua base de clientes, seja para capturar usuários de terceiras operadoras. Assim, medidas pró-competição também podem se tornar medidas pró-qualidade do serviço. Se a informação do consumidor, no entanto, for escassa, a concorrência pode ter efeito negativo sobre a qualidade. Nesse caso, os efeitos positivos da concorrência apenas ocorrerão se suplementados por maior garantia de informação ao usuário. Veremos ser este um ponto relevante no setor de planos de saúde.

Na seção II analisamos a regulação de qualidade no setor de planos de saúde. Na seção III introduzimos a discussão sobre a regulação de qualidade em telefonia celular, comparando-a com a de planos de saúde. A seção IV descreve a atual estratégia de ANS e ANATEL acerca da construção e divulgação de indicadores comparativos de qualidade. A seção V conclui.

II) A Regulação da Qualidade no Setor de Planos de Saúde

No setor de planos de saúde, há uma grande dificuldade dos usuários conhecerem de antemão a qualidade dos serviços de saúde das várias operadoras no mercado. Sua capacidade de avaliação, no momento da aquisição do plano, está baseada na leitura do contrato, nas informações prestadas pelo vendedor e pelo testemunho de outros usuários com suas experiências particulares sobre o serviço.

Os contratos de planos de saúde incluem definições e termos que são, em geral, de difícil compreensão para o usuário médio, o que se aduz à complexidade usual dos contratos de serviços em geral. Os graus de cobertura dos vários planos disponíveis tendem a não ser transparentes para este usuário médio.

A Lei 9.656, de 1998, que dispõe sobre a regulação dos planos de saúde privados no Brasil, procura atenuar este problema. No art. 16, por exemplo, a lei dispõe de alguns dispositivos mínimos que devem constar do contrato, como períodos de carência, a relação das faixas etárias com os percentuais de reajuste do plano, os eventos cobertos e os excluídos, área geográfica de abrangência, dentre outros. Fundamentais são também os artigos 10 e 12, em que se define o plano-referência de assistência à saúde com algumas exigências mínimas sobre as coberturas dos planos. Isto confere ao usuário alguma segurança sobre o básico que está sendo oferecido contratualmente em cada plano, diminuindo o espaço do que poderia não estar coberto sem o usuário perceber.

Assim, por exemplo, se o plano incluir atendimento ambulatorial, deve cobrir “consultas médicas, em número ilimitado, em clínicas básicas e especializadas, reconhecidas pelo Conselho Federal de Medicina” e “serviços de apoio diagnóstico, tratamentos e demais procedimentos ambulatoriais, solicitados pelo médico assistente”. Já quando o plano cobrir internação hospitalar, não pode limitar o prazo de internação, valor máximo e quantidade, incluindo centro de terapia intensiva, ou similar, honorários médicos, serviços gerais de enfermagem e alimentação, exames complementares, medicamentos, anestésicos, gases medicinais, transfusões, quimioterapia e radioterapia, toda e qualquer taxa, incluindo materiais utilizados e remoção do paciente e despesas de acompanhante, no caso de pacientes menores de dezoito anos. Ou seja, a legislação é calibrada para evitar “surpresas” desagradáveis ao usuário nos momentos em que vai utilizar o seu plano.

Note que, de um lado, tais dispositivos realmente engessam o espaço contratual dos planos de saúde, constrangendo o atingimento de arranjos pareto-eficientes para as partes. Podem-se imaginar vários casos. O usuário pode acreditar que seu risco de câncer é muito baixo por não haver histórico familiar, o que justificaria a remoção do procedimento de quimioterapia em troca de um plano mais em conta. Outro usuário pode, por motivos religiosos, não aceitar transfusões de sangue e preferir um plano mais barato que exclua este item. Em ambos os casos, a legislação brasileira não permite que o usuário e o plano de saúde negociem estes tipos de ajustes.

De outro lado, tais limitações da liberdade de contratação também mitigam os problemas de assimetria de informação do usuário, que pode ter como dada a cobertura de procedimentos para os quais não precisará investigar as entrelinhas do contrato, se é que seria capaz de fazê-lo a custos suportáveis.

Os efeitos líquidos no bem-estar das restrições da legislação brasileira são teoricamente ambíguos, mas acreditamos que em função do elevado problema de assimetria de informação existente no setor, a previsão legal de pelo menos algumas exigências mínimas deve ter efeitos positivos.

Enquanto os problemas de assimetria de informação do usuário acerca do contrato podem ser minimamente atenuados pelas vias legal e infra-legal, os problemas de assimetria de informação sobre as diversas dimensões do que será a qualidade do serviço prestado pelo plano de saúde no dia a dia já dependem fundamentalmente das informações de outros usuários que já usaram o serviço. A liberação de um exame ou uma cirurgia demoram muito? O plano bloqueia a realização de procedimentos com muita frequência e sem quaisquer esclarecimentos? Com certeza, há um conjunto grande de fatores relacionados à qualidade do plano que vão além da letra do contrato e que ocorrem bastante na prática.

A qualidade destas informações de terceiros sobre a conduta da operadora para efeito de embasar a escolha usuário, no entanto, é evidentemente sempre muito imperfeita. Os amigos consultados podem ter utilizado planos com coberturas distintas daquela demandada ou podem ter usado serviços diferentes daqueles mais relevantes para o consumidor que requer a informação. A cobertura de uma operadora, na prática, pode ser melhor em algumas especialidades, mas não em outras. Assim, a experiência de outros usuários, apesar de ter um certo valor para informar a decisão do usuário, sempre pode ser muito limitada em função das potencialmente profundas diferenças nas preferências e necessidades de cada consumidor[5].

Como já destacado, estes problemas informacionais podem ser atenuados caso os custos de troca do plano sejam baixos. Ou seja, se o custo de troca for baixo, mesmo que o usuário tenha grande probabilidade de errar, sua capacidade de corrigir este erro com baixo custo é alta.

Uma forma de reduzir os custos de troca neste segmento foi a introdução pela ANS da portabilidade do plano de saúde, a qual permite ao consumidor trocar de operadoras sem carências[6]. A mera possibilidade de se exercer a portabilidade já constitui um indutor de qualidade no setor de planos de saúde. Representa uma ameaça de punição pelo próprio consumidor pela baixa qualidade da operadora. É o usuário sendo “empoderado” pela regulação para se aproveitar da concorrência e exercer parte da função de “regulador da qualidade” ele próprio.

O problema é que ainda assim pode haver significativos custos de troca. Por exemplo, o consumidor pode estar na carência do plano original, o que dificulta a portabilidade. Outro ponto é que a portabilidade apenas pode ser realizada entre planos considerados compatíveis, o que limita a capacidade de o usuário reestruturar sua cobertura em outra seguradora.

Um custo de troca possível de grande relevância para usuários com mais de cinquenta (50) anos é definido pela regra regulatória do parágrafo único do art. 15 da Lei 9.656, de 1998. São restrições de reajustes diferenciados para indivíduos com mais de sessenta anos de idade, que participarem do plano há mais de 10 anos. Caso o usuário troque de operadora neste meio tempo perde esta vantagem.

Por fim, o exercício do direito de portabilidade requer mais pesquisa sobre as opções existentes, o que representa custos para o usuário que podem dissuadi-lo de fazer uma possível troca. Assim, a regulação da portabilidade de planos de saúde, apesar de muito útil, não elimina todos os custos de troca.

Mesmo após a aquisição do plano de saúde, o usuário pode levar anos para perceber que o serviço adquirido não corresponde às suas expectativas, pois se limita a consumir serviços simples como consultas e exames. Justamente quando ele mais necessita do plano como, por exemplo, nos casos de cirurgias mais delicadas e internação, pode ser revelado que a qualidade de serviço é inadequada. Imagine o usuário que se depara com uma fila de seis meses para uma cirurgia de coração! Como o usuário médio não deverá ter tantas experiências deste tipo por um longo período, sua curva de aprendizado pessoal sempre será naturalmente muito limitada, o que faz com que o problema de assimetria de informação se prolongue indefinidamente. O consumidor apenas se dá conta e percebe que comprou gato por lebre depois de muito tempo e tarde demais.

Ou seja, uma baixa capacidade de perceber a qualidade do serviço, seja com base na experiência de outros usuários, seja na própria, associada à verificação de custos de troca relevantes torna as intervenções em planos de saúde, seja pelas exigências mínimas da legislação, seja pela proibição temporária da comercialização, uma intervenção potencialmente benéfica à sociedade.

Não menos importante, a ANS disponibiliza em seu sítio na internet “Dicas” para a escolha do plano de saúde[7], o que orienta o usuário em como fazer uma escolha bem informada de seu plano de saúde. Por exemplo, a ANS chama a atenção para planos aparentemente baratos que, por serem comercializados como planos empresariais, podem trazer verdadeiras “arapucas” para o usuário.

Cabe destacar que a intervenção do regulador não representa obrigatoriamente induzir o usuário a escolher as operadoras de melhor qualidade. Poderão acabar sendo escolhidos pelo usuário racionalmente prestadores de qualidade inferior. O ponto importante é que esta escolha ocorra não por falta de informação do usuário, mas por serem planos mais baratos. Ou seja, o usuário pode estar escolhendo planos qualitativamente piores porque quer ou precisa pagar preços menores, sabendo  que terá uma cobertura parcial ou um serviço de qualidade limitada.

O problema é que, como a variável “preço” é usualmente mais observável ou verificável pelo usuário[8] do que a qualidade do serviço, há uma tendência de se optar por combinações com preços baixos, mas com uma superestimativa da qualidade. Nesse contexto, a competição sem informação pode estimular uma verdadeira corrida por preços menores que requererão custos menores, os quais devem sacrificar a qualidade do serviço (race to the bottom) abaixo do razoável. Quanto mais se informar o consumidor, mais se assegura que aquele que estiver optando por um serviço mais barato estará consciente que a qualidade adquirida é menor e também de quanto ela é menor. O importante é o regulador capacitar mais e mais o usuário a escolher a sua melhor relação preço-qualidade[9]. Este fenômeno do race to the bottom nos parece particularmente válido para o setor de planos de saúde dada a severidade do problema informacional[10].

Aqui cabe uma palavra sobre o papel da concorrência neste setor. De um lado, o número de operadoras e planos disponíveis é bastante significativo. Isto implica mais concorrência o que em geral beneficia o consumidor. Ao mesmo tempo, no entanto, a grande quantidade de operadores, ao ampliar o menu de escolhas, exacerba a dificuldade do usuário em escolher. Ou seja, a grande concorrência do setor amplia o problema informacional. No limite, esta grande competição pode levar a uma redução de bem-estar na medida em que o problema informacional acirra de forma muito significativa este race to the bottom. São gerados preços muito baixos com base em uma diminuição da qualidade pouco observável pelos usuários. As operadoras de melhor qualidade não conseguem suportar os custos maiores dos seus serviços, sendo obrigadas a acompanhar a redução de preços das outras empresas.

Este é um caso interessante em que o vigor da concorrência no setor, além de não ser suficiente para maximizar o bem-estar, pode atrapalhar quando desacompanhada de um adequado suprimento de informações ou mesmo de uma garantia mínima da agência reguladora de que as operadoras em serviço satisfazem um mínimo padrão de qualidade.

Apesar de não ambicionarmos uma avaliação completa da atuação e da legislação da ANS, entendemos que as políticas calibradas para reduzir os problemas de assimetria de informação e custos de troca (portabilidade) aqui reportados apontam na direção certa, sendo uma das principais (senão a principal) linha de ação que uma agência reguladora deveria seguir no setor de planos de saúde.

III)             A Regulação da Qualidade no Setor de Telefonia Móvel[11] e a Comparação com Planos de Saúde

O interessante de se juntar em uma mesma análise dois setores tão distintos como planos de saúde e telefonia celular diz respeito ao diferencial analítico nos três itens principais em cada segmento, assimetrias de informação ex-ante e ex-post e custos de troca.

Nosso ponto principal aqui é que na telefonia celular a capacidade de observação da qualidade do serviço pelo usuário tanto antes quanto depois de contratar o serviço é bem maior em relação aos planos de saúde. Primeiro, a informação prestada por outros usuários sobre a qualidade das chamadas (o que inclui a simples avaliação de se o telefone “pega”ou não) de uma operadora na mesma área geográfica tende a ser muito parecida com a experiência que o usuário terá na mesma operadora. Ou seja, a diferenciação horizontal do serviço é baixa dentro de uma mesma área geográfica. Isto incrementa o conjunto de informações ex-ante sobre o qual o usuário realiza sua escolha com base na informação alheia.

Segundo, em menos de uma semana do início do uso do serviço, o usuário já será capaz de realizar uma razoável avaliação sobre a qualidade do serviço, sinalizando uma curva de aprendizado ex-post mais rápida relativamente a planos de saúde.

Terceiro, a variável “qualidade” no serviço de voz da telefonia móvel é unidimensional. Em todos os planos oferecidos por uma operadora, a capacidade de realizar chamadas e a sua qualidade serão as mesmas. Um usuário que tenha o plano pré-pago mais barato de uma dada operadora terá a mesma probabilidade de que o seu telefone tenha sinal do que outro usuário que tenha adquirido o plano pós-pago mais caro. A qualidade da chamada também não varia entre os planos de uma mesma operadora.

Tal como na regulação de planos de saúde, a telefonia celular também conta com a portabilidade[12], o que diminui significativamente o custo de troca do usuário que constatar qualidade precária do serviço de sua operadora. Este custo de troca menor é o que permite aos usuários punir operadoras que ofertem serviço de baixa qualidade. Os valores de churn[13] da portabilidade numérica em 2010 e 2011 foram, respectivamente, de 1,76% e 1,67%[14] [15].

O maior custo de troca da telefonia celular diz respeito à frequente fidelização do usuário por período determinado, que é em geral a contrapartida por um aparelho e/ou planos mais baratos. Este custo de troca dificulta ou adia a “punição” das operadoras com menor qualidade pelo próprio usuário e pode justificar ações mais intrusivas da ANATEL em favor da garantia de qualidade. Assim, nos planos de celular em que houver fidelização, fazem mais sentido intervenções como a proibição de comercialização de planos e de introdução de novas promoções. O mesmo não vale para os planos sem fidelização.

De qualquer forma, na comparação entre planos de saúde e telefonia, é razoável postular que a justificação para a interferência da agência no caso da ANS é mais forte do que no caso da ANATEL. O usuário de telefonia móvel, de uma forma geral, tem melhores condições que o de planos de saúde de “punir” operadoras que não oferecem uma qualidade adequada. A aquisição de informação sobre a qualidade do serviço tanto ex-ante como ex-post é mais simples e mais precisa sobre o que o usuário está efetivamente demandando.

A despeito de haver uma concorrência acirrada das operadoras de celular por usuários, há um oligopólio de apenas quatro a cinco empresas[16], o que, contrariamente à profusão de operadoras do setor de planos de saúde, facilitam a comparação pelos consumidores. Neste caso, a maior concorrência não confunde o processo de escolha do consumidor no quesito “qualidade”[17].

Em síntese, o processo decisório do usuário é relativamente mais eficaz em regular a qualidade das operadoras de telefonia celular do que dos planos de saúde. Não consideramos que o fenômeno do race to the bottom descrito para o caso dos planos de saúde seja uma questão relevante na telefonia celular.

Isto não implica que a intervenção realizada na telefonia celular tenha sido inútil. Um (ou o) efeito positivo (que também vale para a intervenção nos planos de saúde) foi o fato de a proibição de venda de novos planos ter tido uma divulgação grande o suficiente para chamar a atenção dos usuários para os problemas dos serviços das operadoras, incrementando a capacidade destes realizarem decisões mais bem informadas. O que se pode questionar é se esta seria realmente a forma mais eficaz de informar o usuário.

Um aspecto distintivo, entretanto, da telefonia celular são as externalidades que problemas de qualidade das operadoras geram umas nas outras. Afinal, no caso de interconexão, uma chamada é um serviço produzido por pelo menos duas operadoras. Quando há uma chamada com interconexão entre as operadoras, o usuário pode ter dificuldades em discernir qual delas, ou se mesmo as duas operadoras, está (ão) comprometendo a qualidade da chamada. Como de praxe, tais externalidades não são internalizadas, podendo implicar um subinvestimento em qualidade. Uma das formas de corrigir este problema seria, em tese, a proibição da comercialização de novos planos.

Consideramos a magnitude deste problema, no entanto, limitada. Havendo participações de mercado razoavelmente equilibradas, cerca de 25% para cada uma das quatro grandes operadoras, o usuário sempre conhecerá muitas pessoas que possuem celulares de outras operadoras que podem reportar sua própria experiência diferenciada, especialmente nas chamadas intra-rede que isolam a qualidade específica daquela operadora. Ademais, o usuário de uma operadora com má qualidade que fala com usuários de outras três operadoras de boa qualidade terá sempre que assumir ou que o problema é das outras três e não da sua ou que o problema é de todas, incluindo a sua. Em algum momento ele deveria imaginar que é mais fácil o problema ser de uma só (a sua) do que de todas as outras  três.

Dessa forma, bem fez a ANATEL em realizar uma intervenção apenas temporária que não requeria um ajuste imediato da qualidade do serviço (tal como no caso dos planos de saúde), mas apenas o compromisso das operadoras com um cronograma de investimentos. O mais importante, no entanto, não é o cumprimento deste cronograma por parte das operadoras, mas o fato de a intervenção ter gerado informação aos usuários.

IV) Indicadores de Qualidade: “Empoderando” o Usuário para Escolher

Uma forma alternativa e ou complementar de abordar o problema é as agências investirem em indicadores de qualidade que sejam utilizados diretamente pelos usuários em seu processo de escolha. Definitivamente, as agências reguladoras têm evidentes vantagens de escala em termos de custo em relação aos usuários para coletar as informações necessárias para construir tais indicadores. Felizmente, tanto ANS como ANATEL têm investido fortemente em indicadores de qualidade, sendo estes em grande parte colocados de forma a permitir uma mais fácil comparação entre as operadoras.

A ANS divulga interessantes tabelas comparativas com os índices de reclamações das operadoras[18] de grande, médio e pequeno portes, os quais dizem respeito especialmente a problemas de coberturas dos planos[19]. O importante aqui para aprimorar o processo de escolha pelo usuário é o ranking das operadoras conforme o número médio de reclamações nos seis meses anteriores para cada 10.000 beneficiários do universo de beneficiários analisado. Por exemplo, em outubro de 2012, a operadora de grande porte com maior índice de reclamações chegou a um valor de 5,33 por cada 10.000 beneficiários nos últimos seis meses. No mesmo mês, algumas operadoras conseguiram não ter qualquer reclamação.

A ANS também divulga o Índice de Desempenho da Saúde Suplementar (IDSS)[20], mais complexo, que varia de zero a um (0 – 1) e é composto em 50% pelo Índice de Desempenho da Atenção à Saúde (IDAS); 30% pelo Índice de Desempenho Econômico-financeiro (IDEF); 10% pelo Índice de Desempenho de Estrutura e Operação (IDEO) e 10% pelo Índice de Desempenho da Satisfação dos Beneficiários (IDSB).

Se, de um lado, o IDSS é tecnicamente mais completo do que simplesmente o índice de reclamações, sua maior complexidade, de outro, o torna menos digerível para o usuário médio, o que reduz seu valor informacional. Por exemplo, um usuário menos sofisticado poderia indagar o que o Índice de Desempenho de Estrutura e Operação (IDEO) de uma operadora importa para sua decisão? Já uma quantidade de pessoas grande reclamando pode constituir algo mais inteligível para este usuário. A correta interpretação de um indicador como o IDSS pode requerer um mínimo investimento do usuário sobre o que significa e o que implica da perspectiva da escolha ótima, o que sabemos que muitas vezes não é feito (e pode nem ser racional fazê-lo a depender do custo de obtenção desta informação que varia conforme a sofisticação do usuário).

Tal política da ANS de dar transparência aos indicadores, logo à primeira página de seu sítio na internet, de forma a prover meios fáceis de comparação entre as operadoras para o usuário é muito positiva. Mais do que isso, prover informação para escolhas fundamentadas do usuário deveria constituir uma das principais linhas de ação da agência. Quanto mais a ANS divulgar tais indicadores, inclusive por outras mídias, e mais esclarecer a sociedade sobre o que eles efetivamente informam, mais o próprio usuário será capaz de realizar escolhas bem informadas e, portanto, ótimas do ponto de vista econômico.

Ainda sim a quantidade de informação embutida nos indicadores pode não ser suficiente para uma escolha plenamente bem informada e normalmente não o é. As reclamações de outros usuários podem, por exemplo, simplesmente se derivar de coberturas menos relevantes para aquele consumidor específico. Se a grande parte das reclamações está associada à cobertura de exames, mas o interesse maior deste consumidor é o ambulatório, a comparação entre planos baseada naquele indicador se verá prejudicada.

A existência de contradição entre indicadores também pode complicar ainda mais o processo decisório. Por exemplo, a operadora com o pior indicador no rank de reclamações, está entre os melhores desempenhos do IDSS. Isto apenas reflete o fato que a variável “qualidade” está longe de ser unidimensional no setor de planos de saúde e que quaisquer indicadores definidos pelo regulador inevitavelmente conterão imperfeições ou deverão capturar apenas alguns elementos daquela variável.

A ANATEL, por sua vez, divulga o Índice de Desempenho no Atendimento (IDA)[21] que apresenta o ranking das operadoras com base em um fator de reclamações, das reclamações que são reabertas, das resolvidas em até cinco dias e das resolvidas no período. Outro dado bem interessante da Anatel é a quantidade de “reclamações por motivo ofensor”, como, por exemplo, reparo, cancelamento, habilitação e cobrança (de longe, a maior de todas com mais de 1/3 do total)[22]. O problema é que a Anatel apenas divulga este último dado de forma agregada e não operadora a operadora o que prejudica a utilização da informação como insumo ao exercício de escolha do usuário. Isto porque o usuário pode dar mais valor a alguns problemas, por exemplo, cobrança errada, do que outros, por exemplo, maior dificuldade de cancelamento da linha. Ter esta informação mais desagregada poderia se tornar um insumo informacional valiosíssimo para o usuário quando faz sua escolha de operadora. Na forma em que se encontra, no entanto, é pouco útil para o processo de escolha.

O que falta nos dois casos, planos de saúde e telefonia celular, é a apresentação de indicadores mais regionalizados e não apenas o nacional. Ademais, cabe à agência tornar a informação trazida pelos indicadores mais claros para os usuários, como argumentado acima. Afinal, o desempenho das operadoras nos dois casos pode ser muito diferente conforme a região ou estado do país.

V) Conclusões

A proibição da comercialização dos serviços pode ser uma ferramenta importante do regulador para incrementar a qualidade do serviço. No entanto, como vimos, em planos de saúde, a medida tende a fazer mais sentido do que em telefonia celular, especialmente quando o plano escolhido neste último caso não envolver fidelização.

Como se trata de uma intervenção na liberdade de contratar, a medida deve ser analisada com muito cuidado. Se a informação sobre a qualidade do serviço é disponível e “digerível” a baixo custo para o consumidor, além de custos de troca baixos, a intervenção por proibição de comercialização de novos planos deve ser reavaliada, especialmente quando outras penalidades complementares como multas podem ser acionadas. Já quando o problema informacional é mais grave e o custo de troca mais significativo, as chances deste tipo de intervenção aumentar o bem-estar aumentam.

O aperfeiçoamento de indicadores de qualidade que permitam ao usuário comparações simples e diretas entre as operadoras é sempre uma medida positiva. Investir na divulgação constante destes indicadores e no esclarecimento do usuário com o uso de cartilhas e dicas, inclusive por outras mídias que não apenas o sítio da agência na internet, deve ser um dos focos principais da missão destas agências.

No caso da ANS, as medidas de proibição de comercialização nos parecem inevitáveis, enquanto explorar o uso de mídias alternativas para os indicadores que já existem uma ação complementar chave. Já no caso da ANATEL, a maior divulgação da comparação entre os indicadores qualitativos das operadoras pode ser mesmo uma medida substituta mais eficiente em relação à simples proibição de comercialização de planos. A exceção identificada é quando ocorre a “fidelização” temporária do usuário, abrindo um espaço maior para intervenção.

Se considerada esgotada a estratégia de divulgação de indicadores no sentido que permanece se constatando baixo nível de informação e, portanto, baixa capacidade decisória racional do consumidor[23], além de outras penalidades como multas por descumprimento do padrão mínimo exigido, então aí sim caberia pensar em suspensão da comercialização de planos. Nesse caso, a suspensão poderia incidir sobre mais operadoras, com base em limites mínimos de qualidade pré-fixados pela agência, e não apenas naquela que foi pior. Deixar-se-ia sempre a opção para o novo usuário de pelo menos uma operadora. Também pode ser o caso (e é o que se espera) que todas cumpram os limites e nenhuma, inclusive a de pior indicador, seja penalizada.

O mais importante é que o descumprimento dos limites mínimos seja amplamente divulgado para sensibilizar ao máximo tanto o usuário quanto a própria operadora em seus respectivos processos decisórios. Poder-se-ia, inclusive, pensar em obrigar as operadoras faltosas a colocar uma informação básica sobre isto, em lugar visível, em suas lojas físicas e sítio na internet. O objetivo continua sendo fazer que o consumidor incorpore os indicadores de qualidade como insumos em sua escolha.

Os limites mínimos de qualidade pré-fixados pela agência devem naturalmente ser calibrados para metas realistas para o(s) indicador(es), sendo claro para a agência que intervenções na liberdade de contratar são alternativas muito custosas socialmente. Isto porque reduzem não apenas os lucros das operadoras, mas também o bem-estar do consumidor, que têm restringido o seu espaço de escolha. Assim, para que a agência bloqueie tal transação, o benefício da intervenção deve ser realmente compensador.

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3 O problema identificado pela Anatel se restringiu ao serviço de voz. A análise deste artigo restringe-se a este último, não se estendendo à internet móvel.

4 O ofertante apenas investe voluntariamente em qualidade quando o custo de fazê-lo é inferior ao aumento de lucro esperado.

5 Em teoria econômica esta é a distinção entre as diferenciações de produto (ou serviço) vertical e horizontal. A vertical se refere a diferenciais de qualidade considerados de forma unânime por todos os usuários. Por exemplo, se todas as liberações de exames demoram mais em uma operadora que em outra, a segunda terá uma superioridade qualitativa unânime neste item. No caso da diferenciação horizontal, há diferenças relevantes entre as preferências dos indivíduos. Um plano pode apresentar, por exemplo, melhor cobertura na área cardíaca, incluindo médicos e hospitais conveniados do que um segundo plano que apresenta uma rede conveniada relativamente mais forte nas doenças do aparelho digestivo. Enquanto cardíacos preferirão o primeiro plano, pessoas com propensão maior a problemas digestivos estarão mais inclinadas pelo segundo. O ponto principal deste parágrafo é que uma diferenciação horizontal muito pronunciada limita ainda mais o valor da experiência de terceiros para efeito de informar as decisões do usuário.

6 Ver na página da ANS, o passo a passo para realizar a portabilidade de carências. http://www.ans.gov.br/index.php/planos-de-saude-e-operadoras/contratacao-e-troca-de-plano/trocar-de-plano-de-saude-sem-cumprir-carencia. O assunto está normatizado na Resolução Normativa RN 186, de 14 de janeiro de 2009, modificada pela RN 252, de 29 de abril de 2011.

7 Ver http://www.ans.gov.br/index.php/planos-de-saude-e-operadoras/contratacao-e-troca-de-plano/dicas-para-escolher-um-plano-de-saude/468-saiba-antes-de-contratar-um-plano

8 Na teoria econômica há uma diferença entre a observabilidade e a verificabilidade de uma variável no contrato pelo usuário. A observabilidade se refere à capacidade literal de o usuário “observar” a variável (seja preço, qualidade ou outra), a qual não seria, portanto, informação privada da outra parte (no caso da operadora). A verificabilidade se refere à capacidade de o usuário provar a um juiz ou a uma agência reguladora o valor daquela variável. Usualmente a capacidade de o usuário verificar uma variável é mais difícil do que observar. A ajuda do regulador pode ser justamente em apoiar o usuários tanto em observar como em verificar variáveis de preço e qualidade.

9 A não ser que se considere que o Estado sabe melhor o que é bom para o indivíduo que ele próprio, mesmo que este não tenha qualquer problema de incompletude de informação.  Esta não é a premissa deste artigo.

10 Um interessante site comparador de planos de saúde, o “cataplanos” (www.cataplanos.com.br) revela claramente esta tendência de supervalorização do preço em relação às variáveis de qualidade, até mesmo pelas limitações de espaço. O site oferece vários planos nos quais a variável de maior destaque é o preço. Quando se solicita para “Detalhar o plano”, nenhum “detalhe” sobre variáveis qualitativas contratuais, além do cumprimento da legislação, são disponibilizadas.

11 A análise do fator “qualidade” da telefonia móvel aqui se restringe ao serviço de voz, não se estendendo à internet, cuja lógica é totalmente diferenciada.

12 A Anatel possui uma cartilha explicando a portabilidade numérica em seu sítio na internet. Entra-se no lado esquerdo do site em “Direitos e Garantias”, “Cartilhas” e “Portabilidade Numérica”. A regulamentação encontra-se no Regulamento Geral de Portabilidade (RGP), anexo à Resolução nº 460, de 19 de março de 2007.

13 Churn é um termo utilizado para designar a perda de clientes de uma operadora, usualmente calculado como o número de cancelamentos em determinado período em relação ao número de assinantes.

14 Teleco: www.teleco.com.br

15 Estes valores nos parecem baixos à primeira vista, o que sugere caber mais ações de marketing da Anatel para divulgar o direito da portabilidade.

16 Oi, Tim, Vivo, Claro. A Nextel oferece o serviço de Serviço Móvel Especializado, cada vez menos distinguível das outras.

17 Curiosamente, a maior dificuldade dos usuários de telefonia celular é a comparação da tarifação dos variados planos de cada operadora e não a qualidade do serviço.

18 Entrar em www.ans.gov.br, clicar no ícone “Desempenho das Operadoras” no meio da página, “Índice de Reclamações” e “Baixe planilha com lista completa de operadoras e índices”.

19 Reclamações julgadas improcedentes são excluídas do índice, o que elimina o problema de falsas notificações para prejudicar a concorrência.

20 Entrar em www.ans.gov.br, clicar no ícone “Desempenho das Operadoras” no meio da página e “Programa de Qualificação de Operadoras”.  Há um conjunto de cinco intervalos do IDSS (0 a 0,19; 0,20 a 0,39; 0,4 a 0,6; 0,6 a 0,8; 0,8 a 1), sendo que quanto maior, melhor a qualidade. Basta clicar em cada intervalo para saber quais operadoras estão dentro daquele intervalo de IDSS (ou de qualidade). Mais abaixo, em “Saiba Mais”, pode-se clicar em “Listagem de Operadoras por Faixa de IDSS” e se conseguem três planilhas consolidadas para as operadoras de porte grande, médio e pequeno.

21 Entrar em www.anatel.gov.br, clicar o ícone “Anatel Dados” em cima no lado direito, clicar “Qualidade” do lado esquerdo, clicar “Indicadores de Atendimento”, clicar “Índice de Desempenho do Atendimento (IDA)”, selecionar a opção para “telefonia móvel” no mês desejado. Em novembro de 2012, o último dado encontrado se referia a julho de 2012.

22 Na página do IDA, clicar em “Quantidade de Reclamações por Motivo ofensor”.

23 Algo que consideramos difícil de o regulador auferir. Há o risco de o regulador ter uma propensão a sempre subestimar o grau de informação e a capacidade de decisão do consumidor médio. Em particular, pode insistir em uma qualidade superior àquela que o usuário estaria disposto a pagar, detendo informação completa.

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