Reproduções – Brasil, economia e governo https://www.brasil-economia-governo.com.br Fri, 21 Oct 2022 16:16:59 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=6.5.3 PIB brasileiro está mal internacionalmente, segundo o FMI https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=3682&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=pib-brasileiro-esta-mal-internacionalmente-segundo-o-fmi Fri, 21 Oct 2022 16:14:55 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=3682 PIB brasileiro está mal internacionalmente, segundo o FMI

 

Por Roberto Macedo* 

 

O Fundo Monetário Internacional (FMI) publicou recentemente, no dia 11, nova edição do seu World Economic Outlook (Perspectiva Econômica Mundial), que mais uma vez deixou o Brasil mal na foto. Como já apontei várias vezes neste espaço, desde 1980 o Brasil está numa fase de estagnação, que segundo meu dicionário, não significa crescimento econômico nulo, e sim abaixo do seu potencial. Creio que o leitor concordará que com uma boa arrumada nosso país poderia crescer muito mais.

Os dados abaixo mostram essa foto:

Dados do FMI de projeções do PIB por regiões e Brasil

Note-se que em 2022 taxa de crescimento prevista para o PIB do Brasil só é superior à das economias avançadas, que em geral avançam menos que o PIB mundial, que as economias emergentes e em desenvolvimento, e que a América Latina e o Caribe. E o Brasil fica abaixo da América Latina e Caribe, onde estão ele e seus vizinhos.

O governo federal vem alardeando a importância desse desempenho, mas ele veio principalmente da recuperação do setor de serviços, estimulado pelo alívio da Covid-19 e maior retorno da população às compras, bem como por maiores saques da caderneta e estímulos governamentais político-eleitorais.

Como na sua maioria são situações provisórias, a previsão para o PIB brasileiro em 2023 é bem menor, de apenas 1%, e fica abaixo do previsto para os grupos listados, o que indica que a estagnação continuará pesando, como vem fazendo há muito tempo.

Nos debates da eleição para presidente, os dois candidatos que restaram para o segundo turno vêm se esquivando sobre o que vão fazer na economia se vencerem. Eles devem ter seus planos, mas uma divulgação deles pode não agradar segmentos de seus próprios apoiadores, com o que preferem se omitir quanto à discussão do assunto.

Felizmente, falta pouco para determinar quem vai assumir a Presidência da República em 2023, num quadro agravado pelo custo fiscal das medidas eleitorais do atual incumbente. Mas quem assumir não terá como se omitir diante do assunto, e certamente teremos muita discussão em torno dos rumos que a política econômica governamental vai tomar.

 

*Roberto Macedo é economista (UFMG, USP e Harvard), professor sênior da USP e membro do Instituto Fernand Braudel.

 

Artigo publicado no site da Fundação Espaço Democrático, em 20 de outubro de 2022.

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Poupança cai e também estimula o PIB https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=3680&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=poupanca-cai-e-tambem-estimula-o-pib Fri, 07 Oct 2022 20:48:02 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=3680 Poupança cai e também estimula o PIB

Maiores saques das cadernetas tiveram efeito expansivo sobre o Produto Interno Bruto, principalmente em 2022.

 

Por Roberto Macedo*

 

No ano mais crítico da pandemia de Covid-19, 2020, a captação líquida (depósitos menos retiradas) das cadernetas de poupança, conforme dados do Banco Central, foi recorde, atingindo R$ 166 bilhões no ano, e pela primeira vez o saldo final das contas superou R$ 1 trilhão. Isso resultou de três fatores principais. A pandemia levou muitos consumidores à reclusão doméstica, indo menos às compras de bens e serviços e recorrendo também ao comércio eletrônico, mesmo que em menor escala. Atuou, ainda, o efeito precaução, que expande a poupança em face de incertezas quanto ao que virá à frente. E veio o auxílio que o governo passou a pagar, parte do qual foi poupado nas cadernetas.

Nesse contexto, em 2020 o Produto Interno Bruto (PIB) caiu 3,9%. Em 2021, passou à recuperação, crescendo 4,6%, os consumidores começaram a voltar às compras e a captação líquida da poupança foi negativa em R$ 35,5 bilhões. Em 2022 esse movimento se acentuou, e até agosto a captação líquida negativa foi de R$ 85,2 bilhões, em razão do que no mesmo mês o saldo final caiu abaixo de R$ 1 trilhão – e só não caiu mais em razão do crédito de rendimentos, que o Banco Central não inclui na avaliação da captação líquida. Em agosto, esse crédito alcançou um total de R$ 6,6 bilhões.

Com isso, o crescimento do PIB se ampliou e as previsões de sua taxa de crescimento anual, segundo o boletim Focus, do Banco Central, divulgado semanalmente com estimativas de analistas do mercado financeiro, passaram de 0,28%, na primeira edição de janeiro, para 2,75%, na última de setembro.

O governo Bolsonaro vem apregoando que esse resultado decorre de suas políticas econômica e social, mas parece-me que o maior efeito veio do retorno da população às compras de bens e serviços.

A mais recente ampliação dos benefícios sociais veio em setembro, mas os citados dados da poupança correspondem ao período até agosto, quando a recuperação já se evidenciava. Lembro, também, que o citado movimento de queda da poupança começou em 2021, quando a captação líquida negativa alcançou o citado valor de R$ 35,5 bilhões, e acrescento que isso ocorreu principalmente no segundo semestre, já trazendo um estímulo ao PIB que se consolidou em 2022, com o referido valor de R$ 85,2 bilhões.

Para fins de comparação, segundo o site economania.com.br, em 13 de julho passado, a partir de fontes governamentais, o valor total dos novos benefícios – aumento de R$ 200 no Auxílio Brasil, aumento do vale-gás, do auxílio-caminhoneiro, transporte gratuito para idosos com mais de 65 anos, subsídio para a produção do etanol e auxílio para taxistas – foi estimado em R$ 40,8 bilhões, sendo que o primeiro benefício citado é o maior deles (R$ 26 bilhões).

Contudo, a questão sob análise não pode parar aqui, porque a dúvida que emerge é se a despoupança que vem acontecendo nas cadernetas tem sido toda dirigida ao consumo, uma vez que pode ser também destinada a outras aplicações em renda fixa e em renda variável. Quanto a isso, meu amigo e ex-professor o economista Carlos Antonio Rocca vem realizando uma análise ímpar do chamado fluxo de fundos da economia, ou seja, de onde o dinheiro vem e para onde ele vai.

Rocca lidera o Centro de Estudos de Mercado de Capitais (Cemec), ligado à Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (www.cemecfipe.org.br). A nota Cemec 05/2022, publicada em maio, trata da poupança financeira da economia no primeiro trimestre deste ano. Mostra que houve queda dos depósitos de poupança, conforme já assinalado, dos fundos de investimento, das ações e dos depósitos à vista, que se destinaram à compra de títulos da dívida pública, de títulos corporativos, mais depósitos a prazo e maior captação bancária, como via Letras de Crédito Imobiliário (LCIs) e Letras de Crédito do Agronegócio (LCAs).

O resultado final foi negativo, totalizando R$ 32,4 bilhões, com destaque para os depósitos de poupança, que, como já dito, devem ter contribuído para a expansão do PIB.

O relatório do segundo trimestre ainda não foi publicado, mas Rocca teve a gentileza de adiantar dados de meu interesse, abrangendo o primeiro semestre como um todo. Desta vez, nos fluxos citados, do lado das saídas o maior destaque foi para os fundos de investimentos, com queda de R$ 109 bilhões, seguida pela da poupança, no valor de R$ 62 bilhões; e, do lado das entradas, o maior aumento foi na captação bancária, que cresceu R$ 91 bilhões. Soube que a alta de juros foi determinante do lado da captação, acrescida do fato de que papéis como LCIs e LCAs são isentos do Imposto de Renda.

Com os dados semestrais, o efeito da queda da poupança parece menor, porque foi de R$ 10,2 bilhões no segundo trimestre, o que contrasta com outros valores apresentados. Em retrospecto, creio ser claro o efeito do total das quedas ampliando o consumo, mas tenho mais a aprender com o professor Rocca, em particular como entra o aumento da renda em cálculos como os apresentados.

 

* Roberto Macedo é economista (UFMG, USP e Harvard), professor sênior da USP e membro do Instituto Fernand Braudel.

 

Artigo publicado no jornal O Estado de S. Paulo em 6 de outubro de 2022.

 

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PIB seguirá estimulado em 2022, mas 2023 é outra história https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=3678&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=pib-seguira-estimulado-em-2022-mas-2023-e-outra-historia Thu, 22 Sep 2022 22:46:52 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=3678 PIB seguirá estimulado em 2022, mas 2023 é outra história

 

O crescimento da economia deve continuar no segundo semestre, com os novos estímulos governamentais, como o aumento do Auxílio Brasil e o vale gás

 

Por Roberto Macedo

 

O IBGE divulgou no dia 1º deste mês um crescimento de 1,2% do PIB do segundo trimestre deste ano, relativamente ao trimestre anterior. Uma boa taxa e a melhoria decorreu de vários fatores. Do lado da demanda, seu maior componente, o consumo das famílias, aumentou 2,9% no período; os investimentos, 4,8%. Em contrapartida, caiu 0,9% o consumo do governo. As importações subiram 7,6%, também mostrando a força da demanda, ainda que neste caso atuando negativamente sobre o PIB brasileiro, embora com pequena participação no seu conjunto.

Influenciando a demanda estiveram estímulos como os decorrentes da busca de mais atividades fora do âmbito doméstico, busca essa que veio do alívio da pandemia da Covid-19. Houve também antecipação de metade do 13º aos aposentados e pensionistas do INSS e liberação de parte do FGTS, representando estímulos determinados pelo governo.

Setorialmente, a grande força esteve no setor de serviços, o mais amplo da economia, que avançou 1,3%, estimulado pelo referido aumento do consumo das famílias, mas o resultado mais forte foi na indústria, que avançou 2,2%. O maior peso no setor serviços fica evidente porque a sua taxa de crescimento, 1,3%, foi a que esteve mais perto da do PIB (1,2%).

O crescimento da economia deve continuar no segundo semestre, no qual já atuam novos estímulos governamentais, como o aumento do Auxílio Brasil e o vale gás, além de benefícios novos para caminhoneiros e motoristas de táxi. O mercado está prevendo, conforme o relatório Focus do Banco Central, de 2 de setembro, que o crescimento do PIB em 2022 alcançará a taxa de 2,26%, taxa essa que vem seguindo ininterruptamente há 10 semanas[1].

Já para 2023, a visão do mesmo relatório é de um crescimento próximo de apenas 0,47%. O que explica tamanho contraste relativamente à previsão para este ano? Antes de responder, vale lembrar que estimativas se baseiam em hipóteses quanto ao futuro. Essa do relatório Focus supõe que a força do alívio da pandemia se estabilizará e que o efeito da maior taxa de juros mostrará um impacto negativo maior. Há alguma incerteza quanto à manutenção do Auxílio Brasil no seu valor atual, mas se mantido poderá também aumentar a desconfiança quanto à situação fiscal do governo, inibindo investimentos privados. Em síntese, há maior incerteza quanto à taxa do PIB em 2023, o que também é típico de previsões, pois, quanto mais distantes do horizonte imediato, maior é essa incerteza.

A quem se interessar pela evolução semanal das previsões do PIB, da inflação e de outras variáveis por analistas do mercado financeiro, sugiro consultar o site do Banco Central, buscar a conexão Publicações e Pesquisa, e dentro dela o Focus – Relatório de Mercado. Na mesma conexão Publicações e Pesquisa, se houver interesse em receber esse relatório toda segunda-feira, há um local para essa finalidade, onde o e-mail do interessado deve ser colocado.

 

Roberto Macedo é economista (UFMG, USP e Harvard), professor sênior da USP e membro do Instituto Fernand Braudel.

 

Artigo publicado no site do Espaço Democrático em 5 de setembro de 2022.

 

[1] No relatório Focus de 19 de setembro, a expectativa de crescimento para este ano subiu para 2,65% e para 2023  subiu para 0,50%.

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A queda da poupança em 2022 https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=3648&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=a-queda-da-poupanca-em-2022 Tue, 12 Jul 2022 23:22:46 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=3648 A queda da poupança em 2022

 

Por Roberto Macedo* 

 

O Banco Central acabou de publicar seu relatório mensal sobre a caderneta de poupança, com dados mensais até junho de 2022. Na publicação, esses dados aparecem junto com os dados mensais de 2019, 2020 e 2021, cobrindo assim os três últimos anos e o primeiro semestre de 2022.

Este último semestre mostrou um comportamento atípico, pois se comparado com os primeiros semestres do período 2019-2021, foi o que mostrou mais meses (cinco) de capitalização líquida (depósitos menos retiradas) negativa, mesmo com o aumento dos rendimentos creditados que subiram. Estes voltaram a ser 0,5% ao mês mais o valor da taxa referencial, que voltou a ser positivo, depois de muito tempo com o valor zero. Especificamente, a última remuneração mensal total, divulgada pelo Banco Central em 7 de julho, foi de 0,7008.

O comportamento da poupança no primeiro semestre de 2022 contrastou mais fortemente com o que aconteceu com ela em 2020, que teve apenas dois meses de captação líquida durante todo o ano, e o saldo final de todas as contas passou de R$ 845 bilhões em dezembro de 2019 para R$ 1,035 trilhão no mesmo mês de 2020, resultado do auxílio emergencial de R$ 600 que o governo federal pagou em 2020, que muitos depositantes preferiram poupar.

Olhando à frente, a perspectiva é de um auxílio adicional de R$ 200, mas em cima dos R$ 400 do Auxílio Brasil. Talvez muita gente optará por poupá-lo no todo ou em parte, mas sem o maior impacto do auxílio emergencial de 2020.

Outro dado interessante é que o saldo final de todas as contas no mês de junho de 2022 foi de R$ 1,013 trilhão, abaixo do valor de R$ 1,030 trilhão em 2021. Ou seja, uma queda de R$ 17 bilhões. Isso apesar de as contas de poupança terem recebido rendimentos de R$ 30,5 bilhões durante do ano 2021 e R$ 33,5 bilhões no primeiro trimestre de 2022. Ou seja, sem esses R$ 64 bilhões o saldo final de todas as contas teria caído muito mais.

Noutra visão, no seu todo e de um modo geral, os depositantes da caderneta de poupança passaram a usá-la para suprir suas carências de renda em 2021 e 2022, na sua média mantendo os seus saldos finais, mas consumindo o que veio de rendimentos mensais. Mas essa é uma das finalidades da poupança, enfrentar tempos de dificuldades. E esses movimentos da poupança sinalizam que elas existem e estão sendo enfrentadas.

 

* Roberto Macedo é economista (UFMG, USP e Harvard), professor sênior da USP e membro do Instituto Fernand Braudel.

 

Artigo publicado no site da Fundação Espaço Democrático, em 12 de julho de 2022.

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Mais e graves pecados fiscais e eleitorais https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=3646&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=mais-e-graves-pecados-fiscais-e-eleitorais Thu, 07 Jul 2022 15:36:57 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=3646 Mais e graves pecados fiscais e eleitorais

 

PEC do ‘estado de emergência’ descumpre mandamentos de uma adequada política fiscal e de regras eleitorais sem privilégio.

 

Por Roberto Macedo*

 

Tendo como pretexto o forte aumento do preço dos combustíveis, o desgoverno Bolsonaro se excedeu imaginando um “estado de emergência” com sua Proposta de Emenda Constitucional (PEC) recém-aprovada no Senado, com apenas um voto em contrário, do senador José Serra, que honrou o seu mandato.

Entre outros gastos, ela contempla ampliação do Auxílio Brasil, aumento do vale-gás e bolsa-caminhoneiro e para motoristas de taxi. Quando eu escrevia este texto, essa PEC estava na Câmara dos Deputados e a previsão é de que ali será também aprovada por larga margem, pois a dita oposição não quer ir contra um pacote de benesses na proximidade de eleições, ainda que muito defeituoso, populista, oportunista e favorável ao seu adversário. Segundo o jornal O Globo de 1/7/2022, “parlamentares fizeram duras críticas, mas não tiveram coragem de figurar em lista contra a proposta que aumenta verbas públicas para programas sociais, mesmo dando vantagem eleitoral ao presidente”.

Esta “emergência” da referida PEC só existe, mesmo, é nas hostes governistas, pois seu candidato presidencial à reeleição corre alto risco de perdê-la, conforme as pesquisas de intenção de voto. E, assim, ele partiu para a violência fiscal e eleitoral. Só não digo que partiu para a ignorância porque sabe muito bem o que está fazendo.

As instituições fiscais e eleitorais são como mandamentos que regem um Estado Democrático de Direito, e a PEC atua contra um desses mandamentos ao promover a gastança num momento em que o governo não dispõe de recursos, o que aumenta a desconfiança de agentes econômicos na gestão fiscal do governo. Isso traz consequências que não foram ponderadas pelos senadores, como o fato de que as incertezas desses agentes pressionam a taxa de câmbio, um dos ingredientes da alta dos preços dos combustíveis.

Manchete deste jornal ontem mostrou, também, outro efeito: Risco fiscal eleva juro pago pela União. A inflação, que já é alta, será pressionada para cima por essa expansão de gastos, o que vai contra a política anti-inflacionária do Banco Central, que será pressionada por juros altos, prejudiciais aos gastos dos consumidores e aos investimentos em geral.

No plano eleitoral, um mandamento moral e ético é o de que as leis não podem favorecer este ou aquele candidato, e a PEC em questão viola esse mandamento ao beneficiar claramente o presidente e candidato Jair Bolsonaro num período eleitoral. É como uma compra de votos. Espero que os eleitores brasileiros não caiam nessa.

Diante do quadro social, alguém poderia perguntar: mas você não está se mostrando insensível ao sofrimento dos mais pobres? Ora, sempre defendi uma política social em favor deles e desde que nasceu o Bolsa Família sempre o elogiei, mas o desgoverno atual andou mexendo no programa. Entre outras coisas, passou a oferecer um valor mínimo por família, o que estimula a separação delas para receber benefícios em dobro.

Soube que o número de famílias “de um só integrante” beneficiárias do Auxílio Brasil saltou de 2,2 milhões para 3,7 milhões entre novembro de 2021 e abril de 2022. Segundo o economista Marcelo Neri, reconhecido especialista em políticas sociais, o “valor de R$ 600 é bom de divulgação, mas não de desenho” (Folha de S.Paulo, 3/7/2022). É esse valor que virá com a citada PEC.

Sigo vários especialistas em políticas sociais que apontam que o conjunto de políticas sociais do governo, alegadamente em benefício dos mais pobres, precisa de uma revisão quanto ao cumprimento de seus objetivos e ao desenho de seus cadastros. Também sou favorável a uma expansão seletiva dessas políticas, financiada a partir de impostos diretos mais altos e mais progressivos. Mas isso não se faz às pressas e caberia fixar um prazo suficiente para que um projeto a respeito fosse subsidiado por estudos de especialistas quanto ao seu desenho e impacto distributivo de renda.

Acrescento que esta PEC também pode prejudicar o crescimento econômico. Embora aumente os gastos no período de sua duração, isso, como já dito, poderá ter impactos desfavoráveis nas finanças públicas, ampliando incertezas quanto à obediência do mandamento de uma gestão fiscal equilibrada, com efeito desfavorável nas taxas de câmbio e de juros.

Outro problema é que os R$ 200 a mais do Auxílio Brasil cessariam em dezembro deste ano, ou seja, é um “estado de emergência” com duração definida. Haverá pressão para a manutenção deste e de outros benefícios em 2023, ano para o qual as previsões de crescimento são desanimadoras, em particular porque o governo vindouro se verá diante de um cenário econômico altamente complicado para a sua gestão.

Cabe destacar o voto isolado do senador José Serra. Entre outras justificativas, ele disse que “esta PEC viola a Lei de Responsabilidade Fiscal e fura o teto de gastos”. Estes são, também, mandamentos da boa gestão fiscal, que eticamente deveria ser em prol do bem comum. Mas a maioria dos congressistas não se revela preocupada com isso nem com o crescimento econômico do País.

 

* Roberto Macedo é economista (UFMG, USP e Harvard), consultor econômico e de ensino superior e membro do Instituto Fernand Braudel.

 

Artigo publicado no jornal O Estado de S. Paulo, em 7 de julho de 2022.

 

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PIB do segundo semestre de 2022 não começou bem https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=3643&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=pib-do-segundo-semestre-de-2022-nao-comecou-bem Sat, 02 Jul 2022 02:47:01 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=3643 PIB do segundo trimestre de 2022 não começou bem

 

Por Roberto Macedo*

 

Dados setoriais de abril, já divulgados pelo IBGE, indicam que o PIB do segundo trimestre não começou bem. Segundo esses números, a indústria de transformação cresceu 0,1% no mês, relativamente ao mês anterior (março). Nos demais setores, o crescimento foi de 0,9% no comércio varejista, 0,7% no comércio varejista ampliado e 0,2% no setor de serviços, que é o mais importante – vale lembrar que no mês anterior sua taxa foi de 1,4%.

Com base nesses e noutros dados a Fundação Getúlio Vargas (FGV), do Rio de Janeiro, por meio do seu Monitor do PIB, estimou que o crescimento do PIB no mês foi de 0,3%.

Conforme já apontado neste espaço, há um fator que já favorece o crescimento do PIB em 2022. Se este ficasse no mesmo valor do primeiro trimestre de 2022, quando cresceu 1% e chegou ao índice de 174,13 (fazendo a média de 1995 = 100), ele cresceria 1,5% em 2022, pois o índice médio de 2021 foi 171,6 e dividindo-se 174,13 (que seria o índice médio de 2022 na hipótese acima) por ele, essa seria a taxa de crescimento. Esse pequeno aumento em abril também contribuiria para a elevação dessa taxa anual.

Vale lembrar também que com esse índice de 174,13 no primeiro trimestre deste ano e esse pequeno aumento em abril, o PIB ainda não voltou ao índice que já havia alcançado no quarto trimestre de 2014 (!), de 175,2. Ou seja, desde então entrou numa depressão que se revela duradoura.  E desde 1980 o PIB vem mostrando um desempenho inferior a seu potencial.

Nesse contexto, o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, numa palestra em Lisboa no último dia 27, colocou a previsão de um crescimento do PIB de 1,7% em 2022, enquanto a última previsão do Relatório Focus, pesquisado pelo mesmo Banco Central junto a analistas de mercado, estava em 1,5% no início de junho. Em princípio, portanto, Campos Neto parece já ter incorporado essa taxa de 0,3% em abril, da FGV, na sua previsão, e está supondo que até o fim do ano o PIB ainda crescerá mais um pouquinho. Mas também pode acontecer alguma queda, em face de problemas como a inflação alta que corrói remunerações, e questões fiscais do governo que prejudicam expectativas de investidores. Quanto a isso, os investimentos, na forma de formação bruta de capital fixo, vêm mostrando taxas negativas desde o início do ano, inclusive em abril, conforme apontado pelo Monitor do PIB da FGV.

Pode-se concluir que há analistas prevendo mais pequenos aumentos até o fim do ano, enquanto outros apontam a perspectiva de quedas. O resultado final da taxa anual ainda não pode ser determinado, e nosso palpite é que ficará perto de 2%, o que não seria uma boa taxa, mas apenas a confirmação de que a nossa economia não mostra forças suficientes para superar sua tendência histórica de baixo crescimento, que já dura décadas.

 

* Roberto Macedo é economista (UFMG, USP e Harvard), professor sênior da USP e membro do Instituto Fernand Braudel.

 

Artigo publicado no site da Fundação Espaço Democrático em 30 de junho de 2022.

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O PIB após a taxa de 1% no 1º trimestre https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=3634&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=o-pib-apos-a-taxa-de-1-no-1o-trimestre Fri, 17 Jun 2022 07:15:15 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=3634 O PIB após a taxa de 1% no 1º trimestre

 

As baixas taxas de crescimento observadas no período recente demonstram que esse fraco desempenho já se tornou uma questão estrutural de difícil solução no curto prazo.

 

Por Roberto Macedo*

 

O IBGE anunciou no último dia 2 que o PIB cresceu 1% no primeiro trimestre, se comparado ao último trimestre de 2021. Isoladamente, a taxa não é das piores, mas precisaria se manter ou se ampliar no restante do ano para que o crescimento em 2022 fosse maior.

Há um fator que já favorece o crescimento do PIB em 2022. Se este ficasse no mesmo valor do primeiro trimestre de 2022, quando chegou ao índice de 174,13 (fazendo a média de 1995 = 100), cresceria 1,5% em 2022, pois o índice médio de 2021 foi 171,6 e dividindo-se 174,13 (que seria o índice médio de 2022 na hipótese acima) por ele, esta seria a taxa de crescimento.

Para olhar à frente, vale lembrar que com esse índice de 174,13 no primeiro trimestre deste ano o PIB ainda não voltou ao índice que já havia alcançado no quarto trimestre de 2014 (!), ou seja, 175,2. Ou seja, desde então entrou numa depressão que se revela duradoura. E desde 1980 o PIB vem mostrando um desempenho inferior ao seu potencial.

As baixas taxas de crescimento do PIB que também vêm sendo observadas em média no período recente demonstram que esse fraco desempenho já se tornou uma questão estrutural de difícil solução no curto prazo. E as expectativas de analistas do mercado financeiro são de um crescimento idêntico ao do primeiro trimestre, neste trimestre em andamento, e taxas ainda menores, ou mesmo negativas, nos dois últimos trimestres do ano, cujas dificuldades se prolongariam em 2023. Conforme atualização parcial do Relatório Focus do Banco Central em 6 de junho, a previsão é de que o PIB cresça 1,2% em 2022 e 0,76% em 2023, este último número indicando que as dificuldades do segundo semestre de 2022 se prolongariam no ano seguinte.

A razão é que há uma série de fatores que apontam nessa direção, entre eles muitas incertezas ligadas à má-situação fiscal do governo e à sua reação diante dela, as quais poderão aumentar a cotação do dólar, dificultando ainda mais o combate da inflação, que tem corroído os rendimentos reais e diminuído o poder aquisitivo da população. A guerra na Ucrânia permanece sem solução, o que deverá manter a pressão sobre o preço do petróleo e das commodities. No primeiro trimestre deste ano, por conta da inflação o consumo das famílias aumentou apenas 0,7%, ou seja, foi inferior ao crescimento do PIB, e o consumo do governo cresceu apenas 0,1%, indicativo de dificuldades fiscais. E a política monetária vem elevando a SELIC, o que encarece empréstimos e financiamentos de investimentos.

Do lado positivo, a pressão da guerra na Ucrânia sobre os preços das commodities poderá ser aliviada se pelo menos se mantiverem onde estão. Internamente, os gastos eleitorais e a expansão de gastos públicos, em particular nos estados, que estão em melhor situação financeira, poderão trazer algum alívio. Tomara que venha uma taxa de crescimento maior, mas não se espera nada de excepcional, com a economia mantendo-se na rota de crescimento abaixo do seu potencial. Essa questão estrutural deve sobrar novamente para o próximo governo.

 

* Roberto Macedo é economista (UFMG, USP e Harvard), professor sênior da USP e membro do Instituto Fernand Braudel.

 

Artigo publicado no site da Fundação Espaço Democrático em 7 de junho de 2022.

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Políticos negligenciam o crescimento econômico https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=3613&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=politicos-negligenciam-o-crescimento-economico Sat, 07 May 2022 00:59:57 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=3613 Políticos negligenciam o crescimento econômico

Tanto o presidente da República como parlamentares estão mais preocupados com seus interesses pessoais e eleitorais.

 Por Roberto Macedo*

Insisto novamente – e vou continuar nesta linha – na minha pregação de que há tempos a economia brasileira enveredou por um caminho que prejudicou muito seu crescimento econômico e que a sociedade precisa cobrar dos políticos um sério e rápido enfrentamento desse problema.

Desde a década de 1980, a economia brasileira, que em meados do século passado foi uma das que mais cresceram mundialmente, passou a taxas de crescimento muito baixas relativamente a seu potencial, ficando para trás diante da maioria dos países.

A década passada teve o pior desempenho médio anual do PIB desde a década de 1900. Olhando números do governo Bolsonaro, de 2019 a 2022, segundo cálculos do economista José Roberto Mendonça de Barros, em artigo publicado neste jornal no dia 1.º de maio, o crescimento anual médio será de 0,55%, se o PIB crescer 0,5% em 2022, ou de 0,68%, se neste ano avançar 1% – previsões que são referendadas por outros analistas do assunto.

São taxas inferiores à do crescimento populacional, estimada em 0,7% ao ano, o que levaria a uma queda do PIB per capita no mesmo governo. Mas não vejo Jair Bolsonaro tratando deste problema, mais preocupado que está em se reeleger na próxima eleição presidencial e com seguir suas convicções políticas, que, entre outros casos, provocam atritos com o Supremo Tribunal Federal (STF), prestigiando até manifestações contra esse tribunal. Os episódios mais recentes foram o indulto ao deputado federal Daniel Silveira, além de voltar a insistir equivocadamente contra a lisura do processo eleitoral.

Entendo que o maior problema da economia está na política e que foram políticos, salvo exceções cada vez mais excepcionais, que nas últimas quatro décadas se comportaram de forma a contribuir para o mau desempenho econômico do Brasil.

O que leva ao crescimento econômico é, principalmente, a realização de investimentos em formação bruta de capital fixo (máquinas, equipamentos, infraestrutura e outros), pois geram produção, empregos e renda, com efeitos que se disseminam pela economia além do próprio investimento em si. Nesse contexto, os investimentos públicos se destacaram por sua queda. Tenho à vista um gráfico dos investimentos públicos de 1947 a 2019 produzido pelo Observatório de Política Fiscal da Fundação Getúlio Vargas. Ele mostra esses investimentos como proporção do PIB, e a série começa com valor perto de 3% e sobe até seu pico, próximo de 10%, nos anos 1970, aqueles em que a economia apresentou seu maior avanço desde 1900. Depois, a taxa de investimento público/PIB volta a cair, atingindo um valor um pouco abaixo desses 3% em 2019. Ou seja, esses investimentos perderam quase todo o seu papel na promoção de um maior crescimento econômico.

Visto de outra forma, esse gráfico mostra que as despesas obrigatórias, como salários e previdência, cresceram mais, a ponto de sacrificar os investimentos. Como a carga tributária aumentou e o governo continua se endividando, a economia sofre com esta maior transferência de recursos de empresas e famílias para o governo, que investe muito menos do que essas fontes de tributos e empréstimos. Vejo isso como altamente prejudicial ao crescimento econômico, mas praticamente nada se faz para corrigir o problema.

Ao contrário, no caso federal, tanto o presidente da República como o Congresso se empenham em agravar essa redução dos investimentos públicos. Para realizá-los, é preciso haver recursos. Um exemplo: segundo matéria do jornal O Globo no dia 3/5, o governo abriu mão de R$ 40 bilhões em impostos, o que, além de prejudicar investimentos, deixa uma conta para o próximo governo, pois o atual vem contando com um aumento de arrecadação provocado, em grande parte, pela maior inflação. E essa renúncia também tem sido causada por interesses eleitoreiros.

No Congresso, a Câmara é dominada pelo Centrão, que também tem força no Senado, e a preocupação reinante é distribuir recursos para as bases dos congressistas para colher vantagens eleitorais. E o fazem por meio de absurdas emendas parlamentares, conhecidas como “de relator”, arbitrariamente determinando os municípios que as receberão, em proveito de seus autores. E outra aberração apareceu também no jornal citado. Trata-se de emendas chamadas de “cheque em branco” ou “pix orçamentário”, em que a verba vai diretamente para o caixa das prefeituras, sem a necessidade de um projeto específico. Segundo a reportagem, emendas desse tipo passaram de R$ 557 milhões, em 2020, para R$ 1,87 bilhão, em 2021, e no Orçamento atual estão previstos R$ 3,28 bilhões com essa “destinação”.

Chamar isso de investimento público pode até valer do ponto de vista contábil, se for apurado esse uso da verba. Mas as emendas em geral são recursos pulverizados seguindo o interesse de parlamentares e fogem à ética do bem comum, que deveria orientar os investimentos públicos. Ou seja, além da mudez quanto ao crescimento econômico, os parlamentares se engajam em práticas que o prejudicam.

 

* Roberto Macedo é economista (UFMG, USP e Harvard), professor sênior da USP e membro do Instituto Fernand Braudel.

 

Artigo publicado no jornal O Estado de S. Paulo em 5 de maio de 2022.

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Pacheco e os quinquênios para juízes e promotores https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=3611&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=pacheco-e-os-quinquenios-para-juizes-e-promotores Fri, 22 Apr 2022 14:25:49 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=3611 Pacheco e os quinquênios para juízes e promotores

 

Em lugar do adicional salarial de 5% a cada cinco anos, deveriam ser reduzidos os salários iniciais dessas carreiras.

 

Por Roberto Macedo*

 

Refiro-me a Rodrigo Pacheco, presidente do Senado, e à matéria intitulada Pacheco defende penduricalho para juízes e promotores, mas critica supersalários, no site da Folha de S. Paulo no dia 25 do mês passado. A matéria tem razão ao chamar de penduricalho a ideia de recriar os quinquênios a que tinham direito os membros da magistratura e do Ministério Público. Isso significaria adicional salarial de 5% a cada cinco anos, e seria mais um privilégio descabido, por razões que apresentarei mais adiante.

A ideia integra a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 63, conhecida como PEC do Quinquênio, apresentada em 2013, ou seja, há quase dez anos, e que “(…) passou os últimos dez anos praticamente esquecida no Senado”. Se isso ocorreu, já é um bom sinal de sua inconveniência, na avaliação de senadores, mas recentemente retornaram as pressões para que essa PEC voltasse a andar, e o assunto chegou a manchetes como a da matéria citada.

Pacheco criticou a falta de progressão nas remunerações de juízes e promotores ao longo da carreira. Textualmente: “(…) temos de entender que também não é lógico, é uma distorção um profissional, promotor de Justiça, no início da carreira receber a mesma remuneração de alguém no final da carreira”.

Nisso ele tem razão, mas o problema está na solução proposta pela PEC, de recriar os quinquênios, pois trata-se de um bônus automático que não estimula a busca do aprimoramento profissional e até incentiva a não opção pela aposentadoria com o objetivo de ampliar a coleção individual de quinquênios.

Para corrigir o problema, minha sugestão parte da referida constatação de salários idênticos no início e no final da carreira. Mas cabe perguntar: que salários são esses? Num site voltado para ensinar candidatos a concursos, soube da existência de um, para juiz federal substituto e juíza federal substituta da Terceira Região, e nesse site é dito que o salário inicial (!) mensal é de R$ 32.004,65 (!). Certa vez, ouvi que num cursinho para concursos os que buscavam o de juiz discutiam entre si qual o carro que comprariam se passassem, um Audi, um BMW ou outro na mesma linha. Não sei se isso de fato ocorreu, mas faz sentido.

Insisto: é neste altíssimo salário inicial que está a distorção. Se fosse a metade, já estaria ótimo. Com o que conheço do mercado de trabalho, não sei de outra carreira, fora da magistratura e do Ministério Público, que tenha um salário inicial tão alto. Se começasse com a metade desse valor para os novos ingressantes, poderiam ser criadas funções ao longo da carreira para quem demonstrasse qualificações para a ascensão funcional.

Perguntei a alunos do curso de Economia da Universidade de São Paulo (USP) já próximos da formatura qual seria o salário que poderiam ter logo depois, para início de carreira. A resposta foi que um salário em torno de R$ 10 mil mensais seria considerado adequado.

Vou dar, também, o exemplo da carreira de magistério na USP, onde, depois de me aposentar, voltei a lecionar em 2019 como professor voluntário. O cargo inicial da carreira é de professor assistente, para o qual já se exige o título de doutor. Depois de alguns anos, é preciso mostrar serviço, como publicações e carga docente, para obter o título de livre-docente, que credencia seus diplomados a disputar o concurso de professor adjunto. Finalmente, há o concurso para professor titular, com número limitado de cargos, e só uns poucos chegam a eles.

Dei uma olhada no edital de concurso de juízes e vi que é aberto a bacharéis em Direito formados há mais de três anos e que comprovem exercício profissional na área num período de mesma duração. Entre os degraus da carreira proposta, poderia haver uma combinação de carreira acadêmica via mestrado, doutorado e livre-docência, com a experiência profissional ao longo dela, como o número e o alcance de decisões processuais e o exercício de cargos administrativos. Mais alternativas poderiam ser discutidas, se houver a opção por um salário inicial menor, o que também poderia alcançar outras carreiras, no contexto da reforma administrativa que vem sendo discutida.

O altíssimo salário inicial também pode ser enquadrado na discussão dos supersalários no setor público. Disse Rodrigo Pacheco: “Ninguém defende o supersalário, por isso que existe um projeto no Senado, para poder disciplinar o que é subsídio e o que é verba indenizatória”. Mas há que discutir valores, e talvez Pacheco não tenha percebido que o salário inicial citado é, também, um supersalário. E as carreiras que a PEC contempla também são beneficiadas com férias de 60 dias, o que aumenta o salário médio por mês de trabalho efetivo.

Ainda sobre a verba indenizatória, soube que os quinquênios estão sendo solicitados como indenizações para escapar ao teto de remuneração e evitar a incidência do Imposto de Renda. É a primeira vez que ouço dizer que quinquênio não é remuneração, mas indenização. Quem defende isso deveria é ser multado por falta de lógica.

 

Roberto Macedo é economista (UFMG, USP e Harvard), professor sênior da USP e membro do Instituto Fernand Braudel.

 

Artigo publicado no jornal O Estado de S .Paulo, em 21 de abril de 2022.

 

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Inflação e corrupção https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=3602&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=inflacao-e-corrupcao Tue, 19 Apr 2022 05:25:06 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=3602 Inflação e corrupção

Por Luiz Alberto Machado*

 “Não há meio mais seguro e mais sutil de subverter a base da sociedade do que  corromper sua moeda – processo que empenha todas as forças ocultas da economia na sua destruição, de modo tal que só uma pessoa em cada milhão consegue diagnosticar.”

John Maynard Keynes

Alinho-me àqueles que consideram o Plano Real o grande divisor de águas da economia brasileira. A conquista da estabilidade monetária pôs fim a um perverso ciclo de planos de estabilização fracassados que foram responsáveis pela nossa permanência em prolongado atoleiro. Adotados com o objetivo de acabar com a inflação crônica e elevada vigente na década de 1980 e início da de 1990, tais planos agravaram as tradicionais consequências negativas da inflação – corrosão do valor da moeda, elevação dos preços, perda aquisitiva dos salários – adicionando a elas a instabilidade jurídica decorrente da ruptura de contratos juridicamente perfeitos, a instabilidade financeira decorrente da troca frequente da moeda e das ilusões de rentabilidade, e a ampliação do campo para a corrupção generalizada graças, entre outras coisas, à manipulação dos orçamentos públicos transformados em peças de ficção contábil.

Num artigo de 1992 do Prof. Eduardo Giannetti da Fonseca, há um parágrafo que retrata bem o que era viver num país com taxas de inflação como essas: “A convivência com a inflação é uma escola de oportunismo, imediatismo e corrupção. A ausência de moeda estável encurta os horizontes do processo decisório, torna os ganhos e perdas aleatórios, acirra os conflitos pseudodistributivos, premia o aproveitador, desestimula a atividade produtiva, promove o individualismo selvagem, inviabiliza o cálculo econômico racional e torna os orçamentos do setor público peças de ficção contábil”. 

É evidente que há uma diferença acentuada entre os níveis da inflação daquela época e o da atual, que chegou a 10,06% em 2021, conforme divulgação do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Nos últimos dez anos, apenas em dois deles, 2015 e 2021, a inflação anual foi superior a 10%, como se observa no gráfico 1.

Gráfico 1 – A inflação nos últimos 10 anos: IPCA 2011-2021

Para enfatizar bem a diferença entre os dois contextos, vale lembrar, tanto para os que viveram nos primeiros anos da década de 1990 e, especialmente, para os que não viveram nessa época, a que patamar havia chegado a inflação no Brasil e como estávamos defasados em relação a nossos vizinhos latino-americanos que, àquela altura, já tinham obtido sucesso no esforço de debelar a inflação. Quase todos esses países, a exemplo do Brasil na década de 1980, conviveram com a combinação de estagnação prolongada, inflação crônica e endividamento elevado, no que se convencionou chamar de década perdida.

Como se vê no gráfico 2, a inflação anual do Brasil em 1992 foi de 1.178%, contrastando enormemente com a inflação dos outros países da região.

Gráfico 2 – A inflação na América Latina em 1992[1]

Em 1993, o ano que antecede a adoção do Plano Real, a situação foi ainda pior, com a inflação atingindo 2.567%, enquanto a média dos países da América Latina foi de 22% (gráfico 3). 

Gráfico 3  – A inflação na América Latina em 1993

Diz o ditado que “uma imagem vale mais que mil palavras”. As imagens desses três gráficos constituem, a meu juízo, razões mais do que suficientes para perceber que a inflação atual, mesmo estando bem acima da meta estabelecida pelo Banco Central, está num patamar completamente diferente daquele verificado antes da estabilidade propiciada pelo Plano Real.

Porém, considerando que: (i) não conseguimos eliminar por completo alguns resquícios de cultura inflacionária; (II) já nos deparamos aqui e acolá com notícias dando conta de reivindicações de aumentos de salários e/ou de preços em setores isolados; (iii) tudo indica que continuaremos em 2022 com uma inflação anual superior à meta fixada pelo Banco Central; (iv) estamos em ano eleitoral, nos quais interesses eleitoreiros costumam levar a gastos públicos superiores aos recomendáveis; e (v) assistimos a um crescente desmanche de avanços recentes das instituições anticorrupção,  achei por bem lembrar a perigosa relação entre inflação e corrupção a fim de conscientizar a todos sobre a necessidade de cortarmos o mal pela raiz, fazendo todos os esforços para que a inflação não se alastre e suba de patamar, ameaçando as conquistas decorrentes da estabilização monetária que nos colocaram, depois de muitos anos de inflação crônica e elevada, num novo padrão de convivência civilizada, sem os riscos que a falta de um padrão monetário estável significam para a corrosão do acordo moral de que dependem tanto a manutenção da ordem democrática como o funcionamento do mercado.

Recorro novamente a um alerta de Eduardo Giannetti da Fonseca: “A inflação destrói a transparência da gestão de verbas públicas, mina a confiança da sociedade no Estado, provoca a deterioração da moralidade fiscal e deturpa irremediavelmente as relações de mercado”.

Porém, para confirmar a hipótese de que ainda não estamos vivendo num clima de descontrole generalizado como costuma ocorrer quando todos os agentes econômicos – empresários, trabalhadores, donas de casa etc. – alteram seu comportamento normal, atirando-se num clima alucinado de jogatina, encerro reproduzindo um trecho bastante ilustrativo de Lionel Robbins, que, a exemplo de John Maynard Keynes, foi um dos maiores economistas do século XX: “A honestidade pública e privada tendem a se deteriorar na atmosfera de cassino engendrada pela inflação alta. A inflação, tal qual nós a conhecemos, através da história, corrompe e distorce toda a base da sociedade. Eu não afirmo que o mundo chegará ao seu fim se nós degenerarmos até a posição da América Latina. Mas o que digo é que uma inflação da ordem de grandeza que estamos presenciando (15% ao ano) gradualmente acarreta uma mudança radical de atitude – uma mudança geral e deplorável de atitude em toda a sociedade”.

 

Referências

FONSECA, Eduardo Giannetti da. Ética e inflação. Em O Estado de S. Paulo, 14 de julho de 1992, p. 2.

_______________ As consequências morais da inflação. Em As partes & o todo. São Paulo: Siciliano, 1995, pp. 185-190.

KEYNES, John M. As consequências econômicas da paz. Prefácio de Marcelo de Paiva Abreu; tradução de Sérgio Bath. São Paulo: Imprensa Oficial do Estado, Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2002. (Clássicos IPRI; v. 3).

ROBBINS, Lionel. Against inflation (1979). Em FONSECA, Eduardo Giannetti da. Ética e inflação. Braudel Papers, n° 1. São Paulo: Instituto Fernand Braudel de Economia Mundial, 1993, p. 6.

 

 * Luiz Alberto Machado é economista pela Universidade Mackenzie (1977), mestre em Criatividade e Inovação pela Universidade Fernando Pessoa (Portugal, 2012), assessor da Fundação Espaço Democrático e membro do Instituto Fernand Braudel.

 

Baseado no artigo publicado no blog de Fausto Macedo do jornal O Estado de S. Paulo, em 15 de abril de 2022.

[1] A fonte dos gráficos 2 e 3 é a FGV.

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Contas públicas: um trabalho a recuperar e aplicar https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=3599&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=contas-publicas-um-trabalho-a-recuperar-e-aplicar Thu, 07 Apr 2022 22:11:53 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=3599 Contas públicas: um trabalho a recuperar e aplicar

 

Estudo feito pelo Banco Mundial em 2017, a pedido do governo Temer, seria um bom começo para presidente que assumir em 2023.

 

Por Roberto Macedo

 

É sabido que a situação das contas públicas brasileiras é lastimável. Cronicamente desequilibradas nos seus aspectos econômico-financeiros, levam a endividamento exagerado, que paga juros altos, prejudica o crescimento econômico e alimenta incertezas quanto à solvência da dívida pública, o que inibe investimentos privados e repercute negativamente sobre mercados como o de câmbio. Os impostos carecem de reformas – projetos nessa linha existem, mas a coisa não anda ou anda mal. E, do lado das despesas, elas só tendem a aumentar, e sem os cuidados necessários quanto à sua eficácia e eficiência.

Essa questão fiscal é o grande nó que emperra a gestão governamental e prejudica o avanço econômico-social do Brasil, que tem ficado para trás na corrida internacional deste avanço. Carece de estudos aprofundados, que levassem a propostas concretas de solução dos muitos e complexos problemas existentes. Da atual administração não se pode esperar nada, pois é pautada pelo desgoverno. O presidente que assumir ou reassumir em 2023 terá de se debruçar sobre o problema logo após o resultado da eleição, empenhar-se em buscar um profundo e efetivo diagnóstico do assunto e avançar na execução das mudanças propostas.

Um bom começo seria um documento do Banco Mundial intitulado Um ajuste justo – análise da eficiência e equidade do gasto público no Brasil, que pode ser encontrado buscando esse título no Google. Concluído em 2017, teve a colaboração de dezenas de especialistas, e sugiro que seja consultado por estudiosos do assunto, cidadãos em geral e, particularmente, pelos candidatos a presidente da República e seus assessores.

Creio que esse estudo tenha se perdido por desconhecimento, desinteresse ou falta de empenho do governo que se seguiu, que efetivamente não se pauta por um plano de reestruturação fiscal e tem até contribuído para agravar ainda mais os problemas das contas públicas. O texto tem 160 páginas, lista os membros da equipe do Banco Mundial que o elaboraram, a pedido do governo Temer, num trabalho que também contou com especialistas brasileiros e internacionais, e recebeu comentários de vários integrantes da equipe econômica de então, de outros funcionários do governo federal, de colaboradores do Banco Mundial e de Teresa Ter-Minassian, ex-diretora do Departamento de Assuntos Fiscais do Fundo Monetário Internacional (FMI), em cuja condição participou de várias missões ao Brasil desde a década de 1990 e tratava de questões ligadas ao País.

Para quem não quiser encarar as 160 páginas do texto, uma boa visão vem das 16 páginas iniciais, que abrangem um prefácio, um sumário na forma de índice e um resumo executivo, este com dez páginas.

Alguns trechos destacam a importância do conteúdo: “O principal achado de nossa análise é que alguns programas governamentais beneficiam os ricos mais que os pobres, além de não atingir de forma eficaz os seus objetivos. (…) A análise é baseada nas melhores práticas internacionais e na revisão da eficiência dos gastos entre as diferentes entidades e programas governamentais. Com ela, queremos estimular que os debates considerem não apenas a alocação dos recursos públicos, mas também as premissas que devem nortear os gastos de forma a promover a eficácia nos serviços prestados e igualdade social. (…) é um grande desafio. Abrangerá mais de um mandato presidencial e exigirá um diálogo extenso, incluindo governos subnacionais, movimentos sociais, sindicatos, associações empresariais e muitos outros grupos. Acreditamos que, quanto antes o País iniciar esse debate e enfrentar seus problemas, mais cedo será possível transformar sua realidade e retomar o caminho da prosperidade compartilhada com todos”.

O resumo executivo termina com tabela de uma página que sintetiza as opções de políticas públicas para os setores analisados e seu impacto na eficiência, na equidade e no potencial de economia fiscal – este num período que, na data do relatório, se estenderia até 2026. Esse potencial alcançaria 8,36% do PIB, um valor expressivo, que dá substância ao termo ajuste que marca o título do documento. Seria um ajuste mesmo.

Para administrar projeto como este, entendo necessária a recriação do Ministério do Planejamento, cujas atividades passaram ao Ministério da Economia, onde ficam em posição secundária, pois este é muito voltado para o dia a dia das finanças do governo, sem que seu ministro dê a devida atenção a um projeto voltado para um horizonte mais longo, como este que o documento elaborado pelo Banco Mundial propõe.

É indispensável que o novo ou reeleito presidente assuma a liderança do projeto de levar adiante um ajuste como este, num contexto de articulação política em que também cobraria medidas para serem implementadas já no seu mandato. O objetivo, em última análise, seria o de retirar o Brasil da armadilha da renda média em que caiu a partir dos anos 1980 – da qual até agora não saiu –, em larga medida armada por governos incompetentes que o País teve na maior parte desse período.

 

 

Roberto Macedo é economista (UFMG, USP e Harvard), professor sênior da USP e membro do Instituto Fernand Braudel.

 

Artigo publicado no jornal O Estado de S. Paulo em 7 de abril  de 2022.

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Investimentos também crescem muito pouco https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=3597&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=investimentos-tambem-crescem-muito-pouco Sat, 19 Mar 2022 13:10:23 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=3597 Investimentos também crescem muito pouco

 

Em linha com o fraco desempenho da economia, números da Formação Bruta de Capital Fixo também estão fragilizados.

 

 Por Roberto Macedo*

 

Prossigo minha pregação de que a situação da economia brasileira é muito pior do que se vê no noticiário e nas discussões sobre o assunto. Aliás, o fraco crescimento da economia não é sequer discutido seriamente pelo Congresso Nacional, ao qual também caberiam providências para tratar dela, e o Executivo passa por uma fase de desgoverno populista e eleitoreiro, que tampouco dá a devida atenção ao crescimento.

Começarei com um retrato muito feio da economia, com o propósito de difundi-lo e, quem sabe, despertar reações em contrário da sociedade e do governo. Em seguida, passarei aos investimentos em Formação Bruta de Capital Fixo (FBCF), como em máquinas e equipamentos, que têm grande impacto sobre o crescimento e que também, em linha com o fraco desempenho deste, estão fragilizados.

Olhando a economia desde a década de 1900, os dados mostram inicialmente um crescimento médio do PIB perto de 4,5% ao ano, e alcançando a expressiva taxa de 8,8% na década de 1970, tornando-se, então, uma das economias que mais cresciam no mundo.

Contudo, a partir da década de 1980 e até a década de 2010, que vai até 2019, este crescimento despencou para uma taxa média anual de apenas 2,4%. Esta década de 2010 teve um crescimento médio de apenas 1,4% e foi a de pior desempenho de toda a série de dados, que cobriu 12 décadas(!).

A década de 2020 já começou pior ainda, pois, principalmente pelo efeito da pandemia de covid-19 nos seus dois primeiros anos, o PIB teve um crescimento anual médio de ínfimo 0,35%, que não cobriu sequer o crescimento da população, estimado em 0,7% ao ano, caindo, assim, o PIB per capita. Este período pós 1980 pode ser visto como de estagnação, que meu dicionário define como uma economia crescendo abaixo do seu potencial. Como muita gente, acredito que com uma boa arrumação o Brasil poderia crescer bem mais. Com este desempenho desde 1980, o Brasil é tido como um país que caiu na chamada armadilha da renda média.

Além dessa desastrosa estagnação, desde 2014 o Brasil entrou numa depressão – algo mais longo do que as duas recessões ocorridas neste período –, e essa depressão ainda não foi superada, pois até hoje o PIB não voltou ao valor que tinha naquele ano (!). Portanto, este retrato da economia em estagnação e depressão é algo realmente lamentável, mas ainda não despertou um movimento em sentido contrário do País e de seu governo. É preciso que a sociedade perceba este desastre, cobrando providências dos governantes e dos políticos em geral.

Passando aos investimentos em FBCF, eles são importantes para o crescimento porque aumentam a oferta de bens e serviços, ao mesmo tempo que estimulam a sua demanda ao expandirem o emprego e o pagamento de salários e de lucros.

O mais recente relatório do IBGE sobre as contas nacionais trimestrais – do quarto trimestre de 2021 – apresenta um gráfico em que a FBCF aparece como porcentagem do PIB desde 2000, começando com o valor de 18,3% e alcançando 20,9%, o valor máximo de todo o período, em 2013. A partir daí, passou a cair até 14,6%, em 2017, ficando um pouco acima disso nos dois anos seguintes. Contudo, em 2020 e 2021, surpreendeu ao passar para 16,6% e 19,2%, respectivamente, de forma inconsistente com o crescimento do PIB neste período, que, conforme mostrado acima, apresentou taxas muito baixas.

Buscando uma explicação, consultei o economista Cláudio Considera, da FGV-Rio, conhecedor reconhecido das Contas Nacionais, que me sugeriu um artigo recente do economista Gilberto Borça Jr. O texto, apropriadamente intitulado Investimento em alta no Brasil, mas nem tudo que reluz é ouro, esclareceu que cerca de 40% do aumento da porcentagem da relação FBCF/PIB entre 2018 e 2021 foram devidos ao crescimento dos preços dos bens de capital acima do índice de preços do PIB e à internacionalização contábil de plataformas de exploração de petróleo, de alto custo, até então contabilizadas no exterior. Estes 40% não significaram, assim, um crescimento real da FBCF.

Cabe examinar, também, o investimento público, componente do investimento total, pois sua queda foi mais forte. No site do Observatório de Política Fiscal do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre), da Fundação Getúlio Vargas (Rio), há o gráfico de uma série de 1947 a 2020 deste investimento como porcentagem do PIB. Depois de subir, desde o início da série, de perto de 3% do PIB para o recorde de cerca de 10%, em 1974 – na década de 1970, a de maior crescimento do PIB em 12 décadas, conforme apontado acima –, ele foi caindo até chegar a perto de apenas 2% do PIB, em 2020, revelando-se como um dos fatores que levaram à armadilha da renda média.

Para o leitor ter uma ideia da importância da taxa de investimento em FBCF relativa ao PIB, no período em que a China crescia perto de 10% ao ano, essa taxa chegou próxima de 45% ao ano. O Brasil jamais chegaria a tanto, mas ao menos poderia começar com a meta de 25% ao ano.

 

* Roberto Macedo é economista (UFMG, USP e Harvard), professor sênior da USP e membro do Instituto Fernand Braudel.

 

Artigo publicado no jornal O Estado de S. Paulo em 17 de março de 2022.

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O papel das Instituições Fiscais Independentes (IFIs) e o caso da IFI do Brasil https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=3589&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=o-papel-das-instituicoes-fiscais-independentes-ifis-e-o-caso-da-ifi-do-brasil Mon, 07 Mar 2022 20:33:15 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=3589 O papel das Instituições Fiscais Independentes (IFIs) e o caso da IFI do Brasil*

 

Por Felipe Scudeler Salto[1] e Rafael da Rocha Mendonça Bacciotti[2]

 

  1. O que esperar de uma IFI?

As Instituições Fiscais Independentes (IFIs), ou Conselhos Fiscais, são organismos públicos com mandato para realizar análises técnicas e apartidárias sobre política fiscal e orçamentária. O objetivo é melhorar a disciplina fiscal, promover maior transparência das contas públicas e elevar a qualidade do debate público nas temáticas de finanças públicas e economia em geral.

A ampliação do número de conselhos fiscais ao redor do mundo representa uma inovação institucional importante no campo da política fiscal (Mulas-Granados, 2018). Em resposta aos efeitos negativos da crise econômica e financeira de 2008, diversos países, particularmente, os que compõem a Organização para a Cooperação do Desenvolvimento Econômico (OCDE), criaram instituições fiscais independentes para fortalecer a credibilidade da política fiscal (Kopits, 2016).

Essa tendência de aumento é observada, principalmente, entre os países membros da União Europeia, tendo ganhado mais força com a aprovação, no Parlamento, do Regulamento nº 4733[3], de 2013. Como parte da resposta da região à crise da dívida pública, o Regulamento atribuiu mandato a um “órgão independente”, em nível nacional, para monitorar o cumprimento das regras da política fiscal e fornecer ou endossar previsões macroeconômicas e fiscais realistas para a elaboração do orçamento (FMI, 2013 e Ribeiro, 2020).

A dinâmica desfavorável do nível de endividamento foi amplificada pelas políticas de estímulo e pelas perdas acumuladas de receitas. Somou-se a isso o fato de o conjunto de regras numéricas utilizadas para controlar a discricionariedade da política fiscal, no processo orçamentário, não garantir, isoladamente, a condução prudente das contas públicas. Esses fatores favoreceram o surgimento de fiscal watchdogs (vigilantes ou cães de guarda), no pós-crise, com apoio crescente obtido junto aos organismos multilaterais.

A OCDE, por exemplo, divulgou, em 2014, os princípios orientadores para o design e operacionalização das IFIs. Trata-se de codificação de valores mínimos de governança que resultou de discussões e sistematização de boas práticas –, reconhecendo o potencial papel positivo dessas instituições[4].

O Fundo Monetário Internacional, por sua vez, mapeia a existência de 39 IFIs operando em 2016 (último levantamento disponível)[5], 25 das quais apareceram depois da crise econômica e financeira de 2008, como se observa no Gráfico 1.  As IFIs veteranas, existentes antes da crise, como o “Congressional Budget Office” (CBO) dos Estados Unidos e o caso pioneiro na Holanda – “Central Planning Bureau” (CPB) –, diferem da nova geração de IFIs, por terem aparecido em resposta a eventos históricos locais e  singulares (Bjios, 2014).

 

 

  1. Revisão de literatura: viés deficitário da política fiscal

Do ponto de vista teórico, as IFIs aparecem, na literatura, ao lado das regras fiscais (mecanismos que introduzem, por certo período, restrições ou limites quantitativos para alguma das variáveis fiscais como: dívida, resultado, resultado estrutural, despesa ou receita). São tidas como soluções institucionais mais comuns para atenuar o viés deficitário (tendência crescente do déficit e do nível de endividamento público ao longo do tempo) e a pró-ciclicidade do gasto público (tendência a gastar receitas extraordinárias sobretudo nos momentos de alta do ciclo econômico ao invés de poupá-las para que possam ser utilizadas para estimular o retorno da atividade econômico para o equilíbrio nos momentos de baixa), que acentua a volatilidade do ciclo econômico.

A literatura documenta diversas fontes que estariam por trás da geração de déficits persistentes e da tendência à pró-ciclicidade, que impactam a discricionariedade da política fiscal em muitas economias emergentes e avançadas, afetam a dinâmica da dívida pública (favorecendo a recorrência de crises fiscais) e reduzem o bem-estar social.  As implicações negativas sobre a estabilidade macroeconômica fundamentam a ênfase colocada na restauração e manutenção de posições fiscais sólidas. (Hemming e Joyce, 2013)

Calmfors e Wren-Lewis (2011) lista diversas classes teóricas de explicações:

(i) assimetrias de informação entre o público e o governo: os eleitores podem não conhecer a posição fiscal do seu país ou as projeções macrofiscais podem ser pouco realistas, por exemplo;

(ii) a impaciência, principalmente dos governos, em razão de objetivos eleitorais, pode levá-los a desejar aumentar o produto interno acima de seu nível natural, por meio de ações fiscais expansionistas;

(iii) conflito intergeracional: geração de eleitores pode não levar em conta que a carga futura aumentará, por exemplo, no caso em que a política fiscal atribua peso pequeno à pressão de gastos associada com o envelhecimento da população (Carlin e Soskice, 2015);

(iv) a competição entre os partidos políticos pode fazer com que os governos não internalizem totalmente o custo da dívida;

(v) o problema dos recursos comuns leva atores do processo orçamentário a pressionar por mais gastos ou incentivos tributários; e

(vi) a inconsistência temporal de compromissos de interesse nacional firmados ex ante, que podem deixar de ser desejáveis por questões eleitorais, por exemplo.

Na sequência, os autores exploram as potencias contribuições que os conselhos fiscais poderiam dar no sentido de reduzir o viés deficitário e fortalecer a disciplina fiscal:

(i) avaliação ex-post para averiguar o comportamento passado da política fiscal, se houve cumprimento das metas ou não;

(ii) avaliação ex-ante sobre a probabilidade de cumprimento das metas fiscais;

(iii) análise de sustentabilidade ou equilíbrio de longo prazo das finanças públicas;

(iv) análise de transparência das contas públicas;

(v) mensuração do custo e do impacto fiscal de proposições de políticas públicas;

(vi) projeções macroeconômicas; e

(vii) formulação de recomendações normativas sobre a política fiscal.

A Tabela 1, extraída de FMI (2013), sintetiza diversas explicações potenciais do viés deficitário, posicionando-as ao lado das funções que as IFIs poderiam exercer no decorrer de seus mandatos para atenuar as imperfeições e distorções existentes na condução da política fiscal, de modo a reduzir a assimetria de informação entre os formuladores de política e os eleitores.

 


  1. Critérios para avaliação de efetividade das IFIs no desempenho fiscal

Apesar da experiência relativamente recente com conselhos fiscais na maior parte dos países, a literatura, a partir de análises econométricas complementadas por nuances narrativas de estudos de casos, tem avançado no sentido de avaliar se eles têm obtido sucesso (se têm sido efetivos) na tarefa de influenciar os formuladores de políticas na direção de políticas fiscais sólidas. (Lledó, 2018)

Além do fato de serem, em sua maioria, instituições novas e heterogêneas entre si, existem muitos desafios metodológicos associados à avaliação empírica do impacto dos conselhos no desempenho fiscal, que derivam, entre outros fatores: i) da existência de causalidade reversa, uma vez que governos mais comprometidos com a disciplina fiscal tendem a ser mais sensíveis à promoção de reformas institucionais e ii) do fato de não serem os únicos elementos no arcabouço institucional encarregadas de encorajar políticas fiscais sustentáveis (Lledó, 2018).

Hagemann (2011) indica que a existência de conselhos fiscais bem desenhados é uma condição necessária para melhorar a performance fiscal, embora a falta de comprometimento político com um objetivo de médio prazo e, em alguns casos, com o próprio mandato dos conselhos, limitaria melhorias duradouras.

Debrun e Kinda (2014), utilizando dados em painel de uma amostra de 58 economias avançadas e emergentes, de 1990 a 2011, e cientes dos desafios de endogeneidade associados à estimação econométrica, relacionam a presença de IFIs com o desempenho fiscal (medido pelo nível do resultado primário), controlados por outros efeitos que influenciam o desempenho fiscal, como o hiato do produto e o nível de endividamento. A conclusão do estudo sugere que a existência de conselhos em si não é suficiente para promover disciplina fiscal (a correlação é positiva, mas não significante em termos estatísticos), o que ocorre apenas quando o conselho apresenta certas características e atribuições:

  1. i) grau de independência com relação às disputas políticas;
  2. ii) papel no monitoramento de regras fiscais;
  3. ii) produção ou avaliação de projeções macrofiscais;
  4. iv) impacto na mídia: como os conselhos fiscais não exercem influência direta sobre a condução da política fiscal, esse canal é importante para ampliar a presença no debate público.

Beetsma et al (2018), utilizando a base de dados sobre conselhos do FMI atualizada até 2016, também traz evidencias empíricas no sentido de que a presença de conselhos fiscais bem desenhados parece reduzir o viés otimista nas projeções orçamentárias e favorecer o cumprimento das regras fiscais.

Lledó (2018) constata, a partir da revisão de diversos estudos empíricos e casos narrativos, que conselhos bem desenhados, dotados de certas características (independência com relação a disputas políticas e impacto na mídia) e funções (produzir ou avaliar projeções macroeconômicas e monitorar o cumprimento de regras fiscais), parecem ter maior capacidade em promover políticas fiscais sólidas.

 

  1. A situação da IFI brasileira em relação às demais

Como se observou na seção 3 deste capítulo, parece haver um consenso na literatura de que o desenho de um conselho efetivo, capaz de melhorar o desempenho da política fiscal, passa, principalmente, pela presença constante no debate público, pelo grau de independência e pelo papel na produção ou avaliação de projeções macroeconômicas e no monitoramento do cumprimento de regras fiscais.

A base de dados da OCDE sobre as IFIs (OCDE, 2019)[6] possibilita mapear algumas dessas características chave e situar o Brasil – que é o único país, além dos membros da organização, monitorado nessa base – em relação aos países membros da Organização.

A base é bastante ampla e permite acessar informações sobre o contexto para estabelecimento, base legal, modelo institucional, relacionamento com o legislativo, independência, liderança, recursos, mandato e funções, publicações, acesso à informação, transparência, apoio consultivo e acordos de avaliação.

Segundo o monitoramento, 28 dos 36 países membros têm IFIs em operação. O Brasil, único país não pertencente à OCDE, também é acompanhado pelo órgão multilateral em sua base de dados que mapeia as principais características dessas instituições.

Na prática, como se observa na Tabela 2, 73% desses organismos se envolvem com projeções macrofiscais (sendo que, algumas delas, como o CBO, dos Estados Unidos, produzem projeções alternativas que servem de base de comparação para as projeções do governo; outras preparam as projeções utilizadas pelo governo, como o OBR do Reino Unido e o CPB da Holanda; enquanto outras endossam ou opinam sobre as previsões oficiais); 70,3% são incumbidas de monitorar o cumprimento das regras fiscais, ao passo que 64,9% têm um papel na análise de sustentabilidade fiscal de longo prazo. Por outro lado, 40,5%, 29,7% e 10,8% apuravam o custo fiscal de iniciativas do governo, realizavam suporte a parlamentares com análises sobre o orçamento e avaliação do custo de plataformas eleitorais, respectivamente.

 

Tabela 2. Funções de uma IFI de acordo com a OCDE

  IFI / Brasil IFIs que compõem a base de dados
  Sim
Projeções macroeconômicas e fiscais  

x

73,0%
Monitoramento de regras fiscais  

x

70,3%
Análise de sustentabilidade fiscal de longo prazo  

x

64,9%
Apuração do custo de iniciativas do governo  

x[7]

40,5%
Suporte direto a parlamentares com análises sobre orçamento  

29,7%
Avaliação do custo de plataformas eleitorais  

10,8%
Fonte: OECD Independent Fiscal Institutions Database (2019). Elaboração dos autores.

 

Mesmo que as IFIs ao redor do mundo tenham papéis e estruturas distintas (“there is no one size fits all model”), refletindo diferentes arcabouços fiscais e circunstâncias que estão por trás da origem de seu estabelecimento, elas apresentam funções convergentes, sendo que a maioria delas exerce as funções principais mapeadas por Debrun e Kinda (2014) para a mensuração de sua efetividade.

Segundo Von Trapp e Nicol (2018) e OCDE (2019), o grau de independência de um conselho fiscal pode ser avaliado por meio de quatro pilares, delineados nos princípios de boas práticas contidos em OCDE (2014).

  1. i) independência técnica: avaliada de acordo com o processo de seleção de pessoas para as IFIs, isto é, se ocorre com base no mérito e na competência técnica, se a duração do mandato é estabelecida de forma independente do ciclo eleitoral e se os critérios para a demissão das lideranças são especificados em legislação;
  2. ii) independência legal/financeira: refere-se ao marco jurídico da instituição e à proteção dos recursos financeiros contra contingenciamentos e interferências políticas. As variáveis desse pilar buscam analisar se a instituição foi estabelecida por legislação primária, se possui uma dotação orçamentária própria para assegurar os recursos para o desempenho de suas atividades e se há um compromisso plurianual de financiamento;

iii) independência operacional: trata-se da autonomia das IFIs em relação às suas operações, considerando-se, ainda, se fazem ou não recomendações normativas de políticas (o que pode colocar em risco a reputação por meio do viés partidário). As variáveis para mensurar a independência operacional incluem os seguintes tipos de critérios: se a instituição tem liberdade para definir o programa de trabalho e para produzir análises por iniciativa própria, se faz recomendação de política e se possui equipe qualificada própria para a execução do mandato.

  1. iv) acesso à informação e transparência: refere-se aos mecanismos de garantia legal para eventuais pedidos de informações requeridas ou viabilizadas por memorandos de entendimento, ao plano de trabalho e demais documentos operacionais publicados e se relatórios e metodologias subjacentes às análises também ficam disponíveis ao público interessado.

A Tabela 3, construída a partir das informações obtidas na base de IFIs da OCDE, coloca em perspectiva a IFI brasileira em relação às instituições dos países membros no quesito da independência. Do ponto de vista formal, observa-se a presença de muitas das medidas delineadas nos quatro pilares, indicando que a IFI brasileira segue as recomendações internacionais. Na seção 5, passaremos a tratar especificamente do caso brasileiro.

Há, de toda forma, certa distância em relação às demais nos itens “dotação orçamentária própria” (presente em 47% das IFIs que compõe a base de dados) e no número de funcionários (apesar de possuir equipe qualificada própria, a quantidade de colaboradores permanentes encontra-se bem abaixo da média dos pares: 9 x 27). O orçamento da IFI brasileira é vinculado ao do Senado Federal, ainda que exista garantia de espaço orçamentário para contratação de pessoal, em ato específico da Comissão Diretora do Senado Federal, como discutiremos à frente. Essas são questões importantes para os próximos passos no processo de “institutional building” da IFI brasileira.

 

Tabela 3. Aspectos relativos à independência

Pilares de independência IFI/ Brasil IFIs que compõem a base de dados
Sim
Independência técnica

Seleção de pessoas baseada no mérito e na competência técnica?

x

 

100%

Termo do mandato estabelecido de forma independente ao ciclo eleitoral?

 

x

 

97%

Critérios para a demissão das lideranças especificados em legislação?

 

x

 

72%

 

Independência legal/financeira

 

 

Instituição estabelecida por legislação primária?

 

x

 

83%

Dotação orçamentária própria?

 

 

47%

Compromisso plurianual de financiamento?

 

 

14%
 

Independência operacional

Liberdade para definir o programa de trabalho?

 

x

 

94%

Liberdade para produzir análises por iniciativa própria?

 

x

 

94%

Faz recomendação de política?

 

 

14%

Número de funcionários que compõem a equipe?

 

9[8]

27[9]

 

Acesso à informação e transparência

Acesso à informação requerida é assegurado pela legislação?

 

x

 

25%

Acesso à informação apenas por memorando de entendimento?

 

 

11%

Acesso à informação por ambos?

 

 

42%

Plano de trabalho e demais documentos operacionais são publicados?

 

x

 

89%

Relatórios e metodologias subjacentes também ficam disponíveis ao público?

 

[10]

 

69%

Fonte: OECD Independent Fiscal Institutions Database (2019). Elaboração dos autores.

Pontes (2018), a partir dos dispositivos da resolução que criou a IFI brasileira, mostra que a instituição apresenta elevado grau de aderência da base normativa e procedimental nas dimensões relativas à independência no desempenho de atribuições e no que se refere à abrangência de atribuições previstas para uma IFI frequentemente apontadas pela literatura e identificadas na experiência internacional – reforçando a impressão inicial que fica da simples análise comparativa a partir dos dados extraídos da base da OCDE.

Uma avaliação mais robusta da aderência em relação às boas práticas internacionais viria da própria OCDE, que produz com frequência relatórios técnicos sobre as IFIs que compõem sua rede[11] com avaliações detalhadas (realizadas pelos pares, membros da própria OCDE e acadêmicos) sobre o desempenho de uma instituição em relação aos princípios de boas práticas, identificando aspectos que podem ser aprimorados como forma de preservar a viabilidade no longo prazo. As análises abrangem tipicamente os elementos de inputs (recursos humanos e financeiros, acesso à informação e independência), outputs (qualidade das publicações e metodologias empregadas) e de impacto do trabalho da IFI em termos da influência no debate público e da ampliação da transparência.

Importante mencionar, de toda forma, que já há um reconhecimento internacional da IFI brasileira com relação à credibilidade de seus trabalhos. No documento “OECD Economics Surveys – Brazil”[12], publicado em 2018, a organização expressou que o Brasil progrediu em sua estrutura fiscal com o estabelecimento de um conselho fiscal que publica relatórios mensais de alta qualidade.

Finalmente, vale destacar que o Fundo Monetário Internacional (FMI) também tem acompanhado o trabalho da IFI do Senado Federal, por meio de reuniões e visitas da chamada Missão do Artigo IV. Em 2017, o FMI reconheceu em texto público a importância da criação da IFI no Brasil[13].

 

  1. Histórico da Instituição Fiscal Independente (IFI) do Senado Federal

A Instituição Fiscal Independente (IFI) foi criada pela Resolução do Senado Federal nº 42, de 2016[14], com o objetivo de melhorar a transparência e a disciplina das contas públicas. A IFI é um órgão do Senado, mas com independência para realizar suas funções legais, seguindo as boas práticas internacionais, conforme discutidas nas seções anteriores. Ela é dirigida por um Conselho Diretor e conta com um Conselho de Assessoramento Técnico (CAT), de caráter consultivo, indicado pelo Diretor-Executivo do Conselho Diretor. A independência é garantida pelo mandato fixo dos Diretores e do Diretor-Executivo.

Antes de discutir a experiência da IFI brasileira, destaca-se que as funções da IFI não invadem atribuições do Tribunal de Contas da União (TCU) ou mesmo das Consultorias do Senado e da Câmara. O TCU é um órgão de controle, uma corte de contas com poder judicante. As Consultorias prestam assessoria direta aos parlamentares. A IFI, por sua vez, produz informações – este é o seu poder – na área de contas públicas, por meio de publicações que auxiliem na tarefa de ampliar a transparência e a disciplina fiscal, sem poder judicante e não tendo a missão de prestar consultoria direta[15].

A instalação da IFI se deu no dia 30 de novembro de 2016[16], com a posse do primeiro Diretor-Executivo, o economista Felipe Salto[17], para exercer um mandato de seis anos, sem recondução. Os próximos Diretores-Executivos terão sempre mandatos de quatro anos.

Cabe esclarecer que a indicação do Diretor-Executivo se dá pela Presidência do Senado Federal, conforme o inciso I do parágrafo 2º do artigo 1º da Resolução nº 42. O indicado deve passar por duas etapas para assumir o mandato fixo: arguição pública e aprovação pelo Senado Federal, conforme o parágrafo 3º da mesma Resolução. Segundo o dispositivo, os indicados devem ter notório saber nos temas de competência da IFI e reputação ilibada. Esses requisitos são checados pelo parlamentar relator do processo de indicação e, também, na sabatina realizada pela Comissão Diretora do Senado Federal. A aprovação do indicado deve se dar tanto pela Comissão Diretora quanto pelo Plenário do Senado.

O primeiro Diretor-Executivo indicado foi aprovado pela Comissão Diretora do Senado Federal, em 29 de novembro de 2016[18], após arguição pública realizada pelo colegiado. No mesmo dia, foi aprovado por 50 votos favoráveis no plenário[19]. Houve um voto contrário e duas abstenções. No dia 30 de novembro, como mencionado, ocorreu a cerimônia de posse e o início dos trabalhos da IFI.

Os objetivos da IFI estão bem definidos na Resolução nº 42 e envolvem o trabalho técnico de projeção e análise econômica e fiscal. Isso se dá por meio do cumprimento dos quatro dispositivos legais, fixados no artigo 1º da Resolução:

“I – divulgar suas estimativas de parâmetros e variáveis relevantes para a construção de cenários fiscais e orçamentários;

II – analisar a aderência do desempenho de indicadores fiscais e orçamentários às metas definidas na legislação pertinente;

III – mensurar o impacto de eventos fiscais relevantes, especialmente os decorrentes de decisões dos Poderes da República, incluindo os custos das políticas monetária, creditícia e cambial; e

IV – projetar a evolução de variáveis fiscais determinantes para o equilíbrio de longo prazo do setor público.”

O objetivo fixado no inciso I consiste em elaborar projeções macroeconômicas, a exemplo da trajetória do PIB, da inflação, dos juros reais e nominais, da taxa de câmbio, dentre outras variáveis relevantes para os cenários fiscais. O inciso II determina que a IFI acompanhe as metas fiscais vigentes, comparando-as aos indicadores fiscais, a exemplo do teto de gastos (fixado pela Emenda Constitucional nº 95, de 2016) e da meta de resultado primário (prevista na Lei de Responsabilidade Fiscal – Lei Complementar nº 101, de 2000).

No inciso III, a instituição recebe a incumbência de definir eventos que tenham impacto relevante nas contas públicas e elaborar suas avaliações sobre tais assuntos, a exemplo das reformas previdenciária, tributária e administrativa. Por fim, o quarto inciso manda que a IFI projete a evolução das variáveis fiscais relevantes ao equilíbrio de longo prazo, a exemplo da dívida pública, do déficit primário e nominal, das receitas e despesas do governo federal.

Após a instalação da IFI, o Diretor-Executivo Felipe Salto montou uma equipe, a partir da regulamentação da Resolução nº 42, de 2016, feita pelo Ato nº 10 da Comissão Diretora do Senado Federal, de 2016[20]. O referido ato forneceu os subsídios para recrutar servidores e realocou cargos para contratação de pessoal de fora do Senado. Ainda sem o Conselho Diretor completo, portanto, a IFI passou a funcionar, no âmbito do Senado, mas com total independência para realizar seus estudos e análises.

Isso está em linha com a revisão de literatura apresentada na seção 4. Ainda que a IFI não possua um orçamento autônomo, o espaço fiscal fixo para contratação de pessoal está garantido por lei. Como mencionado, esta é uma área em que a IFI poderá avançar, ganhando mais estrutura e recursos para poder realizar suas atribuições legais. Entende-se que este é um processo de “institutional building”, que está diretamente associado aos resultados produzidos pela instituição.

Vale dizer, no período de quatro anos de funcionamento completados em novembro de 2020, a IFI já havia conquistado um amplo reconhecimento da imprensa, critério importante destacado por Debrun e Kinda, supracitados. Mais à frente, mencionaremos alguns números a fundamentar essa análise. Este reconhecimento foi fundamental para solidificar a posição da instituição diante do parlamento e mesmo para obter melhorias e avanços operacionais e de estrutura, como a própria conquista de um espaço físico adequado para a realização das atividades da IFI.

Logo no início do funcionamento do novo órgão, após recrutar dois servidores do Ministério do Planejamento – um da Secretaria de Orçamento Federal (SOF) e um do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) – e dois servidores efetivos do Senado Federal – um da Consultoria de Orçamentos (Conorf) e outro da Consultoria Legislativa (Conleg) –, a IFI elaborou um modelo de relatório mensal e publicou sua primeira versão em fevereiro de 2017[21]. Logo em seguida, recrutou um economista com experiência em contas públicas para reforçar a equipe, além da secretária, que também exerce funções de auxiliar administrativa.

Ainda sobre a questão da equipe, é importante destacar que, conforme o artigo 2º da Resolução 42, a equipe deve ter sempre 60%, no mínimo, de mestres ou doutores nas áreas de atuação da IFI, requisito sempre cumprido, incluindo todos os servidores efetivos e comissionados que compõem ou compuseram a equipe e a Diretoria.

Esse primeiro trabalho mencionado foi denominado “Relatório de Acompanhamento Fiscal” (RAF), que viria a ser o principal produto da IFI, com periodicidade mensal[22]. Ele já está na 48ª edição, publicada em janeiro de 2021[23]. Sua aceitação por parlamentares, imprensa, especialistas do mercado e academia tem sido muito positiva. Para divulgar o primeiro trabalho da IFI, em fevereiro de 2017, realizou-se coletiva à imprensa[24], da qual participaram jornalistas especializados dos principais veículos de comunicação e economistas e servidores públicos do Executivo e do Legislativo. Apenas no mês de fevereiro de 2017, houve onze menções à IFI na imprensa nacional. Também o Poder Executivo comentou projeções e cálculos publicados no primeiro RAF, cumprindo-se, assim, desde o início, uma função precípua de toda IFI, que é a de estabelecer um contraponto saudável com a área econômica do governo, a partir do acompanhamento macrofiscal.

Em janeiro de 2017, foi publicado um artigo do Diretor-Executivo da IFI, na página A2 do jornal O Estado de S. Paulo, que é útil para entender o contexto, a lógica e os objetivos do novo órgão do Senado: “O papel da Instituição Fiscal Independente”[25]. Nele, o economista explicou as razões da criação do novo órgão em um quadro de crise econômica e fiscal. É importante mencionar que a IFI foi uma resposta do Senado àquela situação conjuntural bastante grave das contas públicas e da atividade econômica. Vale dizer, a economia passava por um biênio, de 2015 a 2016, que viria a ser o pior da série histórico do PIB. As contas públicas também já seguiam por alguns anos apresentando déficit e crescimento da dívida/PIB. Nesse sentido, há um claro paralelo com as experiências de criação e consolidação de instituições ou conselhos fiscais, conforme relatadas pelos autores citados nas seções anteriores deste capítulo.

Para completar a primeira formação do Conselho Diretor, conforme determinado pela Resolução nº 42, a Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) e a Comissão de Transparência (CTFC)[26] do Senado Federal precisavam fazer suas indicações, proceder à sabatina e aprovação, para em seguida haver a deliberação em plenário. Foram indicados os economistas Gabriel Barros[27], para a vaga da CAE, e Rodrigo Orair[28], para a vaga da CTFC, completando, ainda em meados de 2017, a primeira formação do Conselho Diretor da IFI, ao lado de Felipe Salto.

Cabe ainda explicar a lógica dos mandatos não coincidentes prevista na Resolução 42. O mandato do primeiro Diretor indicado pela CAE, conforme a resolução, seria de quatro anos. Já o mandato do Diretor indicado pela CTFC, de dois anos. Assim, o primeiro Diretor-Executivo teria seis anos, o primeiro Diretor indicado pela CAE, quatro anos, e o primeiro Diretor indicado pela CTFC, dois anos. Os segundos indicados para todas as três vagas teriam sempre mandatos fixos de quatro anos, preservando-se a descontinuidade inicial. A recondução é proibida. Em caso de vacância, substitui-se o Diretor por meio do mesmo processo descrito acima, para que se complete o período remanescente do mandato original, seja para o Diretor-Executivo seja para os demais Diretores.

Essa descontinuidade inicial serve para que as trocas de Diretoria nunca ocorram de maneira concomitante. Esta é uma forma de preservar a blindagem político-partidária da IFI, isto é, a sua independência técnica em relação a essas questões. O mecanismo está em linha com as boas práticas e um dos critérios utilizados pela OCDE, por exemplo, para avaliação da independência das IFIs.

Transcorridos quase quatro anos desde a instalação da IFI, já houve duas trocas na Diretoria. O primeiro Diretor indicado pela CAE renunciou após dois anos de mandato, o que ensejou a indicação de um novo nome para completar o período faltante para os quatro anos. Já o Diretor indicado pela CTFC cumpriu o seu mandato completo e, ao término dos dois anos, a referida comissão indicou um novo nome para exercer, então, conforme a regra da Resolução nº 42, um mandato de quatro anos.

A substituição do Diretor indicado pela CAE transcorreu sem maiores percalços. Foi indicado o economista Josué Pellegrini, que já participava da equipe da IFI, como analista, além de ser Consultor Legislativo do Senado Federal. Pellegrini é Doutor em Economia pela USP, tem livros publicados na área de economia e contas públicas e foi diversas vezes premiado pelo Tesouro Nacional com artigos relevantes. Além disso, tem vasta experiência em docência, tendo sido um dos professores que ajudou a montar a Faculdade de Economia da USP de Ribeirão Preto. O Presidente da CAE fez a indicação, seguida do mesmo processo: sabatina, aprovação na comissão e no plenário. Pellegrini completará o mandato de quatro anos, portanto, conforme prevê a Resolução 42, contando os dois anos iniciais cumpridos pelo primeiro Diretor indicado pela CAE.

Quanto à substituição do Diretor indicado pela CTFC, com o término do mandato, seguiram-se os trâmites já explicados. O indicado foi o economista Daniel Couri, que fazia parte da equipe da IFI desde a sua instalação, sendo Consultor de Orçamento do Senado. Seu mandato será de quatro anos. Couri tem Mestrado em Economia pela UnB e experiência como servidor do Tribunal de Contas da União (TCU) e da Secretaria de Orçamento Federal (SOF) do Ministério do Planejamento.

Portanto, a atual formação do Conselho Diretor conta com os economistas: Felipe Salto, Josué Pellegrini e Daniel Couri. Todas as decisões sobre a definição dos assuntos a serem tratados pela IFI, dentro do plano de trabalho definido na própria Resolução nº 42, são colegiadas. Ouvem-se os membros da equipe, discutem-se os temas relevantes e fixam-se prazos para as publicações. O Relatório de Acompanhamento Fiscal (RAF) é a publicação fixa da IFI e mais importante, no sentido de que cumpre pelo menos três dos quatro objetivos fixados na Resolução nº 42. Além dos doze trabalhos anuais, a IFI ainda publica Estudos Especiais, Notas Técnicas e Comentários da IFI, de acordo com temas discutidos nas reuniões de Equipe e Conselho Diretor, levadas também em consideração as sugestões colhidas nas reuniões do CAT. Sempre no mês de dezembro, realiza-se reunião de planejamento para definir algumas diretrizes a esse respeito.

A equipe técnica da IFI também foi sofrendo alterações em relação ao seu quadro inicial. Como explicado, dois servidores do Senado tornaram-se Diretores, ao longo dos últimos quatro anos. Além disso, os dois servidores cedidos pelo Ministério do Planejamento saíram da equipe, tendo sido substituídos por outros economistas contratados com o espaço orçamentário contido no Ato nº 10 de 2016. Hoje, a IFI conta com um economista com doutorado, dois economistas com mestrado e dois economistas com nível de graduação, além de uma secretária e assistente administrativa. Além disso, há dois estagiários[29] a auxiliar a equipe e os Diretores. Os três diretores funcionam também como analistas, isto é, participam ativamente da elaboração dos produtos da IFI, além de exercerem suas funções administrativas no Conselho Diretor. É importante notar, para que se tenha a dimensão do orçamento de pessoal destinado à IFI, que a formação acima descrita já preenche praticamente 100% do orçamento disponível[30].

Destaca-se que, dentro do processo de “institutional building”, a IFI conseguiu que o Conselho de Assessoramento Técnico (CAT) fosse instalado, em 2019, pelo Presidente do Senado Davi Alcolumbre, conforme prevê o parágrafo 9º do artigo 1º da Resolução 42. Os cinco nomes apontados pelo Diretor-Executivo Felipe Salto foram: Yoshiaki Nakano, Diretor da Escola de Economia de São Paulo da FGV e ex-Secretário da Fazenda de São Paulo; José Roberto Afonso, pesquisador e professor do IDP e Doutor em Economia pela Unicamp; Monica de Bolle, professora da Johns Hopkins University; Gustavo Loyola, ex-Presidente do Banco Central; e Bernard Appy, Diretor do Centro de Cidadania Fiscal.

O CAT foi regulamentado pelo Ato nº 8 do Presidente do Senado, de 25 de março de 2019[31]. Nele, o instala-se o Conselho com os membros indicados pelo Diretor-Executivo da IFI. Os membros não são remunerados e exercem a função de ampla assessoria consultiva, em reuniões organizadas semestralmente. A primeira reunião do Conselho de Assessoramento Técnico foi pública e transmitida pela TV Senado. O evento contou com a presença de autoridades do Executivo e do Legislativo, economistas do mercado e jornalistas[32].

A instalação formal do CAT, ainda que a IFI já contasse com o apoio informal de economistas que vieram a compor o Conselho, foi um passo que completou, por assim dizer, as etapas principais de construção da instituição previstas na Resolução nº 42.

 

  1. Balanço de quatro anos

A IFI é inspirada em experiências internacionais importantes, a exemplo do “Congressional Budget Office” (CBO), nos Estados Unidos, e do “Office for Budget Responsibility” (OBR), no Reino Unido, já mencionados anteriormente. A OCDE congrega essas experiências e acompanha suas atividades por meio de uma rede, da qual a IFI brasileira passou a fazer parte, na categoria de “key partner country”, em base de dados publicada pelo organismo multilateral citada na seção 4.

O Conselho de Finanças Públicas (CFP) de Portugal é uma terceira referência fundamental, não apenas pela proximidade cultura e linguística, mas pela forma de atuação e modelo de governança. A IFI já participou de dois encontros anuais da rede de IFIs da OCDE, na Coreia do Sul e em Portugal. No encontro de Seul, em 2018, o Diretor-Executivo da IFI firmou um memorando de entendimentos para troca de experiências no campo técnico entre a IFI sul-coreana – “National Assembly Budget Office” (NABO) – e a IFI do Senado Federal do Brasil[33]. Na ocasião, o Diretor-Executivo da IFI também fez uma apresentação sobre a IFI brasileira[34].

A rede da OCDE é muito rica, do ponto de vista da troca de experiências, sobretudo para a instituições mais recentemente criadas, como é o caso da IFI brasileira. Como resultado dos diálogos e contatos, a IFI tem conseguido estabelecer trocas constantes de informações, mesmo à distância, coletar informações de outras instituições ao redor do mundo, além de reportar à OCDE os avanços obtidos. Em 2020, o Estudo Especial sobre o modelo macroeconômico da IFI foi enviado à equipe da OCDE, traduzido para o inglês, e a receptividade foi positiva. O avanço no uso de instrumentos e modelagem adequada, nas tarefas das IFIs, é algo fundamental para se buscar um resultado satisfatório em termos de análises e projeções econômicas e fiscais, incluindo simulações de impacto, a exemplo dos estudos publicados pela IFI em 2019, ao longo da tramitação da reforma da previdência no Congresso Nacional.

Por ocasião do aniversário de quatro anos da IFI, no fim de novembro, o jornal O Estado de S. Paulo publicou duas reportagens relatando as atividades e resultados obtidos pela instituição, inclusive trazendo a opinião de economistas da OCDE a respeito da IFI brasileira[35]. A atuação junto à imprensa é fundamental para o desempenho da IFI, como mostramos na revisão de literatura deste capítulo. A esse respeito, a IFI consolida, diariamente, em seu site[36], as citações de seus trabalhos pela imprensa. A partir disso, é possível observar que, em quatro anos de funcionamento, a IFI teve 2.692 aparições na imprensa nacional, o que corresponde a uma média de 1,8 ao dia. A evolução, entre o fim de 2016 e 2020, pode ser vista na Tabela 4 a seguir[37].

 Tabela 4. Aparições da IFI do Senado Federal na imprensa

Do ponto de vista do número de publicações, a IFI já produziu 48 Relatórios de Acompanhamento Fiscal (RAFs), 14 Estudos Especiais (EEs), 45 Notas Técnicas (NTs) e 9 Comentários da IFI (CIs), totalizando 2.911 páginas publicadas. O RAF contém, na sua versão atual, três seções básicas: Contexto Macroeconômico, Conjuntura Fiscal e Orçamento[38]. O objetivo do produto é analisar os principais indicadores econômicos e fiscais, acompanhar as publicações do governo cotejando suas projeções e análises às realizadas pela IFI, acompanhar o cumprimento das metas fiscais e apresentar os cenários projetados pela instituição.

Duas vezes ao ano, em maio e em novembro, são revisados os três cenários de estimativas da IFI: base, otimista e pessimista, e reapresentados no RAF, que então assume formato um pouco distinto. Em anos atípicos, com foi 2020, em razão da crise pandêmica da Covid-19, a IFI acaba apresentando maior número de revisões. Em 2020, foram quatro RAFs contendo revisões dos cenários prospectivos para dívida e déficit público, receitas e despesas do governo central, PIB, inflação, taxa de juros, taxa de juros real, taxa de câmbio, mercado de trabalho, dentre outras variáveis. Além dos textos, também veiculamos arquivo em planilha eletrônica com todos os dados, tabelas e gráficos contidos na publicação[39].

Os EEs servem ao propósito de analisar um tema com maior profundidade e pode ser metodológico ou temático. Têm como característica trazer revisão de literatura, comparação internacional e uso de instrumentos metodológicos para avançar sobre determinado assunto. A IFI já realizou EEs sobre: estimativa do hiato do produto; projeções de dívida bruta; situação fiscal dos estados; previdência; metodologia de projeção do PIB; reservas internacionais; operações compromissadas; despesas de pessoal; previdência estadual; balanço patrimonial da União; Regra de Ouro; dentre outros[40].

As NTs são estudos de menor alcance, mas também seguem rigor técnico e analítico, servindo, normalmente, para explorar assuntos que subsidiarão as projeções, cálculos de impacto e elaboração de cenários pela IFI. Dentre os temas tratados em NTs, estão: gastos em Defesa Nacional; cálculos de efeito fiscal do Benefício Emergencial do Emprego (BEm); análises das finanças dos estados; cálculo de impacto do Auxílio Emergencial a Vulneráveis (AE); impacto do Programa de Contrato Verde e Amarelo; custo de carregamento das reservas internacionais; impacto dos juros na dívida pública; análise das propostas de reforma tributária; diversos trabalhos sobre a reforma da previdência; Orçamento Impositivo; Desvinculação das Receitas da União (DRU); FAT e BNDES; Abono Salarial; Benefício de Prestação Continuada (BPC); relação Tesouro-Banco Central; riscos fiscais da União; FGTS; impacto de decisão do STJ sobre aposentadorias; teto de gastos; elasticidade receita-PIB; deflator do PIB; gastos tributários; capacidade de pagamento dos estados (capag); cálculos sobre o resultado primário mensal; atividade econômica e PIB; análise da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO); dentre outros.

Por fim, os Comentários da IFI (CIs), criados mais recentemente, em 2019, servem para manifestações que precisem ser mais rápidas a respeito de algum evento da conjuntura ou, ainda, posicionamentos institucionais do Conselho Diretor. Um exemplo recente foi a análise do teto de gastos assinada pelos três membros do Conselho Diretor da IFI[41].

Vale registrar que eventos da conjuntura política, fiscal e econômica influenciam a escolha dos temas. Em 2019, por exemplo, a IFI publicou diversos trabalhos sobre a reforma da previdência, acompanhando sua tramitação e elaborando cálculos de impacto de cada medida e alteração proposta no parlamento. Os cálculos foram utilizados para cotejamento com os números do governo federal, cumprindo-se, assim, a função de qualificar o debate público e colaborar para a transparência e a disciplina fiscal. Já em 2020, a crise da covid-19 requereu revisões mais frequentes dos cenários e cálculos de impacto fiscal das diversas medidas anunciadas, incluindo análises com microdados sobre o Auxílio Emergencial a Vulneráveis, as transferências a estados e municípios, o apoio às empresas e os gastos em saúde.

A respeito deste último tópico, em 2020, a IFI desenvolveu um painel de dados para acompanhamento da execução do chamado Orçamento de Guerra, instituído por Emenda Constitucional, para facilitar o acesso da sociedade a informações sobre os gastos relacionados à covid-19[42]. Além desta base especial, a IFI mantém, em seu site, um repositório de dados com séries calculadas pela instituição ou dados por ela trabalhados[43].

Além dos produtos publicados, a IFI realiza outras atividades: organização de seminários técnicos (ou webinários, como em 2020[44]); participação em Comissões do Senado Federal e da Câmara dos Deputados; participação específica na CAE para apresentar revisões de cenários e acompanhamento fiscal (prevista na Resolução nº 42); reuniões com organismos multilaterais, membros dos órgãos da área econômica do Executivo, órgãos de assessoramento do Legislativo, Tribunal de Contas da União, economistas do mercado, parlamentares e jornalistas; realização de palestras ou conversas com instituições privadas e públicas para apresentação dos trabalhos da IFI; participação em seminários acadêmicos; publicação de artigos e concessão de entrevistas à imprensa; e reuniões com acadêmicos da área de economia e contas públicas.

Por fim, ainda sobre as atividades da IFI, nestes quatro primeiros anos, vale destacar o recebimento de dois Prêmios do Tesouro Nacional. Um deles, na 1ª colocação, foi concedido ao trabalho sobre reservas internacionais (custo, nível ótimo e relação com a dívida pública) publicado pelo Diretor Josué Pellegrini, na forma de Estudo Especial[45], e submetido à referida premiação, ocorrida em 2017. O segundo prêmio, uma menção honrosa, também no âmbito do Prêmio de Monografias em Finanças Públicas do Tesouro Nacional, foi concedido em razão do Estudo Especial desenvolvido pelo analista da IFI Alessandro Casalecchi, pelo então Diretor Rodrigo Orair, com apoio do estagiário Pedro Henrique Oliveira. O trabalho versa sobre as despesas dos regimes próprios dos servidores civis da União[46].

Além disso, o reconhecimento dos parlamentares tem sido crescente. A IFI recebe demandas que são, sempre que possível, adequadas aos trabalhos desenvolvidos pela instituição, preservando, assim, sua independência. Realiza, com frequência, reuniões com parlamentares para discutir questões fiscais, cenários e conjuntura econômica. O uso dos relatórios da IFI pelos gabinetes parlamentares é também um indicativo relevante.

Os desafios, para os próximos anos, concentram-se no maior fortalecimento institucional, incluindo questões de estrutura e orçamento, na manutenção do ritmo de publicações e da repercussão na imprensa especializada e geral, na ampliação da equipe e no desenvolvimento de mais trabalhos envolvendo o cálculo de medidas que tenham efeito fiscal relevante. Na parte de elaboração de projeções e no acompanhamento das metas fiscais, entende-se que a IFI já avançou de maneira significativa, mas pode dar novos passos para consolidar metodologias de projeção, por meio de publicações técnicas, tempestivamente. Uma questão adicional, que deve ser debatida, é a eventual vinculação constitucional da IFI, a partir da experiência acumulada até aqui e do modelo vigente, fundamentado na Resolução do Senado, que tem força de lei.

 

  1. Conclusões

Neste capítulo, discutimos o contexto geral de criação e consolidação das Instituições Fiscais Independentes (IFIs) ou Conselhos Fiscais, à luz da literatura relevante e da experiência internacional. Em seguida, discute-se o caso da IFI do Senado Federal, o conselho fiscal brasileiro, criado em novembro de 2016 como resposta à crise econômica e fiscal vivenciada pelo Brasil. Uma preocupação central dos países europeus, principalmente, que criaram boa parte de suas instituições no pós-crise de 2008, é o chamado “viés deficitário” da política fiscal e a necessidade de se ter maior acompanhamento e transparência nas contas públicas. As regras fiscais, isoladamente, não se mostraram suficientes para levar a condutas fiscais mais responsáveis, o que está na gênese das IFIs.

Os estudos disponíveis sobre a efetividade da atuação das IFIs indicam que elas exercem seu papel em contextos em que está garantida a independência de seu corpo diretivo, sobretudo na definição dos estudos, análises e trabalhos que escolhe desenvolver. Também a imprensa é fundamental para a atuação dos “watchdogs”, pelo fato de que essas instituições têm o único poder de produzir informações. Assim, para que sua atuação seja efetiva para ajudar a qualificar o debate e melhorar a disciplina fiscal, o uso dos dados produzidos pela imprensa torna-se uma dimensão central.

No caso da IFI brasileira, os quatro anos de atuação revelam que são bastante positivos os resultados colhidos, com ampla presença na mídia e crescente consolidação interna, no Senado Federal, ao qual a IFI está vinculada. O desafio, daqui em diante, é avançar na estrutura de pessoal, orçamentária, mantendo e ampliando o escopo dos produtos entregues pela instituição.

 

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Referências bibliográficas

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International Monetary Fund. 2013. “The Functions and Impacts of Fiscal Councils”, IMF Policy Paper, Washington, DC.

HEMMING, R. e PHILIP, J., 2013, “The Role of Fiscal councils in Promoting Fiscal Responsibility”, in Marco Cangiano, Teresa Curristine and Michel Lazare (eds.), Public Financial Management and Its Emerging Architecture, 2013 (Washington, DC: International Monetary Fund).

CALMFORS, L. e WREN-LEWIS, S., 2011, “What Should Fiscal Councils Do?” Economic Policy, 26, pp. 649-695.

CARLIN, W.; SOSKICE, D. Macroeconomics: Institutions, instability, and the financial system. Oxford University Press, 2015.

LLEDÓ, V. The effectiveness of fiscal councils: Emerging international evidence em Beetsma Roel and Xavier Debrun (ed.) Independent Fiscal Councils: Watchdogs or lapdogs? CEPR, 2018.

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BEETSMA et al. Independent Fiscal Councils: Recent Trends and Performance. International Monetary Fund, 2018.

VON TRAPP, L. e NICOL, S. Designing effective independent fiscal institutions. OCDE (2018).

PONTES, F. (2018). Governança fiscal num contexto de elevada rigidez da despesa: uma análise da aderência do caso brasileiro aos padrões internacionais. Dissertação apresentada ao Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), 2018.

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[1] Felipe Scudeler Salto é diretor-executivo da IFI e membro do Instituto Fernand Braudel.

[2] Rafael da Rocha Mendonça Bacciotti é analista da IFI.

[3] Pode ser consultado em: https://eur-lex.europa.eu/legalcontent/EN/TXT/PDF/?uri=CELEX:32013R0473&from=EN

[4] Disponível em: http://www.oecd.org/gov/budgeting/recommendation-on-principles-for-independent-fiscal-institutions.htm

[5] Disponível em: https://www.imf.org/external/np/fad/council/

[6] OECD Independent Fiscal Institutions Database (2019), http://www.oecd.org/gov/budgeting/OECD-Independent-Fiscal-Institutions-Database.xlsx  

[7] A IFI brasileira estima o custo de eventos fiscalmente relevantes, por exemplo, a reforma previdenciária que teve aprovação definitiva em 2019 e as medidas de combate à crise do coronavírus ao longo de 2020.

[8] No Brasil, a equipe é composta por 8 analistas (já incluídos os 3 diretores) e 1 secretária e assistente administrativa. Note-se que os 3 diretores também produzem estudos técnicos, junto com os analistas.

[9] Média simples do número de funcionários (tempo integral) das 36 IFIs em operação.

[10] No Brasil, a IFI explica e mostra suas hipóteses e tem como objetivo publicar todas as metodologias e questões técnicas no futuro. Em setembro de 2020, por exemplo, foi publicado o Estudo Especial n. 13 sobre a metodologia de previsões das variáveis macroeconômicas, que pode ser acessado aqui – https://www12.senado.leg.br/ifi/publicacoes-1/estudos-especiais/2020/setembro/estudo-especial-no-13-metodologia-de-previsao-das-variaveis-macroeconomicas-set-2020-1

[11] Disponíveis na página da OCDE sobre o “Network of Parliamentary Budget Officials and Independent Fiscal Institutions”: http://www.oecd.org/gov/budgeting/parliamentary-budget-officials/

[12] Disponível em: http://www.oecd.org/economy/surveys/Brazil-2018-OECD-economic-survey-overview.pdf

[13] Veja aqui a matéria da Agência Senado sobre o assunto, com o link para acesso ao relatório do FMI – https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2017/08/07/fmi-destaca-criacao-da-instituicao-fiscal-independente

[14] A Resolução 42 foi um projeto inserido na chamada “Agenda Brasil”, do Senado Federal, tendo sido desenvolvida pelo então Presidente Renan Calheiros e pelo Senador José Serra, com apoio do corpo técnico do Senado, destacando-se o papel do servidor do Senado Federal Leonardo Ribeiro neste processo. Acesse aqui a íntegra da Resolução – https://legis.senado.leg.br/norma/582564/publicacao/17707278

[15] Ainda que, como resultado do trabalho, os parlamentares se beneficiem do trabalho, acessando os relatórios, dialogando com a equipe e o corpo diretivo da IFI sobre conjuntura, cenários etc.

[16] Matéria jornalística sobre a posse do 1º Diretor-Executivo e início das atividades da IFI – https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2016/11/30/diretor-executivo-da-instituicao-fiscal-independente-toma-posse

[17] Salto tem experiência em análise das contas públicas, tendo trabalhado em consultoria, academia e no Legislativo. Possui Mestrado em Administração Pública e Governo pela Fundação Getúlio Vargas (FGV) e experiência em docência na mesma instituição. Foi também Assessor Legislativo no Senado e, à época, havia publicado o livro “Finanças públicas: da contabilidade criativa ao resgate da credibilidade” (Editora Record, 2016. Prêmio Jabuti – 2017), junto com o economista Mansueto Almeida, ex-Secretário do Tesouro Nacional. Foi um dos primeiros economistas do mercado a falar sobre a chamada “contabilidade criativa”, ainda em novembro de 2009, em parceria com o ex-Ministro da Fazenda Mailson da Nóbrega. https://www.estadao.com.br/noticias/geral,contabilidade-criativa-turva-meta-fiscal,474130

[18] Matéria jornalística sobre a criação da IFI – https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2016/11/29/felipe-salto-e-aprovado-para-direcao-executiva-da-instituicao-fiscal-independente

[19] Vídeo da aprovação em plenário da primeira indicação à Diretoria-Executiva da IFI – https://www12.senado.leg.br/noticias/videos/2016/11/senado-aprova-indicacao-de-felipe-salto-para-diretor-da-instituicao-fiscal-independente

[20] Acesse aqui o Ato nº 10 e modificações feitas no mesmo ano, pelo Ato nº 18 – https://www12.senado.leg.br/ifi/sobre-1/copy_of_sobre

[21] O Relatório de Acompanhamento Fiscal (RAF) nº 1 pode ser acessado aqui – https://www12.senado.leg.br/ifi/publicacoes-1/relatorio/2017/fevereiro-de-2017/raf-relatorio-de-acompanhamento-fiscal-fev-2017

[22] Reportagem da Agência Senado sobre o primeiro relatório da IFI – https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2017/02/02/instituicao-fiscal-aponta-que-emenda-do-teto-de-gastos-nao-conseguira-tirar-pais-do-vermelho

[23] Acesse aqui o RAF nº 48 – https://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/583296/RAF48_JAN2021.pdf

[24] Vídeo sobre a 1ª coletiva à imprensa realizada pela IFI –  https://www12.senado.leg.br/noticias/videos/2017/02/instituicao-fiscal-independente-retomada-economica-depende-de-novas-medidas

[25] Leia aqui a íntegra do artigo – https://opiniao.estadao.com.br/noticias/geral,o-papel-da-instituicao-fiscal-independente,10000097557

[26] Esta Comissão foi alterada, desde a publicação da Resolução 42, mas a sua designação atual é esta: CTFC. A alteração implicou mudança no texto da Resolução 42, que pode ser vista no link indicado anteriormente, no texto compilado da norma.

[27] Gabriel Barros já era membro da equipe de analistas da IFI, com experiência em análise das contas públicas, no setor privado, em banco e no Instituto Brasileiro de Economia (Ibre) da FGV

[28] Rodrigo Orair é pesquisador do Ipea, com experiência na análise das contas públicas e da economia nacional, sobretudo no assunto sistema tributário nacional.

[29] Para fins da comparação apresentada na seção 4, não consideramos os estagiários, pois ainda em processo de formação.

[30] Veja os currículos dos Diretores e Equipe da IFI aqui – https://www12.senado.leg.br/ifi/sobre-1/copy_of_equipe

[31] Acesse aqui o Ato do Presidente do Senado Federal que criou o CAT – https://legis.senado.leg.br/diarios/ver/100325?sequencia=145#diario

[32] Os anais do evento inaugural podem ser encontrados aqui – https://www12.senado.leg.br/ifi/conselho/sobre-1

[33] Veja aqui o Memorando de Entendimentos – https://www12.senado.leg.br/ifi/publicacoes-1/apresentacoes-e-outros-documentos/2018/julho/memorando-de-entendimento-entre-o-national-assembly-budget-office-da-republica-da-coreia-e-a-instituicao-fiscal-independente-do-senado-federal-do-brasil

[34] Acesse aqui o documento apresentado em Seul – https://www12.senado.leg.br/ifi/publicacoes-1/apresentacoes-e-outros-documentos/2018/julho/the-creationand-operationof-theindependentfiscal-institutionof-thebrazilianfederal-senate-oecd

[35] Matérias sobre os quatro anos de atividades da IFI – 1. https://economia.estadao.com.br/noticias/geral,ifi-faz-parte-de-rede-global-de-monitoramento,70003533490 e 2. https://economia.estadao.com.br/noticias/geral,como-funciona-o-cao-de-guarda-das-contas-publicas,70003533476

[36] Veja o “IFI na Mídia”, em nosso site –  https://www12.senado.leg.br/ifi/

[37] Além disso, os membros da IFI publicaram, no período, 39 artigos de opinião em diferentes veículos.

[38] Durante algum tempo, a IFI publicava algumas análises tópicas dentro do próprio RAF, mas passou a criar produtos específicos para atender a esse objetivo.

[39] Os arquivos completos dos Relatórios de Acompanhamento Fiscal (RAF) podem ser acessados aqui – https://www12.senado.leg.br/ifi/relatorio-de-acompanhamento-fiscal

[40] Todos os Estudos Especiais (EEs) da IFI podem ser acessados aqui – https://www12.senado.leg.br/ifi/publicacoes-estudos-especiais.

[41] Comentários da IFI (CI) nº 9 – https://www12.senado.leg.br/ifi/publicacoes-1/comentarios-da-ifi/ci-comentario-da-ifi-no-9-consideracoes-sobre-o-teto-de-gastos-da-uniao

[42] O painel covid pode ser acessado aqui – https://www12.senado.leg.br/ifi/covid-19/painel-de-creditos-covid-19

[43] Acesse aqui para consultar o repositório da IFI – https://www12.senado.leg.br/ifi/dados/dados

[44] No canal da IFI, no YouTube, podem ser encontrados os vídeos das gravações dos webinários realizados em 2020 e outros vídeos elaborados pela instituição ou decorrentes de entrevistas – www.youtube.com.br/instituicaofiscalindependente.

[45] Veja aqui a íntegra do Estudo Especial nº 1 – https://www12.senado.leg.br/ifi/publicacoes-1/estudos-especiais/2017/marco-de-2017/estudo-especial-no-01-o-custo-fiscal-das-reservas-mar-2017

[46] Veja aqui a íntegra do Estudo Especial nº 10 – https://www12.senado.leg.br/ifi/publicacoes-1/estudos-especiais/2019-1/julho/estudo-especial-no-09-despesas-do-rpps-dos-servidores-civis-uniao-jul-2019

 

* Capítulo do livro Governança Orçamentária no Brasil, organizado por Leandro Freitas Couto e Júlia Marinho Rodrigues (Brasília: IPEA, 2021), disponibilizado em early view no site do IPEA.

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Crescimento do PIB dentro de 2021 foi de apenas 1,3% https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=3585&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=crescimento-do-pib-dentro-de-2021-foi-de-apenas-13 Mon, 07 Mar 2022 19:06:36 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=3585 Crescimento do PIB dentro de 2021 foi de apenas 1,3%

 

Resultado de 4,6% veio mais do buraco de 2020 do que do desempenho no ano passado

 Por Roberto Macedo

O IBGE anunciou nesta sexta-feira, 4, que entre 2020 e 2021 o PIB cresceu 4,6%, o que dá uma visão enganosa da variação do PIB dentro de 2021, que foi de apenas 1,3%. O gráfico que acompanha este artigo explica essa diferença.

Nota-se que em 2020 o índice do PIB teve um movimento em V, ou seja, de queda e recuperação, com esta se completando só no primeiro semestre de 2021, cujo índice do PIB, de 171,8, foi bem próximo daquele do quarto trimestre de 2019 (171,2). Com esse movimento em V o índice do PIB trimestral médio de 2020, ficou em 163,5, e sabe-se que isso levou a uma queda de 3,9% relativamente à média de 2019.

Índice de Volume Trimestral do PIB – Série encadeada

(média de 1995 =100)

2019.IV, 2020.I, II, III e IV

                                                                                Fonte: IBGE

Já em 2021 o índice do PIB trimestral médio foi de 171,6, o que, comparado com a média de 2020 produziu o crescimento de 4,6%. O gráfico também mostra que após a recuperação em V ele passou a um formato similar ao símbolo da raiz quadrada, com o PIB crescendo muito pouco em 2021, inclusive com dois trimestres de variação negativa. Tomando-se o PIB médio de 2021 e comparando-o com o PIB do último trimestre de 2020, chega-se à taxa de 1,3% já citada.

Creio ser importante mostrar essa outra taxa, pois a de 4,5%, que deve dominar o noticiário, é ilusória quanto ao crescimento dentro de 2021, e seu resultado veio mais do buraco de 2020 do que do desempenho no ano passado.

Roberto Macedo é economista (UFMG, USP e Harvard), professor sênior da USP e membro do Instituto Fernand Braudel.

Artigo publicado no jornal O Estado de S. Paulo em 5 de março de 2022.

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Mais sobre o plano CASGIP https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=3580&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=mais-sobre-o-plano-casgip Fri, 04 Mar 2022 02:06:36 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=3580 Mais sobre o plano CASGIP

Caberia perguntar a Bolsonaro e aos presidentes das Casas do Congresso o que fizeram para o País crescer economicamente.

 

 Por Roberto Macedo

 

Meu artigo passado, neste espaço, tratou de um plano de governo diferente, porque fiquei frustrado com a fragilidade normativa e executiva de planos apresentados por candidatos em campanhas anteriores. Planos como estes devem reaparecer nos debates da eleição presidencial deste ano, e, assim, optei por outro plano, a ser cobrado de governantes e de políticos em geral.

Adotei para ele a sigla CASGIP, que sintetiza seus pilares e facilita referências a ele, inclusive para o interessado se lembrar do seu significado. Também voltarei a ele futuramente neste espaço, pois carece de esclarecimentos adicionais a alguns já apresentados a seguir.

A sigla vem dos nomes dos seis pilares do plano, com letras maiúsculas apontando o aspecto central de cada um deles, que são: Crescimento econômico mais acelerado, Ambientalmente sustentável, Socialmente inclusivo, com efetiva Governança do Estado, maior inserção Internacional do Brasil e intensa Participação da sociedade na cobrança de governantes e políticos.

Note-se a presença das letras ASG na sigla do plano, o que é uma tentativa de trazer os temas da conhecida plataforma ESG para o âmbito nacional, pois originalmente ela é limitada a empresas e investidores. O E desta plataforma representa o environment, ou meio ambiente, em inglês. As outras duas letras de ESG se referem a termos quase idênticos nas duas línguas.

Abordarei, agora, a questão do crescimento econômico. Sem ele, não haverá recursos para avançar nos quatro pilares no centro da sigla. O impacto sobre esse crescimento deveria ser parâmetro de decisões sobre políticas públicas. Ele depende fundamentalmente de mais investimentos em capital produtivo, o que gera empregos, renda e tributos, ou recursos para o setor público. E há o investimento privado e o investimento público, do qual tratarei a seguir.

À minha frente tenho um gráfico do investimento público como porcentagem do PIB no período 1947-2020, elaborado pelo Observatório de Política Fiscal do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre), da Fundação Getúlio Vargas (FGV), do Rio de Janeiro.

Sobre 2020, falou-se muito de uma recuperação em V do PIB dentro do ano, mas ficou nisso, pois ao longo de 2021 o crescimento foi muito fraco. Este gráfico do investimento tem, também, um formato de V, mas invertido, pois começa com uma taxa perto de 3%, em 1947, e sobe até alcançar 10% na segunda metade da década de 70 do século passado – coincidentemente a década em que o PIB brasileiro mais cresceu no mesmo século. Depois disso, a linha do gráfico cai, até voltar a cerca de míseros 2%, em 2020.

Esse investimento público não é só federal, mas abrange as demais esferas de governo. E a relação dele com o crescimento econômico é evidente, carecendo de medidas para que volte a crescer.

Quanto a isso, é preciso atuar contra a frágil governança do governo federal e do setor público em geral. Ela sucumbiu ao populismo ao acomodar um amplo leque de interesses políticos e econômicos que prejudicou o Orçamento. Este, ainda que ampliado pelo forte aumento da carga tributária, passou a apresentar déficits primários que excluem o pagamento de juros, e agora, com o aumento da Selic, esses juros voltaram a preocupar.

O que fazer? É preciso passar um pente-fino nas despesas públicas, seguindo prioridades, em particular a de abrir espaço para investimentos e a de criar confiança na gestão fiscal. Exemplo de medida nesta linha seria uma reforma administrativa que buscasse aumentar a eficácia e a eficiência do setor público, como ao combater supersalários e “indenizações” autoconcedidas, como ocorre no Judiciário.

Alguma elevação da carga tributária será necessária, e chamo a atenção para os chamados gastos tributários, que reduzem a tributação de diversos grupos econômicos e sociais. Como as demais despesas, esses gastos tributários precisam ser revistos, cabendo também aí um pente-fino. Falta, ainda, transparência quanto a esses incentivos, como no caso dos que reduziram encargos sociais para expandir o emprego, pelo que sei, sem que isso fosse cobrado dos setores beneficiados.

E há questões cujo conhecimento é muito restrito, mas que também merecem atenção. Por exemplo, no dia 27 passado, o renomado economista Affonso Celso Pastore, num artigo neste jornal, sugeriu a tributação de ganhos auferidos pelos “fundos fechados e offshores, taxando seus proprietários com a alíquota do Imposto de Renda igual à de todos os demais rendimentos”. Poucos sabem o que são esses objetos da proposta de Pastore.

Como fica? O governo e a classe política não dão bola para propostas como esta, pois a cabeça de ambos é outra, voltada para seus interesses pessoais – em particular a reeleição – e de grupos que os apoiam. Por isso é preciso que a sociedade passe a cobrar de governantes e de políticos um plano adequado.

Por exemplo, caberia perguntar ao presidente Bolsonaro e aos presidentes da Câmara e do Senado: o que já fizeram pelo efetivo crescimento econômico do País?

 

Roberto Macedo é economista (UFMG, USP e Harvard), professor sênior da USP e membro do Instituto Fernand Braudel.

 

Artigo publicado no jornal O Estado de S. Paulo em 3 de março de 2022.

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Um plano para a sociedade cobrar https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=3578&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=um-plano-para-a-sociedade-cobrar Fri, 18 Feb 2022 17:42:58 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=3578 Um plano para a sociedade cobrar

 

Em vez de um plano para candidatos, este tem seis pilares para a sociedade cobrar do governo e de políticos em geral.

 

 Por Roberto Macedo

 

Já atuei na elaboração de planos para candidatos a governador de São Paulo e a presidente da República, inclusive em propostas apresentadas a todos os candidatos, num trabalho para a Associação Comercial de São Paulo, em 2010. Mas perdi o entusiasmo por esses planos e optei por outro, desta vez para a sociedade cobrar do governo e dos políticos em geral.

Há tempos sigo os debates eleitorais presidenciais, e em geral os candidatos focam muito pouco num plano de governo. É preciso ter um, porque alguém pode cobrar, mas fica por aí. Minha impressão é de que temem apresentar propostas mais elaboradas, com receio de repercussões negativas de suas ideias. Seus marqueteiros se preocupam mais com explorar as ditas virtudes pessoais de cada um e criticar as dos demais candidatos. Eleitores tampouco cobram planos, nem se interessam pelos apresentados.

Apresentada a seguir, sucintamente, em razão da limitação de espaço, minha proposta também foi influenciada por estudo da consultoria internacional McKinsey, propositivo e dirigido a quem promove mudanças nos negócios, no governo e na sociedade. Este estudo, que abordei aqui no meu artigo passado, propõe maior crescimento econômico, socialmente inclusivo e ambientalmente sustentável.

Seguem-se os seis pilares do plano: além dos três citados acima, uma eficaz e eficiente governança do Estado, maior inserção internacional do País e participação efetiva da sociedade cobrando a sua execução.

Explicando os pilares: sem um bem maior crescimento econômico do Brasil, com aumento de produtividade, a solução de problemas pelo governo é dificultada pela carência de recursos. O impacto sobre este crescimento deveria ser um parâmetro de decisão quanto a políticas públicas.

O crescimento também gera empregos, e sem isso a inclusão social deixa de ocorrer. Com o maior crescimento, eles ajudam na progressão social dos cidadãos, o que é indispensável neste país de forte desemprego e herdeiro de desigualdades que remontam à sua colonização.

Crescimento ambientalmente sustentável é necessidade imperiosa neste país beneficiado pela natureza, mas muito desleixado ao cuidar dela. Esse desleixo hoje pontifica na região amazônica, praguejada por grandes desmatamentos ilegais que danificam o meio ambiente e também pelos que praticam a mineração sem cuidados com a natureza, tudo isso em prejuízo também dos povos indígenas. Vários estudos argumentam que a biodiversidade da Amazônia pode ser explorada economicamente para o sustento de seus habitantes, inclusive cobrando dos países ricos parte do trabalho ambiental, em face do seu impacto favorável de alcance mundial.

A governança do Estado também é lastimável. Olhando apenas o caso federal, o Executivo já não era grande coisa, mas a situação se agravou sob o desgoverno Bolsonaro. Os investimentos públicos, como em infraestrutura, seguem escassos, há grande resistência a privatizações e concessões e parcerias público-privadas não vieram com a intensidade necessária. Na educação e na saúde ainda há muito por arrumar.

O Judiciário é muito lento, custoso e injusto ao ostentar privilégios. O Legislativo foi dominado pelo Centrão. Em particular, acomoda interesses de grupos, só quer saber da reeleição dos seus membros e não dá a mínima para o fraco crescimento econômico. Alguém já viu este tema ser discutido seriamente pelo Congresso? A frágil governança também se espelha pela necessidade de reformas como a tributária e a administrativa, pois, se é preciso reformar e as reformas não vêm, a governança é frágil.

Quanto à maior inserção internacional, o País também é muito carente e, como é enorme, acha que pode produzir tudo aqui, mesmo que com produtividade muito baixa e em benefício de grupos influentes nas decisões políticas, sempre em busca desta ou daquela vantagem. O sucesso do agronegócio decorreu de seu empenho em buscar o mercado externo. Outros setores precisam fazer o mesmo, em particular a indústria. Foi isso que levou ao forte crescimento da indústria chinesa e de outros países da região.

O sexto pilar, o da efetiva cobrança do governo pela sociedade, é uma inovação em planos, porque em geral são feitos por governos que não querem saber disso. Os diversos segmentos da sociedade precisam se agrupar em torno deste objetivo, inclusive criando instituições para essa finalidade. Grupos de cidadãos, jornalistas, entidades de classe, trabalhadores e empresários, representações da sociedade civil e outros segmentos não podem continuar alheios às barbaridades que vêm do governo e que desde 1980 conduziram o Brasil a uma estagnação do seu crescimento, no sentido de crescer abaixo do seu potencial, depois de cair na chamada “armadilha da renda média” e não reagir a contento.

Creio que os leitores concordariam que, com uma boa arrumação, o Brasil poderia crescer muito mais e dar melhores condições de vida à sua população. Passemos, então, a essa arrumação.

 

 

Roberto Macedo é economista (UFMG, USP e Harvard), professor sênior da USP e membro do Instituto Fernand Braudel.

 

Artigo publicado no jornal O Estado de S .Paulo, em 17 de fevereiro de 2022.

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PIB pode surpreender em 2022 https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=3577&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=pib-pode-surpreender-em-2022 Thu, 17 Feb 2022 14:22:14 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=3577 PIB pode surpreender em 2022

 

Para economista, por enquanto as previsões sobre o crescimento da economia são muito baixas, mas há fatores pesando a favor de uma taxa maior, a exemplo dos gastos normais em ano eleitoral

 

Por Roberto Macedo

 

A previsão da taxa anual de variação do PIB mais acompanhada pelo noticiário dos meios de comunicação é a do Relatório Focus, do Banco Central, que semanalmente recorre a opiniões de analistas do mercado financeiro para calculá-la. Essa previsão, e de outros indicadores econômico-financeiros, é levantada toda sexta-feira e divulgada na segunda-feira seguinte. A última veio no relatório publicado no dia em que este texto era escrito (14/2), e apontava uma baixíssima taxa, de apenas 0,3%, insuficiente até para cobrir o crescimento da população, hoje estimado em 0,7% ao ano, e assim levaria a uma queda do PIB per capita.

Mas trata-se de uma previsão, e há fatores que, ao estimular a demanda agregada da economia, apontam para um impacto favorável. 2022 é um ano eleitoral e marca a eleição mais ampla de todas, pois abrange a do presidente da República, de governadores estaduais, de senadores e de deputados federais e estaduais. Eleição envolve muitos gastos pelos candidatos, e desta vez foi disponibilizado um fundo recorde de R$5,7 bilhões, que será entregue aos partidos políticos para distribuir entre seus candidatos.

Sabe-se também que vários Estados estão em boa situação financeira, pois entre outras razões, como o crescimento econômico local e a inflação, sua arrecadação cresceu bastante. E governos estaduais devem gastar mais em obras e outros dispêndios, pois estarão em campanha para governadores em busca de reeleição ou de outros voos, como em direção ao Senado ou até a presidência da República. Ou também simplesmente para apoiar outros candidatos.

O caso de São Paulo serve como exemplo, pois seu PIB cresceu mais que o do país, gerando mais arrecadação, e seu governador, candidato à Presidência, está empenhado em obras e em distribuir benesses que levam dinheiro a consumidores. Recentemente, enviou à Assembleia Legislativa proposta de um reajuste salarial de 20% para policiais militares e trabalhadores do setor de saúde e de 10% para os demais funcionários. A partir de março, se a proposta for aprovada, o que é bem provável, todos os servidores poderão aumentar seus gastos, a partir de um aumento de suas remunerações que totalizará R$5,6 bilhões em 2022.

Decisões desse tipo, ainda que não de mesma magnitude e prazo de vigência, já estão ocorrendo em outros Estados. Segundo matéria publicada na Folha de S. Paulo também do dia 14 de fevereiro, neste ano eleitoral os reajustes a servidores já ocorreram em 13 Estados. O INSS também reajustou suas aposentadorias e pensões em 10,16%. Não consegui dados sobre o impacto financeiro dessa medida, mas sei que alcança dezenas de milhões de beneficiários, aliviando efeitos da inflação ampliada, sobre o consumo.

De sua parte, entre outras medidas pró aumento de gastos dos consumidores, o governo federal criou um programa ampliado que substituiu o Bolsa Família, o Congresso deve gastar mais com suas emendas parlamentares, e por aí vai.

Mas, vale lembrar, nem toda a ampliação de rendimentos irá para o consumo. Em 2020, por exemplo, parte significativa do Auxílio Emergencial de R$600 por mês foi parar nas contas de poupança, numa atitude de precaução diante das incertezas que cercam o futuro da economia e do desempenho também muito fraco do mercado de trabalho.

Ainda quanto a fatores atuando em sentido contrário do lado da demanda, há grande incerteza quando ao futuro da economia, que também está sujeita a instabilidades ligadas à fragilidade fiscal do governo federal, ao lado da inflação que levou ao aumento da taxa básica de juros e das taxas de juros em geral, o que também desestimula consumidores e investidores a tomar crédito para ampliar seus dispêndios.

Ou seja, há fatores pesando a favor de uma taxa maior do PIB em 2022 do que a previsão citada, e outros que poderiam levar a uma taxa ainda menor do que ela. Deve-se lembrar que previsões do tipo citado envolvem uma distribuição de frequências de opiniões, colhidas a partir de uma amostra, que no caso citado foi de 100 analistas atuantes no mercado financeiro, com o BC utilizando a mediana de suas previsões.

Ao longo do ano continuaremos acompanhando a evolução das previsões sobre a variação do PIB e dos fatos que irão afetá-las, e voltaremos ao assunto neste espaço.

 

Roberto Macedo é economista (UFMG, USP e Harvard), professor sênior da USP e membro do Instituto Fernand Braudel.

 

Artigo publicado no site da Fundação Espaço Democrático, em 16 de fevereiro de 2022.

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Desafios do próximo governo https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=3575&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=desafios-do-proximo-governo Sun, 06 Feb 2022 14:01:16 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=3575 Desafios do próximo governo

 

Por Roberto Teixeira da Costa

 

Héracles ou Hércules é o herói mais popular de toda mitologia clássica. Das lendas, a que se distingue é a dos 12 Trabalhos, façanhas que Hércules executou por ordem de seu primo Euristeu, entre elas a de libertar o mundo de certos monstros.

Creio que ao nosso futuro presidente não faltarão monstros, novos, e também velhos conhecidos, que sobrevivem há muitos anos. O 1.º desafio são as expectativas em torno do futuro presidente. Não esperar milagres, e sim racionalidade, elencando as prioridades.

Nós nos acostumamos com a centralização do poder na mão do Executivo, esquecendo-nos que a Constituição de 88 esvaziou muitas de suas funções e redistribuiu recursos, sem necessariamente a transferência das responsabilidades. Portanto, caberá ao eleito não criar expectativas irrealistas.

O 2.º é costurar alianças partidárias que permitam viabilizar uma base de governabilidade capaz de apoiar um programa racional de governo. Convém evitar erros cometidos por antecessores, que em sua campanha eleitoral prometeram uma Presidência de total independência, e, posteriormente, tiveram de se dobrar à dura realidade, fazendo sucessivas concessões. A qualidade do Congresso eleito será fundamental para vencer os enormes desafios e deve estar sintonizada com o programa do futuro presidente.

Apesar da fragmentação do nosso sistema político, as próximas eleições não devem contrariar a necessidade de coligações.

O 3.º é a formação de um Ministério que não decepcione expectativas dos eleitores. O atual presidente começou por frustrar a sociedade com a indicação de pessoas, com exceções, que, por inexperiência ou arrogância, não tiveram o respaldo para enfrentar os desafios. Assim, um conjunto de nomes expressivos e identificados com as pastas que ocuparão é de fundamental importância para dar viabilidade ao governo.

O 4.º é ter um programa de governo realista, que até o momento não foi apresentado pelos dois candidatos que lideram as pesquisas. Essencial que sejam pragmáticos e viáveis de serem implementados.

O 5.º faz referência às questões do nosso Judiciário, que precisa estar continuamente aparelhado para as suas importantes funções. Dentro das limitações existentes, tem se desdobrado para atender às demandas da sociedade. O equilíbrio entre os Três Poderes é essencial e o excesso de judicialização nos demais Poderes deve ser evitado.

Na área econômica, os desafios não são menores e estão condicionados aos aspectos políticos mencionados. É claro que o maior deles é a consolidação do real como moeda confiável e, para tanto, termos uma política fiscal e de equilíbrio nas contas públicas é essencial. Estes estão ligados à aprovação de reformas estruturais:

a) Constitucional – com ênfase na simplificação e na reforma do capítulo da ordem econômica, e a revisão dos monopólios e aceleração das privatizações;

b) Fiscal – consolidações para geração primária de superávit. Simplificação do sistema tributário para aprimorar a qualidade de arrecadação com maior equidade;

c) Administrativa – modernizar as instituições governamentais, para sermos competitivos, acabando com privilégios e lutando contra a burocracia que emperra o País. A corrupção deve ser combatida e priorizada com todo arcabouço legal disponível;

d) Não retroceder na Reforma Trabalhista aprovada pelo Congresso em 2017.

10.º refere-se ao emprego. Esse desafio extrapola inclusive as fronteiras nacionais, posto que o desemprego está na agenda de muitos países.

A eventual abertura comercial ampliará o debate sobre essa questão, em que conciliá-la com a abertura, sendo um global player, defendendo o mercado, será um dos maiores desafios e tem no seu bojo a questão da nossa inserção externa.

Reciclar e ajustar a nossa mão de obra, na qual a inteligência artificial já é uma realidade.

O 11.º é a busca de um Estado mínimo, mais eficiente e dinâmico, e que cumpra seus objetivos na área de educação, saúde, habitação, segurança pública e também o aumento de nossa taxa de poupança, para voltar aos níveis da década de 70-80, quando nos aproximamos dos 25%. Nas condições atuais, com participação de 15% do Produto Nacional Bruto (PNB), estamos relegados a continuar sendo um país em desenvolvimento, que nunca alcançará seus objetivos.

Temos ainda um condicionante indeterminado: a questão da pandemia que está tomando características endêmicas.

Não poderia deixar de mencionar o retorno de uma política externa que vise a recuperar a credibilidade de nosso país, para sermos novamente vistos e respeitados como um país que cumpre suas obrigações, respeitador das leis e comprometido em mitigar as desigualdades de renda, a prioridade de todas prioridades.

Vamos lutar para que, quem quer que seja eleito, esteja imbuído da mesma coragem e determinação de Hércules e que obtenha o sucesso que todos nós desejamos para que nosso País realmente dê um salto qualitativo e quantitativo que nos recoloque na linha de frente daqueles países que são respeitados e procurados por seu potencial de crescimento.

 

 

Roberto Teixeira da Costa é economista, conselheiro emérito do Centro Brasileiro de Relações Internacionais (CEBRI) e do Conselho Empresarial da América Latina (CEAL) e membro do Instituto Fernand Braudel.

 

Artigo publicado no jornal O Estado de S. Paulo em 5 de fevereiro de 2022.

 

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Visão tipo ESG, com crescimento econômico https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=3574&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=visao-tipo-esg-com-crescimento-economico Fri, 04 Feb 2022 12:33:43 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=3574 Visão tipo ESG, com crescimento econômico

 

Estudo se dirige a quem promove mudanças nos negócios, no governo e na sociedade

 

Por Roberto Macedo

 

Depois de procurar em várias fontes, cheguei a essa visão a partir de um estudo da McKinsey, grande e famosa empresa de consultoria internacional com escritórios em mais de 130 cidades e mais de 65 países, em versão divulgada em outubro do ano passado. O acesso a esse estudo será indicado no final deste texto. Tem quatro autores, inclusive Tracy Francis, do staff da empresa no Brasil, e pareceu-me repleto de ideias interessantes, originais e estimuladoras de ações.

Em tradução livre, o título do estudo é Nossas vidas futuras e sobrevivência: ambientalmente sustentáveis, socialmente inclusivas e com crescimento econômico. Lembra a sigla ESG, que ganhou grande espaço no noticiário dos últimos dois anos, a qual prega uma agenda de empresas e investidores voltada para o meio ambiente (environment), a inclusão social e a governança, só que colocando o crescimento econômico em lugar dessa última. Poderia ser chamada de ESC.

O texto a que me refiro é longo, tem oito páginas e resume outro de mesmo número de páginas, mas com fonte menor. Aqui vou resumi-lo ainda mais, transcrevendo textos mediante tradução própria. Num artigo futuro pretendo voltar ao assunto para tratar do caso brasileiro, avançando além do que representam essas três letras.

O estudo é dirigido a quem promove mudanças nos negócios, no governo e na sociedade, de forma a tratar os problemas nele abordados, e em busca de soluções. Argumenta que sem crescimento econômico “(…) como poderíamos alcançar prosperidade e bem-estar ou pagar pelas transições necessárias para tornar a economia mais ambientalmente sustentável e socialmente inclusiva? Sem sustentabilidade, como poderíamos estruturar o crescimento para a geração atual e outras que virão? Sem inclusão – uma oportunidade para o trabalho produtivo e uma vida satisfatória para todos os cidadãos –, como poderíamos assegurar a demanda necessária para impulsionar o crescimento?’’.

Enfatizando o crescimento, em face de sua importância para a sustentabilidade e para a inclusão, aponta que ele vem caindo nas economias desenvolvidas do G-7 desde a crise financeira de 2008. Nas economias emergentes, com exceção de países como China e Índia, o crescimento tem sido menor do que no início dos anos 2000. Retratando a pobreza, é dito que mais de 600 milhões de pessoas ainda viviam em pobreza extrema em 2017, e que mais 100 milhões se juntaram a esse grupo, como resultado da pandemia de Covid-19. De sua parte, um futuro sustentável exigirá enormes investimentos, para zerar emissões líquidas de carbono, prevendo investimentos anuais perto de US$ 5 trilhões até o ano 2030 e US$ 4,5 trilhões até 2050. É muito dinheiro. E pondera que, “para os líderes atuais, as questões são muitas e profundas – e solucionáveis”.

Explica que o ciclo virtuoso começa com o crescimento, e que este inclui, entre outros aspectos, a ambição de prosperidade crescente e bem-estar, inclusive crescimento do lucro para empresas, do PIB das nações e medidas que tragam vida satisfatória para os cidadãos. A inclusão social significa igualdade de oportunidades e amplo avanço de resultados para todos – especialmente a suficiência de padrões de vida – e o estreitamento de desigualdades entre gêneros, idades, etnias, status familiares e lugares de residência. Em sustentabilidade, busca-se maior resiliência ambiental, que começa reduzindo o risco do clima, e inclui também a preservação muito mais ampla do capital natural, assim como do equilíbrio entre gerações.

O estudo também aponta que medidas adotadas segundo sua agenda podem trazer efeitos contrários para parte da sociedade. Por exemplo, os grandes investimentos para realizar a transição das fontes energéticas, embora gerando muitos empregos na chamada economia verde, poderão afetar trabalhadores de baixa renda, que precisarão de treinamento para se adaptarem a novos empregos.

Ao concluir, o estudo aponta seis desafios em escala global que as nações precisam encarar para enfrentar as três questões centrais envolvidas na sigla ESC mencionada acima: 1) como deslanchar o crescimento via maior produtividade; 2) como reduzir os custos de transição da descarbonização; 3) como financiar e suavizar o custo da transição energética, país por país, setor por setor, de uma forma que não prejudique o crescimento da economia; 4) como retreinar e empregar os milhões de trabalhadores estagnados em ocupações que se reduzem em razão do progresso tecnológico; 5) como fortalecer o contrato social com o atendimento de necessidades básicas dos cidadãos medianos; e 6) como apoiar os segmentos mais vulneráveis da população, como, por exemplo, a sua quinta parte mais pobre?

Para acessar o texto inicialmente citado, sugiro recorrer ao Google consultando “economic growth for the good of all: sustainable and inclusive McKinsey”, e na primeira página de resultados buscar o texto divulgado pela empresa em 26/10/21.

 

 

Roberto Macedo é economista (UFMG, USP e Harvard), professor sênior da USP e membro do Instituto Fernand Braudel.

 

 Artigo publicado no jornal O Estado de S. Paulo, em 3 de fevereiro de 2020.

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Congresso tem sido o maior protagonista da agenda de reformas https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=3565&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=congresso-tem-sido-o-maior-protagonista-da-agenda-de-reformas Wed, 26 Jan 2022 11:08:08 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=3565 Congresso tem sido o maior protagonista da agenda de reformas

 

Histórico recente revela que o Parlamento é tão ou mais importante que o Ministério da Economia como agente formulador de reformas na legislação econômica.

 

Por Rogério Schmitt*

 

Estamos entrando no último ano do governo Bolsonaro e também no último ano da atual legislatura do Congresso. Resolvi então aproveitar este período de recesso parlamentar – e também de (pelo menos até outro dia) férias presidenciais – para fazer um levantamento das reformas econômicas mais importantes aprovadas nos três primeiros anos do corrente ciclo de governo.

Vou deixar de lado a agenda de reformas macroeconômicas, também conhecidas como reformas estruturantes (pois elas quase sempre envolvem mudanças no texto da Constituição Federal). A única reforma macro aprovada nesse período foi a da Previdência (Emenda Constitucional 103, promulgada em novembro de 2019). E os outros itens principais da agenda de reformas estruturantes (a tributária e a administrativa) dificilmente serão aprovados em um ano eleitoral.

Mas, ao contrário do que uma análise política mais descuidada poderia sugerir, esses últimos anos estiveram longe de ser uma fase de paralisia na agenda de reformas. Ao contrário: as reformas microeconômicas estão vivendo um período extremamente favorável. O levantamento apresentado a seguir (que talvez ainda esteja incompleto) conseguiu identificar um total de 17 importantes propostas de reformas micro já aprovadas entre 2019 e 2021.

As reformas microeconômicas correspondem ou a projetos de regulação de mercados e setores específicos da economia, ou a projetos que visam melhorar o ambiente de negócios como um todo. A segunda característica importante destas propostas é o fato de serem mudanças legais de natureza infraconstitucional. Por fim, a agenda de reformas micro também se define por sua orientação pró-mercado, com o objetivo de criar incentivos para maiores investimentos privados.

O quadro abaixo enumera as 17 reformas econômicas aprovadas pelo Congresso Nacional e sancionadas pela Presidência da República nos três primeiros anos do atual ciclo de governo. O ritmo de aprovação das reformas não foi homogêneo: mais lento nos dois primeiros anos (3 reformas aprovadas em 2019 e 2 em 2020), e bem mais intenso na segunda metade do período (nada menos que 11 reformas foram sancionadas em 2021, e uma já em janeiro de 2022).

Cada item dessa lista teve uma história e poderia virar um artigo próprio. Mas aqui apresento somente um panorama geral. Além disso, o impacto econômico efetivo dessas reformas não se esgota no curto prazo e, portanto, nem poderia ser avaliado aqui.

Achei, porém, interessante registrar a origem institucional de cada reforma microeconômica aprovada, ou, em outras palavras, se a respectiva lei foi originalmente proposta pelo Poder Executivo, pela Câmara ou pelo Senado. No entanto, a aprovação de reformas microeconômicas tipicamente pressupõe alguma cooperação entre as maiorias legislativas e o Palácio do Planalto. Vale, por fim, registrar que diversos projetos dessa lista começaram a sua tramitação legislativa em períodos de governo anteriores (a Lei de Falências, por exemplo, desde 2005).

Seja como for, outra descoberta contraintuitiva revelada pelo quadro é que praticamente dois terços (64,7%) das reformas econômicas aprovadas no período surgiram de projetos de lei originalmente apresentados por senadores (41,2%) ou por deputados (23,5%). Dito de outro modo: é o Congresso Nacional – e não o governo ou o Ministério da Economia – que vem sendo o principal formulador da agenda de reformas microeconômicas no País. E ainda vale ressalvar que das seis reformas que se originaram do Poder Executivo, metade tramitou como medida provisória.

E que outras reformas microeconômicas já aparecem no meu radar para o ano que está em curso? É só conferir este outro quadro, que enumera meia dúzia de reformas (sem contar as que porventura ainda possam ser apresentadas no futuro) com algum potencial para aprovação ao longo de 2022.

Naturalmente, nem todos os novos projetos da agenda de reformas micro serão necessariamente aprovados neste ano. Mas a maioria deles está relativamente próxima disso, seja porque já foram aprovados em uma das casas do Congresso, ou porque estão em regime especial de tramitação (medida provisória ou pedido de urgência). No cenário mais otimista, talvez somente a aprovação do novo marco legal do petróleo acabe ficando para o próximo período de governo.

Resumo da ópera: 1) o quadriênio que estamos prestes a completar será certamente mais lembrado pelos avanços na agenda de reformas micro do que na agenda de reformas macro; e 2) o Congresso é tão ou mais importante que o Ministério da Economia como agente formulador de reformas na legislação econômica.

 

 

* Rogerio Schmitt é cientista político e colaborador do Espaço Democrático.

 

Artigo publicado no site da Fundação Espaço Democrático em 24 de janeiro de 2022.

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