Aeroportos – Brasil, economia e governo https://www.brasil-economia-governo.com.br Fri, 03 Nov 2017 17:29:34 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=6.7.2 Quanto custa uma empresa estatal administrando aeroportos? https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=3053&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=quanto-custa-uma-empresa-estatal-administrando-aeroportos Mon, 02 Oct 2017 20:21:01 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=3053 A administração de aeroportos públicos no Brasil é atualmente compartilhada entre uma estatal federal (a Infraero com 56 aeroportos e 49% do tráfego), concessões federais à iniciativa privada (6 aeroportos e 46% do tráfego) e demais aeroportos sob responsabilidade de Estados e Municípios (508 aeroportos e 5% do tráfego), mediante convênio de delegação da União.

As concessões federais tiveram início no ano de 2011, com o leilão do aeroporto de Natal. Após o sucesso da licitação, nos anos seguintes foram concedidos cinco dos maiores aeroportos do país: Guarulhos, Brasília, Viracopos, Galeão e Confins.

Os números de investimentos realizados e de satisfação da qualidade do serviço denotam que as concessões trouxeram novo padrão ao transporte aéreo no país.

De 2012 a 2015, foram investidos pelos concessionários privados nas 6 concessões federais o montante de R$ 12 bilhões, a preços de janeiro de 2016. Além dos ganhos para o setor, esses investimentos aliviaram o orçamento da União, permitindo que mais recursos fossem utilizados para atender outras necessidades da população. Para efeito de comparação, de 2003 a 2011, o montante investido pela Infraero em todos os aeroportos federais totalizou R$ 9,1 bilhões (também a preços de janeiro de 2016). São ganhos significativos e apontam para um elevado interesse público na continuação do processo de concessões aeroportuárias.

Todavia, se de um lado tais investimentos se mostram muito significativos, tanto do ponto de vista econômico como do ponto de vista social, por outro são limitados (apenas nos aeroportos concedidos) e não endereçam apropriadamente duas importantes questões em aberto do sistema aeroportuário brasileiro: (i) ainda há uma flagrante necessidade de realização de investimentos em expansão de capacidade dessas infraestruturas em diversas outras localidades e (ii) existe uma urgência de desenvolvimento de uma solução integrada e sustentável para os aeroportos de médio porte (abaixo de 1 milhão de passageiros), que, muitas vezes, não conseguem gerar recursos financeiros suficientes para pagar os investimentos necessários a sua expansão e modernização, e de pequeno porte (abaixo de 100 mil passageiros), que apresentam déficits operacionais estruturais.

Assim, considerando as características sistêmicas do problema, e tendo em vista a dificuldade de disponibilidade de recurso e de execução de investimentos diretamente pelo poder público, realizamos estudo a fim de analisar a viabilidade econômica de se conceder toda a rede de 56 aeroportos atualmente sob administração da Infraero, incluindo tanto aeroportos com tráfego acima de 1 milhão de passageiros por ano, como aeroportos muito pequenos, como Ponta Porã (3.100 pax/ano) e Bagé (1.700 pax/ano).

Em vista do baixo potencial de geração de valor de aeroportos de médio e pequeno porte, adotamos um modelo de concessões em blocos, em que grandes aeroportos são agrupados com aeroportos menores, realizando um subsídio cruzado entre ativos.

A alternativa de conceder em blocos apresenta-se mais conveniente e oportuna que a alternativa de conceder cada aeroporto individualmente, sobretudo em razão de menores riscos e custos de execução dos processos licitatórios e de regulação de contratos. As concessões patrocinadas, com contrapartidas financeiras pelo poder público (as chamadas Parcerias Público Privadas – PPP), se aplicariam para a concessão individual de dezenas de aeroportos menores, ensejando maiores riscos para o setor privado e custos de execução e planejamento para o setor público, motivo pelo qual se defende o modelo de concessão em blocos.

Ressalta-se que a escolha por um subsídio cruzado interno ao contrato (concessão em blocos) não é algo novo no país, podendo-se citar as concessões de distribuição de energia elétrica e saneamento básico (rede de água e esgoto): o custo da prestação do serviço em uma área rural ou afastada do núcleo urbano é subsidiado pelo consumidor de baixo custo de atendimento, por exemplo, a residência em um prédio de muitos andares.

Para além das fronteiras internas, é possível citar concessões para a iniciativa privada de aeroportos em blocos em países como Colômbia, Argentina, México, Portugal, Inglaterra, com diferentes modelagens e resultados.

Assim, além das premissas acima descritas, adotamos a formação de blocos de aeroportos que tenham áreas contíguas, a fim de facilitar a gestão por um administrador central1, e que em cada concessão haja pelo menos um grande aeroporto (acima de 3 milhões de passageiros ao ano), de forma a garantir atratividade para investidores e geração de valor suficiente para suportar o déficit operacional de aeroportos menores, assim como pagar os investimentos estimados para todos os aeroportos do bloco.

Para estimativa de investimentos, adotamos para os aeroportos de capitais os parâmetros de capacidade de infraestrutura adotados nos estudos de viabilidade econômica, técnica e ambiental (EVTEA) das concessões federais já realizadas, amplamente disponíveis no endereço eletrônico da Agência Nacional de Aviação Civil – ANAC.

Por exemplo, um dos parâmetros para tamanho de terminal de passageiros é a referência de nível ótimo de área e tempo de filas adotados Airport Development Reference Manual – ADRM da International Air Transport Association2. Com base na comparação entre a infraestrutura necessária (para a demanda projetada) e a infraestrutura existente, alcança-se a infraestrutura a ser ampliada (em metros quadrados de terminal de passageiros, por exemplo) e, com base nos preços utilizados nas concessões anteriores, estimamos o valor dos investimentos ao longo da concessão de 30 anos de cada aeroporto do bloco.

Além da previsão de investimentos para cada aeroporto, consideramos referências de custos operacionais e receitas comerciais levantadas para os estudos de viabilidade das 6 concessões federais existentes, de operadores privados regionais e a carga tributária aplicada a aeroportos sob administração privada3. Ressalta-se que as tarifas aeroportuárias são definidas pela Agência Reguladora, constam em tabela fixada nos contratos de concessão e não são influenciadas pela oferta apresentada no leilão da concessão (diferentemente das concessões de rodovias). Portanto, a estimativa de receitas aeroportuárias (que não incluem as receitas comerciais) decorrem diretamente da projeção de crescimento da demanda de passageiros, aeronaves e cargas.

Para a projeção de demanda de passageiros, aeronaves e cargas, adotamos como premissa, e por simplificação, um crescimento igual para todos os blocos, a partir de 2018, equivalente à expectativa média do Brasil de 4% ao ano considerada nos EVTEAs apresentados pela Secretaria de Aviação Civil do Ministério dos Transportes, Portos e Aviação Civil – SAC/MTPA para a concessão dos aeroportos de Salvador, Porto Alegre, Fortaleza e Florianópolis4.

Tendo em mãos o fluxo de receitas, despesas operacionais, investimentos e tributos, a modelagem financeira adotada calcula o valor de outorga necessário para que o Valor Presente Líquido do fluxo do projeto seja igual a zero5. Para o desconto do fluxo, utilizamos a taxa de 9% ao ano, líquido de tributos e em termos reais, que se mostra acima da taxa de 8,5% considerada nos EVTEAs dos aeroportos da União em processo de concessão e em linha com a taxa utilizada em outros setores em leilões recentes.

O mapa dos blocos para concessão desenhados conforme os parâmetros acima descritos teria a seguinte configuração:

Nessa perspectiva, estimamos que os 56 aeroportos atualmente sob administração da Infraero necessitam de R$ 17,6 bilhões em investimentos pelos próximos 30 anos para que seja possível atender à demanda esperada a um nível compatível com a qualidade de serviço hoje ofertada nos aeroportos concedidos.

Nesse cenário, encontramos farta viabilidade econômica na concessão dos blocos que contemplam todos os 56 aeroportos. Além dos R$ 17,6 bilhões em investimentos, que teria o efeito de desonerar o orçamento da União, o concessionário privado pagaria um outorga mínima de R$ 14 bilhões (R$ 2 bilhões à vista) ao longo do período da concessão (30 anos).

Ademais, há tributos que, ao contrário do concessionário privado, a Infraero não recolhe, em razão da imunidade tributária atualmente reconhecida pelo Poder Judiciário. Tais tributos somariam pelo período da concessão o montante de R$ 16,5 bilhões, sendo R$ 3,4 bilhões recolhidos diretamente pelos municípios onde se localizam o aeroporto, e R$ 13,1 bi à União.

Assim, quando consideramos o total de recursos que a União deixaria de gastar (investimentos), juntamente com o montante que passaria a receber (outorga e tributos), o valor chega R$ 48 bilhões em um período de 30 anos, a preços de 2016. Esse valor representa a diferença entre conceder para a iniciativa privada ou manter os 56 aeroportos atualmente em operação com a Infraero, sem levar em consideração, ainda, o ganho de bem-estar a ser experimentado diretamente pelos usuários e os novos negócios que poderão surgir nas localidades atendidas.

Além disso, o montante de R$ 48 bilhões considera, como cenário contrafactual, que a Infraero estaria em situação de equilíbrio financeiro pelos próximos 30 anos caso não houvesse a concessão dos aeroportos, ou seja, com lucro/prejuízo operacional igual a zero, antes de depreciação e resultado financeiro. Tendo em vista que essa linha da demonstração financeira se encontra negativa desde 2012, com a estatal acumulando centenas de milhões de reais de prejuízo, é possível afirmar que o montante envolvido na decisão de conceder a rede de aeroporto (R$ 48 bilhões) seja conservador.

Em que pese as incertezas naturalmente envolvidas em um estudo que busque estimar a evolução do setor nos próximos 30 anos, não nos parece haver dúvidas de que a concessão em blocos dos aeroportos da Infraero é uma alternativa socialmente e economicamente superior à operação desses ativos por uma empresa pública.

Numa época em que o Estado enfrenta dificuldades fiscais consideráveis e a população reclama serviços de melhor qualidade, é necessário avançar em soluções que promovam a melhoria das condições de desenvolvimento do país e gerem recursos para o enfrentamento dos grandes desafios que temos pela frente.

 

________________

1 Por conservadorismo, não foi considerado na modelagem financeira dos blocos ganhos de escala de custos administrativos com a concessão conjunta de aeroportos. No entanto, a modelagem captura ganhos tributários da apuração agregada de impostos sobre a renda.

2 Disponível em: http://www.iata.org/publications/store/Pages/airport-development-reference-manual.aspx

3 Por conservadorismo, não foram considerados possíveis benefícios tributários, como isenções em impostos sobre a renda reconhecidas pela SUDENE e SUDAM, e tampouco isenções relativas ao PIS e Cofins concedidos no âmbito do REIDI.

4 Aeroportos em processo de concessão, com leilão agendado para dia 16 de março de 2017. Estudos de Viabilidade disponíveis em: http://www.aviacao.gov.br/assuntos/concessoes-de-aeroportos/novas-concessoes/pmi

5 Cabe destacar que a forma como a outorga será paga influencia no montante da própria outorga. Caso se pague 100% à vista, a outorga será equivalente ao próprio VPL do projeto. Na modelagem de blocos simulada, adotamos o perfil de pagamento semelhante ao utilizado na concessão dos aeroportos de Salvador, Porto Alegre, Fortaleza e Florianópolis: 25% à vista, 5 anos de carência e outorga e pagamentos anuais até o final da concessão.

 

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As receitas da Infraero são suficientes para garantir aeroportos de boa qualidade? https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=701&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=as-receitas-da-infraero-sao-suficientes-para-garantir-aeroportos-de-boa-qualidade https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=701#comments Thu, 18 Aug 2011 12:23:19 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=701 Há quase cinco anos do “apagão” ocorrido em dezembro de 2006, são reiteradas e duradouras as manifestações para melhoria da prestação dos serviços aeroportuários brasileiros.

Seja por ascensão da chamada “classe C” ao mercado de transporte aéreo, seja por sucateamento da infraestrutura existente ou, mais recentemente, pela demanda de vultosos investimentos em virtude de grandes eventos esportivos (principalmente a Copa do Mundo de 2014), o tema constantemente ocupa a pauta dos noticiários jornalísticos.

De modo geral, em todas as análises empreendidas a Empresa Brasileira de Infraestrutura Aeroportuária (Infraero) é percebida como causa central de todos os males apontados. Por isso, diversas soluções vêm sendo apresentadas, sendo a principal delas associada à necessidade de aporte de capitais ao setor, seja por intermédio da abertura de capital da empresa, seja por venda do seu controle acionário, ou, mais recentemente por intermédio de concessões de aeroportos.

Independente de qual venha a ser a solução adotada, será fundamental a geração de receitas para remunerar a empresa prestadora dos serviços e para garantir investimentos em modernização e ampliação de aeroportos. Portanto, há que se responder uma questão central: as receitas geradas pela prestação de serviços hoje providos pela Infraero são suficientes para financiar investimentos em serviços aeroportuários de qualidade?

O que se mostra nesse artigo é:

(a) a Infraero gera um volume significativo de recursos (aproximadamente R$ 10 bilhões no período 2002-2010) que poderiam ser empregados em investimentos e serviços aeroportuários;

(b) esses recursos são, em sua maior parte, transferidos ao Tesouro e ao Comando da Aeronáutica, não revertendo em investimentos no setor;

(c) a Infraero obtém receita mediante a aplicação financeira desses recursos entre o momento da arrecadação e o momento da sua transferência ao Tesouro ou à Aeronáutica, o que gera distorção de foco na gestão da empresa, que passa a se preocupar mais com a gestão desse caixa do que propriamente com os serviços que deve prestar.

A infraestrutura aeroportuária pública no Brasil é explorada, com pequenas exceções, pela União por meio da Infraero, empresa pública criada pela Lei nº 5.862/72. Atualmente, a Infraero administra 67 aeroportos, opera 69 grupamentos de navegação aérea e 34 terminais de carga, e mantém 51 unidades técnicas de aeronavegação.

A Infraero é uma empresa de natureza comercial cuja função primordial é a de prestar serviços aos passageiros e às companhias aéreas operacionalizando embarques, pousos e oferecendo serviços de armazenagem e capatazia, entre outros.

A Infraero utiliza a infraestrutura aeroportuária da União para desempenhar suas atividades operacionais, aufere receitas a partir deste uso e realiza investimentos nesses ativos.

Parte dos recursos tarifários arrecadados, pagos por passageiros e por empresas aéreas, é classificada como receitas da Infraero, outra parte dos recursos é transferida para o Comando da Aeronáutica e para o Tesouro Nacional. A tabela abaixo apresenta os recursos que são classificados como receitas na Demonstração do Resultado do Exercício (DRE) da Infraero.

Receitas da Infraero

Receitas na Demonstração de Resultado do Exercício (DRE)
Aeronáuticas Comerciais
Tarifa de pouso e permanência, tarifa de embarque e 41% das tarifas de telecomunicação e auxílio à navegação aérea – TAN e TAT Tarifa de armazenagem e capatazia, concessão de áreas – esta especificamente registrada como ‘comerciais’ na DRE – e outros serviços

Fonte: demonstrações contábeis da Infraero disponíveis em www.infraero.com.br.

Os recursos tarifários que não são classificados como receitas da Infraero, enquanto não transferidos ao Comando da Aeronáutica e ao Tesouro Nacional, ficam registrados num grupo de contas do passivo chamado de ‘Recursos de Terceiros’. Este grupo é dividido em três contas: a) recursos de terceiros do Comando da Aeronáutica, b) recursos de terceiros do Tesouro Nacional, c) recursos de terceiros vinculados a investimentos.

Realizamos uma análise de rentabilidade da Infraero com base na fórmula de Dupont[1] e seus resultados foram cotejados com os fluxos de caixa gerados pelas atividades empreendidas.

A análise foi realizada como se os aeroportos fossem parte integrante do balanço da Infraero. A fórmula de Dupont revela que a rentabilidade da empresa é extremamente amplificada pelas receitas financeiras.

Observou-se que a alavancagem financeira e o spread são responsáveis por mais da metade da lucratividade da empresa na maioria dos períodos examinados. O retorno da atividade financeira da Infraero é tão preponderante que ajuda a sua rentabilidade a subir muito nos anos em que a atividade operacional gera lucro e impede que o prejuízo seja maior nos anos em que a atividade operacional gera prejuízos.

Ou seja, a empresa ganha muito mais, proporcionalmente, aplicando no mercado financeiro do que nas suas atividades finalísticas. Essa é uma grave distorção.

A explicação para a existência de receita financeira tão vultosa encontra-se no ganho de floating que a empresa aufere em virtude da atividade de administração dos recursos da conta “Recursos de Terceiros”, especialmente aqueles repassados à União, por intermédio do Tesouro Nacional e do Comando da Aeronáutica, e os relativos à Ataero vinculados a investimentos.

Qualquer incentivo a incrementar os serviços finalísticos de administração de serviços de embarque, capatazia e armazenagem, típicos do mercado aéreo, que gerariam mais receitas e a consequente eficiência operacional são minados em virtude da necessidade de a empresa repassar parcela considerável das tarifas para os “proprietários” controladores.

O incentivo, portanto, não é voltado à lucratividade operacional como forma de maximizar dividendos para os “proprietários” (a União, no caso), já que parcela considerável das tarifas que poderiam cobrir os custos operacionais, gerar uma boa rentabilidade operacional e fazer face às necessidades de investimento em infraestrutura aeroportuária é repassada ao Comando da Aeronáutica e ao Tesouro Nacional.

Como contrapartida, à empresa é concedido o direito de administrar esses recursos e obter receitas financeiras com seu floating. Assim, a empresa desvia-se da sua vertente operacional e concentra seus esforços na administração do fluxo de caixa dos “Recursos de Terceiros”. Com esses incentivos inversos, o modus operandi da empresa mais se assemelha ao de uma instituição financeira do que ao de uma administradora e prestadora de serviços aeroportuários.

A transferência dos recursos ao Tesouro e ao Comando da Aeronáutica não seria um problema se eles retornassem ao setor aeroportuário, por meio de investimentos públicos nos aeroportos. Mas não é isso que acontece. Para melhor entender o caminho dos recursos no setor, a figura abaixo apresenta o fluxo de recursos entre União e Infraero.

O Tesouro Nacional faz aportes de capital na Infraero, e dela recebe tanto dividendos quanto a transferência das receitas que são destinadas ao Comando da Aeronáutica ou à amortização da dívida pública.

Fluxo de recursos entre União e Infraero (veja tabela em versão pdf)

A tabela abaixo apresenta os valores desses fluxos.

Transações da Infraero com a União

Transações com a União 2010 2009 2008 2007 2006 2005 2004 2003 2002 Total
Aportes de Capital 3 3 91 573 350 0,7 192 2 1.215
Dividendos 7 19 38 76 503 2 24 140 52 861
Comando da Aeronáutica (a) 629 1.132 1.110 1.046 951 767 746 489 439 7.309
Tesouro Nacional 236 220 198 241 164 234 225 201 142 1.861

Nota. Em R$ milhão; (a) no Comando da Aeronáutica os recursos são repartidos entre Fundo Aeronáutico, Departamento de Controle do Espaço Aéreo (Decea) e Secretaria de Economia e Finanças (Sefa). Fonte: demonstrações contábeis e notas explicativas da Infraero de 2002 a 2010 disponíveis em www.infraero.com.br.

Somando os dividendos com as transferências ao Tesouro e à Aeronáutica, temos que, no período 2002-2010, a Infraero repassou ao Governo Federal R$11,5 bilhões. Deduzindo os aportes de capital feitos na empresa, o volume líquido transferido ao Governo foi de R$ 10,3 bilhões.

Os recursos repassados ao Tesouro Nacional são destinados à amortização da dívida pública federal, nos termos das Leis nos 9.825/99 e 10.744/2003. Os recursos repassados ao Comando da Aeronáutica, nos termos do art. 1º, §1º, da Lei nº 7.920/89, são destinados à “aplicação em melhoramentos, reaparelhamento, reforma, expansão e depreciação de instalações aeroportuárias e da rede de telecomunicações e auxílio à navegação aérea”.

Se o dinheiro transferido ao Comando da Aeronáutica fosse, efetivamente, investido nessas finalidades, teríamos o significativo valor de R$ 7,3 bilhões adicionais com destinação específica para investimentos em infraestrutura aeroportuária.

A questão é saber se esses recursos foram efetivamente empregados na sua destinação obrigatória prevista na Lei nº 7.920/89.

Nas demonstrações contábeis e no relatório de administração elaborados pela Infraero, não existem informações específicas sobre a realização desses investimentos compulsórios. Os dados disponíveis apresentam os investimentos com recursos próprios e de outras fontes que não os recursos do Comando da Aeronáutica, conforme descrito na tabela abaixo.

Fonte dos Recursos Total 2010 2009 2008 2007 2006 2005 2004 2003 2002
Recursos próprios 1771 320,1 71,5 63,8 241,7 209,9 228,8 260,2 96,9 278,1
Recursos do orçamento fiscal 781,4 117,7 72,7 145,3 95,8 96,1 253,8
Recursos Ataero (parte Infraero) 1651,9 205,8 71 62,4 101,6 225 198,1 241,1 407,2 139,7
Recursos de convênios 426,2 297,4 39,9 9,2 10,7 69
Total 4630,5 643,6 215,2 271,5 439,1 828,4 720,6 510,5 514,8 486,8

Nota. Em R$ milhões. Fonte: demonstrações contábeis e notas explicativas da Infraero de 2002 a 2010 disponíveis em www.infraero.com.br.

Vê-se que, no período de 2002 a 2010 foram realizados investimentos de R$ 4,6 bilhões em infraestrutura aeroportuária. Se aqueles outros R$ 7,3 bilhões, transferidos ao Comando da Aeronáutica, tivessem sido aplicados na sua destinação compulsória, o sistema aeroportuário teria realizado, nesse mesmo período, investimentos na casa de R$ 12 bilhões em nossos aeroportos.

A tabela abaixo apresenta o fluxo de recursos para o Fundo Aeronáutico e os dispêndios realizados pelo Comando da Aeronáutica.

Recursos do Fundo Aeronáutico e aplicações em despesas do Comando da Aeronáutica

2010 2009 2008 2007 2006
Fundo Aeronáutico
Receita do Fundo Aeronáutico 2.017,30 1.805,88 1.734,47 1.437,15 1.336,54
– Receita de Serviços (a) 1.333,60 1.200,41 1.246,12 973,99 858,91
– Receita Patrimonial (b) 323,64 318,38 189,54 222,29 259,47
– Outras (c) 360,06 287,09 298,81 240,87 218,16
Despesas do Fundo Aeronáutico 0,00 0,00 0,00 0,00 0,00
Comando da Aeronáutica
Despesa do Comando da Aeronáutica (d) 621,48 990,54 787,62 670,96 700,41
– Adestramento e Operações Militares da Aeronáutica 0,00 0,00 3,41 4,37 3,55
– Proteção ao Voo e Segurança do Tráfego Aéreo 0,00 0,00 560,85 471,04 522,17
– Desenvolvimento da Infraestrutura Aeroportuária 114,31 320,14 196,68 176,54 146,87
– Apoio Administrativo 37,21 34,72 26,68 19,01 27,61
– Serviço de Saúde das Forças Armadas 0,00 0,00 0,00 0,00 0,21
– Segurança de Voo e Controle do Espaço Aéreo 469,84 631,21 0,00 0,00 0,00
– Preparo e Emprego da Força Aérea 0,12 4,47 0,00 0,00 0,00

Notas: Em R$ milhão. (a) Inclui as seguintes naturezas de receita: 1600.31.00 (tarifa e adicional sobre tarifa aeroportuária), 160031.01 (tarifa aeroportuária), 1600.31.02 (adicional sobre tarifa aeroportuária), 1600.31.03 (parcela da tarifa de embarque internacional), 1600.33.01 (tarifas de uso das comunicações e dos auxílios e navegação aérea em rota), 1600.33.02 (adicional sobre tarifas de uso das comunicações e dos auxílios à navegação aérea em rota). (b) Remuneração das disponibilidades aplicadas no “caixa” do fundo aeronáutico. (c) Inclui, entre outros, arrendamentos, taxas de ocupação de imóveis, convênios, etc. (d) Despesa realizada com recursos das fontes de recursos advindas da Infraero pelo Comando da Aeronáutica em nome do Fundo Aeronáutico. Fonte: balanços-gerais da União (BGU).

Pelas informações apresentadas, há um considerável volume de recursos arrecadados e um valor substantivamente menor de despesas realizadas. O constante e expressivo superávit somado aos recursos depositados no caixa e arrecadados em exercícios anteriores, conforme apresentado na próxima tabela, sugere que o sistema aéreo brasileiro, por meio da cobrança de tarifas, gera recursos suficientes para praticamente triplicar o montante de investimentos em sua infraestrutura aeroportuária.

Recursos do sistema aéreo e aplicações em despesas do Tesouro Nacional

2010 2009 2008 2007 2006
Caixa do Fundo Aeronáutico 3.043,42 2.693,24 2.271,56 2.091,08 1.878,69
– Depositados na Conta Única 209,06 570,47 143,79 238,98 24,89
– Aplicados (basicamente em LTN) 2.834,36 2.122,77 2.127,77 1.852,10 1.853,80

Notas: Em R$ milhão. Fonte: balanços-gerais da União (BGU).

Conclui-se, portanto, que a estrutura tarifária já garante recursos vultosos ao setor aeroportuário. Contudo, o atual sistema de partilha gera incentivos perversos: a Infraero é estimulada a maximizar receitas financeiras, em vez de se concentrar na gestão dos aeroportos; e o Tesouro é estimulado a reter recursos que deveriam financiar os investimentos aeroportuários.

Qualquer mudança no setor, seja ela no sentido de privatizar a Infraero, abrir seu capital ou fazer concessão dos aeroportos precisará corrigir esse sistema de partilha de recursos. O Tesouro precisa estar consciente de que perderá recursos hoje destinados à geração de superávit primário. Esse será o preço para buscar um sistema aeroportuário mais eficiente.

“O artigo expressa opiniões pessoais dos seus autores. Nenhuma responsabilidade é assumida pelos autores em razão das consequências da utilização das suas opiniões e/ou de qualquer informação contida neste artigo, que de forma alguma devem ser vistas como sendo as visões, posições ou opiniões institucionais do Tribunal de Contas da União.”

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[1] Método de análise financeira que decompõe o retorno sobre o patrimônio líquido (RSPL) em: retorno sobre o ativo operacional líquido (RSOL) + spread (diferença entre o RSOL e a rentabilidade do ativo financeiro) x alavancagem financeira (grau de endividamento da empresa).

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