Ajuste Fiscal – Brasil, economia e governo https://www.brasil-economia-governo.com.br Sat, 13 Mar 2021 15:19:20 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=6.8.1 Por que o pessimismo com a PEC Emergencial aprovada no Congresso? https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=3421&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=por-que-o-pessimismo-com-a-pec-emergencial-aprovada-no-congresso https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=3421#comments Sat, 13 Mar 2021 15:14:30 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=3421 Por que o pessimismo com a PEC Emergencial aprovada no Congresso?

Por Alexandre Manoel

Se olharmos o “filme”, e não a fotografia do atual desequilíbrio fiscal brasileiro, inferiremos que a PEC Emergencial (recentemente aprovada no Senado e na Câmara) pode ser entendida de duas formas: i) “compromisso final” de que o governo federal fará (pela PRIMEIRA VEZ) o ajuste fiscal pelo lado da despesa; ii) PRIMEIRA participação conjunta dos entes federativos no esforço de ajuste fiscal, no intuito de recuperar a poupança pública nacional.

A fim de raciocinarmos sobre o filme do desequilíbrio fiscal atual, vale mencionar, inicialmente, que os dados históricos sobre contas públicas sugerem que o desequilíbrio fiscal no Brasil não é conjuntural, e sim estrutural, e vige desde o início da República. A última década do século XIX e o século XX são marcados por crises de dívida e de inflação, decorrentes do excesso de gasto público.

Nesse sentido, destaque-se que as intenções de ajuste fiscal no Brasil foram sempre transitórias e de curta duração, buscando frequentemente onerar o setor produtivo (de maneira desorganizada), sem NUNCA ter sido feito um ajuste pelo lado da despesa.

A propósito, considerando apenas os ajustes fiscais recentes (para não me alongar muito), vale lembrar que o Plano Real foi um plano de estabilização monetária, trazendo consigo um forte endividamento (a dívida bruta saiu de 34% do PIB em 1995 para 76% do PIB em 2002) e um grande aumento de carga tributária (aumento de uns 4 pontos percentuais do PIB de 1995 a 2002). Em outras palavras, em virtude de não termos conseguido fazer o necessário ajuste fiscal (pelo lado das despesas) para complementar a estabilização monetária, trocamos, ao longo da consolidação do Plano Real, inflação por maior endividamento e maior carga tributária.

Vale também mencionar que, em 2003, o ajuste fiscal no governo Lula I foi feito em cima de aumento de carga tributária (aumento de uns 2,5 pontos percentuais do PIB entre 2003 e 2006) e pedaladas nas despesas primárias por meios de crescentes restos a pagar (variação positiva e crescente dos restos a pagar – a monografia ganhadora do primeiro prêmio SOF de Finanças Públicas, realizado em 2007, documenta bem isso).

Ademais, relembremos que a política fiscal expansionista do período 2007- 2014 (que levou ao déficit primário vigente desde 2014) decorreu de gastos primários crescentes (aumento de 2,3 pontos percentuais do PIB na despesa primária federal), de forte aumento das renúncias (gastos ou subsídios) tributárias (cerca de 2,3 pontos percentuais do PIB) e de intensificação das pedaladas fiscais, que redundaram no impeachment da presidente Dilma.

Portanto, para aqueles que querem cortes IMEDIATOS na despesa primária em plena pandemia, lembremos: até 2016, o Brasil NUNCA tinha feito ajuste fiscal pelo lado das despesas.

De fato, em 2016, quando foi aprovado o teto dos gastos públicos, houve a primeira tentativa e sinalização de ajuste pelo lado das despesas. Nesse sentido, pergunto aos navegantes que tiveram paciência de ler o texto até aqui: foi feito ajuste de imediato nas despesas primárias concomitantemente à implantação do teto? NÃO.

Pelo contrário, em 2016, foi dado (ou ratificado) um forte aumento real nas despesas com pessoal, que perdurou até 2020. Vale também lembrar que o teto somente abrangia as despesas federais, assim como não possuía regras claras que apontassem como ele seria furado, de maneira que as travas para trazer a despesa de volta ao teto fossem acionadas.

De qualquer forma, todos devem ter MUITO orgulho da construção do TETO, pois foi a PRIMEIRA vez que se fez (ou se começou a fazer) ajuste fiscal pelo lado das despesas. Entre 2016 e 2018, os ajustes feitos foram a diminuição dos benefícios financeiros e creditícios (especialmente reforma no FIES, início da devolução dos empréstimos da STN ao BNDES e troca da TJLP pela TLP), levando-os de 1,8% do PIB para aproximadamente 0,6% do PIB. Contudo, é preciso ser dito que quase NENHUM daqueles ajustes tinham efeito imediato – eles viriam ao longo do tempo, como de fato vieram.

Aliás, esta me parece (a evidência tem mostrado) a forma viável e correta de se fazer ajuste pelo lado da despesa no Brasil. E foi a forma utilizada e reforçada pela PEC emergencial recentemente aprovada no Congresso Nacional, que trouxe mecanismo claro (95% da despesa obrigatória) para acionar o teto, garantindo constitucionalmente que o ajuste será feito pelo lado da despesa. Isso (definitivamente) não é pouco, embora muitos teimem em achar que seja. Mas, com o tempo, verão que não é.

Por que não é pouco? Ora, temos o teto garantido CONSTITUCIONALMENTE até 2036. Se ousarem mudar, terão de enfrentar dois turnos em cada casa, com 3/5 em cada uma. Antes de a mudança se efetivar, o mundo desabará nas costas do governo de plantão. Dado o histórico brasileiro, se a PEC Emergencial fizesse somente isso, já seria um GRANDE avanço. Em tese, somente isso deveria ser suficiente para alinhar as expectativas relativas à sustentabilidade da dívida.

Mas, insistem em diminuir a potência da PEC. Por exemplo, tenho ouvido analistas falarem de risco fiscal por conta do protocolo emergencial. Isso também é fantasia. Com a PEC Emergencial, o Presidente da República terá que propor a calamidade pública ao Congresso Nacional, que a decretará. Se o pedido de calamidade não estiver alinhado, o mundo também desabará sobre o governo de plantão; haverá tempo suficiente para o mercado corrigir eventuais desvios de rota do governo.

A propósito, risco fiscal é o que existe hoje (sem a PEC Emergencial) em que uma leitura atenta do artigo 65 da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) mostrará que o Congresso Nacional pode de uma hora para outra acionar a Calamidade e jogar a conta nas costas do Poder Executivo. Por que ninguém tem atentado publicamente para isso?

Ouvi também de analistas e jornalistas que a PEC “só” será acionada em 2024/25. Ainda bem, não é? Essa análise pressupõe que o governo até lá será minimamente responsável, pois, se ousar não ser, praticando ativismo populista, com aumentos exacerbados de despesa obrigatória, a PEC emergencial disparará os gatilhos antes. Por que ninguém comenta isso? Por que não comenta que a PEC Emergencial IMPEDE arroubos populistas. Será que é pop ser pessimista?

Além disso, a PEC Emergencial (que considero o PRINCIPAL marco fiscal até hoje estruturado no País) possui ao menos quatro outros significativos avanços, do ponto de vista fiscal.

Primeiro, a PEC Emergencial sinaliza o retorno dos subsídios (gastos) tributários para o mesmo nível de 2007, contribuindo, inclusive, para o retorno do superávit primário. Alguns “analistas exigentes” têm sugerido que ficaram de fora os principais (SIMPLES, ZFM, etc) e que com isso restam pouco mais de 1,9% do PIB. Como isso pode ser motivo para tristeza?

Pensemos de outra forma. Isso pode significar que não haverá renúncia adicional com o Simples, por exemplo. Pode significar também que os que restaram (1,9% do PIB) terão que ser extintos ao longo do tempo. Enfim, significa que, de alguma forma, o montante total de subsídios tributários, pouco mais de 4,3% do PIB, diminuirá ao longo do tempo, de modo que o ajuste será feito, ou, no mínimo, que teremos uma discussão no Congresso no assunto, baseado na Constituição.

A propósito, somente a garantia ou a sinalização de que o governo não poderá fazer nada (ou não terá estímulos para isso) ao longo dos próximos oito anos JÁ é uma GRANDE vitória. Quem passou pelo governo sabe as recorrentes tentativas (por parte de vários setores) de aumentá-los; agora, a Constituição irá impedir, diminuindo-os ao longo do tempo, ou, ao menos, sinalizando sua diminuição. O governo tentou fazer isso em 2018 por meio da LDO, que infelizmente se mostrou um instrumento legal fraco para tanto. Fico contente de ver que isso subiu para a Constituição e que a caça aos subsídios tributários virou uma “caçada constitucional”.

Segundo, a PEC Emergencial traz “fortes incentivos” (praticamente deixando os entes desajustados sem relação com o governo federal) para que Estados, Municípios e Distrito Federal participem do ajuste fiscal. Claro que seria interessante que o Judiciário e o Legislativo dos entes subnacionais também participassem do ajuste. Ocorre que a participação destes é mais uma questão moral, pois pouco representam (em termos financeiros e fiscais) relativamente à necessidade de ajuste. Neste caso, a imprensa, principalmente a nacional, deveria ou deverá cobrar a participação destes 4 outros poderes quando algum Poder Executivo subnacional entrar na regra das restrições devido à regra de o gasto superar 95% das receitas correntes.

Terceiro, pela PRIMEIRA vez a Avaliação de Políticas Públicas está sendo constitucionalizada. Isso é um “canhão”. Muitos ainda não perceberam, ou não querem se dar conta (é pop ser pessimista no Brasil) do que isso pode significar em termos de enforcement para o Executivo utilizar a Avaliação no necessário corte de despesas futuro para cumprir o teto até 2036. A propósito, a Avaliação era a única parte das quatro etapas do Ciclo Orçamentário (Planejamento, Execução Orçamentária/Financeira, Controle e Avaliação) que não estava na Constituição.

Quarto, a PEC Emergencial impõe a criação de Lei Complementar que harmonize as regras fiscais (primário e teto) com o objetivo de sustentabilidade da dívida pública, determinando a trajetória do superávit/déficit primário, desfazimento de ativos, etc, que garantam a sustentabilidade da dívida. Isso aqui é assunto para um texto. Outro “canhão fiscal” na constituição.

Ademais, existem vários outros avanços pontuais na PEC (como a desvinculação dos fundos e de receitas, assim como a constitucionalização de itens da LRF) que merecem um texto cada um deles.

Ouso dizer, inclusive, que, com essa PEC e a independência do Bacen, não dá mais para falarmos de Dominância Fiscal (DF) no Brasil, pois basicamente estamos constitucionalizando o regime de Dominância Monetária no Brasil. Para voltar à possibilidade de DF, teremos de alterar a Constituição.

Por fim, resta torcer para que os artigos da PEC sejam crescentemente compreendidos ao longo do tempo, considerando não apenas a desidratação que existiu em relação à versão inicial, mas sobretudo o avanço que ela representa em relação à situação fiscal atual e a perspectiva que existia no final do ano passado. E, como tenho fé em Deus, sempre creio que a verdade se estabelecerá um dia, de modo que esta Emenda Constitucional ainda há de ganhar o devido respeito que ela merece, de fato.

 

Alexandre Manoel é sócio e economista-chefe da MZK Investimentos e ex-secretário de Avaliação de Políticas Públicas, Planejamento, Energia e Loteria dos ministérios da Fazenda e da Economia (2018-2020).

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O conceito de austeridade se aplica ao Brasil? https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=3153&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=o-conceito-de-austeridade-se-aplica-ao-brasil Wed, 31 Jan 2018 13:58:45 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=3153 Muitos economistas brasileiros ainda insistem em apontar uma eventual política de austeridade fiscal como uma das causas de nossa crise. Acreditam que um corte de gastos, ou não expansão das despesas, contribuiu bastante para o tamanho e duração da recessão. Alguns mais ousados vão além: comparam a situação brasileira com a dos países avançados (sobretudo europeus) no pós-crise, sugerindo o uso da política fiscal como solução para os nossos problemas. Teriam eles razão?

 

A resposta dos países desenvolvidos após a crise de 2008

Uma das grandes controvérsias em economia de fato diz respeito aos efeitos da política fiscal na atividade econômica. Em que condições um aumento do gasto público se traduz em aumento do produto?

Essa discussão esteve em segundo plano nas décadas de 80 e 90. À época, o consenso macroeconômico dizia que a política monetária – mudanças nos juros, crédito e moeda – seria a mais adequada para estabilizar uma economia. Esse consenso mudou com a crise de 2008. Desde então, muitas economias desenvolvidas chegaram ao mínimo histórico em suas taxas de juros.

Nos EUA, a resposta à crise veio com um pacote fiscal. Ao American Recovery and Reinvestment Act, aprovado em fevereiro de 2009, se atribui papel importante em impedir que a recessão se transformasse em depressão.

Na Europa, uma união monetária, a discussão era mais quente, assim como a divergência. Em alguns países, os defensores da austeridade argumentavam que, com déficit e dívida elevados, cortes de despesas seriam a solução para a retomada.

Em teste, a austeridade via gastos aumentaria a confiança dos agentes. Esse discurso tinha por base os trabalhos do economista italiano Alberto Alesina, um dos proponentes da tese da “contração fiscal expansionista”. Ou seja, uma contração da despesa pública poderia funcionar como um estímulo à economia.

Pouco a pouco, contudo, essa controvérsia foi se desfazendo, em favor daqueles contrários à austeridade.

 

O que a experiência pós-crise ensinou aos economistas

Novas evidências surgiram com os ajustes realizados na Europa. Um trabalho importante nesse sentido foi o de Blanchard e Leigh (2013)1. O artigo mostra que países com maior corte de gastos foram aqueles com maior diferença entre o crescimento previsto e o efetivo. Os ajustes pareciam duros demais.

Com uma revisão mais cuidadosa dos trabalhos de Alesina e seus colegas, diversas críticas metodológicas ganharam força. Uma delas diz respeito ao problema de variável omitida. Após um ajuste fiscal “de sucesso”, a economia poderia ter se recuperado não pelo ajuste em si, mas por qualquer motivo exógeno, como um aumento no preço de commodities. Levando essas críticas em consideração, o resultado mais geral da pesquisa de Alesina se perdia, como já mostrava em 2010 um importante texto do FMI2.

Durante este período, ocorreu uma explosão de trabalhos teóricos e empíricos para examinar os efeitos da política fiscal. Chistina Romer, uma das principais especialistas mundiais no tema, afirmou em 2011 que provavelmente havia mais estudos nessa área entre 2008 e 2011 do que nos 25 anos anteriores3.

A literatura acadêmica aprimorou rapidamente seus instrumentos para medir o impacto de gastos fiscais, através de novas técnicas para identificação de choques. Grande parte dos resultados sugeria que esse impacto (o multiplicador fiscal) varia de acordo com o momento do ciclo econômico, do regime de câmbio adotado e da política monetária4. E, quase sempre, apresentam valores positivos – ou seja, cortes de gastos geralmente impactam negativamente a economia, e vice-versa.

Diante de toda essa pesquisa no assunto, a maioria dos economistas reconhece, hoje em dia, que os defensores da austeridade perderam o debate na Europa5.

Aumentar o nível de gastos pode, em determinadas circunstâncias, desempenhar um papel importante para a saída de uma crise econômica, ajudando a recuperar a produção no curto prazo. Restaria, então, saber se podemos generalizar estes resultados para qualquer economia em qualquer contexto.

 

O que esse debate tem a ver com a crise brasileira?

Alguns economistas brasileiros erroneamente acreditam que podem generalizar as conclusões do debate sobre a Europa.

Quando a economia do Brasil começou a se desacelerar fortemente, a interpretação majoritária foi de que a crise tinha sólidas raízes fiscais. Mas alguns economistas passaram a se manifestar fortemente contra o ajuste das contas públicas, afirmando que seria um “austericídio”. Um exemplo desse discurso está exposto no relatório “Austeridade e Retrocesso”, lançado em 2016.

Um dos textos mais citados para justificar essa visão heterodoxa foi escrito por técnicos do FMI, em 2016, denominado “Neoliberalism: oversold?”. Nele, afirmava-se que a despeito de alguns sucessos da agenda neoliberal, alguns pontos não haviam tido bons resultados, como a consolidação fiscal. O problema é que o texto do FMI focava em países avançados com custos de financiamento de dívida muito baixos.

No próprio texto do FMI, admitia-se que muitos países tinham pouca escolha além de um ajuste fiscal, pois os mercados não permitiriam que continuassem se endividando. Esta última ressalva se aplica ao Brasil.

Outro artigo usado como argumento pelo grupo de economistas brasileiros foi Ball et al (2013)6. Trata-se de um trabalho empírico, cuja amostra é formada por 17 países da OCDE. O resultado principal indicava que uma consolidação fiscal de 1% do PIB poderia aumentar o desemprego e a desigualdade, respectivamente em 0,6 e 1,5 pontos percentuais. O problema é que, assim como no caso anterior, o trabalho se baseava em países desenvolvidos, com conclusões não facilmente aplicáveis a contextos distintos.

O terceiro trabalho bastante utilizado como argumento contra o ajuste foi o “The Permanent Effects of Fiscal Consolidation”, de Fatás e Summers, de 2016. De maneira geral, encontrava evidências de efeitos negativos de longo prazo da política fiscal no pós-crise, sendo um dos canais a histerese no mercado de trabalho. Como consequência, tentativas de reduzir a dívida via consolidação fiscal poderiam aumentar a relação dívida/PIB devido aos impactos negativos do ajuste no produto. Afirmavam, desta maneira, que políticas de austeridade poderiam ser extremamente custosas.

Mais uma vez, os próprios autores foram bastante claros ao negar que esta fosse uma conclusão padrão para todos os governos e em todos os momentos. Afirmavam estar olhando para um episódio bastante particular, quando circunstâncias “especiais e severas” estavam presentes: ou bem a política monetária estava restrita pelo limite inferior da taxa de juros ou bem havia amarras institucionais impostas pela união monetária da Europa.

 

O erro fatal na tese do ‘austericídio’: não houve austeridade no Brasil

 A tese do ‘austericídio’ carece de sustentação teórica adequada para explicar a situação atual da economia brasileira. Os textos nas quais se baseia não estudaram o contexto brasileiro, mas países avançados com baixo custo de financiamento de dívida e alguma forma de impedimento de política monetária. Certamente, não é o caso do Brasil, que tinha espaço tão amplo para uso da política monetária (o qual vem corretamente aproveitando), além de uma dívida bastante elevada e cara frente aos seus pares emergentes.

Além disso, a própria qualificação do debate de ajuste fiscal no Brasil é controversa: os indicadores fiscais brasileiros falham em mostrar que tenhamos vivido um forte ajuste nas contas públicas.

Tomemos o exemplo de Portugal para comparação. O gasto público luso diminuiu 7,2% entre 2010 e 2012, em valores reais. De acordo com dados do FMI, só em 2020 voltará ao patamar de gastos de 2010.

No Brasil, em contrapartida, o nível real de gastos de 2016 ficou acima do nível de gastos de 2014. Percebe-se facilmente que tal dinâmica é bastante distinta daquela verificada na Europa após a crise: o que se chamou de austeridade por lá não parece ter nenhuma correspondência por aqui.

O que ocorre de fato no país, e pode causar certa confusão, é uma mudança na composição do gasto federal. Enquanto avançam os gastos com pessoal e, principalmente, benefícios previdenciários, sobra cada vez menos espaço para outras despesas. Apesar de grandes cortes em áreas específicas, como no apoio à pesquisa acadêmica, o volume total de gastos não diminuiu.

Em 2014, a soma das rubricas pessoal, benefícios previdenciários e assistências acumulava um volume de 63% da despesa total. Para o orçamento de 2018, esse mesmo volume está em 69%. O resultado é que as despesas discricionárias vêm sofrendo um forte ajuste, mas sem que possamos dizer o mesmo da despesa total. É por isso que a reforma da Previdência é tão importante, objetivando amenizar essa tendência.

Em suma, é natural que a macroeconomia, frente aos novos desafios, repense algumas de suas velhas ideias. Alguns países vivem situações inéditas, como taxas de juros no limite inferior e utilização de mecanismos não convencionais de política monetária. Parte dos países avançados convive ainda com baixo crescimento crônico, sem saber se voltarão um dia a crescer a taxas mais elevadas. Ignorar essas questões e aplicar a lógica de “one size fits all” para a política fiscal é um caminho bastante equivocado para seguir.

 

Publicado originalmente no Instituto Mercado Popular em 4 de janeiro de 2018 sob o título “A crise brasileira não foi causada por austeridade”.

 

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1 Blanchard e Leigh (2013) – Growth Forecast Errors and Fiscal Multipliers.

2 IMF. Will it hurt? Macroeconomic Effects of Fiscal Consolidations, 2010.

3 Romer, C. (2011). What do we know about the effects of fiscal policy? Separating evidence from ideology.

4 Ver, por exemplo, texto de Nicoletta Batini e coautores, denominado “Simple Method to Compute Fiscal Multipliers”, de 2014.

5 Como afirmou, por exemplo, o chileno Andres Velasco: “Europe’s austerians lost the argument” em Velasco (2017) – Can Fiscal Contraction Ever Boost Growth?

6 Ball et al (2013) – The Distributional Effects of Fiscal Consolidation. Ele é citado, por exemplo, em http://www1.folha.uol.com.br/colunas/laura-carvalho/2016/06/1777343-e-preciso-muita-fe.shtml.

 

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Um guia para o ajuste fiscal na economia brasileira: as 23 medidas https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=2742&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=um-guia-para-o-ajuste-fiscal-na-economia-brasileira-as-23-medidas https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=2742#comments Wed, 16 Mar 2016 12:37:45 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=2742 1. Introdução

Apesar da constante negativa dos técnicos do governo, resta evidente que a situação fiscal da economia brasileira tem se deteriorado nos últimos anos. Tanto isso é verdade que, desde 2011, a equipe econômica do governo vem anunciando seguidos ajustes fiscais. Por exemplo, no início de 2011 o governo anunciou um ajuste da ordem de R$ 50 bilhões. Já em fevereiro de 2012 outro pacote fiscal foi anunciado, desse feita da ordem de R$ 55 bilhões.Em 2015 novo pacote de ajustes foi anunciado. A rigor nenhum desses ajustes foi levado a termo, contudo seu simples anúncio denota a preocupação das autoridades nacionais.

Em favor da estabilidade das contas públicas pode-se fazer referência aos seguidos superavits primários obtidos. Contudo, três observações se fazem necessárias nesse assunto: 1) boa parte do superávit tem sido obtida por meio de aumento na arrecadação de tributos, e não com a redução do gasto; 2) ocorreu uma verdadeira operação de maquiagem das contas públicas; e 3) mesmo se levando em consideração os itens 1 e 2, ainda assim o superavit primário tem se reduzido, tendo se convertido em déficit a partir de 2014. Isto é, a sustentabilidade fiscal da economia brasileira suscita dúvidas pertinentes

Do ponto de vista macroeconômico não restam dúvidas de que o lado fiscal desempenha papel importante no desenvolvimento econômico de longo prazo do país. Certamente existem agendas políticas e econômicas distintas. Contudo, é consenso geral de que o equilíbrio fiscal é uma meta de política econômica a ser perseguida. No momento em que escrevemos esse texto, nossa compreensão do cenário atual sugere a necessidade de um forte ajuste fiscal na economia Brasileira.

Este ensaio é apartidário, não se refere a nenhum candidato ou preferência ideológica específica. Aqui constatamos apenas que um forte ajuste fiscal terá que ser levado a cabo nos próximos anos. Este texto é então um guia prático para a realizaçào de tal ajuste. Além dessa introdução, na Seção 2 apresentamos um panorama geral do ajuste fiscal necessário para colocar a economia brasileira numa trajetória sustentável. A Seção 3 traz mais detalhes sobre cada proposta elaborada na seção anterior.A Seção 4 conclui este ensaio.

 

2. Panorama Geral do Ajuste Fiscal

O orçamento federal para o ano de 2012 era de R$ 866 bilhões, com o “corte” anunciado de R$ 55 bilhões ele se reduziu para R$ 811 bilhões. Contudo, dependendo de considerações técnicas, o governo federal teve uma despesa primária no ano de 2011 entre R$ 724 e R$ 757 bilhões. Isto é, o Brasil passou a ser o primeiro país no mundo que anunciou um ajuste fiscal que aumentavaem mais de 50 bilhões de reais (ao invés de diminuir) o gasto público.Mesmo em termos reais, o anunciado ajuste fiscal implicava aumento de despesas! No ano de 2015 não tem sido diferente, o governo anuncia cortes em relação ao orçamento, mas tem pouca capacidade de cortar os gastos em relação ao executado no ano anterior. No Brasil, ajuste fiscal deve ser feito por cortes de gastos em relação ao ano anterior, e não por anúncio de cortes orçamentários (que tal como no exemplo acima, podem implicar aumento de gastos).

Quando se conhece a estrutura do gasto público no Brasil, o primeiro detalhe que chama a atenção é a impossibilidade de se fazer grandes cortes de gastos num único ano. Assim, qualquer pacote fiscal deve ter em mente um horizonte mínimo de 3 a 4 anos. Grandes ajustes dependem de consistentes alterações ao longo dos anos. Essa é a única maneira de se produzir um ajuste fiscal sério no país. Junto com a redução do gasto público deve ser realizada uma reforma que reduza a carga tributária no Brasil.

Quem conhece contas públicas sabe que só existem 5 maneiras de se realizar grandes cortes orçamentários num único ano: 1) cortar investimentos; 2) cortar gastos sociais e transferências; 3) congelar o salário mínimo; 4) aumentar impostos; e 5) inflação. Estou desconsiderando a possibilidade de aumentar os restos a pagar, pois isso apenas transfere a dívida de um ano para outro – ainda assim, o Governo Dilma utilizou reiteradamente este instrumento.

Abaixo estão especificadas as medidas necessárias para a promoção de um ajuste fiscal duradouro na economia Brasileira. Frisamos novamente que a estrutura do gasto público impede sua redução se não forem feitas reformas importantes. De pouco adiantam medidas pontuais aqui. É fundamental que tanto a sociedade quanto a classe política compreendam que sem esse ajuste a situação de longo prazo de nossa economia tende a patamares inviáveis. Muitas vezes ouvimos a grande mídia repercutir sobre os ajustes fiscais ocorridos em alguns paises europeu, tais como na Grécia, como se os mesmos fossem uma questão de escolha política. Não, tais ajustes não foram questão de escolha, foram a consequência inevitável do colapso fiscal de determinados países.

No ritmo em que caminha a situação fiscal brasileira, em breve seremos obrigados a fazer ajustes dolorosos, independente de vontade ou negociação política. Sendo assim, sugerimos que devemos realizar tais ajustes antes do colapso fiscal, isto é, devemos realizar esses ajustes enquanto ainda existem margens de manobra e espaço para negociação política.

 

3. O Ajuste Fiscal Proposto

Dividimos essa seção em duas partes: a) redução do tamanho do Estado na economia pelo lado da despesa; e b) redução do tamanho do Estado na economia pelo lado da receita.

 

A. REDUÇÃO DO TAMANHO DO ESTADO NA ECONOMIA: LADO DA DESPESA

Medida 1: Tesouro – BNDES.

A mais fácil medida a ser tomada para o ajuste fiscal é o fim imediato das operações entre Tesouro Nacional e BNDES. Tais operações geram pesados ônus ao erário, e ao mesmo tempo fragilizam a situação fiscal do país.

De acordo com relatório do TCU,em 2011, o valor dos subsídios decorrentes das operações Tesouro-BNDES foram de R$ 19,2 bilhões (mais R$ 3,6 bilhões de custo orçamentário). Dados da Secretaria do Tesouro Nacional indicam que tais subsídios foram de R$ 7,6 bilhões em 2010, e R$ 1,4 bilhão em 2009. Observem a velocidade da evolução desses custos. Em 2014, após a aprovação da MP 633, o BNDES (e a FINEP) tiveram autorização para emprestar mais R$ 50 bilhões de reais a juros subsidiados. O custo para o contribuinte, apenas em relação a equalização de juros da expansão de R$ 50 bilhões, será de R$ 12,3 bilhões. No ano de 2015 outros R$ 30 bilhões foram transferidos do Tesouro para o BNDES. Tais transferências precisam parar imediatamente.

 

Medida 2: Substituir Investimento Público por Parcerias ou Concessões

Reduzir os gastos com investimento público. Essa é a maneira mais efetiva de se diminuir gastos no curto prazo. Em compensação o estímulo a parcerias público-privadas, ou a concessão a entes privados, pode ser uma política muito mais efetiva para melhorar a infra-estrutura do país.

Sem incluir empresas estatais, o investimento do governo central, estados e municípios é de aproximadamente de 2,3% do PIB.

 

Medida 3: Acabar com a regra atual de reajuste do salário mínimo.

Tal regra implica umpesado ônus para as contas públicas. Além disso, os efeitos deletérios dessa política sobre o mercado de trabalho podem parecer pequenos quando a economia está aquecida e a taxa de desemprego está baixa. Contudo, numa situação de retração econômica e de desemprego alto, esta regra de reajuste tem potencial para aumentar a taxa de desemprego entre os trabalhadores menos qualificados.

Congelar o salário mínimo ajuda muito nas contas da previdência e nas contas de alguns estados e municípios. Cada 1 real de aumento no salário mínimo pode impactar nas contas públicas em algo em torno de 350 milhões de reais/ano.

 

Medida 4: Minimizar os custos decorrentes da Copa do Mundo de 2014.

A escolha de sediar a Copa do Mundo foi um equívoco. Os recursos destinados à construção de estádios poderiam ter sido melhor utilizados numa série outra de programas. Dado que essa alternativa não é mais viável, faz-se necessário uma política pública que minimize os custos de manutenção com estádios. Nesse sentido, propomos duas frentes: a) recuperar o investimento público que foi feito por meio de empréstimos para a construção de estádios; e b) repassar a administração dos estádios a iniciativa privada.

 

Medida 5: Minimizar os custos decorrentes de sediar as Olimpíadas de 2016.

As mesmas ressalvas do item anterior se aplicam aqui. Afinal, num país sem esgoto e sem água encanada, isso não pode ser prioridade de políticas públicas.

 

Medida 6: Projeto de Lei que aumente a idade mínima para aposentadoria para 67 anos.

Não apenas a idade mínima de aposentadoria por idade deve ser aumentada, com uma regra de transição, como a aposentadoria por tempo de serviço deve ser extinta (novamente com regra de transição). Além disso, tanto homens como mulheres devem se aposentar com a mesma idade. Não se deve tentar corrigir problemas do mercado de trabalho (como a discriminação e a jornada dupla da mulher) no sistema de previdência. ESSA MEDIDA É FUNDAMENTAL PARA O EQUILÍBRIO DE LONGO PRAZO DAS CONTAS PÚBLICAS.

 

Medida 7: FIM da aposentadoria por tempo de serviço.

É simplesmente insustentável permitir que um trabalhador saudável se aposente aos 50 anos de idade.

 

Medida 8: Não elevação dos gastos com o bolsa família e implementação de uma regra compulsória de saída.

O problema do bolsa família não está na falta de recursos e nem em sua abrangência (com quase 14 milhões de famílias atendidas e orçamento para o ano de 2015 de R$ 27,7 bilhões). O problema do bolsa família está na ausência de uma regra de saída. Além disso, existem limites para o tamanho da população que pode ser mantida dentro desse sistema. Hoje aproximadamente 1 em cada 4 brasileiros depende do bolsa família. Não parece ser necessário aumentar ainda mais essa proporção.

 

Medida 9: Pente fino na necessidade de se realizar novos concursos públicos

Em anos de ajuste fiscal, a contratação de novos servidores deve ser vista com cautela. O que for possível postergar deve ser postergado.

 

Medida 10:Congelar o Salário dos Servidores Públicos.

Cada caso deve ser analisado separadamente. A regra de ouro aqui é, gradativamente, diminuir parte da excessiva atratividade do setor público. Salários altos, e risco, são características do setor privado. Quem quer ir para o setor público terá menos risco, mas ao custo de um salário menor. Sugestão pontual: congelar o salário dos servidores em 2016 (economia estimada de R$ 15 bilhões).

 

Medida 11: Forte redução com gastos de publicidade.

Deve-se incluir nessa redução não somente o gasto em publicidade do governo federal, mas também o gasto das empresas estatais e dos bancos públicos em propaganda.

 

Medida 12: Proibição do Banco do Brasil e da CEF de comprarem participação em bancos privados.

Tais operações costumam ser onerosas e cheias de risco. Se isso não for legalmente possível, então é melhor vendê-los.

 

Medida 13: Forte redução na quantidade de Ministérios.

Não faz o menor sentido uma estrutura federal composta de 39 ministérios. Tal número deve ser reduzido com a imediata redução do número de funcionários comissionados não concursados presentes nos mesmos. Reduzir o número de ministérios para 20, cortando em torno de 3000 cargos comissionados, e redução de estruturas físicas, tem o potencial de gerar uma economia entre R$ 500 milhões e R$ 1 bilhão (dependendo de quais estruturase de quais cargos seriam cortados).

 

Medida 14: Imediata auditoria nos repasses para todas as ONG´s

Escândalos recentes mostram como é importante, do ponto de vista de moralidade do gasto público, verificar com rigor o repasse de entes governamentais a Organizações Não-Governamentais, abrindo inclusive processo judicial quando se fizer o caso. Inclui-se aqui também o fim do repasse para qualquer ONG ligada a movimentos ilegais (tais como as ligadas ao MST).

 

Medida 15: Revisão das Concessões de Indenização aos grupos denominados “Perseguidos Políticos”

Já se aproxima da casa de R$ 1 bilhão de reais por ano o valor de benefícios concedidos aos anistiados políticos. É fundamental rever o valor das indenizações que esse grupo recebeu nos últimos anos, inclusive com ações judiciais para recuperar somas indevidamente pagas. Adicionalmente, devem ser suspensos novas concessões de indenização a pessoas que dizem ter sido perseguidas pelo regime militar até que sejam esclarecidas as dúvidas aqui levantadas (sobre a utilização desse fundo para beneficiar grupos que nada ou pouco perderam em decorrência da perseguição sofrida durante o regime militar). Caberia, ainda, cassar as indenizações de quem for condenado em crimes contra o erário.

 

Medida 16: Regra para o “Restos a pagar”

Em grande parte das ocasiões, “restos a pagar” é uma maneira de o governo enganar a opinião pública (dizendo que economizou um dinheiro que na verdade gastou). É fundamental para a transparência das contas públicas a aprovação de uma lei que regule “restos a pagar”, impondo limites ao montante de despesa que pode ser postergado para outros exercícios..

 

Medida 17: Redução nas despesas com saúde

De acordo com dados preliminares é possível reduzir os gastos federais com saúde numa magnitude ao redor de 3 bilhões.

 

Medida 18: Redução dos gastos federais em educação

De acordo com dados preliminares é possível reduzir os gastos federais com educação numa magnitude ao redor de 3 bilhões.

 

Medida 19: Abandonar, pelos próximos 4 anos, os grandes projetos tais como o programa Minha Casa Minha Vida ou o PAC

Tais programas são dispendiosos, e antes de se aventurar neles é fundamental sanar as contas públicas do país. O governo deve finalizar imediatamente tais programas, passando imediatamente àiniciativa privada a responsabilidade por tais obras. Na ausência de interesse do setor privado recomenda-se a extinção de TODOS esses grandes projetos quando tal alternativa se faça possível.

 

B. REDUÇÃO DO TAMANHO DO ESTADO NA ECONOMIA: LADO DA RECEITA

Medida 20: Suspensão de vários dos incentivos tributários concedidos nos últimos anos

Não há espaço orçamentário para muitas concessões. Entre os incentivos tributários concedidos ao longo dos últimos anos, a mais famosa foi a desoneração sobre a folha de pagamentos, mas um amplo conjunto adicional de medidas foi implementado para levar benefícios fiscais a setores específicos da economia. Tais incentivos devem ser revogados. Apenas em 2014 essa conta chegou a R$ 88 bilhões. Pelo menos 1/3 desses benefícios deve ser revisto, gerando uma economia aproximada de R$ 30 bilhões.

 

Medida 21: Fim da Isenção de IR para LCI e LCA

Igualar as regras de Imposto de Renda que já incide sobre os CDB’s nas Letras de Crédito Imobiliário (LCI) e nas Letras de Crédito do Agronegócio (LCA). Receita estimada R$ 5 bilhões.

 

Medida 22: Grande processo de privatização de empresas públicas

Captar ao menos R$ 50 bilhões com a venda de ativos públicos (empresas públicas e participações acionárias em empresas privadas).

 

Medida 23: Ampla revisão da legislação ambiental

Essa legislação é um embaraço constante a realização de investimentos privados. Além disso, tal legislação trava também as parecerias público-privadas, e os próprios investimentos públicos.

 

4. Considerações Finais

Ajuste fiscal é isso. Ajuste fiscal corta gastos e corta projetos que talvez sejam importantes, mas que não são urgentes. As medidas anunciadas aqui são certamente impopulares, mas são necessárias para colocar o Brasil novamente numa trajetória fiscal sustentável.

Adicionalmente, faço um alerta: existe uma maneira política mais fácil de se fazer o ajuste fiscal. O nome da saída fácil é inflação. Na presença de taxas de inflação elevadas, os gastos do governo sofrem considerável redução (principalmente a folha de salários, que corresponde a aproximadamente 4,5% do PIB). Além disso, não devemos esquecer que o imposto inflacionário também é uma fonte extra de receita para o governo. Sendo assim, e como o governo é capaz de indexar seus tributos, altas taxas de inflação melhoram as contas públicas. Espero que tenhamos a sabedoria de não incorrer nesse caminho fácil. Querer melhorar as contas públicas por meio de inflação é o mesmo que decepar a mão para se livrar da unha encravada. De maneira alguma devemos recorrer ao expediente inflacionário para sanar nossos problemas fiscais.Infelizmente o governo já está indo nessa direção.

Por fim, deve-se ressaltar que as contas fiscais dos estados e municípios também estão em situação precária, com vários dos entes federativos a beira do colapso fiscal. Em vez de realizar um trabalho sério, e doloroso, de ajuste fiscal, o governo prefere ajustes fiscais fictícios que se baseiam em aumento da arrecadação, truques contábeis, e ganhos com o processo inflacionário. Esse não é o caminho para estabilizar as contas públicas brasileiras no longo prazo.

 

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Capacidade de investir com recursos próprios dos estados https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=2696&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=capacidade-de-investir-com-recursos-proprios-dos-estados https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=2696#comments Mon, 07 Dec 2015 11:32:27 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=2696 O presente trabalho tem o objetivo de mensurar a capacidade fiscal dos estados brasileiros de investir com recursos próprios. A ideia desse indicador é complementar a informação trazida pelo resultado primário, adicionando na avaliação um critério qualitativo do perfil da receita e do gasto público.

O resultado primário é definido como a diferença entre as receitas e as despesas não financeiras do governo. De uma forma simplificada, ele indica o quanto sobra das receitas fruto do esforço fiscal (ex. tributárias) após o pagamento das despesas não financeiras (ex. pessoal, custeio e investimentos) com o objetivo de honrar os compromissos de pagamento da dívida (veja mais nesse site sobre o conceito de resultado primário clicando aqui).

Para melhorar o resultado primário, por exemplo, tanto faz o governo cortar despesas de pessoal ou de investimentos. O impacto fiscal será o mesmo, porém, o impacto econômico é completamente diferente. Boa parte dos investimentos serve para ampliar e modernizar a infraestrutura, elevando a capacidade de crescimento futuro do país por meio da redução dos custos de congestionamento e do aumento da competitividade e da produtividade da economia como um todo.

Ademais, é importante estimar um indicador fiscal que consiga captar, de alguma forma, a “margem de manobra” que os governos têm para honrar suas obrigações financeiras. Uma característica peculiar do Brasil em relação a outros países é o nível de rigidez orçamentária. Quando o governo decide ampliar o tamanho do estado no período de “vacas gordas”, dificilmente ele consegue reduzir quando “as vacas estão magras”, pelas várias regras inflexíveis que regem o setor público brasileiro.

Dessa forma, este trabalho sugere um indicador para medir qualitativamente como está a situação fiscal a partir da capacidade de investir dos entes. Além disso, esse indicador revela o grau de discricionariedade que o ente dispõe para gerenciar as contas públicas.

Para a estimativa desse indicador, parte-se das informações da classificação econômica das receitas e despesas constantes no Relatório Resumido de Execução Orçamentária dos estados. Porém, é necessário fazer uma ressalva importante. Ainda não existe uma padronização bem estabelecida no registro contábil dos entes subnacionais. Trata-se de uma lacuna na legislação para aplicação dos limites estabelecidos na LRF de forma apropriada. Observa-se, para alguns entes e para algumas situações, o registro inapropriado de algumas operações que ajudam a melhorar artificialmente os indicadores fiscais. Este trabalho utilizou a informação oficial constante nos balanços.

Para explicar o cálculo do indicador, é necessário entender alguns conceitos da classificação econômica das receitas e despesas (Manual Técnico de Orçamento 2015, MPOG).

Do lado das receitas:

Receitas Correntes: são as receitas que aumentam as disponibilidades financeiras do Estado, em geral com efeito positivo sobre o Patrimônio Líquido, e constituem instrumento para financiar as políticas públicas. Classificam-se como correntes as receitas provenientes de tributos; de contribuições; da exploração do patrimônio estatal (Patrimonial); da exploração de atividades econômicas, etc.

Receitas de Capital: são as provenientes da realização de recursos financeiros oriundos da constituição de dívidas; conversão, em espécie, de bens e direitos; recebimento de recursos de outras pessoas de direito público ou privado.

Do ponto de vista da sustentabilidade fiscal, é mais importante o ente ter mais receitas correntes que de capital, uma vez que as correntes estão sob controle da administração estadual e não geram obrigação futura. Boa parte das receitas de capital são fruto do endividamento ou da venda de ativos, algo que não é sustentável se utilizado em excesso.

Do lado das despesas:

Despesas Correntes: são aquelas que não contribuem, diretamente, para a formação ou aquisição de um bem de capital. Exemplo: pessoal, juros e encargos e custeio.

Despesas de Capital: são aquelas que contribuem, diretamente, para a formação ou aquisição de um bem de capital. Exemplo: investimentos, inversões financeiras ou amortizações da dívida.

Em relação ao perfil do gasto, de maneira geral, é interessante ter uma participação maior das despesas de capital que das despesas correntes já que as despesas de capital estão associadas à criação ou aquisição de ativos para a sociedade (investimentos ou inversões financeiras) ou para amortizar dívidas e reduzir suas obrigações financeiras. Uma exceção a essa lógica são as despesas em educação, que em grande parte é com pessoal e promove efeitos econômicos importantíssimos de longo prazo.

Figura 1: Classificação Econômica das Receitas e Despesas

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A capacidade de investir com recursos próprios é calculada da seguinte forma:

Capacidade de  Investir com  Recursos Próprios =  Rec. Correntes (-) Desp correntes (-) Amortizações (-) Inv. Financeiras (Finc.)1 (-) Restos a pagar inscritos para despesas correntes (+) Restos a pagar cancelados para despesas correntes

 

Ou seja, o indicador mede o que sobra da arrecadação própria (sem depender do endividamento, alienação de ativos ou transferências para investimentos do governo federal), após o pagamento das obrigações correntes e das amortizações da dívida, para realizar despesas de investimentos e inversões financeiras primárias (aquisição de ativos). Trata-se de uma aproximação do grau de discricionariedade (“margem de manobra”) que o governo dispõe para honrar seus compromissos e realizar despesas de acordo com suas prioridades.

Ademais, é importante que esse indicador capte as restrições financeiras que os entes passam. Ao contrário do governo federal, que tem capacidade mais frouxa de elevar seu endividamento, os estados e municípios precisam de autorização da união para se endividar e, dessa forma, qualquer eventual necessidade de caixa inviabiliza a execução da despesa. Assim, o indicador também incluiu os compromissos da execução orçamentária de exercícios anteriores que ainda precisam ser pagos neste ano, os chamados restos a pagar.

 

Figura 1: Capacidade de Investir com Recursos Próprios, em % da Rec. Primárias (Dados acumulados até o 4º Bimestre)

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As estimativas revelam que a capacidade dos estados em investir com recursos próprios está negativa em 2%, no total até o 4º bimestre deste ano. Trata-se de uma situação de “stress financeiro” grave. Dos 27 estados, apenas 3 estados possuem o indicador de capacidade de investir com recursos próprios acima de 10%, nível minimamente razoável. Dessa forma, pode-se esperar a tendência de atraso no pagamento das obrigações dos entes em pior situação financeira, não apenas para fornecedores, mas até para a folha de pagamento.

Revela-se que a situação fiscal é complexa e necessita de uma ampla agenda de reformas para seu equacionamento:

1º) Reforço do marco legal existente: restrição dos limites de endividamento, de concessão de garantias do governo federal, de permissão das excepcionalidades das garantias dos empréstimos e brecha legal que permite a concessão de aumentos salariais com repercussões no mandato posterior.

2º) Falta de padronização dos critérios para aplicação dos limites da LRF: cada estado interpreta a lei e seus limites de uma forma diferente e, por vezes, oportunista. Deve-se dar especial atenção ao limite de despesa dos poderes e órgãos com autonomia orçamentária, como o Judiciário, o Ministério Público, a Defensoria Pública e o Legislativo.

3º) Reformas estruturais do gasto público: reduzindo o comprometimento das despesas de pessoal por meio da melhor aplicabilidade dos critérios de exoneração (CF e LRF), redução da jornada de trabalho, normatização do direito de greve dos servidores, critérios de reajuste salarial. Ademais, é necessário revisar as regras de aposentadorias dos servidores, de forma a estabelecer idade mínima de 65 para homens e mulheres, revisão de aposentadorias especiais para algumas categorias e revisão do sistema de pensões. Flexibilizar os critérios de aplicação mínima das despesas de custeio para torna-la mais flexível e permitir a adoção do caráter anticíclico da política fiscal.

4º) Reforma nas regras orçamentárias (Relatório do PLS 229/2009): buscar o realismo orçamentário, elevar a capacidade de planejamento do espaço fiscal de médio prazo, estabelecer fundamentação técnica para a elaboração de projetos de investimentos, limitação das despesas de restos a pagar para a disponibilidade financeira em todos os anos do mandato, reforço técnico dos instrumentos de avaliação dos programas (ex-ante e ex-post) e convergência da contabilidade aos padrões internacionais.

5º) Reformas gerenciais: focar nas atividades essenciais do estado, focar no atendimento ao cidadão (front office), integrar melhor a formulação e a execução, fusão de órgão públicos, controle e avaliação por meio do diálogo permanente, compartilhamento dos serviços de suporte, adotar novas tecnologias nos sistemas de compras e melhorar coordenação entre órgãos do governo.

Não há dúvidas que os desafios são grandes e a agenda de reformas necessárias envolve paradigmas consolidados na sociedade brasileira. Dado que nossa carga tributária se aproxima de 40% do PIB, o caminho fácil da elevação de tributos mostra-se cada vez mais restrito. O tamanho do setor público e sua ineficiência está chegando ao limite. Se não adotarmos medidas estruturais para resolvermos os problemas, estaremos em uma tendência crescente de elevação da carga tributária ou estarmos sempre fadados a reviver momentos de crise como o atual.

______________

1 Inversões financeiras são despesas que abrangem os gastos com aquisição de imóveis em utilização, aquisição de bens para revenda, aquisição de títulos de crédito de títulos representativos de capital já integralizado, constituição ou aumento de capital de empresas concessão de empréstimos, entre outros.

 

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O F.A.Q. da Crise https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=2592&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=o-faq-da-crise https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=2592#comments Mon, 31 Aug 2015 12:53:08 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=2592 Foi publicado recentemente neste site o texto “Por que a economia brasileira foi para o buraco?”. Com base no diagnóstico ali traçado, listamos uma série de perguntas frequentes sobre a crise econômica, oferecendo as nossas respostas.

 

1 – A crise que estamos vivendo é consequência da crise econômica internacional?

R: Não. A crise fiscal, a inflação alta, o desemprego crescente, a baixa capacidade de crescimento da economia brasileira são fundamentalmente consequência de desequilíbrio fiscais estruturais (a despesa pública cresce mais que o PIB há 30 anos) somada a uma política econômica equivocada adotada a partir de 2005/2006.

Na verdade, a situação econômica internacional existente entre 2003 e 2011 foi muito favorável ao Brasil, devido a dois fenômenos: o grande aumento nos preços dos nossos produtos de exportação (commodities) e a fartura de crédito no mercado financeiro internacional. O nosso governo tomou essas duas situações passageiras como se fossem definitivas e passou a conduzir a política econômica acreditando que os preços das commodities nunca iriam mudar e que haveria dinheiro barato para sempre no mercado financeiro internacional.

Por isso, acelerou os gastos públicos, concedeu isenções tributárias, distribuiu benefícios creditícios, interferiu no processo de decisão das grandes empresas, congelou preços públicos e fez muitas outras políticas criticáveis, com descrito em detalhe no postPor que a economia brasileira foi para o buraco?” Enquanto os ventos na economia internacional eram favoráveis, o Brasil ia bem apesar dos erros de política econômica. Contudo, tais erros acumularam distorções (déficits público e no balanço de pagamentos crescentes, aumento da inflação, insustentabilidade da dívida pública).

Agora que os ventos favoráveis vindo do exterior mudaram (queda nos preços das commodities e tendência de aumento das taxas de juros internacionais), como seria de se prever, o governo passa a culpar tais mudanças pela crise brasileira. Se durante o período de bonança tivéssemos adotado uma política econômica responsável, não estaríamos enfrentando uma situação tão dura. Se tivéssemos aproveitado os tempos bons para fazer reformas que consertassem as inconsistências no gasto público, estaríamos mais bem preparados para o momento atual. Assim como um organismo fragilizado é mais vulnerável a contrair doenças, uma economia desajustada sofre mais quando há uma crise na economia internacional. Basta comparar o desempenho da economia brasileira com a de países latino-americanos que praticam melhores políticas macroeconômicas, como Chile e Colômbia. Esses dois países estão sentido o impacto da crise internacional, mas com intensidade muito menor que o Brasil.

2 – Se a economia está em recessão, por que fazer ajuste fiscal, que aprofunda mais a recessão? Será que esse tipo de remédio não irá matar o paciente?

R: Em primeiro lugar, é preciso dizer que a recessão começou ANTES do ajuste fiscal. O Comitê de Datação de Ciclos Econômicos (Codace) da FGV mostrou recentemente que a recessão começou em meados de 2014. Portanto, mais de seis meses antes da posse do Ministro Levy e do início do ajuste fiscal.

Essa recessão se deu pelo esgotamento de um padrão de crescimento do gasto público acima do crescimento do PIB, somado a uma política econômica populista e insustentável, adotada a partir de 2005/2006. A crise é composta por vários problemas: inflação alta e crescente, visível esgotamento financeiro do Tesouro e incapacidade de continuar a subsidiar investimentos, paralisação do setor de óleo e gás pela mudança do marco regulatório do pré-sal, ameaça de racionamento de energia, sobre-endividamento da maior empresa do país, queda da produtividade da economia (devido aos inúmeros gargalos produtivos, como a infraestrutura deficiente, legislação tributária e trabalhista inadequadas e interferência do governo nas decisões privadas), sobre-endividamento das famílias, crescente risco de rebaixamento da nota de crédito do Governo Federal para o nível de investimento especulativo.

Enquanto a China puxava nossa economia, parte desses problemas não aparecia ou era menor. Acabado o estímulo externo, a crise se impôs.

Na situação em que nos encontramos, o ajuste fiscal não é uma das políticas possíveis. Ele é o único caminho responsável a ser trilhado. Esse ajuste é condição necessária para que o país tenha alguma esperança de retomar o crescimento no futuro. Sem o ajuste fiscal, a dívida pública vai crescer rapidamente, o Tesouro não terá como financiá-la (porque os investidores não vão querer correr o risco de levar o calote) e será preciso emitir moeda para pagar a dívida pública. Voltaremos à época da hiperinflação. E quem viveu nos anos 80 sabe que com hiperinflação não se vai a lugar nenhum.

Embora seja necessário (o único caminho possível, a não ser que se considere o caos econômico como opção válida), o ajuste fiscal não será suficiente para garantir a retomada do crescimento. Estão certos os que dizem que o ajuste vai aprofundar a recessão. A única possibilidade de o ajuste fiscal não gerar mais recessão seria fazê-lo por meio de reformas que permitissem reduzir o gasto público corrente, abrindo espaço para que, ao mesmo tempo em que o superávit primário aumentasse, a carga tributária pudesse ser mantida constante e houvesse investimentos de qualidade em infraestrutura.

Porém, não é esse o padrão de ajuste fiscal de curto prazo viável no Brasil. Como no passado, o ajuste será feito por meio de aumento de tributos e mais repressão ao investimento. Não há como não derrubar a economia fazendo tal ajuste. Mesmo assim, é melhor fazer esse ajuste sub-ótimo do que não fazer nenhum ajuste e rumar para a hiperinflação.

Ou seja: o ajuste em curso vai ajudar a derrubar a economia no curto prazo. Mas a recíproca não é verdadeira: o “não-ajuste” não fará a economia crescer. Irá, isso sim, nos levar para uma situação ainda pior: a hiperinflação e a desestruturação da economia. Há, ainda, o risco de ficarmos no meio do caminho: um ajuste insuficiente que não evitará o pior, e ainda imporá custos à sociedade.

3 – A tentativa de resolver a crise econômica na Europa por meio de medidas de austeridade fiscal falhou. Por que vamos insistir nesse remédio que não funcionou em outros lugares?

R: É incorreto dizer que a política de ajuste na Europa foi apenas de austeridade fiscal. Irlanda, Portugal e Espanha implantaram não apenas duros ajustes fiscais, mas também fizeram reformas importantes: vendas de ativos, flexibilização do mercado de trabalho, reforma orçamentária.

Também é incorreto dizer que esse conjunto de medidas não deu resultado. Esses três países sofreram as dores do ajuste, mas estão todos emergindo da crise e voltando a crescer, assim como diversos países do leste europeu, como Polônia, Hungria e os países bálticos.

A lição que devemos tirar do caso europeu é justamente o contrário da afirmação feita na pergunta: o país que se recusou a se ajustar, a Grécia, é que foi para uma crise aguda. O caso grego é um exemplo do que ocorrerá com o Brasil se não fizermos um adequado ajuste fiscal. Diga-se de passagem, apesar de todo o barulho político feito por seu governo populista, a Grécia acabou tendo que por em prática um programa de ajuste fiscal e de reforma estrutural do setor público. Não apenas por exigência dos credores, mas por uma questão de sobrevivência da economia do país.

Deve-se dizer, por fim, que a contração econômica nos ajustes fiscais feitos nos países do Euro tende a ser maior do que em um país que tem moeda própria, como o Brasil. Isso porque os países do Euro não têm a opção de se ajustar por meio da desvalorização cambial, já que a moeda é única. Por isso, para reduzir os custos internos e se tornarem mais produtivos, eles precisam de uma grande contração econômica, para gerar grande desemprego e, com isso, reduzir os salários e os custos das empresas. No Brasil, a desvalorização cambial pode fazer uma parte desse serviço, sendo necessária menor contração do PIB.

4 – Não seria contraditório acabar com a desoneração da folha de pagamentos no momento em que as empresas estão sofrendo com a crise econômica?

R: Sem dúvida que seria melhor fazer um ajuste fiscal baseado em redução da despesa pública, sem a necessidade de elevar tributos. Isso não aumentaria os custos das empresas, geraria menos desemprego e abriria mais espaço para o investimento privado. Porém, o orçamento público brasileiro é muito rígido. Se não fizermos reformas que reduzam o ritmo de crescimento de despesas da previdência, das políticas sociais ou da folha de pagamento, não haverá como conter a expansão do gasto.

Nessa situação, como já afirmado acima, é melhor que se faça um ajuste de baixa qualidade (via aumento de impostos e corte de investimentos) do que não se fazer ajuste nenhum.

O risco, como já apontado na resposta à questão 1, é que o ajuste “politicamente possível” não seja suficiente para reequilibrar as contas e conter o crescimento da dívida. Aí os sacrifícios serão em vão.

5 – O ajuste fiscal vai ser pago pelos mais pobres?

R: Não necessariamente os pobres pagarão pelo ajuste fiscal. Como afirmado ao longo do texto “Por que a economia brasileira foi para o buraco?”, o gasto público no Brasil beneficia todas as camadas de renda. Se fizermos uma reforma fiscal que contenha a expansão dos gastos feitos a favor das classes alta e média, poderemos ter um efeito de redistribuição de renda. Uma reforma da previdência social, por exemplo, que requeira maior tempo de trabalho para a aposentadoria, tende a ser redistribuidora de renda, pois o seu custo recairá sobre a classe média e alta urbana. O mesmo se pode dizer de um maior controle na contratação e remuneração de servidores públicos, que, em sua maioria, estão entre os 5% mais ricos do país. O fim dos subsídios creditícios a grandes empresas também teria importante efeito redistributivo de renda. Um redirecionamento do gasto público em educação do nível universitário para o ensino básico também beneficiaria os mais pobres, principalmente se fosse instituída a cobrança de mensalidades nas universidades públicas. Mesmo alguns programas normalmente identificados como sendo de atendimento aos mais pobres, como o abono salarial e o seguro desemprego, atendem camadas de renda acima do nível de pobreza: o seu redesenho pode levar à redução de despesas sem afetar os mais pobres.

Deve-se lembrar, ainda, que o não-ajuste levará a aumento da inflação; esta sim muito prejudicial aos pobres e concentradora de renda.

6 – Por que não fazemos o ajuste tributando os bancos?

R: Uma lição básica em economia é a de que o custo dos tributos não incide, necessariamente, sobre o agente econômico que é tributado. Sempre que a pessoa física ou jurídica que é tributada pode passar para frente o custo do imposto pago, ela passará. Uma maior tributação dos bancos (que já são bastante tributados) se converterá, total ou parcialmente, em aumento das taxas de juros por eles cobradas. Quem pagará uma parte ou a totalidade do imposto será o indivíduo ou a empresa que precisar tomar crédito.

Não obstante isso, tendo em vista o exíguo espaço político para se cortar despesas, é possível que se acabe optando por tributar as operações de crédito, pois essa é uma forma dissimulada de se ampliar a tributação sobre a população como um todo, disfarçando-a de tributação sobre os bancos.

7- Por que não fazemos o ajuste tributando os ricos, através da criação do Imposto sobre Grandes Fortunas?

Esse imposto, sozinho, não resolveria o problema. Mesmo que não se preveja nenhuma isenção, nem se leve em conta a fuga de capitais que ele provocaria, sua arrecadação dificilmente passaria de R$ 5 bilhões por ano. O valor é irrisório frente às necessidades fiscais do Tesouro Nacional.

Pode-se discutir a progressividade ou regressividade do sistema tributário brasileiro e, com isso, a possibilidade de tributos que incidam sobre os mais ricos. Porém, não se pode esperar que esse tipo de tributação gere receita suficiente para fechar as contas públicas. Somente os aumentos previstos nas áreas de previdência, saúde e educação para os próximos anos está na casa de R$ 22 bilhões por ano.

Tributar grandes fortunas pode também trazer o impacto indesejado de reduzir ainda mais a já reduzida taxa de poupança doméstica.

8 – As despesas com juros são da ordem de R$ 417 bilhões por ano. Por que não fazemos o ajuste fiscal cortando a taxa de juros fixada pelo Banco Central? Não seria muito mais fácil do que cortar programas sociais?

R: Isso já foi tentado pelo Governo, no âmbito da “nova matriz econômica”. Entre agosto de 2011 e outubro de 2012 a taxa Selic foi sistematicamente reduzida, passando de 12,5% a.a. para 7,25% a.a.. Porém, a redução forçada dos juros, sem que haja uma correspondente redução do déficit primário, aumenta a inflação e não se sustenta. O déficit do governo coloca renda na mão das pessoas e aumenta o consumo. Como a oferta de bens e serviços é rígida (há uma série de obstáculos à expansão da produção no Brasil, como descrito no texto), o aumento da demanda leva a aumento de preços.

Por isso, o ajuste das contas não financeiras deve preceder a redução dos juros pelo Banco Central. Tentar começar pelos juros, apesar de ser a conta mais elevada, não é algo consistente ou sustentável. Ademais, a maior parte dos valores pagos a títulos de amortização e juros da dívida não vêm diretamente da tributação imposta à população, e sim de novos empréstimos, que rolam os antigos. Um corte abrupto dos juros reduzirá a oferta de novos empréstimos ao Governo. Com isso, seriam necessários cortes nas outras despesas com vistas a alocar mais recursos para pagar amortização e juros da dívida.

9 – Muitos economistas advogam que, para o país crescer mais rápido, é necessário aumentar a poupança. Mas se todo mundo poupar, qual será o estímulo para as empresas investirem, se não haverá quem consome?

Há uma confusão de conceitos. Poupar não é o mesmo que deixar de gastar. Um indivíduo que deixa de gastar em bens de consumo final (alimentos, roupas, festas, etc) para comprar tijolos e construir uma casa, em verdade, está poupando. Sua poupança está sendo gasta na aquisição de bens de investimento (no caso, os tijolos). Poupar (e sua contrapartida, investir), portanto, é simplesmente trocar o consumo de bens e serviços finais hoje por bens e serviços finais no futuro. Assim, um aumento da taxa de poupança de um país somente altera o mix de produção, com a economia passando a produzir mais bens de capital, insumos para construção civil ou produtos para exportação (que lhes permite adquirir ativos no exterior). Naturalmente, economias que investem mais, crescem mais rapidamente. Não é por menos que os países emergentes do leste asiático, cuja taxa de poupança é acima de 30% do PIB (enquanto no Brasil é em torno de 15% do PIB), são os que mais rapidamente crescem.

10 – Um modelo de crescimento do estilo asiático, baseado em elevada taxa de poupança e câmbio depreciado, não está associado a piores condições para o trabalho?

No curto prazo, é correto. Se o país poupa muito, há poucos recursos para programas assistenciais e de previdência. Além disso, a taxa de câmbio depreciada implica salários reais menores. Entretanto, essa é uma visão estática. Como esses países investem mais, o que lhes permite crescer mais rapidamente, no longo prazo, o padrão de vida da população tende a ser melhor. Coréia do Sul e Brasil tinham níveis de renda per capita semelhantes na década de 1960 e, hoje, a renda per capita sul-coreana é cerca do triplo da brasileira. Da mesma forma, a renda per capita da China já se aproxima da brasileira, quando era menos da metade há vinte anos. Pode-se fazer uma analogia com o bem-estar de uma família. Se tivermos dois domicílios com a mesma renda inicial, aquele que poupar mais terá menor qualidade de vida no curto prazo. Entretanto, no longo prazo, o que poupou mais terá maior renda (decorrente das aplicações financeiras feitas ao longo da vida), o que lhe permitirá auferir maior bem estar.

11 – Corremos o risco de uma nova década perdida?

Infelizmente, sim. Tomando o PIB per capita como medida de bem estar individual, temos que o pico deste ocorreu em 2013 (R$ 27,4 mil, em valores de dezembro de 2014). Considerando que o PIB cresceu 0,15% em 2014 e a população tem crescido em torno de 0,9% a.a., e assumindo que o PIB diminuirá 2% em 2015 e 0,5% em 2016, crescendo 1,5% na média dos anos seguintes, temos que o PIB per capita cairá até 2017, recuperando-se lentamente depois disso, até voltar ao patamar de 2013 apenas em 2023 ou 2024. Trata-se de cenário bastante plausível. Não havendo reformas substanciais que aumentem a poupança pública e a produtividade, teremos baixa taxa média de crescimento econômico no período 2017-2024, em face do esgotamento da principal fonte de crescimento econômico do passado recente (qual seja, o aumento da taxa de ocupação da mão de obra), combinado com nosso histórico de incrementos reduzidos na produtividade do trabalho.

 

Os autores agradecem os comentários de Pedro Fernando Nery.

 

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Como fazer um ajuste fiscal no Governo Federal? https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=2337&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=como-fazer-um-ajuste-fiscal-no-governo-federal https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=2337#comments Mon, 17 Nov 2014 12:22:56 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=2337 O Governo Federal está com grande desequilíbrio em suas contas. De janeiro a setembro de 2014 o setor público (União, Estados e Municípios) acumulou um déficit primário de R$ 15,3 bilhões, quando a meta fiscal para o ano era de superávit  de R$ 99 bilhões. Temos, portanto, uma brecha de R$ 114,3 bilhões (aproximadamente 2% do PIB) entre a intenção e a realidade. O déficit nominal (aquele que inclui as despesas com juros) já chegou a 4,9% do PIB, mais que o dobro dos 2,43% do PIB observados a menos de dois anos, em janeiro de 2013. A dívida bruta do governo geral, que era de 56,7% do PIB em dezembro de 2013,  pulou para 61,7% do PIB em setembro de 2014 (5 pontos percentuais do PIB em menos de um ano!)1.

O desequilíbrio fiscal deve ser considerado o problema número um a ser enfrentado pelo Governo. O objetivo do presente texto é apresentar as linhas gerais do ajuste de que necessita o país.

Deve-se observar, desde já, que não necessariamente o ajuste aqui proposto representará sacrifício à parcela mais pobre da sociedade. É equivocada a associação entre racionalização de gastos públicos e perdas para os mais pobres. Na verdade, como se verá adiante, boa parte do ajuste diz respeito a gastos públicos que beneficiam os segmentos mais ricos da sociedade. Há espaço para um ajuste que não agrave a nossa elevada desigualdade de renda ou que piore os indicadores de pobreza.

A deterioração da qualidade de vida dos pobres e miseráveis ocorrerá, isto sim, se não for feito qualquer ajuste. A alta inflação e o crescimento econômico próximo a zero já estão mostrando seus efeitos sobre essa parcela da sociedade: o número de pessoas extremamente pobres parou de cair e já mostra inflexão positiva (eram 10,08 milhões em 2012 e passaram a 10,45 milhões em 2013). O mesmo está ocorrendo com a desigualdade de renda, que interrompeu sua trajetória de queda e está estacionado em nível ainda alto (índice de Gini de distribuição da renda domiciliar per capital em torno de 0,53 desde 2011)2.

Antes de listar as propostas de um ajuste fiscal, é preciso compreender por que ele tem importância vital para a retomada do crescimento e o controle da inflação. São vários os canais pelos quais o desequilíbrio das contas públicas prejudica a economia:

  • Não havendo ajuste fiscal, as agências de avaliação de risco retirarão do país a classificação de “grau de investimento”. Este “selo de qualidade” indica que é desprezível o risco de o governo não pagar sua dívida. Se o Brasil perder este certificado de qualidade, grandes investidores mundiais (entre eles os fundos de pensão) ficarão proibidos, por seus estatutos, de investir no país, o que representará forte queda da entrada de investimentos externos. Isso não só terá impacto negativo no crescimento, mas também no nosso balanço de pagamentos. Atualmente temos déficit de 3,72% do PIB em transações correntes (negociações de bens e serviços com o exterior), que é coberto por entrada de capitais via investimentos e financiamentos da ordem de 4,65% do PIB. Escasseando a entrada de capitais, sofreremos rápida redução de nossas reservas e o real se desvalorizará frente ao dólar. A desvalorização cambial aumentará a inflação. Com menos reservas no Banco Central, será mais arriscado para investidores estrangeiros investir no país, pois pode haver falta de dólares na hora em que eles desejarem levar seus capitais de volta ao país de origem. Em suma: aumenta a inflação, cai o nível de investimento e diminui o ritmo de crescimento econômico.3
  • O desequilíbrio fiscal também exerce pressão sobre a inflação por meio de outro mecanismo: o aumento da demanda agregada. Com o governo gastando acima do que arrecada, ele coloca na economia mais dinheiro (via gastos) do que retira (via tributos). Com isso, além do efeito direto do consumo do governo, há aumento do consumo das famílias (aqueles que recebem do governo – funcionários públicos, fornecedores, beneficiários de programas sociais, etc – terão mais dinheiro no bolso para consumir). Ocorre que a economia brasileira enfrenta diversas barreiras para aumentar a oferta de bens para atender essa maior demanda: baixo investimento (devido a incertezas, como será explicado a seguir), deficiências de infraestrutura, baixa poupança para financiar investimentos, entre outras. Com maior demanda e oferta restrita, o resultado é o aumento dos preços.
  • Os agentes econômicos desconfiam fortemente da capacidade do governo para controlar suas contas, não só em função dos maus resultados recentes, mas também pelo esforço feito pela atual administração para esconder a situação através de expedientes de contabilidade criativa (sobre contabilidade criativa ver neste site o texto O que é contabilidade criativa?). Por isso, a perpetuação e agravamento do desequilíbrio fiscal representará desestímulo ao investimento, levando a baixo crescimento da economia nos próximos anos;
  • As despesas do governo com juros tendem a aumentar agravando ainda mais o déficit público, pois o Banco Central tende a combater a maior inflação por meio do aumento dos juros. Além disso, o aumento da dívida pública (decorrente dos déficits sucessivos) aumenta a base sobre a qual os juros devidos são calculados. O setor público já gasta a elevada quantia de 5,5% do PIB com juros todos os anos, e essa conta tende a aumentar.4
  • Em um contexto de desajuste fiscal torna-se impossível aprovar uma reforma tributária que reduza o impacto negativo do atual sistema sobre a eficiência e a produtividade da economia. Qualquer reforma que racionalize o sistema tributário implicará perda de receita, o que não é fácil de suportar em momento de crise fiscal. Em consequência se perpetua o bloqueio que o sistema tributário ineficiente exerce sobre o crescimento econômico;
  • A deterioração nos indicadores de inflação, crescimento, balanço de pagamentos e rating de crédito realimentarão o desequilíbrio fiscal pois, com a economia crescendo menos, o governo arrecada menos. Cria-se uma espiral de más notícias que só será rompida com a mudança do regime fiscal.

Não se pode, portanto, brincar com desequilíbrio fiscal no nível em que ele se encontra. É preciso lançar medidas de reequilíbrio das contas públicas. Acredito que um programa de ajuste deveria se apoiar em três pilares, que devem ser apresentados em conjunto (como um pacote) e postos em prática simultaneamente:

  • Recuperação da credibilidade do governo na gestão fiscal;
  • Ajuste de curto prazo;
  • Ajuste de médio e longo prazo.

RECUPERAÇÃO DA CREDIBILIDADE

Esta dimensão do programa de ajuste consistiria em acabar com a contabilidade criativa e dar transparência à real situação financeira do setor público. Algumas das medidas listadas a seguir agravariam os dados oficiais no curto prazo, simplesmente porque há déficit escondido nas contas públicas. Mas uma política fiscal crível deve resistir à tentação de produzir estatísticas que não reflitam a real situação fiscal, sob pena de não conquistar o apoio dos agentes econômicos. O simples fato de se anunciar o fim de procedimentos nocivos ao equilíbrio fiscal – e atuar de acordo! – ainda que não represente melhora nas contas no curto prazo, já cria expectativa positiva em relação ao futuro.

As principais medidas nessa área seriam:

  1. Suspensão dos empréstimos do Tesouro ao BNDES e redução gradualmente da carteira de empréstimos desse Banco. Caso sejam necessários aportes residuais para cumprir contratos em andamento, eles devem ser registrados como despesa primária do Tesouro, sendo contabilizados como inversão financeira no Banco. Essas operações geram elevado custo de juros para o Tesouro (da ordem de R$ 30 bilhões ao ano) e não têm sido eficaz em atingir seu principal objetivo, que seria o estímulo ao investimento privado.
  2. Fixação, por lei, do montante máximo de dividendos que as empresas públicas podem pagar ao Tesouro a cada ano. Tal medida visa impedir que o Tesouro, ansioso por fechar suas contas, force as empresas a pagar dividendos excessivos, que levem à descapitalização das empresas e à necessidade de, no futuro, o próprio Tesouro ter que fazer aporte de capital para recuperá-las. Os dados mostram evidente aumento de pagamentos de dividendos ao Tesouro: entre 2000 e 2008 tais pagamentos foram equivalentes a 0,26% do PIB ao ano, e entre 2009 e 2014 eles saltaram para 0,55% do PIB.5
  3. Acerto de contas do Tesouro com as empresas, fundos e bancos públicos que, na condição de agentes pagadores de programas do governo, detêm créditos junto ao Tesouro em função de atrasos de pagamentos. Essas chamadas “pedaladas” orçamentárias precisam ser explicitadas e ter um cronograma claro de redução ao longo do tempo. Somente com o FGTS, o Tesouro Nacional tem dívida de R$ 17,7 bilhões6, havendo ainda passivos junto à Caixa Econômica, Banco do Brasil e BNDES, cujos números não são claramente divulgados.
  4. Interrupção do lançamento de sucessivos programas de parcelamento de débitos fiscais. Esses programas, conhecidos como REFIS, têm por objetivo facilitar o pagamento de débitos dos contribuintes inadimplentes, gerando uma entrada extra no caixa. Ocorre que a sua repetição, ano após ano, induz o contribuinte a não pagar regulamente suas obrigações, esperando pelo parcelamento em condições facilitadas. Há evidente desmoralização do fisco e queda na arrecadação regular de tributos. Entre os anos 2000 e 2013 foram abertos nada menos que sete programas de parcelamento e refinanciamento de débitos. Os sinais de esgotamento desse mecanismo já são claros. Em 2014 a arrecadação esperada por meio do refinanciamento era de R$ 13 bilhões, mas teve que ser minorada e agora está entre R$ 7 e R$ 9 bilhòes.7
  5. Suspensão de todas as operações entre o Tesouro e empresas públicas ou de economia mista cuja finalidade seja a antecipação da entrada de recursos no Tesouro, como por exemplo, a venda de direitos de royalties de Itaipu para o BNDES ou a venda de direito de exploração de petróleo diretamente à Petrobras, sem a realização de leilão aberto a outras empresas.
  6. Contabilização em separado das receitas de concessão e venda de ativos públicos, apresentando-se o resultado primário com e sem essas receitas não recorrentes. O resultado primário nos últimos anos tem ficado cada vez mais dependente de receitas não-recorrentes, ou seja, receitas que não pertencem ao fluxo regular de arrecadação de tributos, tais como vendas de ativos ou recebimento de dividendos em valores acima do que se observa no mercado; o que indica fragilidade das contas públicas. É preciso mostrar, separadamente, o superávit/déficit advindo dos fluxos regulares de despesas e receitas e aqueles decorrentes de eventos extraordinários. Em 2013, por exemplo, de um superávit primário de 1,9% do PIB, nada menos que 0,9% do PIB resultaram de receitas não recorrentes.8
  7. Definição de um cronograma multianual de redução dos “restos a pagar”, que são despesas orçamentárias feitas no ano “t” cujo pagamento é adiado para o ano “t+1”. Tais adiamentos têm criado uma bola de neve. Em 2004 os restos a pagar (inscritos menos os cancelados) no Orçamento Geral da União equivaliam a 0,7% do PIB. Em 2014 já alcançava 3,4% do PIB.
  8. Apresentação ao Congresso Nacional de proposta orçamentária com base em projeções realistas (de crescimento econômico, inflação, etc.), evitando-se a superestimação das receitas e enfatizando-se o difícil quadro fiscal de curto prazo (a recente propostas apresentada ao Congresso de se ampliar a maquiagem do déficit, por meio de desconto de investimentos e desonerações tributárias é condenável e vai na direção contrária do que está sendo aqui proposto). Em especial é preciso evitar o já “manjado” jogo de cena, feito ao longo dos últimos anos, em que se aprova um orçamento com receitas e despesas irrealistas e, em seguida, faz-se um contingenciamento (sempre com o número mágico de R$ 50 bilhões) que, na verdade, representa cortar despesas que não seriam realizadas, pois não haveria receitas para financiá-las.

AJUSTE DE CURTO PRAZO

As medidas de curto prazo são aquelas voltadas a produzir aumento de receita e redução de despesa com reflexo imediato nas contas governamentais:

  1. Reverter a chamada “desoneração da folha de pagamento”, não só porque ela gera significativa perda de arrecadação (R$ 20 bilhões ou aproximadamente 0,4% do PIB)9 como também cria problemas relativos à eficiência da economia (a esse respeito ver, neste site, o texto “O que é desoneração da folha de pagamento e quais são seus possíveis efeitos?”).
  2. Reverter a redução de Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) concedida a vários produtos, pois ela representa perda de arrecadação (no mínimo R$ 7 bilhões por ano) e estímulo ao consumo em um momento de inflação em alta.
  3. Enfrentar a grande pressão por aumento de gastos de pessoal, que vem sobretudo do Poder Judiciário, sob a forma de: criação de adicional de tempo de serviço não sujeito ao teto remuneratório constitucional (PEC 63/2013 – custo de até R$ 10 bilhões ao ano para a União e R$ 14 bilhões para os estados10); introdução de auxílio moradia para juízes e procuradores (demanda já aprovada no STF e que deve ser enfrentada na esfera judicial – custo estimado em R$ 1,5 bilhão por ano11); forte aumento do teto remuneratório proposto pelo STF (de R$ 29,4 mil para R$ 35,9 mil – acréscimo de 22%, que levaria a aumento de despesa de R$ 1,4 bilhão em 201512). Esses aumentos rapidamente repercutem na remuneração do restante do funcionalismo, desencadeado reajustes em cascata e demandas por realinhamento de remuneração entre carreiras, o que pode aumentar ainda mais o custo estimado da medida. São nocivos não apenas pelo desarranjo fiscal que provocam, mas também por serem fator de concentração de renda, visto que os servidores públicos (em especial os do Judiciário) estão no topo da pirâmide de renda.
  4. Também no STF está tramitando causa relativa ao chamado direito de “desaposentadoria” que, de forma resumida, pode ser descrito como a elevação dos benefícios recebidos pelas pessoas que se aposentaram, mas continuaram no mercado de trabalho. Se aprovada tal possibilidade, haverá um custo de, no mínimo, R$ 70 bilhões com possibilidade de se multiplicar ao longo dos anos (sobre esse ponto ver neste site O que é desaposentadoria e qual o seu impacto? e Por que o julgamento do STF sobre desaposentadoria é importante?)
  5. Suspender a determinação governamental e os estímulos regulatórios voltados a expandir o crédito ao consumo, ofertado pelos bancos públicos. A forte expansão desse crédito em passado recente (o saldo das operações com pessoas físicas passou de 13% do PIB em 2007 para 26% do PIB em 2014)13, associada ao baixo ritmo de crescimento da economia, tende a aumentar o potencial de inadimplência da carteira de crédito dos bancos públicos. Isso representará perda patrimonial e futura necessidade de aporte de recursos do Tesouro àquelas instituições. Foi anunciado recentemente, por exemplo, uma transferência de créditos “podres”da Caixa Econômica para a Empresa Gestora de Ativos (Engea), da ordem de R$ 5 bilhões. A Engea é uma espécie de agência para lidar com créditos de instituições públicas de difícil cobrança 14.
  6. Reverter a política recentemente adotada pelo Tesouro Nacional de facilitar a tomada de empréstimos por estados e municípios. Esses governos subnacionais têm seus limites de endividamento controlados pelo Tesouro, em conformidade com regras estipuladas pelo Senado. Se as regras forem cumpridas à risca, os estados e municípios têm que obter superávit primário para pagar seus débitos vincendos. Quando se abre aos estados e municípios a possibilidade de tomar novos empréstimos, deixa de ser necessário fazer superávit para pagar suas dívidas. Basta fazer dívida nova para pagar dívidas antigas. O resultado foi a queda do superávit fiscal de estados e municípios, que deteriora a situação fiscal agregada do setor público. O superávit primário de estados e municípios caiu de 1,15% do PIB em 2008 para 0,34% do PIB em 2013.

AJUSTE DE LONGO PRAZO

  1. Não há dúvida de que o ajuste de longo prazo mais importante é a retomada da reforma da previdência. Esse é o maior item de despesa do orçamento (consumindo quase 40% de toda a receita primária do Tesouro, com gastos anuais de R$ 350 bilhões ou 7,3% do PIB em 201315). É também a categoria de despesa que tem maior potencial de crescimento, seja devido às regras benevolentes de concessão de benefícios, seja pelo rápido envelhecimento da população, que afetará não só o lado do gasto, mas também o lado da receita, pela diminuição da parcela da população participante no mercado de trabalho e contribuinte para a previdência. As pessoas com mais de 65 anos de idade eram 7% da população em 2012 e serão 22% em 205016. Por isso, faz-se necessário, pelo menos: instituir idade mínima para aposentadoria no Regime Geral de Previdência Social (RGPS), aumentar o tempo de contribuição necessária para que se pleiteie aposentadoria por idade, rever o instituto das aposentadorias especiais, rever o tempo reduzido de aposentadoria para mulheres, reduzir a benevolência dos benefícios associados à pensão por morte.
  2. A segunda prioridade também é a previdência! Isso porque tramitam no Congresso mais de uma centena de projetos que aumentam benefícios, concedem novas aposentadorias especiais, propõem a institucionalização da desaposentadoria e/ou reduzem exigências para gozo de benefícios existentes. Olhando-se isoladamente cada um desses projetos, eles parecem inofensivos em termos fiscais. Muitos se baseiam em argumentos meritórios. Porém, quando analisados em conjunto, têm potencial explosivo sobre os custos da previdência. A cada ano alguns desses projetos são aprovados e sancionados, cavando um pouco mais o poço do déficit previdenciário (sobre esse ponto será futuramente publicado texto específico neste site). É preciso instituir um mecanismo de avaliação do impacto fiscal desses projetos, e dar a eles atenção redobrada durante sua tramitação no Congresso.
  3. Logo após à previdência, o segundo maior item de despesa é a folha de pessoal do Governo Federal (R$ 221 bilhões ou 4,6% do PIB)17. Como já afirmado acima, esta tende a crescer em função da pressão do Judiciário por aumento de remuneração. Além disso, a política de pessoal do setor público brasileiro é ineficiente e dispendiosa, pagando remunerações elevadas e contratando acima da necessidade, além de garantir estabilidade no emprego de forma generalizada. Um ponto fundamental a ser mudado na política de pessoal diz respeito aos direitos e deveres dos servidores em relação à greve. Atualmente há um desequilíbrio: os servidores podem fazer greve, mas não há instrumentos para punir greves abusivas, não há corte de remuneração dos dias parados nem a possibilidade de demissão. Isso estimula a realização de greves e coloca o poder público contra a parede, resultando em remunerações elevadas e perda de qualidade dos serviços públicos em função de sucessivos movimentos paredistas. A aprovação de uma lei de greve que equilibrasse direitos e deveres contribuiria tanto para conter o peso fiscal da folha de pagamento, quanto para recuperar a qualidade dos serviços prestados.
  4. Ainda em relação ao serviço público, é preciso rever regras de contratação, remuneração e promoção visando criar incentivos para o bom desempenho, assim como conter a contratação em excesso (propostas nesse sentido estão no texto O que fazer para melhorar a eficiência dos servidores públicos e reduzir as despesas de pessoal do governo?). De especial interesse seria a adoção de modelos alternativos de prestação de serviços públicos, como a atuação de organizações sociais mediante contrato de gestão na área de saúde, ou a adoção (mediante avaliação de seus efeitos) de políticas de voucher escolar e terceirização de gestão das escolas públicas.
  5. As políticas de assistência social (Bolsa Família, Abono Salarial, Seguro Desemprego, Benefício de Prestação Continuada – BPC, aposentadorias rurais) têm apresentado peso crescente na despesa pública (elas consumiam 6,2% da receita primária em 2004, pulando para 10,3% em 2013 – em reais foram R$ 182 bilhões ou 3,7% do PIB). Embora algumas dessas políticas representem importante contribuição à redução da pobreza e da desigualdade, outras não são tão eficazes e devem ser descontinuadas. É preciso focar os benefícios nos mais pobres, para ter o máximo de resultado ao menor custo possível. Essa foi a chave do sucesso do Bolsa Família, um programa barato e eficaz. Sob essa ótica, o Abono Salarial é um candidato a ser extinto, o que representaria economia de R$ 19 bilhões em 201518. O seguro desemprego tem sido objeto de fraudes, e precisa passar por mudanças nas suas regras e mecanismos de fiscalização. O valor do salário mínimo, que rege o reajuste do BPC e o piso das aposentadorias, deveria passar a ser corrigido pela inflação adicionada de um índice de produtividade (ou, para facilitar, a taxa de crescimento do PIB per capita). Isso garantiria a manutenção do poder de compra dos benefícios (agregado a um ganho real) em ritmo compatível com o crescimento da economia e da capacidade fiscal. A regra atual de elevação do salário mínimo é mais benevolente, porém sacrifica as contas públicas e tira dos pobres, via inflação, o que lhes dá por meio do reajuste dos benefícios.
  6. Na área de educação é preciso tomar a decisão de focar a ação do setor público na pré-escola e no ensino básico, revendo-se a prioridade até hoje conferida ao ensino superior, em especial à injustificável gratuidade do ensino superior para estudantes de famílias que podem pagar pelo serviço.
  7. É essencial que se instaure no Estado brasileiro mecanismos de avaliação das inúmeras políticas públicas em execução. Os programas são criados e perpetuam-se sem que se avalie se eles geram mais benefícios do que custos. Algumas perguntas básicas devem ser respondidas sobre cada programa público: a quem beneficiam? Qual o custo per capita? Há programas alternativos que beneficiariam mais gente ao mesmo custo? Há necessidade de intervenção do governo ou o problema que se quer resolver pode ser solucionado pelo livre funcionamento de mercado (ou seja, há falhas de mercado envolvidas?)? Qual o impacto sobre a distribuição de renda e redução da pobreza? Quais os efeitos colaterais positivos e negativos que os programas geram para a sociedade?
  8. A criação de uma instituição fiscal independente (ver sobre isso, neste site, no texto “O que são instituições fiscais independentes?”) ou a criação de programas de avaliação de impacto no âmbito do Poder Executivo (já há iniciativa nesse sentido no âmbito da Secretaria de Assuntos Estratégicos) ajudaria a colocar luz sobre programas públicos ineficientes, que devem ser descontinuados ou reformados, bem como indicar quais são as experiências bem-sucedidas que devem ser replicadas e ampliadas.
  9. Reavaliação do modelo de investimento público. O famoso PAC é um programa baseado na ideia de “quanto mais investimentos melhor”. Ele reuniu e embrulhou em um só pacote diversos projetos que existiam e estavam a espera de financiamento, sem uma avaliação da qualidade e oportunidade desses projetos. E, sobretudo, sem se fazer uma escala de prioridades. Ocorre que o país não tem recursos fiscais nem capacidade gerencial para tocar um grande número de projetos ao mesmo tempo. Acabam ocorrendo casos de projetos mal executados ou inadequados (desconsiderando-se outras opções mais baratas e eficientes), obras interrompidas por falta de recursos, estouro de orçamento em função de mau planejamento. Nesse sentido, seria necessário criar uma agência (ou dar atribuição a um órgão já existente) que centralizasse o planejamento dos investimentos públicos, buscando a sinergia entre diferentes projetos, e definindo com clareza quais seriam objeto de concessão, parceria público-privada ou investimento público direto.
  10. Ainda sobre os investimentos em infraestrutura, é preciso mudar a política adotada naqueles destinados ao modelo de concessão. Não se pode usar a concessão como uma forma de trazer o investidor privado para trabalhar pelo governo, submetendo-o a uma remuneração inferior ao seu custo de capital. Ou seja, medidas populistas, voltadas a reprimir o preço das tarifas pagas pelos usuários, acabam levando a baixa qualidade dos serviços ou relações espúrias entre prestador de serviço e governo, que passam a buscar meios de remuneração menos transparentes (via subsídios extraorçamentários, subsídios cruzados, etc.). O custo para o contribuinte e as distorções de preços relativos e perda de eficiência da economia acabam sendo maiores que a economia no preço do serviço. Em segundo lugar, não se pode usar os programas de concessão tendo por objetivo principal maximizar a receita fiscal obtida nos leilões. Isso porque para maximizar tal receita, o poder público acaba tendo que permitir que o concessionário preste um serviço de pior qualidade (e tenha menor custo e maior lucro), em troca de um pagamento inicial mais polpudo. O ganho fiscal de curto prazo acaba gerando perda de qualidade, e portanto de produtividade, no longo prazo.

CONCLUSÕES

Os pontos aqui esboçados, se adotados em conjunto, dariam aos agentes econômicos uma perspectiva de equilíbrio, eficiência e transparência das contas públicas no longo prazo. Isso atuaria no sentido de conter a inflação e o déficit no balanço de pagamentos. Estimularia os investimentos, permitiria a redução da taxa de juros de equilíbrio e resultaria em maior crescimento econômico.

Resta, como desafio, argumentar que este não seria um “pacote de arrocho” com consequências negativas aos mais pobres.

Uma breve revisão das principais medidas propostas permite constatar que muitas delas, na verdade, desconcentram a renda. É o caso das políticas que visam restringir as altas remunerações do Poder Judiciário, e praticar uma política salarial no setor público mais próxima do que se paga no setor privado. Conter a expansão do efetivo de servidores públicos também atuará no sentido da redistribuição. Parte significativa do funcionalismo está entre os 5% mais ricos do país.

A adoção de políticas voltadas a estimular os servidores públicos a serem mais eficientes, bem como os modelos alternativos de prestação de serviços de saúde e educação, resultaria em melhores serviços prestados aos mais pobres, que são os maiores usuários desses serviços, visto que os mais ricos há muito migraram para os serviços privados.

Igual efeito terá a reforma da previdência, pois em sua conformação atual, o sistema de benefícios é apropriado majoritariamente pela classe média, em detrimento dos mais pobres. Os projetos de mudanças avulsas no sistema previdenciário (na direção contrária à do ajuste das contas), que aos poucos vão sendo aprovados no Congresso, também são, muitas vezes, direcionados a grupos de pressão de classe média, tendo um custo equivalente ao necessário para tirar um grande contingente de famílias da miséria.

A focalização das políticas sociais também seria um instrumento de fazer mais e melhor em favor dos mais pobres, eliminando-se os “vazamentos” de benefícios que hoje vão para a classe média.

Também no caso dos investimentos em infraestrutura é possível buscar um enfoque pró-pobre. Um adequado planejamento e hierarquização de prioridades levaria ao aumento de investimentos em áreas como saneamento básico, remoção de habitações de áreas de risco para conjuntos habitacionais populares e melhorias nos investimentos e gestão do transporte público. São evidentes os benefícios aos mais pobres e à classe média.

A adoção de monitoramento e avaliação de programas públicos de forma sistemática deixaria claro para a sociedade os programas que, embora aparentem gerar muitos benefícios, têm custos elevados. Se submetidas a avaliações desse tipo, iniciativas do chamado Sistema S, que consomem em torno de R$ 15 bilhões por ano, provavelmente se mostrariam caras e ineficientes. O uso dos recursos do imposto sindical e dos programas de treinamento financiados pelo Ministério do Trabalho também ficaria mais claro, podendo-se aferir até que ponto são os trabalhadores ou uma elite sindical que se beneficia dos recursos.

A contenção no ritmo de crescimento do salário mínimo não pode ser vista como uma medida de “arrocho” contra os pobres. Afinal, em algum momento do tempo o salário mínimo terá que parar de subir acima dos demais salários. Do contrário, no longo prazo ele se tornará um “salário máximo”. Os ganhos em termos de redução da pobreza e da desigualdade, decorrentes do reajuste do salário mínimo acima da inflação tendem a ser cada vez menores. Primeiro, porque passarão a pressionar a inflação e retirar renda dos mais pobres.Segundo, porque esse salário passará a ser cada vez mais pesado para as empresas, desestimulando a contratação de trabalhadores pobres menos qualificados (com produtividade abaixo da remuneração mínima). Ademais, a medida proposta não é de redução do valor real do salário mínimo, e sim de moderação na sua taxa de crescimento real.

Por fim, mas não menos importante, o fim dos bilionários subsídios concedidos pelo Tesouro a grandes empresas, por meio de financiamentos do BNDES e o fim dos subsídios implícitos nas desonerações de IPI e folha de pagamentos deixarão de carrear bilhões de reais para o topo da pirâmide de renda.

____________________

1 Fonte dos dados: Banco Central do Brasil, Nota para a Imprensa, out 2014.
2 Fonte de dados: www.ipeadata.gov.br
3 Fonte dos dados: Banco Central do Brasil. Nota para a Imprensa, out. 2014.
4 Fonte dos dados: Banco Central do Brasil. Nota para a Imprensa, out. 2014.
5 Fonte dos dados: Secretaria do Tesouro Nacional. Resultado do Tesouro – Série histórica.
6 Valor Econômico, 17/11/2014.
7 http://economia.estadao.com.br/noticias/geral,arrecadacao-do-refis-frustra-governo-e-deixa-meta-fiscal-mais-distante-imp-,1555788
8 Fontes: Banco Central do Brasil e Banco Itaú (2013). “Contas públicas: dimensionando o impacto das operações não recorrentes”.
9 Fonte: Receita Federal do Brasil – Desonerações instituídas.
10 Fonte: Valor Econômico, 2/6/14.
11 Fonte: O Globo 7/10/14.
12 Fonte: Folha de S. Paulo 5/11/14.
13 Fonte: www.ipeadata.gov.br
14 Fonte: http://epocanegocios.globo.com/Informacao/Acao/noticia/2014/11/caixa-repassa-r-5-bilhoes-em-creditos-podres.html
15 Fonte: Secretaria do Tesouro Nacional. Resultado do Tesouro Nacional
16 Estimativas de Marcelo Caetano, com base em dados do IBGE.
17 Fonte: Secretaria do Tesouro Nacional. Resultado do Tesouro Nacional
18 Fonte: Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias 2015.

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Como evoluiu a dívida estadual nos últimos dez anos? https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=1154&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=como-evoluiu-a-divida-estadual-nos-ultimos-dez-anos https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=1154#comments Sun, 01 Apr 2012 22:00:47 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=1154 O tema da dívida estadual adquiriu grandes proporções na década de noventa, quando o passivo dos Estados subiu rapidamente. Após a renegociação com a União nos anos finais da referida década, a atenção dada ao tema arrefeceu, mas reascende recorrentemente, em geral em meio a discussões sobre a partilha de receitas entre os entes federados. Depois de mais de uma década desde que a renegociação foi concluída, é preciso avaliar como evoluiu a dívida estadual nesse período. Antes, porém, cabe um histórico para situar o tema.

A atual situação da dívida estadual retrata importantes acontecimentos verificados na década de noventa, quando o passivo estadual subiu acentuadamente. Segundo Rigolon e Giambiagi (1999, p. 117), a dívida líquida dos Estados e Municípios aumentou de 5,8% do PIB, em 1989, para 14,4% do PIB, em 1998. A participação desse passivo na dívida líquida do setor público passou de 15%, em 1989, para 39%, na média do período 1995 a 1998, a despeito de renegociações realizadas nesse período.

O rápido aumento da dívida estadual levou a União a renegociá-la, o que se deu com base na Lei nº 9.496, de 1997. Antes dela, já haviam ocorrido outras renegociações com a União, mas que não foram suficientes para conter o crescente endividamento.

A renegociação de 1997 resultou em contratos firmados entre este ano e 1999 pela União e cada um dos Estados, a exceção do Amapá e de Tocantins. Como o mercado era credor de parte significativa da dívida estadual, a renegociação envolveu a assunção pela União desse passivo, tornando-se, em contrapartida, credora dos Estados nos termos negociados.

De acordo com Rigolon e Giambiagi (1999, p. 129), a renegociação envolveu 77,9% da dívida líquida dos Estados e Municípios ao final de 1998, cerca de 11,3% do PIB. Nesse montante não estão incluídos os valores negociados no âmbito do Proes, programa por meio do qual se processou a alienação ou liquidação dos bancos estaduais. As maiores dívidas renegociadas foram a dos Estados mais ricos da Federação, especialmente São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais e Rio Grande do Sul. Mora (2002, p. 27) informa que esses Estados foram responsáveis por cerca de 90% da dívida renegociada.

Os termos da renegociação serão analisados adiante. Vale agora destacar que esses termos não se restringiram a um ajuste financeiro, mas também fiscal e patrimonial, na medida em que os contratos firmados entre a União e cada um dos Estados contemplaram também metas, garantias e incentivos para a geração de superávits primários (receitas não financeiras deduzidas de despesas não financeiras) e venda de ativos.

Esses superávits eram necessários para viabilizar a adimplência dos encargos (juros e amortização) da dívida renegociada, ao longo do período da vigência dos contratos. A União foi também autorizada a utilizar as transferências constitucionais no pagamento dos encargos da dívida em caso de inadimplência. Como resultado da renegociação, os déficits primários dos Estados, vigentes até 1998, foram revertidos e tenderam a superávits nos anos seguintes. Esse ajuste mostrou-se muito importante por conta da grave crise econômica então vivida pelo Brasil, e que só foi debelada com o ajuste fiscal do setor público, entre outras providências.

Feito esse histórico, cabe avaliar como evolui a dívida estadual no transcurso de vigência da renegociação firmada entre Estados e União. Utiliza-se aqui os dados da dívida líquida do setor público, aferida pelo Bacen, disponível desde dezembro de 2001[1]. Esse é o indicador normalmente utilizado quando se quer retratar a situação do endividamento público no Brasil.

A dívida líquida dos Estados ao final de 2011 era de R$ 434 bilhões, o que correspondia a 10,5% do PIB. Em dezembro de 2001, o saldo era de 18,1% do PIB. Portanto, em dez anos, houve queda de 42,2%, ou de 7,2 pontos percentuais do PIB. No mesmo período, a dívida líquida da União caiu 23,7%, o que reduziu a participação da dívida estadual no total da dívida líquida do setor público de 31,7% para 27,3%. Em que pese essa participação inferior a 1/3, os Estados foram responsáveis por 48,7% da queda da dívida líquida do setor público nos dez anos em questão.

Trata-se de evolução bastante distinta do descontrole verificado na década de noventa. Mesmo assim, são recorrentes as tensões entre Estados e União em torno do tema. Para entender essa situação é preciso analisar a composição da dívida bruta dos governos estaduais, sem considerar as estatais e os haveres. Do total de R$ 453,5 bilhões do saldo desse passivo em dezembro de 2011, os compromissos junto à União representavam R$ 407,8 bilhões ou 89,9%. São os passivos renegociados na década de noventa, especialmente a renegociação feita com base na Lei nº 9.496, de 1997, e que atualmente corresponde a 90,6% da dívida dos governos estaduais junto à União.

O passivo junto à União também caiu de forma expressiva de dezembro de 2001 a dezembro de 2011, tal qual a dívida líquida dos Estados. Nesse período, aquele passivo passou de 16,2% do PIB para 9,8% do PIB, queda de 39,2% ou 6,4 pontos percentuais do PIB. Entretanto, é preciso qualificar essa queda.

Em primeiro lugar, a queda ocorreu, em boa medida, em virtude dos aumentos do PIB. Na média do período de 2002 a 2011, o produto aumentou 12,3%. Quando a dívida dos governos estaduais junto à União é medida em termos reais, utilizando-se como índice de preços o IGP-DI, a queda real durante os dez anos foi de apenas 11,11%.

Em segundo lugar, mesmo em relação ao PIB, a queda de 6,4 pontos percentuais não é tão expressiva quanto parece. Vale observar que se trata de passivo que está há anos sendo amortizado, sem que novos empréstimos sejam feitos. Se o ritmo da queda verificado até aqui se reproduzir nos próximos anos (0,64 ponto de PIB por ano), serão ainda necessários mais quinze anos aproximadamente para que a dívida dos governos estaduais junto à União seja quitada, partindo-se do saldo atual de 9,8% do PIB. Esse prazo se transforma em dezenove ou em treze anos se o ritmo de queda reproduzir o período 2002-2006 ou o período 2007-2011, respectivamente.

Em quaisquer desses cenários está implícita a continuidade do esforço fiscal dos Estados. Em 2011, o superávit primário dos governos estaduais foi de 0,72% do PIB, mesmo número da média do período de 2002 a 2011. Possivelmente, o descontentamento dos Estados decorra do esforço fiscal requerido para manter a trajetória de queda da dívida e do tempo que ainda será necessário mantê-lo.

Mas porque razão a dívida dos governos estaduais junto à União não está caindo mais rapidamente, a despeito dos superávits primários gerados? A razão está nas condições dos contratos firmados com base na Lei nº 9.496, de 1997, que, conforme visto, rege grande parte do passivo estadual. Entre os termos firmados com cada Estado, destacam-se o pagamento em 360 prestações (30 anos), nas quais se incluem os juros e as amortizações; taxa de juros de 6% ao ano (7,5% em alguns casos); correção do saldo devedor pelo IGP-DI; e limite aos desembolsos feitos pelos Estados, dado por um percentual da receita estadual.

Esse último item merece um exemplo. Suponha que os desembolsos relativos aos encargos do passivo junto à União de um determinado Estado estejam limitados a 13,5% de sua receita. Caso a prestação, em um certo momento, corresponda a 16,5% da receita, essa diferença de três pontos percentuais deixa de ser paga imediatamente, e se junta ao saldo devedor, igualmente sujeita ao IGP-DI e à taxa de juros.

Dados esses termos, notadamente o limite para os desembolsos e a correção do passivo pelo IGP-DI, somado ainda ao cenário macroeconômico que determinou a evolução desse índice, os pagamentos feitos pelos Estados corresponderam basicamente aos juros reais (dados pelos 6% ou 7,5% ao ano), enquanto a amortização da dívida e a sua correção pelo IGP-DI se somaram ao saldo devedor, ao ultrapassarem o limite dos desembolsos.

Esses traços gerais dos fluxos financeiros da dívida renegociada com base na Lei nº 9.497, de 1996, podem ser observados a partir da análise dos usos e fontes da dívida líquida dos governos estaduais, divulgados pelo Bacen. Apesar de contemplarem a integridade dessa dívida, esses números são fortemente condicionados pelo amplamente majoritário passivo renegociado com base na referida lei.

Observa-se que, de 2002 a 2011, o superávit primário gerado pelos governos estaduais ou, em outros termos, os desembolsos feitos por conta dos encargos da dívida (juros e amortizações), foi de R$ 186,6 bilhões. Trata-se de montante elevado, mas muito próximo dos R$ 177,4 bilhões relativos aos juros líquidos da dívida interna, os quais incluem, majoritariamente, o pagamento da taxa de juros de 6% ao ano (ou de 7,5% para alguns Estados). Já a correção monetária da dívida líquida dos governos estaduais, que contempla basicamente a correção pelo IGP-DI, totalizou R$ 207,5 bilhões no período, em grande parte refinanciada por meio da sua incorporação ao principal da dívida.

Enfim, intencionalmente ou não, percebe-se que os superávits primários dos governos estaduais, calibrados pelo limite dado como percentual da receita estadual, são suficientes para pagar os juros reais da dívida, enquanto a amortização e a correção do passivo são automaticamente refinanciadas. Desse modo, não é de se estranhar que o saldo da dívida dos governos estaduais junto à União tenha caído apenas 11,11% de dezembro de 2001 a dezembro de 2011, em termos reais, corrigido pelo próprio indexador majoritário do passivo que é o IGP-DI. Note-se uma vez mais que, durante esses dez anos, houve apenas desembolsos, sem qualquer novo empréstimo da União aos Estados.

Um aspecto negligenciado até agora, mas que não pode deixar de ser considerado, são as especificidades de cada Estado, já que a situação de endividamento é bastante heterogênea entre eles. Isso pode ser constatado pelos dados da relação entre dívida consolidada líquida e de receita corrente líquida apresentados por Estado, para os anos de 2000 a 2010, pela Secretaria do Tesouro Nacional[2].  Esses dados constam da tabela abaixo.

Dívida consolidada líquida em relação à

receita corrente líquida por Estado

Estados dez./

2010

dez./

2000*

Variação

(%)

Estados dez./

2010

dez./

2000

Variação

(%)

RIO GRANDE DO SUL 2,14 2,66 -19,7 BAHIA 0,52 1,64 -68,2
MINAS GERAIS 1,82 2,34 -22,1 PERNAMBUCO 0,38 0,86 -55,3
ALAGOAS 1,62 2,23 -27,6 PARAÍBA 0,36 1,53 -76,6
RIO DE JANEIRO 1,56 2,07 -24,5 SERGIPE 0,33 0,88 -62,2
SÃO PAULO 1,53 1,93 -20,8 PARÁ 0,29 0,57 -49,6
GOIÁS 1,30 3,13 -58,5 CEARÁ 0,28 0,87 -68,3
MATO GRASSO DO SUL 1,20 3,10 -61,3 AMAZONAS 0,27 1,00 -72,9
PARANÁ 0,89 1,29 -30,8 RIO GRANDE DO NORTE 0,20 0,71 -71,4
MARANHÃO 0,64 2,58 -75,3 DISTRITO FEDERAL 0,18 0,36 -49,6
SANTA CATARINA 0,63 1,83 -65,6 AMAPÁ 0,18 0,05 294,4
MATO GROSSO 0,55 2,50 -77,9 ESPÍRITO SANTO 0,17 0,98 -82,4
PIAUÍ 0,54 1,73 -68,8 TOCANTINS 0,16 0,35 -53,3
RONDÔNIA 0,54 1,11 -51,3 RORAIMA 0,04 0,31 -86,7
ACRE 0,54 1,04 -48,5 TOTAL 1,12 1,70 -34,1

Fonte primária: STN.

* 2001, no caso de Minas Gerais.

Percebe-se que há um grupo de Estados cuja situação do endividamento é menos favorável. São eles: Rio Grande do Sul, Minas Gerais, Rio de Janeiro e São Paulo. Esses quatro Estados respondem por 76,8% da dívida estadual e ocupam, juntamente com Alagoas, as cinco primeiras posições na classificação por ordem decrescente de relação entre dívida e receita, para o ano de 2010. A situação menos confortável é a do Rio Grande do Sul com relação de 2,14. Somente mais dois Estados, Goiás e Mato Grosso do Sul, possuem relação superior à unidade. Ocorre que, nesses dois casos, a relação caiu de forma expressiva de 2000 a 2010, ao contrário do que se constada com os quatro grandes Estados, cuja queda oscilou entre 19,7% e 24,5%, muito abaixo dos 60,9% relativos a todos os demais Estados.

Não existem informações detalhadas sobre o endividamento de cada Estado. O desempenho dos quatro Estados pode estar associado a vários fatores, mas um elemento que parece decisivo é o peso da dívida renegociada com base na Lei nº 9.496, de 1997. O Bacen divulga a composição da dívida por Região, somando-se Estados e Municípios[3]. O peso dessa dívida no total do passivo dos entes da Região Sudeste e Sul ao final de 2010 é de 88% e 83%, respectivamente[4]. Reflexo disso é a similaridade entre a queda de 19,7% a 24,5%, de 2000 a 2010, da relação entre dívida e receita desses quatro Estados, e a queda de 24,7%, de 2001 a 2011, da dívida renegociada com base na referida lei, aferida em relação ao PIB.

Assim, constata-se que os traços gerais da dinâmica da dívida dos governos estaduais perante a União, considerando-se os Estados conjuntamente, retratam mais fielmente a situação financeira dos quatro maiores Estados do Brasil, responsáveis por grande parte do passivo estadual.

Conforme visto, a continuidade desse arranjo, superávits primários inclusive, juntamente com um cenário macroeconômico que não seja pior do que a média dos últimos dez anos, tornará a dívida dos governos estaduais junto à União irrelevante ao longo dos próximos quinze anos, aferida em relação ao PIB. A questão em aberto é qual o grau de disposição dos Estados em aceitar a continuidade das linhas gerais desse arranjo por esse tempo extra. O descontentamento se expressa em demandas pela alteração dos contratos firmados com base na Lei nº 9.496, de 1997, notadamente quanto ao indexador e/ou à taxa de juros empregados.

Existem importantes obstáculos a uma nova renegociação da dívida dos governos estaduais junto à União. Há a proibição imposta pelo art. 35 da Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei complementar nº 101, de 2000). Entretanto, mesmo que esse dispositivo seja alterado, os contratos firmados são atos jurídicos perfeitos, o que significa que a revisão dos contratos depende da concordância da União.

É justamente na disposição da União onde reside a maior dificuldade. As alterações que possam ser relevantes representam, em última instância, transferências de recursos da União para os Estados, a serem financiados de algum modo por aquele ente. Suponha-se que a taxa de juros de 6% ao ano ou o limite de desembolsos seja diminuído. Tal mudança reduziria o superávit primário dos Estados, pois os recursos liberados provavelmente financiariam despesas primárias, como gastos correntes ou investimentos. Se a União pretendesse manter o superávit e a trajetória da dívida do setor público, teria que elevar compensatoriamente seu próprio superávit, com cortes de gastos e/ou elevação de receitas federais.

Existem ainda outras dificuldades a serem suplantadas para rever os contratos. Cabe referência a duas delas. Quanto à primeira, costuma-se sugerir a troca do IGP-DI pelo IPCA como indexador da dívida estadual junto à União. De fato, no transcurso dos contratos, o acumulado do primeiro índice subiu mais rapidamente que o segundo. Ocorre que não há qualquer garantia de que o padrão se mantenha no futuro. Aliás, não se observa tendência de afastamento entre os índices desde 2003. O problema do IGP-DI é a sua correlação com a taxa de câmbio e, enquanto não houver desvalorizações acentuadas do real, a referida tendência deverá ser mantida.

Certamente, a situação é bastante distinta se a revisão do índice for retroativa ao período anterior a 2003. A resistência da União em abrir a negociação decorre em boa medida do receio das demandas retroativas.

Quanto à segunda dificuldade, diz respeito à já comentada heterogeneidade da situação de endividamento dos Estados. Os termos da dívida renegociada com base na Lei nº 9.496, de 1997, afetam os Estados de modo muito distinto. Os mais beneficiados por uma eventual renegociação tendem a ser os maiores da Federação. Provavelmente, os outros Estados fariam demandas compensatórias no próprio âmbito da discussão da dívida ou em qualquer outro tema dentre as várias opções propiciadas pelo complexo federalismo fiscal brasileiro, a exemplo da distribuição dos recursos do Fundo de Participação dos Estados ou dos royalties relativos à exploração do petróleo.

Em meio às tensões entre os entes federados, o resultado poderá ser a flexibilização dos controles sobre novos empréstimos dos Estados junto aos bancos públicos ou privados ou junto aos credores externos. De certo modo, isso já vem ocorrendo nos últimos anos, ainda que timidamente. Cabe discernir as consequências caso esse financiamento seja ou não condicionado ao uso na amortização da dívida junto à União.

Caso a autorização para novos financiamentos seja condicionada ao uso na amortização da dívida junto à União, os Estados só terão interesse se o custo desse novo financiamento for mais baixo que o custo da dívida junto à União. Isso possivelmente só ocorrerá para o financiamento externo. Dois problemas advirão, então. Os Estados estarão mais sujeitos ao risco cambial e as operações de crédito externo serão um fator a mais a reduzir o preço do dólar no mercado cambial, uma tendência macroeconômica contra a qual o Governo Federal vem lutando, a fim de proteger a indústria nacional da concorrência dos produtos importados.

Se os Estados aderirem à estratégia de reestruturação do passivo, é claro que a União terá que utilizar os recursos extras, decorrentes da amortização mais rápida do crédito junto aos Estados, no resgate da sua própria dívida. De outro modo, a dívida líquida federal subirá, pois a redução do crédito não será compensada por equivalente redução do passivo.

Quanto à outra alternativa, a não obrigatoriedade do uso dos novos financiamentos no resgate do passivo junto à União, o resultado provavelmente será o aumento da dívida estadual e, por consequência, da dívida do setor público, aferida em relação ao PIB, eventualmente revertendo a tendência de queda verificada nos últimos anos. Isso só não ocorrerá se a própria União agir para que a dinâmica do seu passivo compense o aumento da dívida estadual.

Em qualquer hipótese, a flexibilização das restrições ao aumento do financiamento estadual terá que levar em conta as diferentes situações de endividamento dos Estados, de modo a não reiniciar as condições que levaram à dolorosa experiência da década de noventa.

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Referências bibliográficas:

MORA, Mônica. Federalismo e Dívida Estadual no Brasil. Texto para Discussão do IPEA nº 866, de março de 2002.

(http://www.ipea.gov.br/pub/td/2002/td_0866.pdf)

RIGOLON, Francisco e GIAMBIAGI, Fábio. A renegociação das dívidas e o regime fiscal dos Estados. In Giambiagi, Fábio e Moreira, Maurício Mesquita (orgs.): A economia brasileira nos anos 90. Rio de Janeiro: BNDES, 1999.


[1] Notas para a Imprensa – Política Fiscal (http://www.bcb.gov.br/?ECOIMPOLFISC). Como a série começou em 2001, não necessariamente é compatível com os dados relativos ao período anterior.

[2] Esses conceitos foram introduzidos pela Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei Complementar nº 101, de 2000), com o intuito de estabelecer parâmetros legais de desempenho fiscal para os Entes Federados. A série completa dessas duas variáveis para o período 2000 a 2010 pode  ser encontrada em http://www.tesouro.fazenda.gov.br/lrf/downloads/financas_estaduais_divida_liquida.pdf

[3] Http://www.bcb.gov.br/ESTATISTICADLSP.

[4] Vale observar que, no caso da Região Sul, o passivo dos Municípios é inexpressivo, e o Rio Grande do Sul responde por 64,2% da dívida estadual dessa Região.

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https://www.brasil-economia-governo.com.br/?feed=rss2&p=1154 6
É possível controlar o gasto do Governo apenas enxugando os desperdícios? https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=220&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=e-possivel-controlar-o-gasto-do-governo-apenas-enxugando-os-desperdicios https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=220#comments Thu, 24 Feb 2011 01:48:47 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=220 É muito comum o argumento de que o governo é “perdulário” e que ações visando o enxugamento de desperdícios seriam suficientes para conter a expansão do gasto público. Sendo válido esse argumento, a política de controle de gastos deveria se concentrar nas chamadas “despesas de custeio” da máquina governamental: diárias e passagens, material de consumo, serviços terceirizados (limpeza, vigilância, etc.), consultorias prestadas por empresas privadas, etc.

O que se demonstra nesse texto é que, embora seja desejável a redução de eventuais desperdícios no custeio, esse tipo de controle de gasto nem de longe resolveria o desequilíbrio das contas do Governo Federal.

Em valores de 2010, um ajuste fiscal significativo estaria na ordem de R$ 40 a R$ 50 bilhões. O que se poderia obter com um corte radical no custeio não passaria de R$ 19 bilhões.

Tomando-se os dados da execução orçamentária do Governo Federal, temos que os “gastos de custeio” são aqueles classificados como “outras despesas correntes”. Mostra-se, a seguir, que a efetiva e significativa redução das “outras despesas correntes” depende de mudanças de fôlego na legislação e nas políticas públicas, tais como: alteração nos requisitos para concessão de aposentadorias e pensões, revisão da política de valorização real do salário mínimo e reavaliação da indexação do gasto com saúde ao crescimento do PIB nominal.

São, portanto, medidas muito mais profundas do que a restrição ao gasto com passagens aéreas ou com compra de material de consumo.

A Tabela 1 abre as “outras despesas correntes” em grandes itens de despesa. Olhando o valor da despesa total (R$ 594 bilhões) parece fácil fazer o ajuste fiscal. Se precisamos cortar R$50 bilhões para zerar o déficit nominal do Governo, então estamos falando de um ajuste de menos de 10% no custeio da máquina pública: nada que um “aperto de cintos” não pudesse resolver.

Mas essa impressão é ilusória. As outras linhas da Tabela 1 desagregam a despesa total, apresentando os itens em que ela é rígida, seja por determinação legal, seja por se tratar de política pública prioritária.

O primeiro item refere-se à “distribuição obrigatória de receitas”: Fundos de Participação dos Estados e dos Municípios, Fundo Constitucional do DF, royalties de petróleo, etc. O Governo Federal, por determinação constitucional ou de diversas leis, é obrigado a compartilhar sua arrecadação com estados. Trata-se, portanto, de despesa obrigatória e incomprimível[1].

O segundo item de despesa é aquele referente à Saúde. De acordo com a Emenda Constitucional nº 29, de 2000, o Governo Federal é obrigado a gastar com saúde o valor efetivamente gasto no exercício anterior acrescido da variação nominal do PIB. Portanto, tudo o que se gasta em saúde em um ano converte-se em despesa obrigatória para o ano seguinte, reajustado pela variação do PIB. Não só não há possibilidade de cortes, como há obrigatoriedade de crescimento real desse gasto ano após ano.

Tabela 1 – Outras despesas correntes do Governo Central (orçamentos fiscal e da seguridade social): 2010

Despesa R$ Bilhões % do Total
OUTRAS DESPESAS CORRENTES (TOTAL) (A) 593,8 100%
1 – DISTRIBUIÇÃO OBRIGATÓRIA DE RECEITAS 137,0 23%
2 – SAÚDE 50,9 9%
3 – ASSOCIADA A PESSOAL E ENCARGOS (EXCETO SAÚDE) 3,8 1%
4 – SENT. JUDIC., EXERC ANT. E COMPR. FINANC.(EXCETO SAUDE) 16,5 3%
5 – BENEFÍCIOS PREVIDENCIÁRIOS E ASSISTENCIAIS (EXCETO SAUDE) 246,5 42%
6 – SEGURO DESEMPREGO E PIS PASEP 29,2 5%
7 – BENEFÍCIO MENSAL AO DEFICIENTE E AO IDOSO 22,2 4%
9 – EDUCAÇÃO 22,0 4%
10 – Bolsa Família 13,5 2%
SOMATÓRIO DAS DESPESAS RÍGIDAS (1+2+…+8) (B) 541,7 91%
OUTRAS DESPESAS CORRENTES NÃO RÍGIDAS (C)=(A)-(B) 52,1 9%
Memo: Despesas vinculadas ao salário mínimo, ao PIB ou à inflação: 2+5+6+7 348,8 59%

Fonte: SIAFI – Sistema “Siga Brasil”. Elaborado pelo autor.

(*) Conceito de “despesa liquidada”.

O terceiro grupo de despesas é aquele associado aos gastos com pessoal. Os pagamentos de remunerações de servidores públicos não são classificados como “outras despesas correntes”. São classificados como “pessoal e encargos sociais”. Não fazem parte, portanto, do “custeio” analisado nesse texto. Porém, existem despesas classificadas como “outras despesas correntes” intimamente ligadas à despesa de pessoal, tais como: auxílio alimentação, auxílio transporte, salário família, etc. Todas essas despesas decorrem de obrigações legais da União na condição de empregadora. Logo, o seu valor é determinado a reboque das despesas com pessoal e encargos sociais. Sua redução dependeria, portanto, da redução nos gastos de pessoal. Mas os gastos de pessoal também são rígidos, devido a fatores como estabilidade no cargo e irredutibilidade de vencimentos[2].

O quarto item da Tabela 1 representa despesas geradas no passado e que não podem ser cortadas no presente. É o caso, por exemplo, de sentenças judiciais, indenizações e restituições que a União é obrigada a pagar. A única forma de cortar dispêndio nesse item seria desobedecer ao Judiciário ou ficar inadimplente junto a credores. Certamente essa não é uma forma consistente de se fazer ajuste fiscal[3].

O item 5 representa as aposentadorias, pensões e outros benefícios previdenciários pagos pelo INSS. Obviamente essa é uma despesa devida a todos aqueles que preenchem os requisitos legais para requerer uma aposentadoria, uma pensão, um auxílio doença ou qualquer outro benefício pago pelo INSS. Não há como fazer redução dessa despesa negando-se a concessão de benefícios para os quais os requerentes tenham direito.

Ademais, por decisão governamental, o salário mínimo (que é a base de referência para aproximadamente 2/3 dos benefícios previdenciários) tem subido acima da inflação. Nos últimos anos o seu reajuste tem sido feito com base no crescimento do PIB. Os benefícios previdenciários superiores a um salário mínimo são reajustados pela inflação passada.

Por isso, as únicas formas de redução desse tipo de dispêndio são a reforma na legislação previdenciária ou a desvinculação do valor dos benefícios básicos do valor do salário mínimo[4].

Os itens 6 e 7 são similares ao anterior. Referem-se a benefícios que são pagos a todos os requerentes que cumpram os requisitos legais. A Lei Orgânica da Assistência Social define a obrigatoriedade do pagamento de benefícios aos deficientes físicos e idosos de baixa renda. Tais benefícios são indexados ao salário mínimo. O PIS-PASEP e o seguro desemprego pagam abonos e remuneram temporariamente os desempregados. Embora esse benefício não esteja formalmente vinculado ao salário mínimo, parte substancial dos beneficiários está nessa faixa de renda, de modo que os reajustes reais do mínimo também impactam essa categoria de despesa.

O item 8 contém as “outras despesas correntes” em educação. Na educação há um complexo sistema de vinculação de impostos aos gastos com “manutenção e desenvolvimento do ensino (MDE)”[5]: 18% da arrecadação de impostos do Governo Federal devem ser destinados a essa finalidade. Além disso, há a obrigatoriedade de se fazer aportes de recursos federais, a título de complementação, ao Fundo de Desenvolvimento e Manutenção da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (FUNDEB)[6].

Tais obrigações legais não chegam a ser uma fonte importante de rigidez nas “outras despesas correntes” em educação, pois o gasto obrigatório recai quase que totalmente no item “despesa de pessoal e encargos sociais”. No entanto, esse é um setor prioritário da gestão pública. Ainda que possa haver desperdícios no custeio da educação, a economia eventualmente feita com o corte desses desperdícios tenderia a ser reaplicada em outros programas (mais eficientes) dentro da própria área da educação. No limite, fazendo uma hipótese heróica, poderíamos imaginar que um corte radical no custeio da educação representaria uma economia de 10 a 20%. Ou seja, no máximo R$ 4,4 bilhões.

O último item diz respeito ao Programa Bolsa Família. De acordo com a Lei nº 10.836, de 2004, que rege o programa, é o Governo que define o valor e a quantidade de bolsas a serem concedidas. A rigor, se desejasse cortar o programa, não seria necessário revogar a lei. Bastaria definir um valor irrisório para a bolsa (cujo valor não está indexado ao salário mínimo ou a qualquer outro indicador) ou reduzir drasticamente o número de beneficiários.

Obviamente, o grande peso político desse programa, aliado aos seus resultados positivos na mitigação da miséria, e possíveis contestações judiciais à redução do valor do benefício, tornam tal procedimento bastante improvável.

Ao deduzir todos esses itens rígidos das “outras despesas de custeio” sobram apenas R$ 52 bilhões de despesas flexíveis: 9% da despesa total. Como fazer um ajuste fiscal da ordem de R$ 50 bilhões (necessários para zerar o déficit nominal) se o conjunto de despesas a ser submetida a enxugamento é de R$ 52 bilhões? Seria preciso interromper todos os programas de governo que não tenham sido listados na tabela 1: saneamento básico, ciência e tecnologia, defesa, urbanização, agricultura, meio-ambiente, etc.

Outro indicador da dificuldade de se cortar o custeio está na última linha da Tabela 1: nada menos que 59% das “outras despesas correntes” são reajustados, automaticamente, pela variação do PIB ou pela inflação do ano anterior.

Um corte forte nas “outras despesas correntes” não rígidas, da ordem de 20%, levaria a uma economia de R$ 10,4 bilhões. Somando-se a isso a economia na área da educação, acima calculada em R$ 4,4 bilhões, teríamos um corte de R$ 14,8 bilhões, obtido mediante forte comprometimento da gestão governamental. E mesmo esse grande esforço não nos colocaria nem perto do necessário ajuste de R$ 50 bilhões.

Ademais, seriam altas as chances de que esses cortes fossem revertidos em exercícios posteriores, mediante pressões para a retomada de política públicas por eles prejudicadas.

Fica claro que não há opções de ajuste fiscal permanente, consistente e com efeito a longo prazo que se baseie apenas no “enxugamento de desperdícios nas despesas de custeio”. Embora seja salutar e desejável que se busque cortar desperdícios, o ajuste necessário vai além e requer reorientação da ação do Governo em políticas relevantes. É preciso, inclusive, tomar medidas que ajustem a despesa em itens que não foram aqui analisados, como a despesa de pessoal, investimentos e inversões financeiras.

Um roteiro para um ajuste da despesa pública passa pelos seguintes pontos:

a)        racionalização da política de pessoal, voltada para a qualidade na contratação, o estímulo ao bom desempenho e o controle da folha de pagamento;

b)        forte esforço de avaliação dos investimentos públicos prioritários, com o cancelamento de investimentos desnecessários ou questionáveis;

c)        dinamização dos procedimentos de concessões e demais modalidades de participação da iniciativa privada nos investimentos de infraestrutura (inclusive a melhoria na regulação e na capacidade de atuação das agências reguladoras), com vistas a se acelerar os investimentos nessa área, com o envolvimento de menos recursos públicos e com maior eficiência;

d)       revisão da política de reajuste do salário mínimo, para reduzir a velocidade de crescimento das despesas a ele indexadas;

e)        complementação da reforma da previdência social;

f)         revisão da regra de despesa mínima em saúde, vinculando-se a expansão da verba a melhorias na gestão e a indicadores de qualidade;

g)        revisão das políticas industrial e de incentivos regionais, visando à redução dos recursos aplicados em financiamentos subsidiados a programas de baixo retorno social ou à gradual retirada do Governo Federal do mercado de financiamento de longo prazo ao setor privado.

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Para ler mais sobre o tema:

Mendes, Marcos (2011). Desembrulhando o ajuste fiscal: há espaço para ajuste fiscal no Governo Federal sem reformas legais ou revisão de políticas públicas? Texto para Discussão nº 86. Centro de Estudos da Consultoria do Senado. Disponível em: http://www.senado.gov.br/senado/conleg/textos_discussao.htm


[1] Note-se que não foi considerado nesse total o montante de transferências emergenciais, feitas aos estados e municípios em 2009 e 2010, a título de compensação por perdas de receitas decorrentes da crise econômica internacional. Esta seria uma despesa não-obrigatória.

[2] Não se considera nesse item as “outras despesas correntes” associadas ao gasto com pessoal na função saúde, pois já foram incluídas no item anterior.

[3] Mais uma vez, não se incluem nesse item as despesas realizadas no âmbito da função saúde, já consideradas no item 2.

[4] Sempre há a necessidade de manter vigilância em relação às fraudes contra a previdência. No passado recente, por exemplo, um maior rigor na concessão de auxílio doença provocou uma forte desaceleração no crescimento dessa despesa. Mas esse tipo de providência gerencial não é capaz de fazer a despesa da previdência diminuir de forma significativa.

[5] Vide art. 212 da Constituição Federal.

[6] Lei nº 11.494, de 2007.

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