agências reguladoras – Brasil, economia e governo https://www.brasil-economia-governo.com.br Mon, 09 Feb 2015 10:31:41 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=6.7.2 CAESB: saneamento básico, preço de luxo https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=2384&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=caesb-saneamento-basico-preco-de-luxo https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=2384#comments Mon, 09 Feb 2015 10:31:41 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=2384 Na revisão anual das tarifas de água e esgoto do Distrito Federal para 2015, que acaba de autorizar, a Agência Reguladora de Água, Energia e Saneamento Básico do DF– ADASA – não deixou por menos: 16,2%, quase 10 pontos percentuais acima da inflação. Enquanto isso, a SABESP, concessionária de São Paulo, foi autorizada a reajustar suas tarifas em 6,5%, índice compatível com a inflação do período de referência.

Conceder aumentos muito acima da inflação para esses serviços tem sido a prática da ADASA. Com isso, a agência tem chancelado o descontrole operacional e financeiro que caracteriza a gestão da Companhia de Saneamento do DF (CAESB) nos últimos anos. Exatamente o oposto do que deveria fazer: cobrar eficiência na gestão da concessionária pública, em obediência ao seu mandato de defender os interesses dos consumidores e preservar a viabilidade financeira da prestação dos serviços.

A observação de alguns poucos indicadores de desempenho da CAESB é suficiente para demonstrar que a empresa vem dissipando os generosos aumentos recebidos ao longo do último quinquênio, com visível queda na sua capacidade de geração de caixa livre.

Os dados do Gráfico 1 mostram que a folha de pagamentos da empresa vem crescendo a taxas significativamente maiores que as da receita operacional – que é a soma de todas as contas de consumidores ao longo do ano. Mesmo contando com um crescimento exuberante de 55% no faturamento no período, a CAESB não conseguiu manter estável a relação entre o faturamento e a folha. A despesa com pessoal mais que dobrou – um aumento de 105%, frente a uma inflação de 25,2% (IPCA anual julho a junho – base 2009). Isso significa que a folha teve um crescimento real de 63,6%.

Gráfico 1.

img_2384_1

 

O forte aumento real do faturamento da CAESB não se deu somente pela elevação de tarifas unitárias (por m3 cúbico de água e esgoto) e pela expansão do volume de serviços prestados. Parcela representativa do aumento da tarifa média é decorrente da extinção, na prática, da categoria “residencial popular”, como se vê no Gráfico 2. Os consumidores “residenciais normais”, que, em 2010, representavam 50,2% dos consumidores, agora representam 94,0%! O percentual de consumidores “residenciais populares” caiu de 44,4% para 0,1%. Isso quer dizer que apenas 1 em cada 1000 consumidores do DF é ainda enquadrado nessa categoria, quando em 2010 a proporção era de 444 para mil.

Gráfico 2.

img_2384_2

 

O aumento de preços ao consumidor causado por essa reclassificação é significativo: 33,7%. Para exemplificar, 1.000 litros de água na tarifação inicial da CAESB para as “residências populares” custariam hoje R$1,66 – caso o segmento não tivesse sido extinto; já para os consumidores “residenciais normais” a tarifa é de R$ 2,20. Como se vê, além de avançar nos preços bem acima da inflação, a política de preços do saneamento no DF é ainda mais abusiva contra os mais pobres.

Os subsídios nos sistemas de saneamento básico no Brasil são cruzados. Consumidores de maior poder aquisitivo pagam mais caro, porque níveis maiores de consumo têm tarifas unitárias maiores. Duas variáveis determinam o grau de subsídio: o nível do consumo (quanto menor o consumo, menor o preço unitário) e a classificação sócio-econômica. O subsídio por volume de consumo é bastante eficaz, no sentido em que é autorregulável. Se o consumidor passa a consumir mais, sua tarifa média sobe, sem necessidade de qualquer controle burocrático, pois faixas de consumo mais elevadas têm tarifa mais alta. Se houve redução dos beneficiários do subsídio pelo critério sócio-econômico, deveria ter havido queda concomitante nas tarifas mais altas, mantendo fixa a tarifa média.

Voltando ao Gráfico 1, a tarifa média faturada pela CAESB cresceu 40% no período de 2009 a 2013 – saindo de R$ 2,80 (por mil litros de água e esgoto) para R$ 3,89 – frente a uma inflação de 25,2%.

A disparada das tarifas unitárias explica a forte elevação do faturamento real da CAESB (descontada a inflação) de 23,8%, enquanto a produção cresceu menos da metade desse percentual: apenas 11,7%: saiu de 308 milhões de m3, em 2009, para 344 milhões de m3, em 2013, como mostra o Gráfico 3.

Gráfico 3.

img_2384_3

 

Outra tendência preocupante vista no Gráfico 1 é a compressão dos gastos com insumos de terceiros, que tiveram crescimento de 17,6% entre 2009 e 2013, inferior ao índice de inflação do período (de 25,2%). Isso pode ser um indício de possível canibalização da rede e dos equipamentos da empresa, embora sempre exista a possibilidade de que essa redução de custos esteja relacionada a ganhos de eficiência. Ao mesmo tempo, mostra a desproporção entre o aumento da folha de pagamento e os demais custos de operação. A título de comparação, a Sabesp gerou, em 2013, receita bruta de aproximadamente R$ 12,9 bilhões e gastou com pessoal 1,6 bilhão, uma percentagem de 12,4%. Já a CAESB faturou R$1,3 bilhão e despendeu R$ 556 milhões com folha de pagamento, uma proporção de 42%, o equivalente a 3,5 vezes o gasto relativo com pessoal da SABESP.

Existem outras anomalias flagrantes. O Gráfico 4 demonstra que o lucro líquido vem sendo erodido. A erosão do lucro e o encolhimento dos gastos com terceiros são indícios de que a empresa talvez se torne incapaz de manter e expandir sua rede nos níveis requeridos pelo consumo de uma população crescente. Também grave e anômala é a tendência de crescimento da parcela do lucro distribuída aos empregados, em detrimento do acionista majoritário – o GDF. Em 2011 se deu o caso mais alarmante dessa prática perdulária: apesar da queda expressiva no lucro, os empregados amealharam participação de R$ 9,5 milhões, mais do que o dobro do que restou ao acionista controlador, meros R$ 4 milhões. Em 2012, com aumento no lucro, a participação dos empregados foi de R$ 37,6 milhões, ou 70% do que foi destinado ao GDF. No caso da SABESP, a participação no lucro dos empregados, em 2013, foi de R$ 68,5 milhões, diante de um lucro líquido de R$ 1,9 bilhões, uma proporção de 3,6%.

Gráfico 4.

img_2384_4

 

Diante da atual crise hídrica de São Paulo, poder-se-ia argumentar que, apesar dos bons indicadores financeiros, a Sabesp não é um exemplo a ser seguido. Em relação a essa crítica, há duas réplicas possíveis. A primeira é que a situação no Distrito Federal é confortável somente em função de investimentos pesados feitos antes de 2009 e de uma hidrologia mais favorável que vem atingindo a região. De acordo com o Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento, no quadriênio 2010-2013, a Sabesp investiu R$ 9,6 bilhões, ante R$ 600 milhões da Caesb. Como proporção do faturamento, esses gastos correspondem a 26% e 13%, respectivamente. Assim, a crise hídrica de São Paulo se deve, muito provavelmente, a alguma falha de planejamento da estatal, mas não a insuficiência de investimento. Pelo nível dos investimentos da CAESB, se a situação hidrológica fosse igual, talvez os efeitos sobre o Distrito Federal fossem piores.

Em resumo, o que se vê na CAESB é a subordinação do interesse público às demandas salariais das corporações – em prejuízo da eficiência do serviço e dos consumidores e contribuintes, especialmente os mais pobres. O mesmo padrão de captura que levou a administração direta do Distrito Federal à falência. É preocupante que esse modus operandi venha contando com a prestimosa complacência da agência reguladora, que, assim, parece ter perdido a noção de sua finalidade.

É preciso que a ADASA explique seus critérios de tarifação. De outro modo, o saneamento básico no DF acabará se tornando artigo de luxo.

Download:

  • Veja este artigo também em versão pdf (clique aqui).
]]>
https://www.brasil-economia-governo.com.br/?feed=rss2&p=2384 10
Em que situações a agência reguladora deve intervir na venda de planos? https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=1659&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=regulando-a-qualidade-do-servico https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=1659#comments Tue, 18 Dec 2012 12:05:03 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=1659 (Analisando os casos de Planos de Saúde e Telefonia)

I) Regulação da Qualidade: ReguladorX Usuário

No início de outubro de 2012, a Agência Nacional de Saúde (ANS) suspendeu a venda de 301 tipos de planos de saúde de 38 operadoras. Também a Agência Nacional de Telecomunicações (ANATEL) suspendeu em meados de julho de 2012, a venda de novas linhas de celulares de três operadoras, cada uma em estados específicos. Em novembro, esta agência novamente suspendeu um plano promocional de uma operadora que permitia ligações ilimitadas pelo valor de R$ 0,50 diários[3].

O que ambos os movimentos, em planos de saúde e telefonia celular, têm em comum é a motivação das respectivas agências regulatórias em garantir a qualidade dos serviços. No caso dos planos de saúde foram constatados sistemáticos descumprimentos dos prazos máximos para marcação de consultas, exames e cirurgias. No caso da telefonia, questionou-se a dificuldade em se fazer chamadas e a sua qualidade.

Nosso ponto principal aqui é discutir se este tipo de intervenção é cabível, pois se trata de bloquear não apenas a atividade da empresa, mas também o exercício da livre escolha pelo usuário na pactuação de um contrato. Como se supõe que dois agentes econômicos racionais apenas contratam entre si se ambos forem beneficiados, isto implica que a proibição da comercialização de novos planos poderia comprometer potenciais ganhos de bem-estar tanto de operadoras como de usuários.

A premissa básica desta assertiva é que os dois agentes estão realizando uma transação bem informada, estando muito claro o que ganham e o que perdem. Presume-se que o usuário conheça minimamente a qualidade do serviço que está adquirindo. Se este premissa é quebrada, no entanto, não é mais garantido que o usuário esteja melhor do que antes do contrato, e os efeitos positivos esperados da livre pactuação do contrato ficam comprometidos.

Como veremos, na prática, a premissa de plena informação do usuário é significativamente quebrada no segmento de planos de saúde. Já no caso de telefonia celular, o grau de informação do usuário é bem maior, lançando dúvidas razoáveis sobre se a proibição da comercialização de planos aumenta ou diminui bem-estar.

A falta de informação do usuário dos serviços regulados é resultado do custo da informação. A começar pelo tempo que o usuário precisa gastar para realmente entender todas as cláusulas dos contratos de serviço, seja em planos de saúde, seja em telefonia. Não basta apenas ler o contrato, mas compreendê-lo, o que para ser realizado plenamente pode depender até de consulta a um especialista. Há custo da informação também em procurar se informar como é a prática da operadora para além do que está escrito no contrato. Ainda que não precise gastar dinheiro, o usuário vai gastar tempo, o que, do ponto de vista econômico, é custo do mesmo jeito. Quanto mais detalhado o plano de serviço, mais custosa é a tarefa de entendê-lo, sendo racional que o usuário limite o seu processo de aquisição de informação antes de estar suficientemente informado para uma decisão plenamente fundamentada. Por isso, o usuário decide com base em uma “racionalidade limitada”, ponderando os ganhos e os custos da informação.

De qualquer forma, mesmo havendo falta de informação ex-ante do usuário, pode não se justificar uma intervenção se o usuário se deparar com um baixo custo de troca ex-post da operadora. Isto porque uma boa capacidade de trocar rapidamente permitiria uma tempestiva correção de eventual erro de escolha da operadora.

Mas, mesmo com um baixo custo de troca, o problema da falta de informação do usuário pode persistir por um razoável período de tempo, mesmo após a aquisição do plano, comprometendo a tempestiva correção do erro. Caberia investigar, portanto, quão rápido o usuário aprende sobre aquele plano de serviço. Quanto menos vezes o consumidor puder verificar a qualidade do serviço em seu plano, mais longo este “aprendizado” e mais extensa a manutenção de um plano que reflete uma decisão equivocada baseada em informações parciais. A naturalmente baixa capacidade de verificar a qualidade do serviço de planos de operadoras as quais não seja usuário também compromete o valor desta “curva de aprendizado” para efeito da realização de decisões bem informadas. Ou seja, aprender a avaliar uma operadora não implica saber avaliar todas operadoras sem usá-los.

Pior, as variáveis de qualidade das operadoras podem variar de forma significativa ao longo do tempo, o que implica que o valor informacional da experiência pretérita com o plano pode se reduzir muito rapidamente.

Desta forma, a intervenção da agência na linha da proibição da comercialização de planos de serviço fará tão mais sentido quanto: i) maior a assimetria de informação do consumidor em relação à qualidade do serviço ex-ante, o que está associado a um custo alto desta mesma informação; ii) mais lenta a “curva de aprendizado” ex-post do usuário no que diz respeito ao próprio plano em relação aos demais, o que também depende do custo da informação; e iii) maiores os custos de troca de operadora ex-post após o usuário constatar seu erro de decisão. De outro lado, o usuário terá melhores condições de decidir, sem o apoio do regulador, quando estes três itens lhe forem favoráveis. O escopo da intervenção deveria ser calibrado principalmente para influenciar estes elementos e facilitar não só o processo decisório ex-ante do usuário, mas também sua capacidade de corrigir ex-post suas escolhas.

Um último ponto importante é que a qualidade dos serviços nos dois segmentos responde à capacidade dos agentes de lucrarem. Em qualquer setor da economia, o objetivo do investimento em qualidade é deslocar para cima e para a direita a curva de demanda, permitindo aumentos na quantidade demandada e/ou no preço, incrementando a receita[4]. Quando há regras regulatórias que mitigam a capacidade de os próprios operadores se beneficiarem dos investimentos em qualidade, este incentivo diminui. Em geral, há constrangimentos à lucratividade, como nos casos em que há controle do regulador diretamente sobre as tarifas ou sobre a capacidade de discriminar preços.

No caso dos planos de saúde, por exemplo, o art. 15 da Lei 9.656 estabelece restrições para reajustes diferenciados com base nas faixas etárias.  O parágrafo único do mesmo artigo, em especial, veda variação discriminatória para consumidores com mais de sessenta anos de idade. Ou seja, é possível também observar problemas de qualidade por mudanças regulatórias que permitam que a rentabilidade responda às variações de qualidade, o que implicaria flexibilizar os diversos tipos de controles de tarifas e de discriminação de preços. Esta desregulamentação, no entanto, pode afetar outros objetivos regulatórios, o que deve ser ponderado em uma análise custo/benefício.

A ameaça de outros competidores também incentiva o operador a incrementar voluntariamente sua qualidade, seja para proteger sua base de clientes, seja para capturar usuários de terceiras operadoras. Assim, medidas pró-competição também podem se tornar medidas pró-qualidade do serviço. Se a informação do consumidor, no entanto, for escassa, a concorrência pode ter efeito negativo sobre a qualidade. Nesse caso, os efeitos positivos da concorrência apenas ocorrerão se suplementados por maior garantia de informação ao usuário. Veremos ser este um ponto relevante no setor de planos de saúde.

Na seção II analisamos a regulação de qualidade no setor de planos de saúde. Na seção III introduzimos a discussão sobre a regulação de qualidade em telefonia celular, comparando-a com a de planos de saúde. A seção IV descreve a atual estratégia de ANS e ANATEL acerca da construção e divulgação de indicadores comparativos de qualidade. A seção V conclui.

II) A Regulação da Qualidade no Setor de Planos de Saúde

No setor de planos de saúde, há uma grande dificuldade dos usuários conhecerem de antemão a qualidade dos serviços de saúde das várias operadoras no mercado. Sua capacidade de avaliação, no momento da aquisição do plano, está baseada na leitura do contrato, nas informações prestadas pelo vendedor e pelo testemunho de outros usuários com suas experiências particulares sobre o serviço.

Os contratos de planos de saúde incluem definições e termos que são, em geral, de difícil compreensão para o usuário médio, o que se aduz à complexidade usual dos contratos de serviços em geral. Os graus de cobertura dos vários planos disponíveis tendem a não ser transparentes para este usuário médio.

A Lei 9.656, de 1998, que dispõe sobre a regulação dos planos de saúde privados no Brasil, procura atenuar este problema. No art. 16, por exemplo, a lei dispõe de alguns dispositivos mínimos que devem constar do contrato, como períodos de carência, a relação das faixas etárias com os percentuais de reajuste do plano, os eventos cobertos e os excluídos, área geográfica de abrangência, dentre outros. Fundamentais são também os artigos 10 e 12, em que se define o plano-referência de assistência à saúde com algumas exigências mínimas sobre as coberturas dos planos. Isto confere ao usuário alguma segurança sobre o básico que está sendo oferecido contratualmente em cada plano, diminuindo o espaço do que poderia não estar coberto sem o usuário perceber.

Assim, por exemplo, se o plano incluir atendimento ambulatorial, deve cobrir “consultas médicas, em número ilimitado, em clínicas básicas e especializadas, reconhecidas pelo Conselho Federal de Medicina” e “serviços de apoio diagnóstico, tratamentos e demais procedimentos ambulatoriais, solicitados pelo médico assistente”. Já quando o plano cobrir internação hospitalar, não pode limitar o prazo de internação, valor máximo e quantidade, incluindo centro de terapia intensiva, ou similar, honorários médicos, serviços gerais de enfermagem e alimentação, exames complementares, medicamentos, anestésicos, gases medicinais, transfusões, quimioterapia e radioterapia, toda e qualquer taxa, incluindo materiais utilizados e remoção do paciente e despesas de acompanhante, no caso de pacientes menores de dezoito anos. Ou seja, a legislação é calibrada para evitar “surpresas” desagradáveis ao usuário nos momentos em que vai utilizar o seu plano.

Note que, de um lado, tais dispositivos realmente engessam o espaço contratual dos planos de saúde, constrangendo o atingimento de arranjos pareto-eficientes para as partes. Podem-se imaginar vários casos. O usuário pode acreditar que seu risco de câncer é muito baixo por não haver histórico familiar, o que justificaria a remoção do procedimento de quimioterapia em troca de um plano mais em conta. Outro usuário pode, por motivos religiosos, não aceitar transfusões de sangue e preferir um plano mais barato que exclua este item. Em ambos os casos, a legislação brasileira não permite que o usuário e o plano de saúde negociem estes tipos de ajustes.

De outro lado, tais limitações da liberdade de contratação também mitigam os problemas de assimetria de informação do usuário, que pode ter como dada a cobertura de procedimentos para os quais não precisará investigar as entrelinhas do contrato, se é que seria capaz de fazê-lo a custos suportáveis.

Os efeitos líquidos no bem-estar das restrições da legislação brasileira são teoricamente ambíguos, mas acreditamos que em função do elevado problema de assimetria de informação existente no setor, a previsão legal de pelo menos algumas exigências mínimas deve ter efeitos positivos.

Enquanto os problemas de assimetria de informação do usuário acerca do contrato podem ser minimamente atenuados pelas vias legal e infra-legal, os problemas de assimetria de informação sobre as diversas dimensões do que será a qualidade do serviço prestado pelo plano de saúde no dia a dia já dependem fundamentalmente das informações de outros usuários que já usaram o serviço. A liberação de um exame ou uma cirurgia demoram muito? O plano bloqueia a realização de procedimentos com muita frequência e sem quaisquer esclarecimentos? Com certeza, há um conjunto grande de fatores relacionados à qualidade do plano que vão além da letra do contrato e que ocorrem bastante na prática.

A qualidade destas informações de terceiros sobre a conduta da operadora para efeito de embasar a escolha usuário, no entanto, é evidentemente sempre muito imperfeita. Os amigos consultados podem ter utilizado planos com coberturas distintas daquela demandada ou podem ter usado serviços diferentes daqueles mais relevantes para o consumidor que requer a informação. A cobertura de uma operadora, na prática, pode ser melhor em algumas especialidades, mas não em outras. Assim, a experiência de outros usuários, apesar de ter um certo valor para informar a decisão do usuário, sempre pode ser muito limitada em função das potencialmente profundas diferenças nas preferências e necessidades de cada consumidor[5].

Como já destacado, estes problemas informacionais podem ser atenuados caso os custos de troca do plano sejam baixos. Ou seja, se o custo de troca for baixo, mesmo que o usuário tenha grande probabilidade de errar, sua capacidade de corrigir este erro com baixo custo é alta.

Uma forma de reduzir os custos de troca neste segmento foi a introdução pela ANS da portabilidade do plano de saúde, a qual permite ao consumidor trocar de operadoras sem carências[6]. A mera possibilidade de se exercer a portabilidade já constitui um indutor de qualidade no setor de planos de saúde. Representa uma ameaça de punição pelo próprio consumidor pela baixa qualidade da operadora. É o usuário sendo “empoderado” pela regulação para se aproveitar da concorrência e exercer parte da função de “regulador da qualidade” ele próprio.

O problema é que ainda assim pode haver significativos custos de troca. Por exemplo, o consumidor pode estar na carência do plano original, o que dificulta a portabilidade. Outro ponto é que a portabilidade apenas pode ser realizada entre planos considerados compatíveis, o que limita a capacidade de o usuário reestruturar sua cobertura em outra seguradora.

Um custo de troca possível de grande relevância para usuários com mais de cinquenta (50) anos é definido pela regra regulatória do parágrafo único do art. 15 da Lei 9.656, de 1998. São restrições de reajustes diferenciados para indivíduos com mais de sessenta anos de idade, que participarem do plano há mais de 10 anos. Caso o usuário troque de operadora neste meio tempo perde esta vantagem.

Por fim, o exercício do direito de portabilidade requer mais pesquisa sobre as opções existentes, o que representa custos para o usuário que podem dissuadi-lo de fazer uma possível troca. Assim, a regulação da portabilidade de planos de saúde, apesar de muito útil, não elimina todos os custos de troca.

Mesmo após a aquisição do plano de saúde, o usuário pode levar anos para perceber que o serviço adquirido não corresponde às suas expectativas, pois se limita a consumir serviços simples como consultas e exames. Justamente quando ele mais necessita do plano como, por exemplo, nos casos de cirurgias mais delicadas e internação, pode ser revelado que a qualidade de serviço é inadequada. Imagine o usuário que se depara com uma fila de seis meses para uma cirurgia de coração! Como o usuário médio não deverá ter tantas experiências deste tipo por um longo período, sua curva de aprendizado pessoal sempre será naturalmente muito limitada, o que faz com que o problema de assimetria de informação se prolongue indefinidamente. O consumidor apenas se dá conta e percebe que comprou gato por lebre depois de muito tempo e tarde demais.

Ou seja, uma baixa capacidade de perceber a qualidade do serviço, seja com base na experiência de outros usuários, seja na própria, associada à verificação de custos de troca relevantes torna as intervenções em planos de saúde, seja pelas exigências mínimas da legislação, seja pela proibição temporária da comercialização, uma intervenção potencialmente benéfica à sociedade.

Não menos importante, a ANS disponibiliza em seu sítio na internet “Dicas” para a escolha do plano de saúde[7], o que orienta o usuário em como fazer uma escolha bem informada de seu plano de saúde. Por exemplo, a ANS chama a atenção para planos aparentemente baratos que, por serem comercializados como planos empresariais, podem trazer verdadeiras “arapucas” para o usuário.

Cabe destacar que a intervenção do regulador não representa obrigatoriamente induzir o usuário a escolher as operadoras de melhor qualidade. Poderão acabar sendo escolhidos pelo usuário racionalmente prestadores de qualidade inferior. O ponto importante é que esta escolha ocorra não por falta de informação do usuário, mas por serem planos mais baratos. Ou seja, o usuário pode estar escolhendo planos qualitativamente piores porque quer ou precisa pagar preços menores, sabendo  que terá uma cobertura parcial ou um serviço de qualidade limitada.

O problema é que, como a variável “preço” é usualmente mais observável ou verificável pelo usuário[8] do que a qualidade do serviço, há uma tendência de se optar por combinações com preços baixos, mas com uma superestimativa da qualidade. Nesse contexto, a competição sem informação pode estimular uma verdadeira corrida por preços menores que requererão custos menores, os quais devem sacrificar a qualidade do serviço (race to the bottom) abaixo do razoável. Quanto mais se informar o consumidor, mais se assegura que aquele que estiver optando por um serviço mais barato estará consciente que a qualidade adquirida é menor e também de quanto ela é menor. O importante é o regulador capacitar mais e mais o usuário a escolher a sua melhor relação preço-qualidade[9]. Este fenômeno do race to the bottom nos parece particularmente válido para o setor de planos de saúde dada a severidade do problema informacional[10].

Aqui cabe uma palavra sobre o papel da concorrência neste setor. De um lado, o número de operadoras e planos disponíveis é bastante significativo. Isto implica mais concorrência o que em geral beneficia o consumidor. Ao mesmo tempo, no entanto, a grande quantidade de operadores, ao ampliar o menu de escolhas, exacerba a dificuldade do usuário em escolher. Ou seja, a grande concorrência do setor amplia o problema informacional. No limite, esta grande competição pode levar a uma redução de bem-estar na medida em que o problema informacional acirra de forma muito significativa este race to the bottom. São gerados preços muito baixos com base em uma diminuição da qualidade pouco observável pelos usuários. As operadoras de melhor qualidade não conseguem suportar os custos maiores dos seus serviços, sendo obrigadas a acompanhar a redução de preços das outras empresas.

Este é um caso interessante em que o vigor da concorrência no setor, além de não ser suficiente para maximizar o bem-estar, pode atrapalhar quando desacompanhada de um adequado suprimento de informações ou mesmo de uma garantia mínima da agência reguladora de que as operadoras em serviço satisfazem um mínimo padrão de qualidade.

Apesar de não ambicionarmos uma avaliação completa da atuação e da legislação da ANS, entendemos que as políticas calibradas para reduzir os problemas de assimetria de informação e custos de troca (portabilidade) aqui reportados apontam na direção certa, sendo uma das principais (senão a principal) linha de ação que uma agência reguladora deveria seguir no setor de planos de saúde.

III)             A Regulação da Qualidade no Setor de Telefonia Móvel[11] e a Comparação com Planos de Saúde

O interessante de se juntar em uma mesma análise dois setores tão distintos como planos de saúde e telefonia celular diz respeito ao diferencial analítico nos três itens principais em cada segmento, assimetrias de informação ex-ante e ex-post e custos de troca.

Nosso ponto principal aqui é que na telefonia celular a capacidade de observação da qualidade do serviço pelo usuário tanto antes quanto depois de contratar o serviço é bem maior em relação aos planos de saúde. Primeiro, a informação prestada por outros usuários sobre a qualidade das chamadas (o que inclui a simples avaliação de se o telefone “pega”ou não) de uma operadora na mesma área geográfica tende a ser muito parecida com a experiência que o usuário terá na mesma operadora. Ou seja, a diferenciação horizontal do serviço é baixa dentro de uma mesma área geográfica. Isto incrementa o conjunto de informações ex-ante sobre o qual o usuário realiza sua escolha com base na informação alheia.

Segundo, em menos de uma semana do início do uso do serviço, o usuário já será capaz de realizar uma razoável avaliação sobre a qualidade do serviço, sinalizando uma curva de aprendizado ex-post mais rápida relativamente a planos de saúde.

Terceiro, a variável “qualidade” no serviço de voz da telefonia móvel é unidimensional. Em todos os planos oferecidos por uma operadora, a capacidade de realizar chamadas e a sua qualidade serão as mesmas. Um usuário que tenha o plano pré-pago mais barato de uma dada operadora terá a mesma probabilidade de que o seu telefone tenha sinal do que outro usuário que tenha adquirido o plano pós-pago mais caro. A qualidade da chamada também não varia entre os planos de uma mesma operadora.

Tal como na regulação de planos de saúde, a telefonia celular também conta com a portabilidade[12], o que diminui significativamente o custo de troca do usuário que constatar qualidade precária do serviço de sua operadora. Este custo de troca menor é o que permite aos usuários punir operadoras que ofertem serviço de baixa qualidade. Os valores de churn[13] da portabilidade numérica em 2010 e 2011 foram, respectivamente, de 1,76% e 1,67%[14] [15].

O maior custo de troca da telefonia celular diz respeito à frequente fidelização do usuário por período determinado, que é em geral a contrapartida por um aparelho e/ou planos mais baratos. Este custo de troca dificulta ou adia a “punição” das operadoras com menor qualidade pelo próprio usuário e pode justificar ações mais intrusivas da ANATEL em favor da garantia de qualidade. Assim, nos planos de celular em que houver fidelização, fazem mais sentido intervenções como a proibição de comercialização de planos e de introdução de novas promoções. O mesmo não vale para os planos sem fidelização.

De qualquer forma, na comparação entre planos de saúde e telefonia, é razoável postular que a justificação para a interferência da agência no caso da ANS é mais forte do que no caso da ANATEL. O usuário de telefonia móvel, de uma forma geral, tem melhores condições que o de planos de saúde de “punir” operadoras que não oferecem uma qualidade adequada. A aquisição de informação sobre a qualidade do serviço tanto ex-ante como ex-post é mais simples e mais precisa sobre o que o usuário está efetivamente demandando.

A despeito de haver uma concorrência acirrada das operadoras de celular por usuários, há um oligopólio de apenas quatro a cinco empresas[16], o que, contrariamente à profusão de operadoras do setor de planos de saúde, facilitam a comparação pelos consumidores. Neste caso, a maior concorrência não confunde o processo de escolha do consumidor no quesito “qualidade”[17].

Em síntese, o processo decisório do usuário é relativamente mais eficaz em regular a qualidade das operadoras de telefonia celular do que dos planos de saúde. Não consideramos que o fenômeno do race to the bottom descrito para o caso dos planos de saúde seja uma questão relevante na telefonia celular.

Isto não implica que a intervenção realizada na telefonia celular tenha sido inútil. Um (ou o) efeito positivo (que também vale para a intervenção nos planos de saúde) foi o fato de a proibição de venda de novos planos ter tido uma divulgação grande o suficiente para chamar a atenção dos usuários para os problemas dos serviços das operadoras, incrementando a capacidade destes realizarem decisões mais bem informadas. O que se pode questionar é se esta seria realmente a forma mais eficaz de informar o usuário.

Um aspecto distintivo, entretanto, da telefonia celular são as externalidades que problemas de qualidade das operadoras geram umas nas outras. Afinal, no caso de interconexão, uma chamada é um serviço produzido por pelo menos duas operadoras. Quando há uma chamada com interconexão entre as operadoras, o usuário pode ter dificuldades em discernir qual delas, ou se mesmo as duas operadoras, está (ão) comprometendo a qualidade da chamada. Como de praxe, tais externalidades não são internalizadas, podendo implicar um subinvestimento em qualidade. Uma das formas de corrigir este problema seria, em tese, a proibição da comercialização de novos planos.

Consideramos a magnitude deste problema, no entanto, limitada. Havendo participações de mercado razoavelmente equilibradas, cerca de 25% para cada uma das quatro grandes operadoras, o usuário sempre conhecerá muitas pessoas que possuem celulares de outras operadoras que podem reportar sua própria experiência diferenciada, especialmente nas chamadas intra-rede que isolam a qualidade específica daquela operadora. Ademais, o usuário de uma operadora com má qualidade que fala com usuários de outras três operadoras de boa qualidade terá sempre que assumir ou que o problema é das outras três e não da sua ou que o problema é de todas, incluindo a sua. Em algum momento ele deveria imaginar que é mais fácil o problema ser de uma só (a sua) do que de todas as outras  três.

Dessa forma, bem fez a ANATEL em realizar uma intervenção apenas temporária que não requeria um ajuste imediato da qualidade do serviço (tal como no caso dos planos de saúde), mas apenas o compromisso das operadoras com um cronograma de investimentos. O mais importante, no entanto, não é o cumprimento deste cronograma por parte das operadoras, mas o fato de a intervenção ter gerado informação aos usuários.

IV) Indicadores de Qualidade: “Empoderando” o Usuário para Escolher

Uma forma alternativa e ou complementar de abordar o problema é as agências investirem em indicadores de qualidade que sejam utilizados diretamente pelos usuários em seu processo de escolha. Definitivamente, as agências reguladoras têm evidentes vantagens de escala em termos de custo em relação aos usuários para coletar as informações necessárias para construir tais indicadores. Felizmente, tanto ANS como ANATEL têm investido fortemente em indicadores de qualidade, sendo estes em grande parte colocados de forma a permitir uma mais fácil comparação entre as operadoras.

A ANS divulga interessantes tabelas comparativas com os índices de reclamações das operadoras[18] de grande, médio e pequeno portes, os quais dizem respeito especialmente a problemas de coberturas dos planos[19]. O importante aqui para aprimorar o processo de escolha pelo usuário é o ranking das operadoras conforme o número médio de reclamações nos seis meses anteriores para cada 10.000 beneficiários do universo de beneficiários analisado. Por exemplo, em outubro de 2012, a operadora de grande porte com maior índice de reclamações chegou a um valor de 5,33 por cada 10.000 beneficiários nos últimos seis meses. No mesmo mês, algumas operadoras conseguiram não ter qualquer reclamação.

A ANS também divulga o Índice de Desempenho da Saúde Suplementar (IDSS)[20], mais complexo, que varia de zero a um (0 – 1) e é composto em 50% pelo Índice de Desempenho da Atenção à Saúde (IDAS); 30% pelo Índice de Desempenho Econômico-financeiro (IDEF); 10% pelo Índice de Desempenho de Estrutura e Operação (IDEO) e 10% pelo Índice de Desempenho da Satisfação dos Beneficiários (IDSB).

Se, de um lado, o IDSS é tecnicamente mais completo do que simplesmente o índice de reclamações, sua maior complexidade, de outro, o torna menos digerível para o usuário médio, o que reduz seu valor informacional. Por exemplo, um usuário menos sofisticado poderia indagar o que o Índice de Desempenho de Estrutura e Operação (IDEO) de uma operadora importa para sua decisão? Já uma quantidade de pessoas grande reclamando pode constituir algo mais inteligível para este usuário. A correta interpretação de um indicador como o IDSS pode requerer um mínimo investimento do usuário sobre o que significa e o que implica da perspectiva da escolha ótima, o que sabemos que muitas vezes não é feito (e pode nem ser racional fazê-lo a depender do custo de obtenção desta informação que varia conforme a sofisticação do usuário).

Tal política da ANS de dar transparência aos indicadores, logo à primeira página de seu sítio na internet, de forma a prover meios fáceis de comparação entre as operadoras para o usuário é muito positiva. Mais do que isso, prover informação para escolhas fundamentadas do usuário deveria constituir uma das principais linhas de ação da agência. Quanto mais a ANS divulgar tais indicadores, inclusive por outras mídias, e mais esclarecer a sociedade sobre o que eles efetivamente informam, mais o próprio usuário será capaz de realizar escolhas bem informadas e, portanto, ótimas do ponto de vista econômico.

Ainda sim a quantidade de informação embutida nos indicadores pode não ser suficiente para uma escolha plenamente bem informada e normalmente não o é. As reclamações de outros usuários podem, por exemplo, simplesmente se derivar de coberturas menos relevantes para aquele consumidor específico. Se a grande parte das reclamações está associada à cobertura de exames, mas o interesse maior deste consumidor é o ambulatório, a comparação entre planos baseada naquele indicador se verá prejudicada.

A existência de contradição entre indicadores também pode complicar ainda mais o processo decisório. Por exemplo, a operadora com o pior indicador no rank de reclamações, está entre os melhores desempenhos do IDSS. Isto apenas reflete o fato que a variável “qualidade” está longe de ser unidimensional no setor de planos de saúde e que quaisquer indicadores definidos pelo regulador inevitavelmente conterão imperfeições ou deverão capturar apenas alguns elementos daquela variável.

A ANATEL, por sua vez, divulga o Índice de Desempenho no Atendimento (IDA)[21] que apresenta o ranking das operadoras com base em um fator de reclamações, das reclamações que são reabertas, das resolvidas em até cinco dias e das resolvidas no período. Outro dado bem interessante da Anatel é a quantidade de “reclamações por motivo ofensor”, como, por exemplo, reparo, cancelamento, habilitação e cobrança (de longe, a maior de todas com mais de 1/3 do total)[22]. O problema é que a Anatel apenas divulga este último dado de forma agregada e não operadora a operadora o que prejudica a utilização da informação como insumo ao exercício de escolha do usuário. Isto porque o usuário pode dar mais valor a alguns problemas, por exemplo, cobrança errada, do que outros, por exemplo, maior dificuldade de cancelamento da linha. Ter esta informação mais desagregada poderia se tornar um insumo informacional valiosíssimo para o usuário quando faz sua escolha de operadora. Na forma em que se encontra, no entanto, é pouco útil para o processo de escolha.

O que falta nos dois casos, planos de saúde e telefonia celular, é a apresentação de indicadores mais regionalizados e não apenas o nacional. Ademais, cabe à agência tornar a informação trazida pelos indicadores mais claros para os usuários, como argumentado acima. Afinal, o desempenho das operadoras nos dois casos pode ser muito diferente conforme a região ou estado do país.

V) Conclusões

A proibição da comercialização dos serviços pode ser uma ferramenta importante do regulador para incrementar a qualidade do serviço. No entanto, como vimos, em planos de saúde, a medida tende a fazer mais sentido do que em telefonia celular, especialmente quando o plano escolhido neste último caso não envolver fidelização.

Como se trata de uma intervenção na liberdade de contratar, a medida deve ser analisada com muito cuidado. Se a informação sobre a qualidade do serviço é disponível e “digerível” a baixo custo para o consumidor, além de custos de troca baixos, a intervenção por proibição de comercialização de novos planos deve ser reavaliada, especialmente quando outras penalidades complementares como multas podem ser acionadas. Já quando o problema informacional é mais grave e o custo de troca mais significativo, as chances deste tipo de intervenção aumentar o bem-estar aumentam.

O aperfeiçoamento de indicadores de qualidade que permitam ao usuário comparações simples e diretas entre as operadoras é sempre uma medida positiva. Investir na divulgação constante destes indicadores e no esclarecimento do usuário com o uso de cartilhas e dicas, inclusive por outras mídias que não apenas o sítio da agência na internet, deve ser um dos focos principais da missão destas agências.

No caso da ANS, as medidas de proibição de comercialização nos parecem inevitáveis, enquanto explorar o uso de mídias alternativas para os indicadores que já existem uma ação complementar chave. Já no caso da ANATEL, a maior divulgação da comparação entre os indicadores qualitativos das operadoras pode ser mesmo uma medida substituta mais eficiente em relação à simples proibição de comercialização de planos. A exceção identificada é quando ocorre a “fidelização” temporária do usuário, abrindo um espaço maior para intervenção.

Se considerada esgotada a estratégia de divulgação de indicadores no sentido que permanece se constatando baixo nível de informação e, portanto, baixa capacidade decisória racional do consumidor[23], além de outras penalidades como multas por descumprimento do padrão mínimo exigido, então aí sim caberia pensar em suspensão da comercialização de planos. Nesse caso, a suspensão poderia incidir sobre mais operadoras, com base em limites mínimos de qualidade pré-fixados pela agência, e não apenas naquela que foi pior. Deixar-se-ia sempre a opção para o novo usuário de pelo menos uma operadora. Também pode ser o caso (e é o que se espera) que todas cumpram os limites e nenhuma, inclusive a de pior indicador, seja penalizada.

O mais importante é que o descumprimento dos limites mínimos seja amplamente divulgado para sensibilizar ao máximo tanto o usuário quanto a própria operadora em seus respectivos processos decisórios. Poder-se-ia, inclusive, pensar em obrigar as operadoras faltosas a colocar uma informação básica sobre isto, em lugar visível, em suas lojas físicas e sítio na internet. O objetivo continua sendo fazer que o consumidor incorpore os indicadores de qualidade como insumos em sua escolha.

Os limites mínimos de qualidade pré-fixados pela agência devem naturalmente ser calibrados para metas realistas para o(s) indicador(es), sendo claro para a agência que intervenções na liberdade de contratar são alternativas muito custosas socialmente. Isto porque reduzem não apenas os lucros das operadoras, mas também o bem-estar do consumidor, que têm restringido o seu espaço de escolha. Assim, para que a agência bloqueie tal transação, o benefício da intervenção deve ser realmente compensador.

Download:

  • veja este artigo também em versão pdf (clique aqui).

———————————

3 O problema identificado pela Anatel se restringiu ao serviço de voz. A análise deste artigo restringe-se a este último, não se estendendo à internet móvel.

4 O ofertante apenas investe voluntariamente em qualidade quando o custo de fazê-lo é inferior ao aumento de lucro esperado.

5 Em teoria econômica esta é a distinção entre as diferenciações de produto (ou serviço) vertical e horizontal. A vertical se refere a diferenciais de qualidade considerados de forma unânime por todos os usuários. Por exemplo, se todas as liberações de exames demoram mais em uma operadora que em outra, a segunda terá uma superioridade qualitativa unânime neste item. No caso da diferenciação horizontal, há diferenças relevantes entre as preferências dos indivíduos. Um plano pode apresentar, por exemplo, melhor cobertura na área cardíaca, incluindo médicos e hospitais conveniados do que um segundo plano que apresenta uma rede conveniada relativamente mais forte nas doenças do aparelho digestivo. Enquanto cardíacos preferirão o primeiro plano, pessoas com propensão maior a problemas digestivos estarão mais inclinadas pelo segundo. O ponto principal deste parágrafo é que uma diferenciação horizontal muito pronunciada limita ainda mais o valor da experiência de terceiros para efeito de informar as decisões do usuário.

6 Ver na página da ANS, o passo a passo para realizar a portabilidade de carências. http://www.ans.gov.br/index.php/planos-de-saude-e-operadoras/contratacao-e-troca-de-plano/trocar-de-plano-de-saude-sem-cumprir-carencia. O assunto está normatizado na Resolução Normativa RN 186, de 14 de janeiro de 2009, modificada pela RN 252, de 29 de abril de 2011.

7 Ver http://www.ans.gov.br/index.php/planos-de-saude-e-operadoras/contratacao-e-troca-de-plano/dicas-para-escolher-um-plano-de-saude/468-saiba-antes-de-contratar-um-plano

8 Na teoria econômica há uma diferença entre a observabilidade e a verificabilidade de uma variável no contrato pelo usuário. A observabilidade se refere à capacidade literal de o usuário “observar” a variável (seja preço, qualidade ou outra), a qual não seria, portanto, informação privada da outra parte (no caso da operadora). A verificabilidade se refere à capacidade de o usuário provar a um juiz ou a uma agência reguladora o valor daquela variável. Usualmente a capacidade de o usuário verificar uma variável é mais difícil do que observar. A ajuda do regulador pode ser justamente em apoiar o usuários tanto em observar como em verificar variáveis de preço e qualidade.

9 A não ser que se considere que o Estado sabe melhor o que é bom para o indivíduo que ele próprio, mesmo que este não tenha qualquer problema de incompletude de informação.  Esta não é a premissa deste artigo.

10 Um interessante site comparador de planos de saúde, o “cataplanos” (www.cataplanos.com.br) revela claramente esta tendência de supervalorização do preço em relação às variáveis de qualidade, até mesmo pelas limitações de espaço. O site oferece vários planos nos quais a variável de maior destaque é o preço. Quando se solicita para “Detalhar o plano”, nenhum “detalhe” sobre variáveis qualitativas contratuais, além do cumprimento da legislação, são disponibilizadas.

11 A análise do fator “qualidade” da telefonia móvel aqui se restringe ao serviço de voz, não se estendendo à internet, cuja lógica é totalmente diferenciada.

12 A Anatel possui uma cartilha explicando a portabilidade numérica em seu sítio na internet. Entra-se no lado esquerdo do site em “Direitos e Garantias”, “Cartilhas” e “Portabilidade Numérica”. A regulamentação encontra-se no Regulamento Geral de Portabilidade (RGP), anexo à Resolução nº 460, de 19 de março de 2007.

13 Churn é um termo utilizado para designar a perda de clientes de uma operadora, usualmente calculado como o número de cancelamentos em determinado período em relação ao número de assinantes.

14 Teleco: www.teleco.com.br

15 Estes valores nos parecem baixos à primeira vista, o que sugere caber mais ações de marketing da Anatel para divulgar o direito da portabilidade.

16 Oi, Tim, Vivo, Claro. A Nextel oferece o serviço de Serviço Móvel Especializado, cada vez menos distinguível das outras.

17 Curiosamente, a maior dificuldade dos usuários de telefonia celular é a comparação da tarifação dos variados planos de cada operadora e não a qualidade do serviço.

18 Entrar em www.ans.gov.br, clicar no ícone “Desempenho das Operadoras” no meio da página, “Índice de Reclamações” e “Baixe planilha com lista completa de operadoras e índices”.

19 Reclamações julgadas improcedentes são excluídas do índice, o que elimina o problema de falsas notificações para prejudicar a concorrência.

20 Entrar em www.ans.gov.br, clicar no ícone “Desempenho das Operadoras” no meio da página e “Programa de Qualificação de Operadoras”.  Há um conjunto de cinco intervalos do IDSS (0 a 0,19; 0,20 a 0,39; 0,4 a 0,6; 0,6 a 0,8; 0,8 a 1), sendo que quanto maior, melhor a qualidade. Basta clicar em cada intervalo para saber quais operadoras estão dentro daquele intervalo de IDSS (ou de qualidade). Mais abaixo, em “Saiba Mais”, pode-se clicar em “Listagem de Operadoras por Faixa de IDSS” e se conseguem três planilhas consolidadas para as operadoras de porte grande, médio e pequeno.

21 Entrar em www.anatel.gov.br, clicar o ícone “Anatel Dados” em cima no lado direito, clicar “Qualidade” do lado esquerdo, clicar “Indicadores de Atendimento”, clicar “Índice de Desempenho do Atendimento (IDA)”, selecionar a opção para “telefonia móvel” no mês desejado. Em novembro de 2012, o último dado encontrado se referia a julho de 2012.

22 Na página do IDA, clicar em “Quantidade de Reclamações por Motivo ofensor”.

23 Algo que consideramos difícil de o regulador auferir. Há o risco de o regulador ter uma propensão a sempre subestimar o grau de informação e a capacidade de decisão do consumidor médio. Em particular, pode insistir em uma qualidade superior àquela que o usuário estaria disposto a pagar, detendo informação completa.

]]>
https://www.brasil-economia-governo.com.br/?feed=rss2&p=1659 3
O que são Parcerias Público-Privadas (PPP)? https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=1166&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=o-que-sao-parcerias-publico-privadas-ppp https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=1166#comments Mon, 09 Apr 2012 03:01:55 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=1166 A literatura internacional define uma PPP como sendo um contrato de longo prazo entre um governo (federal, estadual ou municipal) e uma entidade privada, no qual essa entidade se compromete a oferecer serviços de infraestrutura. Há diferentes tipos de contrato, em que o setor público e o parceiro privado dividem entre si as responsabilidades referentes ao financiamento, projeto, construção, operação e manutenção da infraestrutura. A empresa privada pode ser remunerada tanto pela cobrança de tarifas diretamente aos usuários (pedágio, por exemplo), quanto por pagamentos feitos a ela diretamente pelo governo (Banco Mundial, 2012).

A definição acima  difere do conceito de PPP estipulado pela legislação brasileira, que é bem mais restrito. Neste artigo apresenta-se primeiro a definição internacional e, em seguida, mostra-se como a definição brasileira é um subconjunto daquela definição mais ampla.

No conceito internacional, mais amplo, podemos citar como exemplo de PPP  um contrato para que uma empresa passe a cuidar da manutenção de uma estrada, cobrando pedágio dos usuários. Também temos uma PPP quando uma empresa constrói uma prisão e opera os serviços de limpeza, alimentação, manutenção predial, entre outros, enquanto o governo se encarrega da atividade-fim do presídio, que é o serviço de controle e escolta de presidiários. Outro exemplo de PPP seria a construção e operação de uma linha de metrô por uma empresa privada, em que a remuneração do parceiro privado vem de duas fontes:  a tarifa cobrada dos usuários e um  pagamento mensal feito pelo governo.

Na definição apresentada no primeiro parágrafo, dois termos estão grifados: “longo-prazo” e “serviços de infraestrutura”. Esses são aspectos importantes da caracterização de uma PPP. O termo “serviços de infraestrutura” indica que o parceiro privado não vai simplesmente construir uma estrada, uma ferrovia, um hospital ou um aeroporto e entregá-lo para ser administrado pelo governo ou empresa estatal. Ele vai construir e operar uma parte ou todos os serviços oferecidos por aquela infraestrutura. Ou então ele vai simplesmente operar (sem construir ou apenas reformar) os serviços de uma infraestrutura já existente, de propriedade do governo. Ou seja, para caracterizar uma PPP é importante que o parceiro privado atue na provisão do serviço público associado à infraestrutura que lhe foi confiada.

Os contratos são de longo-prazo porque, em primeiro lugar, estão relacionados a serviços públicos que exigem investimentos de grande vulto, seja na construção, seja na manutenção: estradas, portos, aeroportos, ferrovias, prédios públicos com características especiais (hospitais, prisões) ou construídos em grande quantidade (escolas), etc. Portanto, nos casos em que o parceiro privado investe seu capital, ele precisa que o contrato tenha um prazo dilatado, para dar tempo de pagar o investimento.

Mesmo quando não há uma elevada imobilização de capital pelo parceiro privado (por exemplo, contratos para operar infraestrutura já existente), pode ser interessante estabelecer um contrato de longo-prazo, pois seria ineficiente trocar o administrador da infraestrutura diversas vezes em prazos curtos, tendo em vista o custo de licitação e o custo de aprendizagem, associado ao período em que o novo concessionário está ajustando a oferta do novo serviço, quando usualmente há quebras na qualidade dos serviços.

Note que não se encaixam na definição de PPP os contratos mais simples, como os que preveem a prestação de serviços de limpeza e vigilância de prédios públicos, fornecimento de alimentação, conservação de jardins, assistência técnica em informática, etc. Esses são contratos de curto-prazo, normalmente conhecidos como “terceirização”. Enquanto os contratos de PPP normalmente têm prazos que superam vinte anos, os contratos de terceirização de serviços duram por volta de cinco anos (sobre contratos de terceirização no Brasil e seus problemas ver, neste site, Por que o governo gasta tanto com terceirização?)

Um ponto central para o sucesso de uma PPP está na divisão de riscos entre o setor público e o parceiro privado. A construção e operação de uma rodovia, por exemplo, implica diversos riscos financeiros: a obra pode custar mais que o projetado (risco de construção), o volume de tráfego (e, portanto, a receita de pedágio) pode ser menor que o esperado (risco de demanda), a eleição de um novo governante pode colocar em risco o cumprimento do contrato (risco político), etc.

Não é trivial, portanto, a redação de um contrato de PPP, que deve ser o mais detalhado possível no que diz respeito a qual das partes deve assumir que tipos de riscos. Essa é uma condição necessária, mas não suficiente. É preciso, também, que haja um Poder Judiciário com capacidade para impor o cumprimento dos contratos. Em países em que o Judiciário é influenciado pelo Poder Executivo, o risco político incorrido pelos parceiros privados é alto.

Os contratos de PPP em geral associam a revisão dos pagamentos feitos aos parceiros privados, ao longo da vida do contrato, com base no cumprimento de metas de qualidade e quantidade do serviço oferecido. Por exemplo, em um contrato de PPP de um aeroporto, o parceiro privado terá direito a um maior reajuste da tarifa se conseguir fazer todos os investimentos de expansão do aeroporto que estavam previstos no contrato inicial. Ou, alternativamente, será punido com um reajuste menor se os índices de qualidade dos serviços prestados estiverem abaixo das metas contratuais (tempo de espera no check-in, atraso nos voos de responsabilidade do aeroporto, etc.).

Essa característica dos contratos pressupõe a existência de uma agência reguladora com suficiente capacidade e independência técnica para dar pleno cumprimento à verificação das metas contratuais e efetivamente punir ou premiar o parceiro privado. Agências reguladoras sem autonomia em relação ao governo, ou cujos cargos de comando sejam distribuídos ao sabor de negociações partidárias, acabam aproximando perigosamente a necessidade de recursos dos partidos políticos (para financiamento de campanha) do poder institucional de conferir ganhos financeiros não merecidos a parceiros privados que não cumprem contratos.

E qual seria a grande vantagem de um contrato de PPP em relação ao modelo tradicional, em que o governo contrata a construção de uma infraestrutura junto a empresas privadas e depois opera, ele próprio, o serviço oferecido por essa infraestrutura? A vantagem é que, ao se contratar uma mesma empresa para construir (ou reformar/ampliar) uma infraestrutura e, em seguida, passar a operá-la, essa empresa terá incentivos para fazer uma construção (reforma/ampliação) de boa qualidade. Isso porque uma infraestrutura bem construída vai reduzir os custos de manutenção e reparo ao longo do contrato de operação, bem como vai permitir a prestação de um serviço de maior qualidade (viabilizando ganhos financeiros quando a tarifa estiver atrelada à qualidade do serviço prestado).

Em um contrato comum de simples construção e entrega da infraestrutura ao governo, as empresas têm incentivos para construir rapidamente e economizar nos custos, colocando em segundo plano a qualidade final do trabalho. O governo, por sua vez, não tem informação suficiente sobre o andamento das obras e seus detalhes para exigir maior qualidade.

Outra vantagem das PPP é que elas trazem capital privado para investimentos em que antes só havia dinheiro público. Como os orçamentos públicos estão cada vez mais restritos frente à necessidade de manter o equilíbrio fiscal, a entrada de capital privado é um bem-vindo reforço ao financiamento das obras de infraestrutura.

Há dois conceitos relevantes acerca de rentabilidade de projetos que devem ser analisados quando se fala em PPP: a viabilidade financeira e a viabilidade econômica. Um projeto tem viabilidade financeira quando, estimados todos os seus custos e receitas, o resultado é um lucro que seja suficiente para atrair uma empresa privada para operar o negócio. Trata-se, pois, de um conceito de rentabilidade privada.

A viabilidade econômica leva em conta, além das receitas e custos financeiros, os benefícios e custos sociais decorrentes do projeto. Por exemplo, uma nova rodovia pode gerar como benefícios sociais a economia de tempo de deslocamento dos usuários, o aumento da produtividade das empresas, que podem entregar seus produtos com mais rapidez, etc; por outro lado, essa mesma rodovia pode gerar custos sociais, como o aumento da poluição em cidades que fiquem à beira da rodovia ou um custo de pedágio que seja incompatível com o nível de renda da população local.

Quando um projeto tem viabilidade financeira e econômica (benefícios maiores que os custos nos dois conceitos), então é interessante para o país que ele seja desenvolvido. E sendo sustentável do ponto de vista financeiro, o governo pode fazer uma licitação para que um parceiro privado cuide sozinho do negócio, sendo remunerado mediante tarifas pagas pelo usuário.

Quando um projeto tem viabilidade econômica, mas não financeira, temos uma situação em que vale a pena para a sociedade implementar o projeto, mas não haverá nenhum parceiro privado disposto a se responsabilizar sozinho por ele, pois se trata de um negócio que não dá lucro. Nesses casos, o governo pode fazer uma PPP na qual se comprometa a pagar um subsídio ao parceiro privado, elevando a sua rentabilidade até um ponto em que valha a pena investir no negócio.

Por exemplo, pode ser importante para o desenvolvimento econômico de uma região do país a construção de uma nova estrada. Porém, o fluxo previsto de veículos nos primeiros anos pode ser baixo, e há um risco considerável de esse fluxo não aumentar nos anos seguintes em decorrência de eventual insucesso do plano de desenvolvimento. Eventuais tarifas cobradas, portanto, seriam insuficientes para remunerar o setor privado, tanto pelo capital investido, como pelo risco incorrido. Nesse caso, o governo pode arcar com parte dos custos do negócio. Seriam várias as opções: pagar parte do custo de construção, pagar um valor mensal ao parceiro privado durante a operação da estrada, conceder ao parceiro privado um financiamento subsidiado para custear a construção, etc. Com esse subsídio, a construção de uma infraestrutura que gere mais benefícios que custos para a sociedade passa a ser viável.

A legislação brasileira considera como sendo PPP apenas os casos em que os projetos têm viabilidade econômica, mas não têm viabilidade financeira. Ou seja, os projetos que, como no exemplo acima, requerem algum tipo de subsídio governamental. Os projetos financeiramente viáveis são conceituados como “concessões comuns”, enquanto os projetos que requerem algum tipo de complementação financeira estatal são conceituados como PPP e divididos em dois grupos distintos: as PPP patrocinadas (em que o parceiro privado obtém sua remuneração mediante cobrança de tarifas e subsídios estatais) e as PPP administrativas (nas quais a remuneração do parceiro privado é paga integralmente pelo governo). As concessões comuns estão reguladas pelas Leis nº 8.987 e nº 9.074, ambas de 1995, enquanto às PPP se aplicam os dispositivos daquelas leis e, adicionallmente, a Lei nº 11.079, de 2004.

Note-se que esta é uma distinção apenas no campo legal e semântico. Do ponto de vista da análise econômica, as considerações feitas acima valem tanto para as concessões comuns quanto para as PPP no conceito brasileiro.  Ambas requerem agências reguladoras e instituições judiciais capazes de impor o cumprimento do contrato, geram potenciais benefícios quanto à eficiência dos projetos desenvolvidos, atraem capital privado para o investimento em infraestrutura, requerem contratos que dividam claramente os riscos entre as partes, etc.

Uma constatação que se faz ao observar o caso brasileiro é que as PPP no conceito local (concessões patrocinadas e administrativas) têm enfrentado grandes dificuldades para serem postas em prática, ao passo que as concessões comuns têm sido feitas com mais frequência.

Até hoje o governo federal não concretizou uma única PPP. A que está mais avançada refere-se à construção de um datacenter pelo Banco do Brasil e Caixa Econômica, no qual um parceiro privado irá construir, equipar e gerir o banco de dados. Há, ainda, um projeto de irrigação e Petrolina-PE, a instalação de um sistema nacional de TV digital pública e a construção, lançamento e operação de um satélite geoestacionário. Todas as iniciativas, a exceção do datacenter, ainda estão nos passos iniciais.

Os governos estaduais andaram um pouco mais rápido e já colocaram em prática alguns projetos, tais como:  construção e gestão de estádio de futebol, conjuntos habitacionais de baixa renda, centros de atendimento ao cidadão, emissão submarina de esgotos, hospitais. O Estado de São Paulo é o que tem mais se destacado na implantação das concessões patrocinadas e administrativas, com projetos de maior vulto nas áreas de de transportes (linhas de metrô, trem e sistema metropolitano de ônibus), esgotamento sanitário e abastecimento de água.

São vários os fatores que têm emperrado as “PPP brasileiras” (concessões patrocinadas e administrativas).  Em primeiro lugar, elas necessitam de contratos mais complexos que os das concessões comuns; pois além de toda a partilha de risco entre as partes, é preciso que se estime qual será o subsídio público pago ao parceiro privado. Isso implica não só dificuldade no desenho dessa relação financeira de longo prazo, como também embute risco de corrupção, de acusações políticas de beneficiamento de empresas, etc.

Em segundo lugar, o Tesouro Nacional e os tesouros estaduais têm sido bastante cautelosos em relação ao risco fiscal que existem no fato de o governo assumir o compromisso de fazer pagamentos ao longo de muitos anos a uma empresa privada. Existe a possibilidade de que agentes governamentais passem a usar esse mecanismo para driblar as regras da Lei de Responsabilidade Fiscal relativas a limite máximo de endividamento dos entes públicos, e a fazer gastos públicos sem registrá-los no orçamento. O resultado é o estabelecimento de inúmeras instâncias burocráticas para autorização das concessões administrativas ou patrocinadas, que emperram o processo.

As concessões comuns, por sua vez, em vez de criar obrigações financeiras para o governo, muitas vezes geram receitas imediatas, nos casos em que os seus editais preveem o pagamento de um valor de outorga pela empresa vencedora. No leilão de concessão de três aeroportos federais (Guarulhos, Brasília e Campinas), realizado em fevereiro de 2012, por exemplo, as empresas vencedoras comprometeram-se a pagar outorgas que somaram R$ 24,5 bilhões. Politicamente é mais interessante mostrar ao eleitorado que se está fazendo grandes obras e, ao mesmo tempo, obtendo receita para o governo.

Surge, com isso, o incentivo ao governo de modelar as parcerias com o setor privado sob a forma de concessão simples, com vistas a obter ganhos fiscais. Isso é um problema, pois projetos com benefício social positivo, que poderiam ser objeto de  concessão patrocinada ou administrativa, são colocados em segundo plano.

O terceiro problema está na baixa capacidade do setor público brasileiro para prospectar e formular projetos de infraestrutura. Ao lidar com esses projetos, as agências públicas acabam, muitas vezes, não sendo capazes de avaliar e distinguir corretamente a viabilidade financeira e a viabilidade econômica. Em consequência, acaba-se dando preferência para os projetos mais rentáveis, que são implementados por meio de concessões comuns.

O quarto problema está no fato de que a Lei nº 11.079, de 2004, em seu art. 7º,, ao contrário do que ocorre em outros países, não admite que sejam pagos subsídios aos parceiros privados durante a fase de construção (reforma/ampliação) da infraestrutura. Tal pagamento só pode ser feito quando tiver sido iniciada a operação dos serviços. Isso inviabiliza as concessões patrocinadas e administrativas que requerem um grande investimento inicial e um longo tempo de atividades pré-operacionais.

O quinto problema é o baixo grau de autonomia política e financeira das nossas agências reguladoras, que reduzem o grau de segurança do investidor privado (que teme ser pressionado por questões políticas) e da população (que vê a possibilidade de corrupção nas relações com os parceiros privados). Igualmente problemática é a dificuldade do sistema judiciário brasileiro para impor o cumprimento de contratos com rapidez e com procedimentos claros e previsíveis.

Tendo em vista a baixa disponibilidade orçamentária do setor público brasileiro e a grande carência de infraestrutura que vivemos, parece ser prioritário o aperfeiçoamento da legislação e das instituições (em especial das agências reguladoras) que viabilizem a expansão das PPP em sentido amplo, sejam elas concessões simples, sejam concessões administrativas ou patrocinadas.

Downloads:

  • veja este artigo também em versão pdf (clique aqui).

Para ler mais sobre o tema:

Banco Mundial (2012) Best practices in public-private partnerships financing in Latin-America:  the role of subsidy mechanisms. Washington – DC.

Paiva, S. e Rocha, C. (2004) A parceria público-privada: o papel do Senado Federal na discussão e aprovação da Lei nº 11.079, de 2004. Núcleo de Estudos e Pesquisas do Senado Federal. Texto para Discussão nº 25.

UNESCAP (2007) Public-private partnership in infrastructure development: an introduction to issue from different perspectives. Transport and Tourism Division UNESCAP. Bangkok, Thailand.

Consulte também o site www.pppbrasil.com.br para diversos artigos e comentários sobre as PPP no Brasil.

]]>
https://www.brasil-economia-governo.com.br/?feed=rss2&p=1166 11