Regulamentação – Brasil, economia e governo https://www.brasil-economia-governo.com.br Wed, 10 Aug 2022 22:14:37 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=6.5.3 Estaria a saga da regulamentação do lobby no Brasil perto de seu fim? https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=3669&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=estaria-a-saga-da-regulamentacao-do-lobby-no-brasil-perto-de-seu-fim Wed, 10 Aug 2022 22:14:37 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=3669 Estaria a saga da regulamentação do lobby no Brasil perto de seu fim?

 

Por Ricardo José Pereira Rodrigues

 

Ao encaminhar à Câmara dos Deputados, em dezembro de 2021, um projeto para disciplinar o lobby no país, o Poder Executivo não apenas adicionou mais um capítulo à verdadeira saga que se tornou a história da regulamentação da atividade no Brasil.  A ação legiferante promovida pelo Poder Executivo, de fato, colocou em evidência a importância que a regulamentação da representação privada de interesses junto a agentes públicos assumiu como fator de aprimoramento da imagem e do desempenho do país relativo à integridade de sua governança pública, sobretudo para os organismos internacionais.

Foram muitas as tentativas frustradas de regulamentação do lobby no Brasil.  A “saga” teve início ainda nos anos 1980, com a apresentação do Projeto de Lei do Senado nº 25, de 1984, pelo então Senador Marco Maciel.  No Senado federal tramitaram, entre 1984 e 2016, quatro outras proposições sobre o tema, incluindo uma Proposta de Emenda à Constituição.  Na Câmara dos Deputados, no mesmo período e sobre o mesmo tema, tramitaram nada menos que 7 projetos de lei e 11 projetos de resolução da Câmara. São quase 40 anos de iniciativas parlamentares que não resultaram em norma jurídica, com a maioria das proposições sendo arquivada por falta de deliberação.

Mas por que tem sido tão difícil aprovar no Brasil uma lei do lobby?  E, se o país tem vivido sem uma lei de lobby, qual importância teria a regulamentação do lobby?  Por que insistir em regulamentar a atividade?

Primeiramente, cabe salientar que a regulamentação do lobby não é uma empreitada fácil de se operacionalizar até porque compreende desafios nada triviais.  Não se trata apenas de restringir ou proibir a atividade dos grupos ou de lobistas individuais.  Como já tive oportunidade de frisar em outras ocasiões[1], trata-se de viabilizar uma legislação caracterizada por dois objetivos distintos que, para alguns, podem até parecer contraditórios. Por um lado, a regulamentação do lobby deve necessariamente conter dispositivos que estimulem e fortaleçam a pluralidade dos grupos de interesse sem, por outro lado, permitir que tal atuação degenere em tráfico de influência ou corrupção, crimes previstos pelo Código Penal Brasileiro.

O estímulo à representação de interesses no âmbito das esferas públicas, seja realizada por profissionais do lobby, seja realizada por grupos oriundos dos mais diversos setores da sociedade civil organizada, é plenamente amparada por nossa Carta Magna.  Tal estímulo deve-se ao caráter pluralista do próprio modelo democrático adotado pelo Brasil.  Os constituintes alçaram o pluralismo à condição de princípio fundamental do nosso Estado democrático de direito.  A Constituição Federal de 1988 consagra o pluralismo político em seu artigo primeiro, inciso V, como um dos fundamentos da democracia brasileira.

Outros artigos da nossa Constituição reforçam esse estímulo à participação de grupos no processo de tomada de decisão acerca de políticas públicas.  O direito de petição, por exemplo, é assegurado pela Constituição como uma das garantias fundamentais da sociedade.  O inciso XXXIV do art. 5º garante aos brasileiros “o direito de petição aos poderes públicos em defesa de direitos ou contra ilegalidade ou abuso de poder”[2].  Esse direito é ainda reiterado pela Constituição em seu art. 58, § 2º, inciso IV, quando determina às comissões das Casas do Congresso Nacional “receber petições, reclamações, representações ou queixas de qualquer pessoa contra atos ou omissões das autoridades ou entidades públicas”[3].

Cabe salientar que o assunto tem ocupado a agenda de diversos organismos internacionais. A ONU e a OCDE, por exemplo, defendem a adoção da regulamentação do lobby como um requisito para se alavancar a boa governança de seus países membros. Curiosamente, são poucas as democracias que dispõem de normas legais para disciplinar a atividade de representação de interesses.  Neste sentido, continua a valer a conclusão a que chegou Margaret Malone, em 2004, segundo a qual “países com regras específicas para regulamentar as atividades de lobistas e grupos de interesse constituem muito mais a exceção do que a regra”[4].  Tanto assim que na linha do tempo elaborada pela OCDE para detalhar a evolução da regulamentação do lobby no mundo, de 1945 a 2014, constam apenas 15 países. Desses, somente 11 países promulgaram sua regulamentação da atividade depois de 2005.    Para a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico – OCDE, apenas uma minoria dos países no mundo adotou o instrumento da regulamentação para reduzir os riscos representados pelo lobby aos seus arranjos de governança.  Segundo a organização, “em 2020, apenas 23 de 41 democracias analisadas supria (por meio de legislação) algum nível de transparência às atividades de lobby”[5].

Não obstante o baixo número de países com leis para disciplinar as atividades do lobby, o tema tornou-se central para a agenda da OCDE desde 2009 quando lançou seu primeiro relatório dedicado ao assunto[6].  Para a OCDE, a ausência de uma regulamentação do lobby eficaz tem gerado, em muitos países, alocações equivocadas de recursos públicos, muitas vezes escassos, com redução de produtividade e aumento de desigualdades.  De acordo com a OCDE, práticas inapropriadas e censuráveis do lobby contribuem para “debilitar a confiança do cidadão no processo democrático”[7].

Para analistas que acompanham as tratativas do Brasil para integrar a OCDE, a falta de uma regulamentação de lobby representa uma barreira, que embora transponível, dificulta a adesão do país ao organismo.  Complementando um conjunto de leis voltado para o controle da corrupção e a melhoria da integridade no serviço público, a aprovação da regulamentação do lobby poria fim a uma defasagem regulatória que vem marcando a experiência brasileira no que concerne à relação dos agentes públicos com o mercado e os grupos de interesse.  Também consolidaria a convergência do Brasil com os princípios da OCDE relativos à governança pública.  Ressalte-se que numa pesquisa realizada pela OCDE sobre indicadores de regulação de produtos de mercado (PMR) com 46 países, o Brasil obteve a pior colocação do grupo.  Segundo manifestação da representante do Ministério da Economia durante a audiência pública realizada na Comissão de Trabalho, de Administração e Serviço Público, da Câmara dos Deputados, a aprovação de uma adequada regulamentação do lobby é o caminho para remediar a defasagem regulatória e melhorar o desempenho do país com relação aos índices de PMR (Product Market Regulation) da OCDE.

A apresentação pelo Poder Executivo do Projeto de Lei nº 4.391, de 2021, após quase 40 anos de proposições malogradas por parte de parlamentares, dá revigorada energia ao debate sobre a questão.  Com a importância que o tema assumiu para os organismos internacionais, o disciplinamento legal da representação de interesses privados deixou de ser uma preocupação apenas doméstica para o país.  A temática passou a ser uma questão de Estado, cuja condução e fecho pode ter influência nos objetivos diplomáticos e de comércio exterior do país.

Apensado ao Projeto de Lei nº 4.391, de 2021, tramita o Projeto de Lei nº 1.535, de 2022, de autoria do Deputado Carlos Zarattini. Ambos são compreensivos e abrangentes, incorporando em seus respectivos textos, princípios e diretrizes da OCDE para a regulamentação do lobby.  Espera-se que, desta vez, o Parlamento consiga alcançar um consenso mínimo, para, finalmente, transformar em norma jurídica o disciplinamento de uma atividade que é intrínseca ao processo democrático vigente no país.  Constituiria um passo firme na direção do aprimoramento e do aumento da qualidade de nossa democracia.

 

 

[1] RODRIGUES, Ricardo J. P. A adoção dos parâmetros da OCDE para a regulamentação do lobby no brasil. Revista Eletrônica Direito e Política, v.10, n.3, 2015, p. 1437-1458; RODRIGUES, Ricardo J. P.  A regulamentação do lobby: desafios e parâmetros para sua adoção.  STPC Café, Brasília, 2014, p. 27-35.

[2] BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Edições Câmara, 2012, p. 15.

[3] BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil, p. 51.

[4] MALONE, Margaret M.  Regulation of lobbyists in developed countries.  Current rules and practices.  Dublin: Institute of Public Administration, 2004, p. 3.

[5] OECD.  Lobbyin in the 21st Centurty: transparency, integrity and access. Paris: OECD Publishing, 2021, p. 15.

[6] OCDE.  Lobbyists, government and public trust.  Vol. 1: increasing transparency through legislation.  Paris: OCDE Publishing, 2009

[7] OCDE, 2021, Ibid, p.

 

Ricardo José Pereira Rodrigues é doutor em ciência política pela State University of New York, consultor legislativo na Câmara dos Deputados e professor no curso de pós-graduação em Direito e Relações Governamentais do Uniceub em Brasília.

 

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Benefícios da desregulamentação da franquia de bagagem aérea https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=3485&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=beneficios-da-desregulamentacao-da-franquia-de-bagagem-aerea Wed, 28 Jul 2021 11:08:37 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=3485 Benefícios da desregulamentação da franquia de bagagem aérea

Por Emmanuel do Vale Madeiro*

Toda decisão regulatória por parte do Poder Público deveria englobar uma avaliação dos custos resultantes da sua implementação. Ocorre que nem sempre essa avaliação é feita. Muitas vezes, esses custos implicam preços mais elevados para os produtos.

Ao perceber que determinada regulação gera custos que oneram desnecessariamente os usuários, o Poder Público deve repensar se vale a pena manter determinada restrição. Foi o que ocorreu por ocasião da desregulamentação da franquia de bagagem aérea.

A Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) aprovou, em 13 de dezembro de 2016, a sua Resolução 400, atualizando as chamadas Condições Gerais de Transporte Aéreo (CGTA), normas que gerem os direitos e deveres dos passageiros no transporte aéreo dentro do território nacional.

Até antes da vigência dessa resolução, as companhias aéreas eram obrigadas a oferecer uma franquia de 23 kg de bagagem despachada + 5kg de bagagem de mão para cada passageiro.

A partir da vigência da Resolução-Anac 400/2016, o transporte de bagagem despachada passou a configurar contrato acessório oferecido pelo transportador. Este passou a ser obrigado a garantir apenas uma franquia mínima de 10 (dez) quilos de bagagem de mão por passageiro de acordo com as dimensões e a quantidade de peças definidas no contrato de transporte.

Em maio de 2018, o TCU recebeu uma solicitação do Congresso Nacional, mais precisamente da Comissão de Defesa do Consumidor da Câmara dos Deputados, para que o Tribunal identificasse se a evolução dos preços das passagens aéreas, após a entrada em vigência da Resolução 400/2016, da Anac, que permitiu a cobrança em separado da bagagem despachada pelo passageiro, ocorreu em benefício do consumidor ou, ao contrário, implicou aumento de gastos, em detrimento dos passageiros.

A justificativa para essa solicitação do Congresso foi que, até aquele momento, não se percebia, como compensação pela cobrança da bagagem despachada, nenhuma vantagem relacionada à queda de preço das passagens.

O TCU constatou que a desregulamentação da franquia da bagagem despachada, consubstanciada na Resolução 400/2016, precisaria ser analisada em um contexto mais amplo. Essa decisão não se tratou de medida isolada tomada pela agência reguladora do setor aéreo, mas de mais um passo no sentido de flexibilizar a regulação econômica do transporte aéreo de passageiros, iniciada ainda no fim dos anos 1980, há mais de 3 décadas, portanto.

A Portaria 248/2001 do Ministério da Fazenda estabeleceu a adoção do regime de liberdade tarifária para os voos domésticos, constituindo-se no marco mais importante do processo de desregulamentação do setor aéreo.

Posteriormente, o princípio da liberdade tarifária foi positivado na Lei 11.182/2005 (art. 49), que criou a Anac. Nos anos seguintes, o regime de liberdade tarifária, que já se aplicava para os voos domésticos, se estendeu também para os voos internacionais, sob a condução da Agência. A Lei de criação da Anac também consagrou o princípio da liberdade de voo (art. 48, §1º), pelo qual as empresas aéreas podem voar as rotas que quiserem desde que haja disponibilidade de infraestrutura aeroportuária (antes era necessário solicitar permissão da autoridade aeronáutica, que poderia negar o pedido das empresas aéreas de forma discricionária).

Diversos setores reagiram contrariamente à introdução da liberdade tarifária para voos domésticos, em 2001, e para voos internacionais, no fim da década. Entendia-se que tais medidas permitiriam abusos por parte das empresas aéreas e seriam contrárias aos interesses dos consumidores, por mais amparadas que essas mudanças fossem à luz da teoria econômica da regulação.

O que se observou com o tempo foi o contrário: a ausência de intervenção estatal sobre o preço das passagens aéreas promoveu expressiva diminuição de preços e grande aumento da oferta de voos. Segundo dados da Anac, em um recorte de 2002 a 2017, os preços das passagens aéreas caíram cerca de 65%, em termos reais, e o número de passageiros transportados aumentou quase 200%, o que representa crescimento 3,4 vezes superior ao crescimento do PIB.

O TCU avaliou que, embora a desregulamentação da franquia de bagagem despachada pudesse parecer, em uma análise mais superficial e imediatista, que seria contrária ao interesse dos passageiros, na realidade é o oposto. Em um ambiente competitivo, de livre concorrência, a desregulamentação permite que as empresas aéreas, ao disputar a preferência dos consumidores, atuem de forma mais inovadora e eficiente, atendendo melhor às necessidades dos passageiros.

Verificou-se também que a nova regulamentação deu mais transparência à precificação do serviço de transporte aéreo. Antes, a franquia de bagagem despachada estava embutida no preço da passagem, sem que o passageiro tivesse clareza sobre essa informação e sobre o correspondente valor. Com a mudança, o passageiro passou a ter mais informação, que pode usar no seu processo decisório.

A possibilidade de cobrança separadamente pela bagagem despachada ofereceu ao consumidor mais opção. Se puder prescindir de bagagem, não precisa pagar por esse serviço. Na regra antiga, os passageiros que não despachavam bagagem acabavam subsidiando, indiretamente e sem saber, os passageiros que despachavam bagagem.

Segundo o toolkit desenvolvido pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) para a identificação e análise de restrições à concorrência impostas pelos governos baseada na experiência internacional, deve-se realizar uma avaliação aprofundada dos efeitos na concorrência sempre que uma proposta governamental, por exemplo, limite a capacidade de certas empresas de prestarem um bem ou serviço.

Essa restrição ocorre quando alguns governos exigem que todos os vendedores prestem um conjunto mínimo de serviços, restringindo ou proibindo que se preste um conjunto de serviços menor ou cobrança de forma avulsa por cada serviço prestado. Isto prejudica a escolha de alguns consumidores que podem preferir uma combinação de serviços que resulte em preço menor, além de dificultar a entrada de pequenas empresas. Consumidores mais pobres, em especial, podem preferir este tipo de combinação justamente em função da limitação de renda.

Pode-se compreender que a restrição acima descrita ocorria antes da Resolução 400/2016 da Anac. As empresas aéreas eram obrigadas a conceder uma franquia mínima de 23 kg de bagagem despachada por passageiro. Inevitavelmente essas companhias embutiam o valor do despacho da bagagem no preço das passagens de todos os passageiros.

Com a Resolução 400, as empresas aéreas foram autorizadas a firmarem um contrato acessório para o despacho da bagagem. Ou seja, passou-se a permitir a prestação de um serviço menor (o transporte do passageiro com bagagem de mão) e a cobrança de forma avulsa pelo despacho da bagagem. Com isso, buscou-se permitir também a entrada no mercado nacional das chamadas companhias aéreas de baixo custo, cujo modelo de negócios é o de que as passagens aéreas não estão vinculadas a qualquer tipo de serviço adicional ou cortesia.

A referida resolução da Anac representou, dessa forma, a correção de uma restrição concorrencial.

O TCU destacou a posição da Secretaria de Acompanhamento Econômico (SEAE) do Ministério da Fazenda com relação à desregulamentação da bagagem despachada. A SEAE opinou da seguinte forma:

Em relação à eficiência econômica, temos que a desregulamentação, ao desvincular a contratação de passagem aérea da contratação de franquia de bagagem despachada, aumenta a capacidade das Companhias Aéreas em identificar passageiros mais sensíveis a preço. A desregulamentação, portanto, pode aumentar a eficiência do mecanismo de discriminação de preços empregado pelas Companhias Aéreas. Estratégias de discriminação de preços mais eficientes, por sua vez, podem resultar em maior concorrência, preços menores para consumidores mais sensíveis a preço, expansão da oferta do produto, atração de um número maior de consumidores e, consequentemente, democratização do serviço.   (Nota Técnica 126/2017/COGTR/SEAE/MF, de 4/10/2017).

Vê-se assim que a Resolução 400/2016 da Anac possibilitou uma discriminação de preços benéfica para o consumidor, com ampliação da concorrência no setor aéreo. Do ponto de vista da regulação, a discriminação de preços proporcionada pela Resolução 400 da Anac foi, portanto, acertada.

O Tribunal de Contas da União informou à Comissão de Defesa do Consumidor da Câmara dos Deputados que a edição da Resolução-Anac 400/2016, que desregulamentou a franquia de bagagem despachada, foi precedida de estudos regulatórios consistentes e de ampla discussão com os interessados, e tende a ser favorável ao consumidor, assim como as demais medidas de flexibilização regulatória setorial (Acórdão 2955/2018-TCU-Plenário).

Com relação ao impacto no preço das passagens, o TCU compilou estudos apontando que em princípio, mantidos todos os demais fatores que influenciam a formação de preço das passagens, a nova regulamentação deveria trazer redução de preços para os passageiros que viajam sem bagagem (despachada) e aumento para os que despacham bagagem, pois estes perderam o “subsídio” indireto que era pago pelos passageiros que não despachavam bagagem.

Deve-se compreender que o serviço de transporte aéreo opera em regime de liberdade tarifária e os preços das passagens aéreas são influenciados por inúmeros fatores, como o custo de seus insumos, com especial destaque para o preço do combustível (que teve aumento significativo nos últimos anos), taxa de câmbio, demanda e oferta, entre outros.

Para citar um exemplo atual, a pandemia de Covid-19 e a consequente redução brutal da demanda por voos comerciais levou os preços de passagens aéreas ao menor valor já registrado na série histórica da Anac, iniciada em 2002. Em preços atualizados pela inflação até dezembro de 2020, a tarifa média foi de R$ 376,29. Na comparação com 2019, quando a tarifa média foi de R$ 439,89, ocorreu uma redução de 14,5%.

Em dezembro de 2021, a Anac deverá apresentar relatório sobre a aplicação, eficácia e resultados da Resolução 400/2016, indicando possíveis pontos para revisão.

 

* Emmanuel do Vale Madeiro é auditor federal de controle externo do Tribunal de Contas da União

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A participação da sociedade no aperfeiçoamento de políticas públicas por meio de profissionais regulamentados https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=3439&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=a-participacao-da-sociedade-no-aperfeicoamento-de-politicas-publicas-por-meio-de-profissionais-regulamentados Fri, 21 May 2021 16:06:23 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=3439 A participação da sociedade no aperfeiçoamento de políticas públicas por meio de profissionais regulamentados

Por Carolina Venuto* e Guilherme Cunha Costa**

Ouvir, convencer e aperfeiçoar são parte da evolução da humanidade. Maquiavel foi um grande persuasor do seu tempo, assim como os cardeais Richelieu e Marazin ou o corsário Francis Drake. A arte de convencer é derivada do poder, seja ele grande ou pequeno, um império ou uma simples repartição pública. Na prática não há poder estabelecido livre de influências ou daquilo que hoje em dia se convencionou chamar de “lobby”.

Influências podem ser negativas ou positivas, independentemente da época. Os romanos faziam lobby com banquetes. Na idade média e no Renascimento, a Igreja fez lobby contra os muçulmanos, influiu na formação e conduta de reis católicos em toda Europa e dominou o mundo até 1521 quando Martinho Lutero abriu dissidência reduzindo o poder e a influência dos papas.

Com a evolução das sociedades, a decadência dos reinados absolutistas e o nascimento das democracias nos Estados Unidos e na França, o sufrágio universal trouxe um novo tipo de influenciador. Este novo personagem passou a atuar junto aos representantes eleitos, buscando melhorias para as comunidades que elegeram representantes.

No Brasil construímos uma sociedade onde a prática de influir os donos do poder sempre esteve presente. Desde a época das capitanias até hoje. A nossa Independência, a Abolição, a República, a Revolução de 1930, o Regime de 1964 e a redemocratização de 1985 contaram com influenciadores importantes que hoje seriam chamados de “lobystas”.

Quando os sindicatos se tornaram parte do poder vigente, a partir do seu reconhecimento como força ativa pela sociedade civil organizada, os trabalhadores também passaram a ter seu papel como “lobystas”, influenciando decisivamente em votações importantes na Constituinte (1987-1988).

Os próprios Poderes passaram a exercitar o “lobby”, atuando com os seus assessores parlamentares, aprovando projetos ou liberando emendas. E isso é positivo e parte integrante da democracia.

A sociedade cada vez mais exige transparência. Na União Europeia, por exemplo, os lobistas profissionais são reconhecidos como técnicos em relações institucionais e governamentais e seguem regras ancoradas principalmente na transparência das relações entre público e privado.

Aqui no Brasil tanto o Legislativo quanto o Executivo avançaram muito na transparência. Antes, o cidadão necessitava do conhecimento técnico ou uma senha do SIAFI[1] para acessar as despesas do governo. Hoje, podemos fazer isso pelo portal da transparência. Senado e Câmara também prestam informações deste tipo de forma correta.

Numa democracia a falta de transparência é incompatível com a boa governança. Foi com esta preocupação que a Associação Brasileira de Relações Institucionais e Governamentais (ABRIG), vem trabalhando duro pela construção de uma legislação adequada, moderna e eficiente. Em 2018 avançamos ao sermos incluídos na CBO – Classificação Brasileira de Ocupações, sob a sigla RIG – Relações Institucionais e Governamentais, que por sinal identificou que devem ser observadas 92 habilidades para esse profissional. A publicação oficializou a nomenclatura da nossa atividade, deixamos ser “lobbystas” para sermos reconhecidos oficialmente como “RIGs”.

A regulamentação da atividade do profissional que representa legitimamente uma instituição, corporação, governos ou mesmo grupos, no debate de políticas públicas está, oficialmente, em discussão desde 1972, quando a Câmara dos Deputados reconheceu, no artigo 60 do seu Regimento Interno, a possibilidade do credenciamento de representantes de entidades diversas. Em 1976, o então presidente da Câmara, deputado Marco Maciel, alterou o artigo 60 do Regimento Interno ampliando o credenciamento naquela Casa.

Posteriormente, em 1984, o mesmo Marco Maciel, ciente da contribuição do debate realizado de forma institucionalizada, propõe o Projeto de Lei do Senado (PLS) 25 ampliando ainda mais a formalização do profissional de Relações Institucionais e Governamentais. Em 1989 o Senado aprova o projeto, sob o número de PLS 203, no entanto, em razão de ter determinado obrigações ao Poder Executivo, foi considerado, pela Comissão de Constituição e Justiça da Câmara, como inconstitucional.

Mesmo sem uma legislação federal que amparasse a contribuição legislativa por representantes da sociedade, a Câmara dos Deputados novamente reconhece a possibilidade do credenciamento, dessa vez no artigo 259 do novo Regimento Interno aprovado em 1989. Posteriormente, em 2010 o Senado Federal regulamenta seu regimento interno definindo regras claras para o credenciamento por meio do Ato da Mesa Diretora nº 08 de 11/06/2010. Medida essa que em 11/07/2017 foi suspensa pelo Ato da Mesa nº 11, encabeçado pelo senador Eunício Oliveira, atitude arbitrária que foi repelida pela ABRIG e que não contribui para a transparência e legitimidade do debate institucionalizado.

Em 2007 os Estados Unidos, movidos pelo escândalo “Jack Abramoff”, fizeram com que aquela nação, que foi o primeiro país a ter uma legislação federal sobre o tema, datada de 1946, aprovasse a terceira revisão de sua Lei Federal. Infelizmente um texto burocrático, criminalizante e que provocou a migração de milhares de profissionais para a informalidade. Os Estados Unidos, que sempre foi um benchmark internacional, se tornou um exemplo a não ser mais seguido.

Inspirado na legislação dos Estados Unidos, o deputado Carlos Zarattini (PT/SP), apresenta o Projeto de Lei 1202/07, onerando, burocratizando a atividade e o pior, embutindo no projeto todo o tipo de agentes interessados em decisão governamental – vendedores para o serviço público, despachantes, aqueles que praticam advocacia administrativa e nós, debatedores de políticas públicas, fez com que o projeto se tornasse denso, complexo e difícil de ser apoiado pela Sociedade, em especial pelos profissionais de RIG. O PL 1202/07 foi aprovado na Comissão do Trabalho em 27/11/2008, e posteriormente distribuído à Deputada Cristiane Brasil (PTB/RJ) na Comissão de Constituição Justiça e de Redação (CCJR).

Em 2015 os deputados Rogério Rosso (PSD/DF) e Ricardo Izar (PP/SP) apresentam o Projeto de Lei 1961/15, que propunha a regulamentação dos Grupos de Pressão, foi apensado ao PL 1202/07. Naquele mesmo ano, motivado pela demora da Câmara em apreciar o tema, o senador Walter Pinheiro (PT/BA) apresenta o PLS 336/15.

Em 2016 a ABRIG, sob nova Diretoria e disposta e avançar com a formalização da Atividade expõe à relatora Cristiane Brasil e ao presidente da CCJ, Osmar Serraglio, a importância de realizar uma audiência pública internacional naquela Comissão para que pudessem tomar conhecimento da repercussão da Lei americana de 2007. Dessa forma, em 07/07/2016, a CCJR/CD realizava audiência pública internacional na qual o profissional norte americano, Tood Webster, sugeria aos deputados que não cometessem o mesmo erro do Congresso norte-americano, que ao aprovar uma Lei burocratizante não contribui com a transparência e com a formalização do debate institucionalizado.

A ABRIG passou a discutir o assunto em diversos fóruns, realizando seminários e encontros. A pesquisa ABRIG e UFMG demonstrou que 76% dos associados desejam algum tipo de regulamentação. A deputada intensificou o diálogo com a sociedade, estudou com afinco a experiência internacional, e produziu um substitutivo capaz de inserir o Brasil na vanguarda internacional, o qual acabou por ser aprovado na CCJ/CD em 07/12/2016.

Os principais pontos do PL são a obrigatoriedade de formalização das audiências e sua disponibilização pela Autoridade Pública; a proibição de entrega de presentes ou vantagens; a equiparação do ilícito penal do agente privado ao agente público e a suspensão da credencial de agente que incida em condutas inapropriadas; a definição da quarentena nos termos da legislação em vigor, ampliando para chefes do Poder Executivo para 48 meses.

Também em 2016 a deputada Cristiane Brasil (PTB/RJ) apresenta o Projeto de Resolução – PRC 176/2016, propondo a alteração no Regimento Interno da Câmara dos Deputados ampliando às Pessoas Jurídicas a possibilidade de se credenciarem, aumentando a transparência no debate de política pública.

Ainda em 2016, ciente da necessidade de se estabelecer regras claras para a participação da sociedade no processo de decisão política, o senador Romero Jucá (PMDB/RR), juntamente com outros 37 senadores apresenta a PEC 47/2016. Ao contrário das proposições em debate no Congresso Nacional, que se concentravam em estabelecer em Lei Federal as regras para a Atividade de Relações Institucionais e Governamentais, a proposta dos eminentes senadores prevê a participação ativa do profissional de RIG na Constituição Federal. O texto é excessivamente arrojado, ao estabelecer direitos aos profissionais de RIG, tais como apresentação de emendas, utilização da palavra nas comissões e acesso irrestrito a documentos, que até nós o consideramos inapropriado.

O Poder Executivo percebeu a necessidade de definir regras para o exercício da Atividade em seus órgãos. Dessa forma, o Ministério da Transparência, após colher informações em audiência pública, encaminhou à Casa Civil uma minuta de Decreto definindo regras da participação da Sociedade na tomada de decisão junto às autoridades do Poder Executivo.

Nesse momento, há pelo menos seis frentes distintas sendo debatidas nos Poderes Executivo e Legislativo visando regulamentar a Atividade de Relações Institucionais e Governamentais. A definição de regras claras e objetivas é positiva para o fortalecimento das instituições, para o debate legítimo de políticas públicas, para a transparência e, principalmente, para o desenvolvimento econômico e social do nosso país.

A regulamentação irá definir quem poderá exercer e como essa atividade poderá ser exercida, de forma a garantir um ambiente democrático, transparente e seguro, seja para o agente público ou para o agente privado que esteja representando interesses legítimos de setores da economia ou da sociedade civil organizada.

Enquanto essa esperada legislação não se torna realidade, a ABRIG segue investindo na capacitação das empresas e dos profissionais que atuam em RIG, seja por intermédio de cursos, seja pelo incentivo à Prática Recomendada para Relações Institucionais e Governamentais, realizada em parceria com a Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) e lançada em 2020. O documento, além de servir de parâmetro para os legisladores, estabelece diretrizes e orientações de conduta para os agentes de RIG em suas relações com os agentes públicos, clientes e público em geral, desempenhando um papel importante na promoção da integridade.

Cerca de 36 países regulamentaram o debate legítimo entre representantes da sociedade e as autoridade, a OCDE, a Transparência Internacional e inúmeras Organizações apoiam a formalização do debate na busca da evolução das políticas públicas. É impossível saber tudo sobre tudo e abrir espaço para o diálogo institucionalizado é obrigação do Estado. Ao contrário do que muitos pensam, a aprovação de uma Lei sobre o tema, por si só, não irá reduzir a corrupção, pois o profissional de RIG instituído e formalizado não é agente de corrupção, é um especialista capacitado, cada vez mais requerido por corporações. Já é momento do Brasil se juntar aos países que perceberam a importância de ouvir a sociedade de forma institucionalizada, transparente e propositiva na assertividade das políticas públicas.

 

*Carolina Venuto é presidente da ABRIG – Associação Brasileira de Relações Institucionais e Governamentais

 

**Guilherme Cunha Costa é ex-presidente da ABRIG – Associação Brasileira de Relações Institucionais e Governamentais

 

[1] Sistema Integrado de Administração Financeira do Governo Federal.

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O “BR do Mar” ruma para o desenvolvimento da cabotagem https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=3427&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=o-br-do-mar-ruma-para-o-desenvolvimento-da-cabotagem https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=3427#comments Sun, 28 Mar 2021 14:54:41 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=3427 O “BR do Mar” ruma para o desenvolvimento da cabotagem

Por Diogo Piloni e Silva*, Dino Antunes Dias Batista** e Cléber Martinez***

A navegação marítima é, desde sua origem, considerada uma aventura. Se nos primórdios era a natureza que representava os grandes desafios, hoje são as ondas do mercado que podem afundar empresas e empreendedores. Com efeito, a volatilidade dos custos e fretes marítimos internacionais é mar revolto, que deve ser considerado quando na elaboração de políticas públicas que busquem o desenvolvimento deste modo de transporte. Por outro lado, sabe-se que mar calmo nunca fez um bom marinheiro. Assim, a política deve também trazer novos incentivos, que ampliem a contestabilidade do mercado da cabotagem brasileira.

O BR do Mar é um programa que busca desenvolver a navegação marítima de cabotagem, ampliando a concorrência, mas considerando a necessidade de mitigação dos efeitos negativos da abertura para o mercado internacional. O BR do Mar será implementado com base no Projeto de Lei nº 4.199/2020 que já foi aprovado na Câmara dos Deputados e que se encontra em discussão no Senado Federal.

Existem muitas controvérsias relacionadas ao transporte marítimo. Entretanto, pairam poucas dúvidas quanto a sua relação direta com o desenvolvimento econômico da grande maioria dos países, entendimento corroborado por estudo realizado entre os países membros da OCDE¹. O caráter estratégico que é dado ao transporte aquaviário está relacionado com diversos fatores, como: menores custos de transporte; menores índices de acidentes; menores níveis de emissões de poluentes; e menor dependência de recursos públicos para seu desenvolvimento. Tais fatores correspondem a externalidades positivas proporcionadas pela navegação para toda a sociedade.

Tais externalidades já justificariam políticas públicas voltadas ao setor, como a adoção, pela maioria dos países mais desenvolvidos, de regramentos específicos para o transporte marítimo, em especial para a cabotagem. Entretanto, para uma completa e precisa avaliação é fundamental compreender que, até o momento, não se chegou a um entendimento no âmbito da OMC² para que as práticas concorrenciais deste mercado pudessem ser analisadas pela organização.

Entre os diversos e importantes desdobramentos da desregulamentação das questões concorrenciais para o transporte marítimo internacional, estariam práticas que resultam na já citada volatilidade em termos de disponibilidade de navios e valores de frete, que caracterizam o ciclo econômico específico para o transporte marítimo.

Tal ambiente traz diversos riscos para usuários, impactados diretamente pelas incertezas dos valores de frete, e para os armadores, principalmente na tomada de decisão de investir na constituição de frota, em razão do elevado montante de capital exigido e os longos prazos para amortização. Este contexto leva grandes embarcadores a constituírem frota própria ou, quando possível, firmarem contratos de longo prazo, assegurando previsibilidade de embarque e condições de frete.

Já os pequenos e médios embarcadores, que não possuem demanda suficiente para mobilizar um navio completo, são direcionados para o mercado de contêiner. Esta dinâmica demonstra a relevância deste segmento do mercado para determinadas atividades e justificam o seu histórico de crescimento.

O transporte marítimo de contêineres é tão relevante para o desenvolvimento econômico que muitos países estabelecem regras concorrenciais específicas para o setor. Denominadas imunidades concorrenciais, tais regras possibilitam que empresas do setor atuem de forma coordenada. Entre as razões apontadas para essa tratativa diferenciada estaria a redução dos valores de frete e melhora da qualidade dos serviços, conforme justificado pela Comissão Europeia³ para estender a imunidade concorrencial até 2024.

Por outro lado, a possibilidade de atuação em conjunto das empresas de transporte marítimo de contêiner no mercado internacional estaria relacionada diretamente com a tendência de concentração do mercado, distribuídos atualmente em 3 grandes grupos operacionais, e valores de frete spot que dobram ou triplicam em curto espaço de tempo. A esse respeito, o mercado nacional foi particularmente impactado pelos efeitos da pandemia, sendo que os fretes da China para o Brasil passaram de US$ 2.500/TEU no início de 2020, para quase US$ 10.000/TEU no fim do ano.

Negligenciar estas características pode trazer relevantes consequências negativas, como depreende-se da experiência australiana de flexibilização da cabotagem. No final da década de 90, o governo australiano permitiu a atuação de navios estrangeiros por meio de concessão de licenças de operação, buscando o desenvolvimento da cabotagem. Sem alcançar os objetivos almejados, as restrições para a navegação costeira foram reimplementados em 2012, em uma tentativa de restabelecer o ambiente necessário para o desenvolvimento de frota nacional. O retorno à situação pré-abertura não ocorreu até o momento.

De forma geral, os argumentos relativos à manutenção de solução logística adequada justificam a resistência da maioria dos países em flexibilizar o acesso de embarcações estrangeiras aos seus mercados de cabotagem. Tais resistências permanecem mesmo com os potenciais benefícios econômicos identificados por diversas entidades e estudos, dentre os quais mencionamos o  Rethinking Maritime Cabotage for Improved Connectivity⁴.

O referenciado estudo apresentou experiências de liberalização da navegação, dentre as quais a liberalização da cabotagem entre os países da União Europeia, com a edição do Regulamento nº 3.577/1992, e a liberalização da carga incidental para o mercado de contêineres na Nova Zelândia, que é a possibilidade de reposicionamento de contêineres vazios por navios que atuam no trade internacional. Ressalta-se que o regulamento europeu possibilitou a maior integração marítima entre os países do bloco, mas não evitou a consolidação entre as empresas do setor.

O mesmo estudo apresenta algumas considerações a respeito da cabotagem brasileira, indicando que a regulamentação nacional é comparável à grande maioria dos países avaliados, sendo responsável pela estruturação de serviços de transporte regionais que atenderiam a outros países da região. Cabe destaque sobre a iniciativa de flexibilização da cabotagem chinesa, que passou a permitir que navios de bandeira estrangeira, controlados por empresas chinesas, pudessem operar na cabotagem.

A experiência chinesa corrobora a tendência de internacionalização das frotas, entretanto permanecendo sob controle das empresas sediadas nos países desenvolvidos, conforme demonstrado por publicação da ITF-OCDE/2019⁵.

O referido estudo relata a redução de aproximadamente 50% da frota de navios registrados nos países desenvolvidos, apesar de todas as políticas de subsídios e incentivos tributários existentes. Entretanto, as empresas sediadas nos países desenvolvidos continuam controlando a maior parte da frota mundial, mesmo arvorando a bandeira de outros países.

Diante de toda a complexidade inerente ao mercado de transporte marítimo, agravado pela impossibilidade de implementação de medidas de incentivo utilizadas por outros países, o governo federal estruturou medidas que potencializarão o desenvolvimento da cabotagem, consolidadas no programa BR do Mar. Este objetivo se mostra extremamente desafiador se considerados os dados históricos de redução dos valores de frete da cabotagem, divulgados pela EPL⁶, e de crescimento das atividades publicados pela ANTAQ⁷, neste caso merecendo destaque o crescimento superior a dois dígitos na cabotagem de contêineres nos últimos 10 anos.

Como coração da proposta está um novo regramento para afretamento de embarcações estrangeiras que, se por um lado flexibiliza a navegação de cabotagem brasileira para a utilização de embarcações estrangeiras, reduzindo custos de operação e barreiras a novos competidores no mercado, por outro mantém uma estrutura de incentivos à formação de frota pelas empresas brasileiras de navegação.

Merece destaque, portanto, a possibilidade de navios estrangeiros, com menores custos operacionais, afretados por empresas brasileiras de navegação de uma subsidiaria integral no exterior, operarem na cabotagem brasileira. Esta estruturação pode parecer complexa à primeira vista, mas é uma prática de mercado, conforme apontado pelos estudos da UNCTAD e da ITF/OCDE, supracitados.

O grande diferencial desta proposta é que os navios estrangeiros operados por empresas brasileiras de navegação estariam comprometidos com o atendimento do mercado nacional, “isolados” da dinâmica de volatilidade do mercado externo, e sob regras brasileiras que não permitem as práticas concorrenciais percebidas no mercado internacional, conforme apresentado por estudo publicado pelo CADE⁸.

A operação de navios com menores custos operacionais seria permitida em determinadas operações, ou para empresas que mantenham investimento em frota própria no país, demonstrando vínculo de longo prazo. Assim, busca-se assegurar o ambiente para o investimento em frota e perenidade da disponibilidade das operações de transporte. E mais do que isso: a regularidade de custos de frete, sendo esta a maior demanda apontada pelos usuários do serviço.

Também foi contemplada medida voltada para mitigar as barreiras de entrada no setor, relacionadas aos investimentos necessários para constituição de frota, sendo permitido que empresas de navegação possam iniciar suas operações somente com embarcações afretadas e registradas no Brasil.

Outras medidas que merecem destaque são aquelas voltadas para proporcionar maior efetividade para o uso do AFRMM, assim como a instituição da figura da empresa brasileira de investimento na navegação. Esta atuará de forma semelhante ao que ocorre em outros setores da infraestrutura no Brasil, bem como no mercado de navegação em outros países, viabilizando o investimento em ativos no setor de navegação por instituições gestoras de capital.

A necessidade de simplificação das questões burocráticas é outro ponto de consenso destacado durante as discussões que precederam a estruturação do programa. Neste sentido, a possibilidade de comprovação eletrônica do recebimento de mercadoria é uma importante medida de desburocratização que integra o projeto de lei original. Além disso, a dispensa da livre prática da ANVISA para a navegação doméstica traz mais racionalidade e competitividade para a cabotagem frente a alternativa concorrente, que é o transporte rodoviário, onde não há este tipo de exigência.

A maturidade e equilíbrio das propostas contidas no BR do Mar, implementado pelo Projeto de Lei nº 4.199/2020, foi demonstrada pelo texto aprovado pela Câmara dos Deputados, que contou com diversos aprimoramentos, mas manteve a integridade da estrutura do programa que tramita agora no Senado Federal. E a expectativa é grande para que entre em vigência este novo marco para a navegação entre portos do país, parte relevante de uma revolução em curso na matriz logística brasileira, conduzida pelo Ministério de Infraestrutura.

 

¹The Impacts of Globalisation on International Maritime Transport Activity. Disponível em: https://www.oecd.org/greengrowth/greening-transport/41380820.pdf.

²Decision on Maritime Transport Services S/L/24 (WTO/1996). Disponível em: https://docs.wto.org/dol2fe/Pages/SS/directdoc.aspx?filename=q:/S/L/24.pdf.

³Antitrust: Commission prolongs the validity of block exemption for liner shipping consortia. Disponível em: https://ec.europa.eu/commission/presscorner/detail/pt/ip_20_518.

Rethinking Maritime Cabotage for Improved Connectivity. Disponível em: <https://unctad.org/en/pages/PublicationWebflyer.aspx?publicationid=1965>. 

Maritime Subsidies Do They Provide Value for Money? Disponível em: https://www.itf-oecd.org/sites/default/files/docs/maritime-subsidies-value-for-money.pdf.

⁶Boletim de Logística 1° Semestre 2019. Disponível em: https://ontl.epl.gov.br/wp-content/uploads/2020/09/boletim-logistico-1semestre2019.pdf.

⁷Estatístico Aquaviário. Disponível em: < http://web.antaq.gov.br/anuario/.

⁸Cadernos do Cade: Mercado de transporte marítimo de contêineres. Disponível em: http://antigo.cade.gov.br/acesso-a-informacao/publicacoes-institucionais/publicacoes-dee/caderno-mercado-de-transporte-maritimo-de-conteineres-versao-final.pdf.

 

*Diogo Piloni e Silva é especialista em Engenharia e Gestão Portuária e secretário da Secretaria Nacional de Portos e Transporte Aquaviário (Ministério de Infraestrutura).

**Dino Antunes Dias Batista é mestre em Transportes e diretor do Departamento de Navegação e Hidrovias (Ministério de Infraestrutura).

***Cléber Martinez tem MBA em Administração e Finanças e coordenador no Departamento de Navegação e Hidrovias (Ministério da Infraestrutura).

 

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