análise econômica do direito – Brasil, economia e governo https://www.brasil-economia-governo.com.br Tue, 22 Aug 2017 18:34:09 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=6.8.1 O efeito do Poder Judiciário na (ir)responsabilidade fiscal https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=3038&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=o-efeito-do-poder-judiciario-na-irresponsabilidade-fiscal Tue, 22 Aug 2017 18:34:09 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=3038 É de se preocupar que, em um contexto de severa crise fiscal do Estado, não haja meio eficaz de coibir estratégia eleitoral de governantes impopulares que, em final de mandato, editam leis irresponsáveis concedendo benefícios ao funcionalismo público sem qualquer respaldo orçamentário.

Na verdade, isso ocorre não por falta de normas, mas em razão da interpretação que o Supremo Tribunal Federal tem dado a um dos principais dispositivos constitucionais que regulam o aumento de despesas com pessoal: de que a prévia dotação orçamentária na Lei Orçamentária Anual (LOA) e autorização na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), exigidas pelo artigo 169, §1º, da Constituição Federal, não constituem requisitos de validade, mas meros pressupostos de eficácia. Em consequência, leis que aumentam despesas com pessoal em desconformidade com a capacidade financeira dos entes públicos não podem ser declaradas inconstitucionais. Cria-se, portanto, expectativa de pagamento de despesas com pessoal acima da capacidade do Estado.

Por essa razão, um novo governante que herda obrigações de leis editadas pelo governante anterior, enfrenta elevado desgaste político, porque tem que lidar a um tempo com a insatisfação do resto da população com o aumento do déficit fiscal, e com a pressão das categorias de servidores que não percebem os benefícios prometidos no prazo previsto. Essa situação se traduz em impopularidade crescente do novo governante. E é justamente daí que exsurge maior incentivo para que um governante impopular em fim de mandato manipule a política fiscal a ser entregue ao oponente, de forma a dificultar a gestão desse opositor e, assim, aumentar suas próprias chances de voltar ao poder no futuro.

De modo contrário, se o STF passar a considerar os requisitos do artigo 169, §1o, no plano da validade, o novo governante terá alívio na gestão fiscal e terá reduzida a pressão política dos servidores públicos, uma vez que atribuirá à interpretação constitucional o fundamento para não implementar os benefícios inconstitucionais. Assim, reduzir-se-ão os incentivos para que um governante impopular tome medidas irresponsáveis. Ademais, a punição do governante irresponsável por ato de improbidade administrativa, trará ainda maior eficácia na coibição do comportamento oportunista.

Comprovação dos efeitos prejudiciais da atual interpretação do Supremo vislumbra-se no caso do Distrito Federal, em que o ex-governador, Agnelo Queiroz, concedeu, no penúltimo ano de seu mandato, aumento para 32 categorias de servidores públicos em completa desconformidade com o artigo 169, §1o, da CF/88 e com a LRF, representando um impacto total de mais de R$ 2 bilhões, cujas parcelas invadiam o próximo mandato.

No mandato seguinte, as leis que concederam os referidos aumentos tiveram sua constitucionalidade questionada no TJDFT1, mas o Tribunal sequer admitiu a ação, fundamentando-se na jurisprudência do STF. Por essa razão, o governador atual, Rodrigo Rollemberg, enfrenta tanto o custo político da piora da situação fiscal, quanto a pressão política das categorias de servidores, que não receberam até hoje a terceira parcela dos aumentos previstos, por não haver situação fiscal favorável para inclusão dos R$ 1,2 bilhão na lei orçamentária anual.

Além disso, estão em trâmite uma série de ações individuais na Justiça pleiteando-se a implementação dos aumentos, com alguns dos pedidos estão sendo deferidos enquanto outros não, em razão da diversidade de entendimento entre os magistrados, o que incrementa insegurança jurídica ao processo.

Destarte, é preciso repensar os atuais nortes interpretativos do STF no âmbito da implementação de gestão fiscal responsável pelo Estado, porquanto não bastam leis bem elaboradas, se o entendimento subsequente não garantir seu cumprimento, moldando adequados incentivos aos agentes aos quais se destinam tais leis.

Confira-se o estudo completo em:http://www12.senado.leg.br/publicacoes/estudos-legislativos/tipos-de-estudos/textos-para-discussao/td241

 

Texto publicado originalmente no Jornal Correio Braziliense em 7 de agosto de 2017.

 

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1 Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios, ADI n. 20150020055176.

 

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A ineficiência é sempre injusta? https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=2833&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=a-ineficiencia-e-sempre-injusta https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=2833#comments Mon, 15 Aug 2016 11:59:25 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=2833 Em meio à reconhecida polarização política, parece haver consenso quanto a um relevante tema: é preciso evitar que as instituições do Estado sejam apropriadas por interesses corporativos. Com justo motivo, personalidades de todos os espectros partidários, integrantes dos três Poderes republicanos, já externaram preocupações nesse sentido, desde o então Ministro-Chefe da Secretaria-Geral da Presidência da República,  Gilberto Carvalho (2014), passando pelo Senador Cristovam Buarque (2016), até o Ministro do Supremo Tribunal Federal, Gilmar Mendes (2016).

O justificado receio possui variados fundamentos. O mais evidente é que, ao tornar o Estado refém das corporações, acaba-se por corromper a representação parlamentar democrática, a tecnocracia executiva e a imparcialidade judicial. Contudo, há outra disfunção causada pelo fenômeno, que tem sido menos alardeada, apesar dos graves impactos econômicos gerados: a “miopia” ocasionada pela condução estatal por interesses segmentados imediatistas pode ser altamente nociva à realização do interesse público primário.

Tal “miopia” turva a perspectiva distante, isto é, de longo prazo; assim, os tomadores de decisões – Chefes do Executivo, parlamentares ou mesmo juízes – acabam se orientando unicamente pelos efeitos de curto prazo. Aliás, mesmo quando inexiste a pressão de grupos setorizados, por vezes as deliberações não maximizam o bem-estar. A esse respeito, a Análise Econômica do Direito tem muito a contribuir, conforme se verá no transcorrer destas linhas.

Quando se utiliza o instrumental da Análise Econômica do Direito para analisar normas jurídicas1, é comum procurar saber se determinada legislação (ou decisão) melhora ou piora a eficiência da sociedade. Afinal, é sabido que as normas criam um conjunto de incentivos aos indivíduos e empresas, com reflexos sobre a eficiência das transações econômicas.

A norma, ao aprimorar a eficiência da sociedade, contribui para o crescimento econômico, seja por via direta ao estimular a atividade econômica, seja por via indireta ao propiciar a redução de desperdícios de recursos públicos, como, por exemplo, quando foca melhor o alvo de um programa social.

No entanto, há que se ter em mente a existência de um possível dilema entre eficiência de curto prazo e de longo prazo quando acontece uma mudança regulatória. É possível que, num primeiro momento, exista uma perda de bem-estar social, mas, quando se considera a eficiência intertemporal e seu reflexo no crescimento econômico, a nova legislação pode ser considerada pertinente.

Cootere Schäfer(2012) discutem essa perspectiva com enfoque na inovação e seu papel no crescimento econômico. Começam com um exemplo em que não existe o dilema citado, como na regulação que combate cartéis. Nesse caso, a lei, que proíbe e penaliza a formação de cartéis, atua positivamente nas duas frentes, promovendo, a um só tempo, crescimento e eficiência, no curto e no longo prazo. Ao propiciar uma concorrência mais acirrada, a lei contribui para uma maior eficiência incentivando a inovação (oligopólios e monopólios tendem a não inovar, pois seus detentores não querem perder a posição privilegiada no mercado). Além disso, o fim dos lucros extraordinários incentivará o consumo, assim propiciando maior crescimento econômico (e menor concentração de renda).

Nesse caso, a mudança implementada por essa lei pode ser representada na Figura 1 por um deslocamento do ponto A para o ponto B, ou seja, acarreta mais eficiência e mais crescimento.

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No entanto, há leis nas quais há um claro trade-off no curto prazo, como as que asseguram a exclusividade na exploração de direitos de propriedade intelectual. Ganha-se de um lado, mas perde-se do outro.

A criação da propriedade intelectual justifica-se por conta de um problema econômico: uma falha de mercado que impede o oferecimento de um nível eficiente de inovação. Para resolver essa falha de mercado, criou-se, dentre outros institutos, a patente, que é um monopólio jurídico temporário para quem criar uma inovação, garantindo ao autor da invenção condição de obter retorno para os recursos investidos no processo de geração da nova tecnologia (Dosi, Marengo e Pasquali, 2007).

Como todo monopólio, a patente traz uma ineficiência embutida. O inventor, por ter poder de mercado, pode colocar o preço para a utilização de seu produto em um valor bem acima do ótimo social. Na prática, isso significa que a inovação será disseminada, mas não tanto quanto poderia ser.

Cooter e Edlin (2010) discutem esse dilema entre eficiência estática e crescimento econômico, provando que a perda de bem-estar no curto prazo pode ser compensada por ganhos nos próximos períodos (Welfare Overtaking Theorem).

No caso das patentes, desenvolvem o seguinte  raciocínio: o custo gerado num primeiro momento (preço mais alto, tanto em razão da ausência de concorrência, como para recuperar o investimento inicial necessário ao desenvolvimento da inovação), com consequente queda no consumo, pode ser compensado no longo prazo com uma maior taxa de crescimento que se sustente (estímulo ao investimento necessário para avanços tecnológicos).Ou seja, no longo prazo a queda de eficiência inicial terá sido compensada. Isso fará com que a nova norma seja eficiente do ponto de vista intertemporal, apesar de, no curto prazo, trazer embutida uma ineficiência.

Outro exemplo elucidativo sobre essa ocorrênciaé encontrado nos debates envolvendo o novo Código de Processo Civil. Esteve presente, no transcorrer de toda a sua elaboração, a preocupação acerca das diversas inovações contempladas no diploma. Decerto, haverá um custo inicial de adaptação (dos operadores do direito em geral), tanto na adequação à nova sistemática, como na interpretação dos comandos mais complexos. Acredita-se, todavia, que o benefício social experimentado no longo prazo superará a perda inicial de bem-estar.

Nesse caso, a perda de eficiência num primeiro momento consegue ser compensada por benefícios de médio e longo prazos a superarem o custo inicial? O fato de o país contar com uma legislação processual mais moderna trará maior crescimento econômico nos períodos seguintes? Em caso positivo, na Figura 1, esse movimento seria representado pela mudança do ponto B para o ponto C.

Outras aplicações do Welfare Overtaking Theorem podem ser encontradas no ordenamento jurídico brasileiro, como em tópicos constantes do direito falimentar. A lógica está presente no afastamento da sucessão nas dívidas tributárias e trabalhistasdo adquirente de filiais no âmbito da falência e da recuperação judicial (art. 60, parágrafo único e art. 141, II, ambos da Lei 11.101/05); do mesmo modo, na previsão da suspensão das execuções em curso contra o devedor quando este tem deferido o processamentodo seu pedido de recuperação judicial (art. 6º da Lei 11.101/05).Nos dois casos, há a imposição de uma ineficiência inicial, pois se dificulta o adimplemento obrigacional, por motivos óbvios. Em contrapartida, no primeiro caso, criam-se condições que facilitam a realização do ativo a preço próximo do real, assim viabilizando o pagamento dos credores e, em alguns casos, a continuidade da empresa; e, no segundo caso, se favorece a coordenação dos interesses dos credores no recebimento integral do crédito e concede-se, à empresa recuperada, um período para a sua reestruturação, com vistas a um retorno futuro. No médio e longo prazo, portanto, as medidas propiciam benefícios aos trabalhadores, credores e Estado, embora contemplem uma ineficiência de curto prazo.

A lição a ser extraída do teorema é que não se deve atentar tanto para ineficiências iniciais decorrentes da legislação, desde que essas ineficiências sejam comprovadamente superadas por aumento na taxa de crescimento econômico que se sustente no decorrer do tempo. Assim, deixar de aprovar determinada norma ou política pública porque há uma perda momentânea, desconsiderando os benefícios futuros, é entravar a realização do interesse público na maior extensão possível.

Há que se frisar, no entanto, que também existem ações governamentais extremamente deletérias fazendo o oposto, pois geram aparente aumento do bem-estar num primeiro momento, mas criam uma ineficiência que se propaga de forma negativa por várias gerações. Normalmente, essas ações nocivas estão relacionadas à incapacidade de o governo recusar o atendimento a pedidosde grupos de interesses ou à necessidade de obter rápido retorno eleitoral. Nesse conjunto, incluem-se atos que promovem o agravamento do déficit fiscal em detrimento de toda a sociedade.

Na literatura econômica, esse assunto é conhecido como Political Budget Cycle (“ciclos políticos orçamentários”, Rogoff, 1990). O autor discute a estratégia do governante que tende a distorcer a política fiscal, cortando tributos, aumentando transferências e promovendo gastos que tenham visibilidade imediata. Tal comportamento do governante, provavelmente, geraria ou agravaria uma situação de déficit fiscal. Segundo esse estudo, o político mais votado é aquele que tende a gerar maior desequilíbrio nas contas públicas, contrariamente ao político preocupado com os recursos do Estado. Isso acontece porque se mostra mais eficiente, sob uma perspectiva de curto prazo, aquele que gera maiores déficits.

A esse respeito, advertiu Fernando Henrique Cardoso (2016):

Essa constatação [da desigualdade] só aumenta a angústia e a responsabilidade dos que dela têm noção. Vivemos no Brasil, à nossa moda, algo disso. Há responsáveis, mas não vem ao caso acusar. Provavelmente alguns deles, se forem intelectualmente honestos, estão se perguntando: por que não vi antes que endividar irresponsavelmente o País, mesmo que a pretexto de aumentar momentaneamente o bem-estar do povo e criar ilusões de crescimento econômico, é algo ruinoso, que as gerações futuras pagarão? Exemplo simples: quando foi derrotada a emenda na Previdência Social de meu governo que definia uma idade mínima para as aposentadorias, não faltou quem gritasse vitória. Alguns dos mesmos que década depois se deram conta de que não se tratava de “neoliberalismo”, mas de projetar no futuro próximo as consequências financeiras de tendências demográficas inelutáveis. Diante do estrago, não adianta chorar: é darmo-nos as mãos e ver se encontramos caminhos.

Sabemos que justiça e eficiência são conceitos distintos, mas, como ensina Timm (2014, p. 28), “a ineficiência é sempre injusta“, especialmente num país com extrema desigualdade social como o Brasil, no qual se deveria evitar com todas as forças o desperdício de recursos públicos.

Com a discussão realizada neste texto, podemos lapidar a advertência de Timm para esclarecer que a ineficiência poderá ser injusta quando o crescimento econômico no médio ou longo prazo não a superar e, para tanto, faz-se necessária a análise do impacto das normas e das políticas públicas numa perspectiva intertemporal, sob o risco de se deixar de tomar medidas positivas caso se considere somente o momento presente ou ainda pior, o risco de se decidir algo que trará malefícios para as gerações futuras. O Welfare Overtaking Theorem expõe um dos mais lesivos efeitos da “captura” do Estado por corporações: condicionar a atuação estatal ao atendimento de interesses imediatista, sem sopesá-los com a eficiência intertemporal e o bem-estar de longo prazo.

 

O presente texto está baseado no paper “O Dilema entre a Eficiência de Curto e de Longo Prazo no Ordenamento Jurídico e o Impacto no Crescimento Econômico”, disponível em http://www12.senado.leg.br/publicacoes/estudos-legislativos/tipos-de-estudos/textos-para-discussao/TD200

 

Referências Bibliográficas

BRITO, Adriano (2016). PT se “autoassassinou” e governo está em fase terminal, diz ex-ministro de Lula, BBC Brasil, 22/01/2016. Disponível em: http://www.bbc.com/portuguese/noticias/2016/01/160122_entrevista_cristovam_buarque_ab. Acesso em: 02/08/2016

CARDOSO, F. H. (2016). Um pouco de bom senso. Estadão, Opinião, 03/07/2016. Disponível em: http://opiniao.estadao.com.br/noticias/geral,um-pouco-de-bom-senso,‌10000060660. Acessoem 10/07/2016.

COOTER, R.; Edlin, A. (2010). Law and Growth Economics: A Framework for Research. Berkeley Program in Law and Economics, Working Paper Series. Disponívelem: http://escholarship.org/uc/item/50t4d0kt

COOTER, R. D.; Schäfer, H. B. (2012). Solomon’s knot: how law can end the poverty of nations. New Jersey: Princeton University Press.

DOSI, G.; Marengo, L.; Pasquali, C. (2007). Knowledge, competition and innovation: is strong IPR protection really needed for more and better innovations? Disponível em http://repository.law.umich.edu/cgi/viewcontent.cgi?article=1093&context=mttlr. Acesso em 28/06/2016.

MARETTI, Eduardo (2014). Interesses corporativos impedem reformas no país, afirma Gilberto Carvalho, Rede Brasil Atual, 24/04/2014. Disponível em: http://www.redebrasilatual.com.br/politica/2014/04/interesses-corporativos-impedem-reformas-no-pais-afirma-gilberto-carvalho-3731.html. Acesso em: 03/08/2016.

SALES, Robson (2016). Gilmar Mendes: Impeachment está “a caminho de se concretizar”, Valor Econômico, 10/06/2016. Disponível em: http://www.valor.com.br/politica/4596367/gilmar-mendes-impeachment-esta-caminho-de-se-concretizar. Acesso em: 03/08/2016.

TIMM, L. B. (2014). Direito e Economia no Brasil. Editora Atlas, São Paulo.

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1 O termo “normas jurídicas” é utilizado, aqui, em sentido bastante amplo, incluindo leis de efeitos abstratos e concretos, atos administrativos e mesmo decisões judiciais (enquanto normas do caso concreto).

 

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Como o código de defesa do consumidor colabora para a eficiência da economia? https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=767&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=como-o-codigo-de-defesa-do-consumidor-colabora-para-a-eficiencia-da-economia https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=767#comments Wed, 28 Sep 2011 14:50:40 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=767 As relações de consumo são a base de um sistema capitalista. Garantir que as partes nessa relação estejam em condições de igualdade é fundamental para a prosperidade do mercado e para a geração de riquezas.

Já publicamos artigo neste site Como as Leis e o Poder Judiciário afetam a Economia? , no qual defendemos que as leis e as decisões judiciais, juntamente com os instrumentos que obrigam todos os cidadãos a cumpri-las (polícia, judiciário, fiscalização pública, etc.), fornecem um conjunto de incentivos aos cidadãos e empresas, que têm reflexos sobre a eficiência das transações econômicas.

Dessa breve introdução é que podemos extrair a importância do Código de Defesa do Consumidor (CDC) – Lei nº 8.078, de 1990. O princípio básico que norteia todo o Código é o Princípio da Vulnerabilidade do Consumidor: trata-se da aceitação de que o consumidor é a parte mais fraca da relação de consumo e, portanto, faz-se necessária uma tutela especial. Essa premissa é reconhecida pela Constituição Federal ao declarar que o Estado promoverá a defesa do consumidor (art. 5º, XXXII).

Relativamente à responsabilidade civil, isto é, à obrigação de reparar o dano ou o prejuízo causado a alguém, o CDC traz regras específicas para tentar obter efetividade na proteção do consumidor.

Dos estudos da análise econômica do direito, sabemos que o sistema de responsabilidade civil tem uma função importante na redução da frequência com que produtos e serviços viciados – que causam danos ao patrimônio, à propriedade, à saúde e até à vida dos consumidores – são oferecidos no mercado.

A regra basilar da responsabilidade civil no direito privado é a responsabilidade subjetiva que se resume na obrigação de indenizar somente quando ocorre a comprovação de dolo ou culpa por parte do causador do dano, cabendo ao prejudicado o ônus de demonstrar a existência desses elementos subjetivos.

No entanto, essa regra é inadequada para as relações de consumo, sendo necessária outra forma de se imputar o ônus face a produtos danificados. O mais adequado é a chamada responsabilidade civil objetiva.

Para gerar a responsabilidade civil objetiva, três requisitos devem estar presentes: uma determinada conduta a ser praticada pelo agente; a existência de dano a outrem; e o nexo causal entre a conduta e o dano (a conduta errada deve ter gerado o dano). Na responsabilidade civil subjetiva temos a necessidade da inclusão de um quarto pressuposto caracterizador: o dolo ou culpa do agente causador.

É fácil perceber que é muito mais simples provar o nexo causal do que provar a culpa. Por exemplo, pense no estouro de uma garrafa de refrigerante, devido ao excesso de gás, em que a tampa é arremessada no olho do carregador que estava manuseando o engradado. Sem necessidade de muita argumentação, prova-se que a explosão da garrafa de refrigerante feriu o funcionário, mas é bem mais complexo provar que o fabricante adota processos de engarrafamento negligentes.

Assim, não é despropositadamente que o CDC estabelece como regra a responsabilidade objetiva, isto é, o fornecedor responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados por defeitos ou inadequações de informações relativos aos produtos que colocou no mercado.

Mas como o sistema de responsabilidade civil, previsto no Código de Defesa do Consumidor, pode tornar mais eficientes as transações econômicas? Há danos em que os custos de barganha são exageradamente altos, de forma que impedem totalmente a cooperação. No caso da venda de produtos com problemas, o fabricante vai pensar que a maioria dos consumidores permanecerá ignorante a respeito da existência do problema. Consequentemente, o fabricante tem incentivo a não mencionar a falha. Nesse exemplo, o obstáculo para a cooperação é a ignorância dos consumidores e a decisão estratégica do produtor de manter a informação privada.

Ao alocar o custo de produtos defeituosos ao produtor, o sistema de responsabilidade o incentiva a ser precavido. Todo produto posto em circulação deve ter segurança suficiente para não acarretar danos a outrem, pois, se o contrário acontecer, surgirá o correspondente dever de reparar.

O modelo econômico que fundamenta a afirmação anterior é bem simples. Conforme ensinam os professores Cooter e Ulen, a probabilidade (p) de um acidente diminui com o aumento da precaução (x), logo a função p(x) é decrescente.

O valor do prejuízo causado por uma mercadoria viciada é representado por A. Assim, o prejuízo esperado é dado por p(x).A (que também é decrescente).

Se w for o custo unitário da precaução, consequentemente, w.x equivale à quantia total gasta com precaução. O custo esperado social de um prejuízo causado em decorrência de um produto defeituoso é a soma dos gastos relativos à precaução com o valor da indenização que deve ser igual ao prejuízo esperado: wx + p(x)A

Na situação em que existe a responsabilidade civil objetiva do produtor, este sabe que será responsabilizado no caso de um produto com problema e que terá que pagar uma indenização no valor do prejuízo da vítima. Isso faz com que ele escolha um nível socialmente eficiente de precaução (nível de precaução que minimiza os custos sociais esperados do acidente), desde, obviamente, que o valor das indenizações seja estabelecido no nível adequado. Indenizações baixas deverão levar a um nível de precaução abaixo do socialmente ótimo. Já indenizações excessivamente elevadas devem provocar um nível igualmente excessivo de precaução.

Praticamente toda atividade econômica traz embutido o risco em sua existência. A redução da margem de risco a baixos níveis pode ser muito dispendiosa ao negócio. O empresário tem que procurar o equilíbrio entre quanto de risco está disposto a correr e o custo que isso gera, de forma a maximizar seu lucro. A responsabilização civil objetiva prevista no CDC, ao garantir ao consumidor o ressarcimento pelos prejuízos sofridos em face de produto danificado, cria incentivos para que as empresas invistam em qualidade num nível eficiente.

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Para ler mais sobre o tema:

COOTER, Robert; ULEN, Thomas.  Direito & Economia. Porto Alegre: Bookman, quinta edição, 2010.

MENEGUIN, Fernando B. “Como as Leis e o Poder Judiciário afetam a Economia?”. Disponível no site Brasil, Economia e Governo (http://www.brasil-economia-governo.org.br/2011/02/13/como-as-leis-e-o-poder-judiciario-afetam-a-economia/).

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