Economia – Brasil, economia e governo https://www.brasil-economia-governo.com.br Tue, 25 May 2021 18:01:46 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=6.5.3 Epidemiologia econômica: uma nova ferramenta para lidar com as epidemias https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=3448&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=epidemiologia-economica-uma-nova-ferramenta-para-lidar-com-as-epidemias Tue, 25 May 2021 13:25:53 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=3448 Epidemiologia econômica:

uma nova ferramenta para lidar com as epidemias

Por Araceli Hubert Ribeiro* e Giácomo Balbinotto Neto**

O objetivo deste artigo é falar sobre um novo campo da economia da saúde, a epidemiologia econômica, a qual busca estudar as doenças infecciosas do ponto de vista do comportamento dos indivíduos com o intuito de avaliar epidemias e sua trajetória com base no comportamento humano e nos custos diretos e indiretos destas doenças, assumindo o pressuposto de um comportamento racional [Becker (1976)].  Aqui iremos apresentar, brevemente, os principais fundamentos desta área, que apesar de estar em sua infância, tem se mostrado ser muito promissora, tanto em termos teóricos como empíricos, bem como relevante para os formuladores de políticas públicas em saúde.

A epidemiologia econômica é a relação entre o comportamento preventivo e a prevalência da doença, focada nas causas econômicas e consequências epidemiológicas da disseminação de doenças infecciosas que afetam a saúde púbica, ou seja, como o comportamento econômico dos indivíduos afeta o curso de uma doença infecciosa em uma população, podendo trazer consequências indesejadas ao nível individual e coletivo.

As doenças infecciosas merecem um estudo a parte da economia de saúde pública. Isto se dá em razão de uma característica única das doenças infecciosas que as tornam particularmente difíceis de analisar: o fato de elas serem transmitidas de pessoa para pessoa. Com isto, o comportamento individual se torna um aspecto central dentro da epidemiologia econômica, especialmente pelo fato de que as escolhas individuais feitas sobre tratamento e prevenção impactam outros indivíduos, gerando externalidades. O impacto das escolhas individuais em outros indivíduos é um conceito muito utilizado na economia, conhecido como externalidade e, em razão desse conceito tão central na economia do bem-estar, a abordagem econômica tem o potencial de contribuir muito para a compreensão de como o comportamento humano afeta as doenças infecciosas e qual é o papel governamental no controle destas doenças.  Um exemplo clássico na área de economia da saúde são as vacinas.

A área da epidemiologia econômica começou a ser desenvolvida juntamente com a pandemia de HIV/AIDS, na década de 1980, quando uma dimensão econômica foi adicionada aos modelos epidemiológicos clássicos utilizados para traçar o curso de um surto viral. Como o HIV se espalha principalmente por meio de relações sexuais, as decisões das pessoas em relação ao contato sexual têm um impacto claro na propagação do HIV, assim como na propagação de outras doenças sexualmente transmissíveis. Os indivíduos tomam diversas decisões que podem impactar a propagação de doenças, como por exemplo, o quão frequentemente lavam as mãos, se evitam sair de casa, se evitam o contato com pessoas possivelmente infectadas, se se testam para determinadas doenças, se usam ou não preservativos, dentre outros.

Segundo Phillipson e Posner (1993, p.3), a ideia de que uma doença contagiosa pudesse ser abordada do ponto de vista econômico havia recebido pouca atenção até o início dos anos 1980. Assim, a abordagem econômica das doenças contagiosas busca examinar as respostas públicas e privadas referentes a doenças contagiosas, de um ponto de vista do comportamento racional, enfatizando principalmente as respostas do comportamento humano a mudanças nos incentivos e a prevalência da doença.

Este ponto com relação ao comportamento racional merece ser mais detalhado. Aqui seguimos a argumentação de Phillipson e Posner (1993, pp. 1-10). Assim, para melhor compreendermos a epidemiologia econômica, parece ser plausível assumirmos que a “escolha racional” não implica necessariamente um comportamento consciente, deliberado ou informado. Na maioria das versões, segundo eles, uma escolha é racional se ela maximizar a utilidade esperada, onde a utilidade diz respeito ao bem-estar subjetivo do indivíduo, e esperado, graças à presença da incerteza, a qual faz com que a escolha possa ser possivelmente ruim. Segundo eles, a racionalidade implicaria que os meios se adequariam aos fins (suiting means to ends), quaisquer que sejam estes fins. Assim, devemos ter claro, segundo os autores, que a teoria econômica da escolha racional seria uma fonte de explicações e predições referentes ao comportamento, que incluiria o comportamento com relação aos perigos de uma doença contagiosa.

A epidemiologia econômica se apoia no comportamento racional das pessoas que buscam maximizar o bem-estar individual com base em incentivos, restrições e informações que chegam a elas. A importância disto, dada a dinâmica do comportamento humano dentro de uma epidemia, traz novas explicações para o entendimento de doenças infecciosas. Como destacaram Phillipson e Posner (1993, p.7), a epidemiologia econômica, busca também ilustrar o poder da análise econômica para iluminar o comportamento não mercado, que é um pouco afastado dos objetos de análise convencional da economia. Segundo Phillipson e Posner (1993, p.8), os modelos epidemiológicos padrões, de um modo geral, exageravam em suas previsões sobre o crescimento das doenças contagiosas, tais como a AIDS, a qual é transmitida principalmente através do comportamento voluntário. Assim, a economia pode ser utilizada para aumentar o poder preditivo e explanatório de tais modelos.

O principal ponto e crítica aos modelos epidemiológicos convencionais é que aqueles modelos falhavam em não considerar a importância dos incentivos na modelagem das respostas privadas tanto com relação às doenças comunicáveis, como com relação aos programas que buscam controlá-las. A razão disto, por exemplo, com relação à AIDS, era a falha em reconhecer que o aumento na prevalência de uma doença é (com certas qualificações) o equivalente a um aumento no preço do comportamento que cria o risco de contrair a doença, induzindo a uma resposta comportamental que iria limitar uma maior disseminação da mesma.

O estudo das epidemias, segundo Phillipson e Posner (1993, p.5), está baseado no pressuposto de que o mercado para atividades que criam o risco de contrair uma doença infecciosa (como o contato com uma pessoa infectada) é muito semelhante a outros mercados que os economistas estudam. Aqui, as trocas de contato são referidas no sentido econômico padrão na qual uma atividade é tomada como sendo mutuamente benéfica para as pessoas nela engajadas. Assim, no caso das doenças contagiosas, é assumido, também, que as pessoas iriam tomar medidas para se ajustar ao risco da infecção, especialmente com relação à prevalência da doença. Ainda segundo eles, os epidemiologistas, por exemplo, na predição do crescimento futuro ou no declínio de uma doença, abstraem o elemento de vontade (volitional element) – qual seja, a decisão de se engajar ou não num comportamento potencialmente transmissível, que os economistas, por sua vez, esperam que venha a ter um aspecto central no crescimento ou declínio até uma vacina ou cura ser desenvolvida. Assim, o modelo econômico das epidemiologias, chamado também de modelo de epidemia racional, implica estimativas menos alarmantes com relação ao futuro do crescimento das doenças contagiosas do que assumido pelos modelos epidemiológicos convencionais, dado que um crescente risco de infecção levaria os indivíduos racionais a substituir as atividades ariscadas, fazendo então, com que a doença fosse autolimitante.

 A epidemiologia econômica considera a possibilidade de a demanda por autoproteção contra uma doença ser sensível à prevalência da doença que é a proporção da população acometida por uma doença específica em um período determinado. Desta maneira, haveria uma relação recíproca entre autoproteção e a prevalência da doença, criando, assim, um loop de resposta como podemos ver na figura 1. A compreensão desta relação auxilia a identificação destes períodos durante o curso de uma epidemia e a resposta subsequente que os indivíduos possam vir a ter em relação à doença.

Figura 1: Relação recíproca entre autoproteção e prevalência da doença

Fonte: Adaptação de Bhattacharya et al., (2013, p. 453).
(1) autoproteção limita o crescimento da doença;
(2) baixa taxa de prevalência acarreta menos autoproteção.

Esta abordagem difere da abordagem epidemiológica tradicional, onde uma maior proteção acarreta um menor crescimento da doença, terminando a relação sem considerar que ela funcionaria como um ciclo e, portanto, não considera a resposta comportamental dos indivíduos que cria esse loop de resposta à prevalência da doença. A análise epidemiológica tradicional certamente discute como vários padrões de comportamento afetam a ocorrência da doença, porém ela não analisa as implicações de como o comportamento se modifica em resposta aos novos incentivos criados pelo crescimento de uma doença, nem analisa os efeitos dessas mudanças nas medidas de saúde pública (Bhattacharya et al., 2013).

Sob o ponto de vista econômico, se uma doença se tornar mais disseminada na população, a demanda por proteção privada (individual) aumenta em resposta. Os meios pelos quais as medidas preventivas aumentam em resposta ao surto da doença podem diferir entre as doenças. Por exemplo, para doenças evitáveis por vacina, estes meios podem representar o número de vacinações adicionais induzidas por cada nova infecção, enquanto para doenças sexualmente transmissíveis pode representar o aumento na correspondência de parceiros sexuais que têm o mesmo status de infecção (Philipson, 2000).

A sensibilidade à prevalência é chamada de elasticidade prevalência da demanda privada por prevenção contra doenças (elasticidade-prevalência). Como mencionado anteriormente, muitos modelos epidemiológicos não consideram que a demanda por proteção reaja à prevalência da doença, e com isso, acabam assumindo, mesmo que implicitamente, que a elasticidade-prevalência é igual a zero (Bhattacharya et al., 2013). Este ponto será aprofundado nos parágrafos a seguir.  Folland et al., (1994), explica mais detalhadamente a questão de intervenções serem ou não autolimitantes, e como isso pode ser identificado. O autor utiliza a equação 1 para apresentar a maneira que a autoproteção está relacionada com a prevalência:

Se Ep é baixo, zero, ou perto de zero, as pessoas demandarão pouca prevenção, resultando, desta forma, em maior prevalência futura. Ao contrário, se Ep é alto, muito maior que zero, então será demandada uma quantidade maior por prevenção, como, por exemplo, vacinas. Assim, existirá uma baixa prevalência futura. Estas demandas por prevenção, de acordo com o autor, alteram a taxa de prevalência da doença.

A elasticidade-prevalência é considerada uma grande contribuição da epidemiologia econômica para a compreensão da propagação de doenças infecciosas. Como explicado anteriormente, a demanda por autoproteção varia de acordo com a prevalência da doença na população, presumindo uma elasticidade-prevalência positiva, ao contrário da visão epidemiológica que assume uma elasticidade-prevalência zero. Além da prevalência, os indivíduos também reagem a outras medidas se percebidas como ameaças como, por exemplo, a taxa de mortalidade (Folland et al., 1994).

De acordo com modelos epidemiológicos, com a elasticidade-prevalência igual a zero, significa que com o aumento da prevalência de uma doença na população, a incidência também cresce, pois os indivíduos não são sensíveis ao surto da doença. Porém, se a elasticidade-prevalência for considerada positiva, enquanto uma doença se propaga, pessoas não infectadas buscam se proteger. Com isso, é possível que a incidência irá permanecer estável ou declinar enquanto a prevalência aumenta (Bhattacharya et al., 2013). A elasticidade-prevalência positiva assume, de acordo com a teoria da epidemiologia econômica, uma relação inversa entre prevalência e incidência.

Pode-se verificar esta relação em epidemias passadas, como, por exemplo, o caso do HIV nos Estados Unidos, mais precisamente, na cidade de São Francisco, que na década de 1980 representava 12,5% dos casos de HIV nos Estados Unidos.

 Algumas evidências empíricas relacionadas à epidemiologia econômica, a fim de exemplificar a sua aplicação direta com base em dados reais, têm indicado como os conceitos desta  nova área da economia da saúde podem ajudar na identificação do problema e nas suas possíveis soluções.

Uma diferença considerável entre modelos epidemiológicos e o modelo apresentado pelos autores é a suposição de que os indivíduos escolham seus parceiros sexuais de acordo com as probabilidades de infecção. Os modelos epidemiológicos descartam esta probabilidade de escolha e assumem uma escolha aleatória. Uma relação sexual que tem o potencial de transmissão de doença ocorre apenas quando parceiros potenciais decidem se relacionar sexualmente. Esta escolha, que é guiada por incentivos, é considerada não aleatória pelo modelo estudado. Esta ênfase nos incentivos, mencionada anteriormente, é a principal diferença para modelos epidemiológicos, neste caso.

A epidemiologia não é uma ciência social, portanto, não incluiu as respostas comportamentais e as preferências humanas individuais nos seus modelos. Como foi argumentado acima, o comportamento cria um efeito de feedback, relacionado à responsividade à prevalência, que tem a capacidade de causar um impacto substancial na propagação de doenças infecciosas. As preferências individuais, isto é, o comportamento individual necessita ser incorporado aos modelos de transmissão de doenças infecciosas, dado que a presença de externalidades implica que o comportamento individual é amplificado devido às consequências que pode ter para outros indivíduos.

Em resumo, modelos econômicos e as evidencias empíricas disponíveis têm mostrado que a demanda por prevenção é elástica à prevalência. Se a demanda for altamente elástica, é visto um declínio percentual na prevalência que levará a um declínio percentual maior nos esforços de prevenção dos indivíduos. Consequentemente, será cada vez mais caro atingir reduções adicionais na prevalência. Estimativas precisas da magnitude da elasticidade são, portanto, cruciais para prever o efeito das escolhas individuais e a necessidade de intervenção governamental.

Este breve artigo teve o objetivo de mostrar como as doenças infecciosas podem ser avaliadas sob a ótica das ciências econômicas. Esta análise não procurou diminuir a importância de outras abordagens, mas sim, ressaltar as recentes contribuições teóricas e empíricas que podem ser feitas pela economia e que não receberam, ainda, a devida atenção pelos epidemiologistas e pelos formuladores de políticas públicas em saúde. O ponto fundamental que buscamos destacar foi que a incorporação dos aspectos comportamentais nos modelos epidemiológicos tradicionais a fim de se ter uma melhor compreensão de como estes comportamentos afetam a trajetória de epidemias e, também, as políticas públicas adotadas para contê-las. Todos estes pontos se mostram críticos para avaliarmos a real eficiência das políticas públicas para doenças infecciosas.

Com o avanço da pandemia do novo coronavírus, esta área está obtendo notoriedade dentro da comunidade dos economistas. Estão sendo feitos diversos esforços para entender o comportamento de diferentes populações e políticas públicas frente à pandemia e o que pode ser feito para mudar os incentivos e restrições individuais para promover uma melhoria na saúde pública. A compreensão do que faz as pessoas tomarem decisões referentes a doenças específicas faz com que se abra um leque de opções e possibilidades de conter a propagação e o agravamento de doenças infecciosas, além de auxiliar o enfrentamento de possíveis epidemias futuras.

A epidemiologia econômica, seus modelos, implicações e evidências empíricas ainda se encontram na fase inicial do seu desenvolvimento, na sua infância para assim dizer, não sendo ainda completamente explorada em termos de implicações e políticas públicas em saúde que afetam o bem-estar de todos os agentes envolvidos.

Com a pandemia da Covid-19 vemos o quanto o comportamento humano tem o poder de alterar a trajetória de uma doença infecciosa. Isto apenas reforça a necessidade de explorarmos ainda mais o campo da epidemiologia econômica como uma forma de melhorarmos a nossa resposta a doenças infecciosas, procurando atingir um bem-estar coletivo. Este tema necessita ainda ser mais detalhado e refinado teoricamente, bem como testado com base em dados reais, especialmente em países que sofrem tanto com doenças infecciosas. Enfim, a epidemiologia econômica constitui-se em um importante tópico de pesquisa, não somente para os economistas, mas também para os profissionais da área da saúde e formuladores de política econômica.

 

Bibliografia

BECKER, G. S. The Economic Approach to Human Behavior. Chicago: University of Chicago Press, 1976.

BHATTACHARYA, J.; HYDE, T.; TU, P. Health Economics. Macmillan International Higher Education, 2013.

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FOLLAND, S.; GOODMAN, A.; STANO, M. The economics of health and healthcare. 7. ed. New Jersey: Prentice Hall, 1994.

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TASSIER, T. The Economics of Epidemiology. Berlin: Springer-Verlag, 2013.

 

*Araceli Hubert Ribeiro é aluna do curso de graduação em Economia da UFRGS.

** Giácomo Balbinotto Neto é professor do PPGE/UFRGS – Economia Aplicada e IATS/UFRGS.

 

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Por que não vacinas para a Covid-19 fora do SUS? https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=3400&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=por-que-nao-vacinas-para-a-covid-19-fora-do-sus Wed, 03 Feb 2021 15:50:43 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=3400 Por que não vacinas para a Covid-19 fora do SUS?

Por César Mattos[1]e Cleveland Prates[2]

“Um comerciante é um homem que  …não dá nem toma o imerecido”

Ayn Rand – A Virtude do Egoísmo

 

  1. Introdução

Com a aprovação de duas vacinas no Brasil, Astrazeneca e Coronavac, entrou definitivamente no debate nacional a oferta privada de vacinas contra a Covid-19, como uma complementação à aquisição realizada pelo Estado via SUS.

No entanto, já apareceram reações negativas, até mesmo de onde não se esperava. O pPresidente médico do Hospital Albert Einstein de São Paulo, por exemplo, declarou que “Não acho correto vender vacina no setor privado enquanto estiver faltando na rede pública. Estamos vivendo uma pandemia, não podemos privilegiar quem pode pagar pela vacina.”[3].

Em matéria no Nexo, Bortoni afirmou que “a possibilidade de que empresas comprem vacinas e imunizem seus funcionários é vista por alguns especialistas como imoral, pois pessoas saudáveis estariam passando na frente das que mais necessitam[4]. Na mesma matéria, é citado o professor de bioética Alcino Eduardo Bonella, da Universidade Federal de Uberlândia, que “disse ser condenável do ponto de vista ético que clínicas privadas pudessem vender os imunizantes “sem que exista no setor público a vacina disponibilizada para todo mundo”. Gonzalo Vecina Neto, ex-presidente da ANVISA também se manifestou dizendo que a “compra de vacina contra o coronavírus pelo setor privado não é proibida, mas é antiética”.[5]

Em entrevista a Renata Lo Prete no G1, o médico sanitarista Adriano Massuda, pesquisador do Centro de Estudos em Planejamento e Gestão de Saúde da FGV, por sua vez, até reconhece que a vacina fornecida pelo setor privado, com fins comerciais, pode ter um “efeito coletivo”, mas que não justificaria o “efeito negativo sobre a inequidade” do acesso às vacinas, o que se constituiria em um problema moral e ético[6].

Mesmo o economista Armínio Fraga se posicionou contrariamente à provisão privada de vacinas pois não seria “justo alguém entrar num leilão [de vacinas] para algo que é um bem público”[7]. Ademais, o economista seria contrário “devido ao temor de que ela pudesse inflacionar o mercado (já que as empresas pagariam muito mais pelas doses)”, o que acreditamos que seria a única motivação plausível, mas neste caso equivocada.

Nosso objetivo aqui é expor porque estas reservas em relação à provisão privada e comercial da vacina não fazem sentido e mostrar a razão da utilização de mecanismos de mercado se constituir em uma ação complementar fundamental na estratégia de vacinação.

Do ponto de vista econômico, há de fato sentido no Estado entrar e até mesmo assumir a liderança na distribuição de vacinas, especialmente em uma pandemia como a da Covid-19, dado que, como veremos mais à frente, estamos tratando de um caso clássico de geração de externalidades positivas. Não obstante, esta conclusão não autoria afirmar que o setor privado deva ser excluído deste processo. Ao contrário, ele poder ser fundamental na elevação da oferta no país e agilizar o fim da pandemia.

Visando dar maior clareza à linha de argumentação aqui desenvolvida, decidimos segmentar em oito tópicos os principais aspectos desta discussão, conforme pontuado ao longo da continuação do texto.

  1. Vacina como uma forma de gerar externalidades positivas

Vacinas são um exemplo clássico de um bem que gera o que se denomina em economia, de externalidade positiva. Mais precisamente, qualquer um que se vacina se torna um canal de transmissão a menos do vírus, o que beneficia todo o resto da sociedade. Em outras palavras, o ato de se vacinar afeta positivamente todos os demais indivíduos (gera externalidades positivas), mesmo àqueles que ainda não se vacinaram. Entretanto, o benefício gerado (a externalidade) não é internalizada por todo mundo, o que até poderia criar um incentivo para que algumas pessoas não se vacinem, caso tenham que pagar por isso. Portanto, há sentido que o Estado corrija esta “falha do mecanismo de mercado” induzindo a esta “internalização”, por cada pessoa, dos benefícios coletivos gerados pela imunização.

Em outras palavras, o mecanismo de mercado, de forma isolada, geraria uma quantidade de vacinação inferior ao socialmente desejável. Isso, no entanto, não quer dizer que a alternativa ao mercado seja uma imunização exclusiva pelo Estado. Ao contrário, o argumento da externalidade positiva não internalizada apenas aponta que o mecanismo de mercado sozinho não é suficiente, mas não implica que ele não seja útil e nem relevante na estratégia global de vacinação.

Tomando por base esta discussão inicial, a conclusão óbvia é que quanto mais vacinas conseguirmos trazer para o país, mais rapidamente ampliaremos o número de pessoas vacinadas e mais a coletividade se beneficiará do aumento marginal da quantidade de pessoas vacinadas.

  1. Vacina é um bem privado sob o ponto de vista econômico

Algumas pessoas têm usado o argumento de que as vacinas seriam bens públicos e que, portanto, deveriam ser fornecidas exclusivamente pelo Estado. A definição clássica e econômica de bem público pressupõe dois critérios: (i) não rivalidade no consumo; e (ii) não exclusão. A não rivalidade no consumo implica afirmar que o consumo de um bem ou serviço por uma pessoa não impede que outra pessoa também consuma o mesmo produto. Já o critério de “não exclusão” indica que qualquer um que crie um determinado produto não tem condições de impedir que terceiros também façam uso dele. Neste sentido, se alguém, por exemplo, tiver intenção de investir no desenvolvimento de um dado bem ou serviço, não terá como impedir que outros “peguem carona” no seu investimento. O grande dilema que se forma, portanto, é que todos gostariam de ter disponível este produto ou serviço, mas ninguém individualmente estaria disposto a investir na sua consecução, uma vez que teriam como impedir que outros usufruíssem dele sem pagar para assim recuperar o investimento realizado. Neste sentido, só o Estado teria condições de prover ou coordenar o provimento deste serviço. São exemplos clássicos, iluminação pública, exército e justiça.

Note-se, entretanto que as vacinas não preenchem os dois critérios aqui descritos. Em primeiro lugar porque o consumo de uma dose por uma pessoa compromete o consumo da mesma dose por outra pessoa, ou seja, a vacina é um bem que envolve “rivalidade no consumo”. No mesmo sentido a vacina não atende ao critério da “não-excludabilidade”. Se o detentor do produto desejar excluir quem não pagar no consumo, ele pode fazê-lo sem qualquer dificuldade.

Em realidade, as vacinas assumem interesse público pelo efeito sobre um bem vital, que é a saúde da população, e mais ainda pela questão da externalidade positiva acima apontada. Mas a vacina não é um “bem público”.

A questão que resta, portanto, é se a vacina privada e paga por meio do mecanismo denominado “mercado” reduziria a quantidade de vacina disponível para a rede pública dentro do mecanismo “fila” ou se ela se tornaria mais uma opção para a população brasileira, contemplando, inclusive, as preferências dos vários grupos da sociedade.

  1. Há heterogeneidade do produto pelo lado da demanda e da oferta

Nas discussões públicas apontadas até o momento passou despercebido o fato de que há diferenças consideráveis tanto pelo lado da demanda quanto pelo lado da oferta.

Visto pelo lado da demanda, as pessoas têm preferências próprias ou temores específicos com relação ao processo de vacinação. Existem grupos que simplesmente não pretendem se vacinar (os negacionistas). Há outros cuja opção por vacinar pode ser deixada de lado ao longo do tempo, principalmente sabendo-se que o benefício marginal pode se reduzir na medida em que mais gente vacinada pode reduzir o número de contaminados e tornar-se algo menos preocupante para alguns. Há ainda outros que mesmo pretendendo vacinar, têm medo de ter alguma reação adversa com um tipo ou outro da vacina disponibilizada. Em outras palavras, a preferência individual de cada pessoa pode não coincidir com as escolhas do governo, sendo que algumas delas podem estar dispostas a pagar para ter acesso a algo que o Estado não fornecerá.

A preferência do consumidor pode ainda estar associada à urgência que gostaria de tomar a vacina. Pessoas que não necessariamente estão em algum grupo de risco ou aquelas que estão, mas em um lugar na fila pública mais atrás, podem estar dispostas a tomar a vacina antes por qualquer razão que seja. Uma delas, e bastante razoável inclusive sob o ponto de vista público, é o caso de pessoas que têm que sair par trabalhar todos os dias e tem maior probabilidade de contrair a doença, seja no caminho do trabalho, seja no próprio ambiente de trabalho. Como é de conhecimento público, não há como se prever, com certeza absoluta, a reação de cada pessoa à doença e pessoas mais avessas ao risco podem estar dispostas a pagar para não ter que passar por isso.

Neste aspecto, é interessante perceber que o Estado, ao arbitrar a construção da fila, se preocupou com pessoas de mais idade (plenamente justificável pelo risco do agravamento), mas deixou de lado o risco de que profissionais que trabalhem em setores de maior risco (vide o caso dos frigoríficos em Santa Catarina[8]) possam contrair a doença e morrer, deixando desamparadas crianças cujo sustento e futuro possa se comprometer substancialmente por essa perda familiar. A questão posta é: será que esta fila arbitrada como está representa de fato as preferências individuais e principalmente da sociedade como um todo?

Podemos ainda estender este argumento para o caso no qual os demandantes sejam empresas que pretendam comprar a vacina para proteger seus funcionários. Algumas delas podem entender (por ter um conhecimento mais claro do seu negócio) que o risco de manter as pessoas no ambiente de trabalho é elevado e/ou que mantê-las em casa implique perda de produtividade elevada com impacto sobre seus resultados. Quanto mais isso for verdade, mais dispostas essas empresas estarão em pagar pela vacina e reduzir as perdas incorridas, que envolve não só a questão financeira, como também a vida de seus funcionários.

O que parece que também não está sendo visto nesta discussão é que a redução da atividade econômica associada à pandemia e à falta de vacinação implica perdas de emprego e elevação da pobreza, que traz consigo outras doenças e também perdas de vidas. Fato é que o Estado não tem condições de gerenciar e arbitrar todos os casos que podem ser encontrados em nossa sociedade, por se tratar de uma situação de “preferência revelada” (preferência dos consumidores), que só pode ser resolvida pelos mecanismos de mercado via ajuste de preços.

Este aspecto se soma ainda à heterogeneidade pelo lado da oferta. É fato que estamos tratando de um mercado oligopolístico com diferenciação de produtos. As vacinas têm, muitas vezes, processos de produção diferentes, com nível distinto de eficácia e efeitos adversos, além de preços variando de laboratório para laboratório. E tudo isso nos dias de hoje é claramente entendido pela sociedade, sendo que muitas pessoas poderiam se sentir mais confortáveis em tomar uma vacina de um laboratório e não de outro. Se lembrarmos que as compras do governo brasileiro estão concentradas em apenas duas vacinas (a Coronavac e a da Astrazeneca), a possibilidade do setor privado trazer novos tipos de vacina, longe de atrapalhar as compras governamentais, será uma forma de atender às diferentes preferências das pessoas e acelerar o processo de vacinação.

  1. A entrada do setor privado não restringirá a oferta do setor público brasileiro

Principal argumento para não permitir que o setor privado compre vacinas neste momento é o de que há uma forte restrição de oferta neste momento e que isso traria uma questão ética no sentido de quem o Estado brasileiro teria menos condições de elevar a oferta e que as pessoas que teriam dinheiro se vacinariam antes. Em nosso entender esta é uma não discussão pelos condicionantes observados neste mercado.

Em primeiro lugar, há que se destacar que os laboratórios que estão desenvolvendo as vacinas não têm uma “quota” fixa por país. O número de vacinas disponível para os setores público e privado conjuntamente no Brasil, portanto, não pode ser tomado como constante. Ou seja, não é um “jogo soma zero” entre vacinas SUS e vacinas setor privado, ainda que reconhecendo haver uma restrição global momentânea de oferta.

Astrazeneca e Pfizer recentemente anunciaram que ainda não iriam disponibilizar vacinas para o setor privado neste momento da pandemia. Mas isso não implica que elas sempre recusariam ou recusarão o “cliente” no setor privado, mas sim que já fizeram acordos com vários “clientes governos” pelo mundo afora. Ademais, só há muito pouco tempo as vacinas começaram a ser liberadas pelos respectivos órgãos reguladores, o que constitui um risco próprio de Estado, dado requerer ação de governo.

Mas será que o setor privado estaria disputando com o setor público brasileiro neste momento de escassez global de oferta de vacinas? Não há dúvida de que, considerando o mercado mundial como um todo, no presente momento, já existe uma disputa ocorrendo. Mas ela não é entre setor público e privado de cada país, mas sim entre países (incorporando a soma de setor público e privado para cada país), mas apenas em relação ao que ainda não foi contratado pelos vários governos dos vários países. Ou seja, pela oferta futura ainda não contratada.

A grande parte dos países desenvolvidos já contrataram até mais do que precisavam para imunizar toda a sua população. Para esta parcela já contratada não há mais disputa entre setor público e privado nem no plano global.

Reforce-se, o que existe hoje é uma disputa entre países. A Astrazeneca há pouco tempo, por exemplo, avisou que não iria cumprir o cronograma de liberação das vacinas e a presidente da Comissão Europeia (CE), Ursula von der Leyen, afirmou em 26/01/21[9] no Fórum de Davos, que os laboratórios devem honrar os compromissos assumidos pela Europa, que investiu “bilhões para desenvolver as primeiras vacinas contra a Covid-19”.

A Presidente da CE chegou a ponderar que “a aliança Covax, a UE, junto com 186 Estados, garantirá milhões de doses para países de baixa renda”. No entanto, deixou também claro que o mecanismo “fila” priorizará naturalmente, em primeiríssimo lugar, os cidadãos europeus. Não à toa, Von der Leyen asseverou que “por isso, vamos montar um mecanismo de transparência nas exportações de vacinas”, visando a identificar as entregas fora da UE de doses produzidas na Europa[10]. Ou seja, nada diferente de mais uma aplicação do “farinha pouca, meu pirão primeiro”.

Assim, a disputa “estado x estado” é, muito de longe, a restrição relevante para definir a restrição de oferta de vacina que o Brasil enfrentará; principalmente se compararmos a uma eventual disputa com o setor privado brasileiro ou estrangeiro, que por um acaso deseje ofertar comercialmente a vacina aqui dentro do país.

De qualquer forma, a população mundial hoje é de 7,8 bilhões de pessoas, com a população brasileira representando cerca de 2,7% deste total. Ou seja, o Brasil representa menos de 3% da demanda global pela vacina em um mercado que é mundial. Não há qualquer sentido em se afirmar que é a demanda do setor privado brasileiro que fará faltar o produto “vacina para covid-19” para o setor público brasileiro, mas sim a pressão dos outros mais de 97% de demanda que ocorre agora no mundo, e tudo isso fortemente concentrado nos clientes “governos”. Mesmo para aqueles que argumentam que preço se elevaria para o governo, a entrada do setor privado brasileiro seria muito residual para encarecer o produto; sem falar que os preços já foram previamente definidos pela, respectivas indústrias farmacêuticas.

  1. A irrazoabilidade dos argumentos apontando sobre a falta de ética

Há especialistas da área de saúde fazendo alegações de que a entrada do setor privado representaria um problema de ordem ética. O médico Adriano Massuda, por exemplo, chegou a fazer o paralelo da fila da vacina contra o covid-19 com a fila de transplantes de órgãos em que a alocação é regida exclusivamente pelo mecanismo “fila”, respeitando as compatibilidades entre doador e recebedor[11]. Em sua visão, o processo de vacinação deveria seguir o mesmo rito.

Nada mais falacioso. A oferta de órgãos não ocorre pela decisão voluntária de um empresário produzir, mas sim pelo acaso da morte de alguém, o que não pode ser comparado com o mercado mundial da vacina da covid-19, mesmo sob um ambiente de restrição de oferta.

Há pouco tempo houve revolta na mídia acerca da requisição do Supremo Tribunal Federal (STF) para a Fiocruz em priorizar os funcionários do Tribunal. Começavam ali as tentativas de “fura-fila”. A Fiocruz felizmente recusou esta priorização e o próprio STF voltou atrás, inclusive com punição do servidor requisitante, que nunca ficou claro se agiu sozinho ou com a “benção” de cima.

A resposta da Fiocruz se baseou na ordem de prioridade estabelecida pelo Ministério da Saúde. Como o objetivo principal da estratégia de vacinação é minimizar o número de pessoas que pegam a doença e, principalmente, o número de mortes, o Ministério da Saúde concentrou a sua estratégia em vacinar “profissionais de saúde da linha de frente” (que têm naturalmente maior chance de serem contaminados e de transmitirem a doença para seus pacientes), “idosos com mais de 75 anos ou institucionalizados”, com mais chances de efeitos severos e morte na população[12], indígenas e quilombolas[13].

De fato, é eticamente questionável que um grupo qualquer passe na frente dos outros quando há um mecanismo de “fila” com priorização definida por “chance de pegar” e “morbidade” adotado pelo Ministério da Saúde em um contexto momentâneo de restrição de oferta. Mas aqui, repita-se, estamos falando do mecanismo “fila”, e não do mecanismo “mercado”. Daí que cabe indagar se o mesmo argumento utilizado para negar aos servidores do STF a vacina gratuita intermediada pelo SUS poderia ser utilizado para negar a vacina a quem pode e deseja pagar pela vacina paga e intermediada pelo setor privado?

Aqui, novamente, há que se entender que não está se verificando disputa neste momento entre setor público e privado brasileiros. A importação do setor privado para comercialização não ocorrerá se não for permitido o “mecanismo mercado”, o que infelizmente poderá implicar perda de oportunidade para o setor público (que poderia até economizar neste processo) e de bem-estar para a população.  Isto porque, por exemplo, cidadãos brasileiros mais ao final da fila, mas dispostos a pagar, simplesmente vão perder a oportunidade de se vacinar mais rapidamente, sem que isso afete aqueles cidadãos brasileiros que estão no início da fila do Estado e continuarão a ser igualmente vacinados.

Ficam piores também os próprios cidadãos que foram considerados prioritários, que têm mais risco de se contaminar ou morrer, porque eles podem ser contaminados por aqueles que foram impedidos de pagar para se vacinar. Ou seja, é o Estado impedindo o setor privado de, além de vacinar mais pessoas, acelera o processo de geração de externalidades positivas da vacina, inclusive para os que considera prioritários.

Daí se tem o argumento pretensamente ético da “iniquidade” que distingue “quem pode pagar” de “quem mais precisa”. Qualquer mecanismo via mercado, fora da fila, seria “injusto”, “antiético” e “egoísta”? Ora, por que pagar por uma vacina no setor privado, que não diminuirá a oferta disponível para o setor público, apresenta tais adjetivos?

  1. Eficiência pública e privada e questões de ordem prática

Em economia, é conhecido o critério de bem-estar de Pareto: Se você pode melhorar alguém, sem piorar outrem, por que não fazê-lo? É precisamente o mesmo caso aqui. Mais do que isso, se alguém está em 5º na fila e opta por não esperar e pagar para vacinar, ele sai da fila e a vacina chega mais rápido para todos na fila do 6º em diante.

Ademais, o Estado gasta menos com a mesma política pública. É o mesmo que temos hoje entre a população que paga um plano de saúde e não entra nas filas do (ou recorre bem menos ao) SUS. Resolve o seu problema mais rápido e desafoga o sistema para os mais pobres. Será que há um problema ético também em se pagar um “plano de saúde” para si mesmo e sua família?

E isto é completamente distinto de agentes públicos aproveitarem sua posição para conseguir a vacina de graça ou mesmo por um preço menor do que seria no mercado, além de passar na frente de todos dentro da “fila”. O fato de se estar disposto a pagar o que o mercado está pedindo e de isso não reduzir a quantidade de vacina para a “fila” do setor público afasta plenamente o argumento de “injustiça”, falta de ética ou o que for.

Resta aos defensores da tese da “iniquidade” o mesmo argumento que Margaret Thatcher chamava à atenção no parlamento britânico quando um membro do partido trabalhista a questionou sobre o “aumento da desigualdade”, ainda que reconhecendo os efeitos positivos da política econômica sobre o crescimento econômico e redução da pobreza: “As pessoas em todos os níveis de renda estão melhores do que estavam em 1979”. O honorável cavalheiro está dizendo que ele preferiria que os pobres estivessem mais pobres, desde que os ricos estivessem menos ricos. Dessa forma, nunca seria gerada riqueza para melhores serviços sociais como nós temos hoje. Que política?”[14]

Mas a situação está bem pior na prática. Um conjunto de 72 empresas estavam negociando aquisição da vacina da Astrazeneca com o objetivo de conseguir 33 milhões de doses, sendo que 50% seriam doadas ao SUS e 50% ficariam com as empresas participantes, que poderiam imunizar seus empregados. Com a resistência assinalada acima que também resultou em divergências quanto ao percentual a ser doado ao SUS, várias empresas parecem estar dispostas a sair da iniciativa[15]. Ou seja, se já seria um absurdo impedir que empresas privadas comprem vacinas já autorizadas pela Anvisa para imunizar seus empregados e a quem mais desejassem, imagine-se havendo qualquer percentual de doações para o mecanismo “fila” do próprio Estado!?

Outro ponto relevante da hesitação do setor privado em fechar negócios com os laboratórios estrangeiros nas novas vacinas, pelo menos no caso brasileiro, é que, tal como ocorreu com equipamentos para tratamento da pandemia como respiradores, agulhas e seringas, havia (como ainda há) grande probabilidade de expropriação pelos governos nos três níveis da federação. Se o próprio governo federal cogitou fazer isso com as vacinas em relação ao governo paulista (com atitude bem bloqueada pelo STF), mais provável seria isso ocorrer com as empresas privadas. Ou seja, qualquer iniciativa do setor privado em ofertar vacinas tem que ser muito conversada com os governos antes, para evitar que haja este tipo de expropriação.

De outro lado, a Associação Brasileira das Clínicas de Vacina (ABCVAC) e a importadora Precisa Medicamentos fecharam cinco  milhões de doses da vacina Covaxin, desenvolvida pelo laboratório indiano Bharat Biotech contra a Covid-19, a serem destinadas às clínicas privadas no Brasil. Esta vacina, no entanto, ainda está realizando testes na fase 3 e precisa passar pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) que têm demandado testes em brasileiros, o que já tem atrasado desnecessariamente a aprovação da Pfizer e Sputinik Russa[16].

  1. Considerações finais

Conforme apontamos ao longo deste texto, parece haver um equívoco consolidado na opinião pública de que a provisão de vacina pelo setor privado implicaria uma competição indesejável com o setor público. Em nossa visão, este equívoco está associado a uma intepretação equivocada, principalmente de profissionais da área saúde, de que o Estado é a única forma de prover um bem que eles consideram “público” em um ambiente de restrição de oferta.

O que procuramos demonstrar aqui foi que apesar de estarmos tratando de uma questão pública de saúde, a vacina, em si mesma, não deve ser entendida como um bem público no sentido clássico econômico. Reforçamos que ela pode e deve ser ofertada pelo Estado não só por uma questão de imunização individual, mas também e principalmente pela externalidade positiva que gera, na medida em que cada indivíduo a mais vacinado reduz o risco dos demais de contrair a doença.

Não obstante, a entrada do setor privado brasileiro, conforme apontamos ao longo do texto, longe de competir com o setor público nacional, só elevará a quantidade de vacina disponível no Brasil e acelerará o processo em curso. Isto porque a competição na realidade já vem ocorrendo entre países e não entre setor público e privado. Vale destacar ainda que muito da demanda dos países desenvolvidos já foi contratada e que estamos tratando de uma oferta futura ainda não disponibilizada e negociada.

A possibilidade de que novas vacinas de outros laboratórios sejam também trazidas para o país é um argumento a mais a favor da atuação do setor privado, na medida em que a diversificação (além da ampliação) da oferta poderá contemplar demandas específicas.

Desta forma, consideramos que neste momento de escassez, em que urge uma rápida resposta de incremento de oferta interna, os mecanismos “fila” e de “mercado” devem caminhar juntos. Renegar o mecanismo de mercado terá seu custo medido em mais vidas desnecessariamente perdidas.

 

[1] Doutor e em Economia e consultor da Câmara dos Deputados.

[2] Economista especializado em regulação, defesa da concorrência e áreas correlatas. Atualmente é sócio-diretor da Microanalysis Consultoria Econômica, coordenador do curso de regulação da Fipe e professor de economia da FGV-Law/SP.

[3]https://valor.globo.com/brasil/noticia/2021/01/27/nao-podemos-privilegiar-quem-pode-pagar.ghtml.

[4]https://www.nexojornal.com.br/expresso/2021/01/26/A-corrida-por-fora-de-empres%C3%A1rios-pela-vacina-contra-a-covid-19.

[5] https://www.fm.usp.br/fmusp/noticias/compra-de-vacina-contra-coronavirus-pelo-setor-privado-nao-e-proibida-mas-e-antietica.

[6] https://g1.globo.com/podcast/o-assunto/noticia/2021/01/27/o-assunto-377-publico-x-privado-fila-paralela-da-vacina.ghtml.

[7]https://valor.globo.com/live/noticia/2021/01/28/busca-de-vacinas-pelo-setor-privado-e-compreensivel-mas-nao-acho-boa-ideia-diz-arminio.ghtml.

[8]https://noticias.uol.com.br/saude/ultimas-noticias/bbc/2020/07/22/covid-19-se-alastra-em-frigorificos-e-poe-brasileiros-e-imigrantes.htm.

[9]https://veja.abril.com.br/mundo/uniao-europeia-cobra-que-pfizer-e-astrazeneca-entreguem-vacinas-sem-atraso/

[10] Von der Leyen inclusive encrencou com as vacinas a serem destinadas ao Reino Unido. Ver https://veja.abril.com.br/blog/mundialista/fiasco-total-a-chefona-da-europa-queima-largada-na-guerra-das-vacinas/

[11] O que não implica que não se poderia melhor otimizar o mecanismo “fila”, introduzindo-se princípios de mercado sem que seja requerida qualquer transação financeira. O prêmio Nobel Alvin Roth explica no capítulo 3 “Trocas que salvam Vidas” em seu livro “Como funcionam os mercados: a nova economia das combinações e do desenho de mercado” Porfolio Penguin, 2016 como as filas de transplantes podem ser aprimoradas para ampliar a oferta de órgãos para pacientes à espera de transplantes.

[12]Em reportagem de 19/12/20, o Poder360 (https://www.poder360.com.br/coronavirus/pandemia-volta-a-ter-mais-mortes-mas-faixa-etaria-da-letalidade-se-mantem/#:~:text=A%20maior%20propor%C3%A7%C3%A3o%20de%20v%C3%ADtimas,13%2C6%25%20da%20popula%C3%A7%C3%A3o) mostra que as pessoas com mais de 60 anos representavam 74% do total de mortos pela pandemia, mesmo sendo apenas 13,6% da população.

[13] Dependendo da localização, estes dois grupos podem ter, de fato, mais ou menos acesso aos recursos do SUS. A depender do grau de integração de aldeias e comunidades com pessoas de fora, também têm menos contato com pessoas contaminadas, reduzindo sua vulnerabilidade. Também não encontramos evidência de que tais grupos seriam realmente mais vulneráveis que outros grupos de cidadãos pobres, especialmente nos aglomerados urbanos das grandes cidades brasileiras. Particularmente as pessoas que utilizam transporte coletivo nas cidades devem ter uma chance de pegar e de transmitir maior (e sua vacinação gerar mais externalidades positivas) que estes grupos teoricamente mais isolados.

[14] https://blog.acton.org/archives/53033-what-margaret-thatcher-understood-about-income-inequality.html

[15] https://valor.globo.com/brasil/noticia/2021/01/28/empresas-reveem-posicao-sobre-negociacao-para-compra-de-vacina.ghtml

[16] https://oglobo.globo.com/sociedade/vacina/covid-19-clinicas-privadas-fecham-acordo-por-5-milhoes-de-doses-de-vacinas-da-india-diz-valor-24857066

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A inflação da pandemia da Covid-19 https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=3372&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=a-inflacao-da-pandemia-da-covid-19 Tue, 24 Nov 2020 11:39:34 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=3372 Por Roberto Macedo

No meu último artigo, há duas semanas, argumentei que o noticiário sobre as causas da maior inflação em 2020 é limitado, em prejuízo da compreensão desse assunto. Três aspectos são enfatizados: o forte aumento dos preços de alimentos, como o arroz e o óleo de soja, e de preços industriais, este atribuído a uma escassez de insumos utilizados pelo setor, e a taxa de câmbio, em reais por dólar, que subiu bastante neste ano.

Na análise econômica, usualmente se distingue uma inflação de custos, como a dos aspectos citados, cabendo explicar por que aumentaram. E há a inflação de demanda, que pode ocorrer, por exemplo, quando um banco central amplia consideravelmente a oferta monetária e/ou é adotada uma política fiscal que expanda com vigor os gastos públicos. Essas fontes de inflação podem atuar conjuntamente.

No artigo citado, enfoquei a inflação de demanda, muito importante por dois aspectos, o lado fiscal da política macroeconômica governamental e o lado monetário e creditício da mesma política. A política fiscal tornou-se fortemente expansionista. Entre outras razões, pela adoção do auxílio emergencial e por outros dispêndios para a saúde. Isso teve o seu lado monetário mais claro com o auxílio emergencial, pois foi pago em dinheiro ou creditado em contas, alcançando dezenas de milhões de pessoas.

Mostrei também números de grande dimensão reveladores desse impacto monetário gerador de demanda. O papel-moeda em poder do público aumentou 35% entre março e setembro de 2020, os depósitos bancários à vista cresceram 25%, segundo o Banco Central, e esses aumentos foram significativos se comparados com os verificados em 2019, sem a covid-19. Ressaltei ainda as contas de poupança, cujo saldo total aumentou 18% entre março e setembro de 2020, ou R$ 152 bilhões. Pela primeira vez ultrapassou a imensa cifra de R$ 1 trilhão.

Outra fonte, o Fundo Garantidor de Créditos, revelou que o aumento foi mais forte, de 55% (!), nas contas de saldo mensal até R$ 5 mil, indicando que parte do auxílio emergencial aí ficou. Essas contas são também utilizadas, em parte, como depósitos à vista. E esse uso cresceu muito em 2020. Por exemplo, no mês de outubro, os depósitos na poupança passaram de R$ 218,1 bilhões em 2019, para R$ 279,6 bilhões em 2020; e as retiradas, de R$ 218,4 bilhões para R$ 272,6 bilhões no mesmo período.

Ainda do lado monetário, houve também aumento considerável das concessões de crédito, de apoio a pessoas físicas e jurídicas. Segundo o Banco Central, o saldo da carteira de crédito livre aumentou expressivos 26,5% para pessoas jurídicas e 8,7% para pessoas físicas, entre setembro de 2019 e setembro de 2020.

Concluí afirmando que essa forte expansão dos meios de pagamento pesou e continuará pesando na inflação de 2020. Acrescento que essa expansão coincidiu com forte queda do produto interno bruto (PIB), que foi de 2,5% no primeiro trimestre 2020 e de 9,7% no segundo. Assim, o grande aumento dos meios de pagamento, revelador de um também amplo aumento da demanda, encontrou a oferta em queda por causa do menor PIB, provocando assim pressões inflacionárias.

A previsão da inflação em 2020, medida pelo IPCA do IBGE, continuou subindo nas duas últimas semanas, como ocorre ininterruptamente há 14, segundo o boletim semanal Focus, do Banco Central. O último boletim, da semana passada, previa 3,25%. Em 5/6/2020 a previsão era de 1,53%, e havia caído desde o início do ano. Ou seja, a previsão mais do que dobrou desde junho.

Recentemente, o Banco Central divulgou seu Boletim Regional trimestral, de outubro, que reconhece o efeito dos programas de transferência de renda sobre a inflação, conforme estes trechos: “A pandemia da Covid-19 tem influenciado a inflação e os preços (..,) desde março (…) a depreciação cambial, os programas de transferência de renda e o aumento dos gastos com alimentação no domicílio pressionaram os preços dos alimentos. (…) a análise evidencia inflação de alimentos mais elevada no Norte e no Nordeste, inclusive para a faixa de renda mais baixa, o que sugere algum efeito do auxílio emergencial (…), mais significativo nessas regiões, sobre a demanda desses produtos”.

Usando esse diagnóstico para especular quanto ao futuro da inflação, a pressão inflacionária terá uma queda neste e no próximo trimestre com a redução e eliminação do auxílio, mais a expansão do PIB, que voltou a crescer no terceiro trimestre deste ano, queda que poderá ser arrefecida se o dinheiro acumulado em 2020 nas contas de poupança, ou de outras formas, for usado para consumo.

Passando a outros fatores, se o governo federal não tomar nos próximos três meses medidas efetivas para reduzir sensivelmente o déficit fiscal, que aumentou enormemente em 2020, isso poderá contribuir para agravar as preocupações quanto ao financiamento da dívida pública, criando pressões sobre o câmbio e sobre as próprias expectativas de inflação, que também poderão contribuir para agravá-la.

Roberto Macedo é economista (UFMG, USP e Harvard), professor sênior da USP e membro do Instituto Fernand Braudel.

Artigo publicado no jornal O Estado de S. Paulo, em 19 de novembro de 2020.

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Manter o Teto, seguir as Reformas: a Estabilidade da Economia em Jogo https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=3309&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=manter-o-teto-seguir-as-reformas-a-estabilidade-do-brasil-em-jogo Fri, 21 Aug 2020 16:27:28 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=3309 O jornal O Estado de São Paulo, em 17 de agosto, alertou para a possibilidade dos gastos com Defesa superarem aqueles com Educação no orçamento de 2021. A informação revela uma escolha diante da imposição do teto de gastos: a sociedade, através do Executivo e do Parlamento, deverá priorizar despesas com Defesa em detrimento à Educação? O teto não permite que ambas se elevem, a menos que uma terceira área seja cortada. 

A Emenda Constitucional 95 de 2016 estabeleceu que a despesa do governo, com algumas poucas exceções, não pode exceder o valor base estabelecido naquele ano, corrigido anualmente pela inflação. O chamado teto de gastos. O objetivo final era retirar as contas públicas federais do vermelho – em 2015 o déficit fiscal atingira 2% do Produto Interno Bruto (PIB), interrompendo a tendência de alta da dívida. Ao estabelecer um limite global para as despesas, e não específico por setor, o teto engenhosamente convida a sociedade a discutir a qualidade e efetividade dos gastos públicos, apenas escolhendo aqueles que fazem mais sentido.

Na ausência do teto, como acontecia até 2016, a tendência era aumentar gastos em todas as áreas, cabendo ao Ministério da Fazenda buscar uma forma de financiá-los. Essa foi a dinâmica das contas públicas brasileiras por muitas décadas (Gráfico 1), quando a despesa cresceu mais do que o PIB. Nos anos 70 e 80, o financiamento era fundamentalmente inflacionário. Determinava-se o orçamento – em geral, deficitário – e estabelecia-se a quantidade de moeda necessária para equilibrá-lo. Mesmo com o fim da hiperinflação em 1994, o crescimento dos gastos continuou.  O financiamento passou a ser com i) aumento de arrecadação, que escalou de 25% do PIB em 1996 para 32% do PIB em 2002; ii) aumento da dívida pública, de 55% do PIB em 2006 para 76% em 2019; iii) privatizações, especialmente da década de 1990; e iv) fatores conjunturais, como o crescimento acelerado do PIB entre 2004 e 2010, resultado das reformas dos anos 90, da boa gestão econômica do início do governo Lula, do bônus demográfico e da alta dos preços das commodities gerada pela entrada da China na OMC em 2001.

 

Fonte: Secretaria do Tesouro Nacional

Estas diferentes fontes de financiamento deram sinais de esgotamento no início da década de 2010. O crescimento global se acomodou e a carga tributária e a dívida pública atingiram níveis elevados na comparação internacional. O País, no entanto, não parecia disposto a questionar a evidente necessidade de priorizar gastos. Manobras contábeis, como o atraso de repasses a bancos públicos para pagar obrigações do Governo Federal, escondiam (ou tentavam esconder) o problema. Entre 2010 e 2014 era comum analistas avaliar as contas públicas “com e sem manobras”. Projeções na época indicavam que, na ausência de medidas contundentes, a dívida bruta poderia superar 90% do PIB no final da década, quase o dobro da média das economias emergentes.

A partir de 2015, o problema do crescimento dos gastos públicos passou a ser encarado de frente. O primeiro passo foi dado pela equipe liderada pelo Ministro Joaquim Levy, que eliminou as manobras contábeis e interrompeu as chamadas “pedaladas”. Pouco depois, o Governo Temer aprovou a Emenda Constitucional do Teto de Gastos e substituiu a Taxa de Juros de Longo Prazo (TJLP) pela Taxa de Longo Prazo (TLP), reduzindo o subsídio implícito nas operações do BNDES. Em 2019, o governo Bolsonaro aprovou a Nova Previdência, que interrompe a tendência de crescimento de aposentadorias e pensões, o maior componente do gasto público (8% do PIB). Esta sequência de ajustes estruturais melhorou a perspectiva de sustentabilidade fiscal do país, e foi decisiva para reduzir os juros dos títulos públicos federais. A dívida bruta atingiu 76,5% do PIB em 2018, ainda alta, mas bem melhor do que o cenário que se desenhava anteriormente. Em 2019, recuou para 75,8%, a primeira queda em 6 anos.

O ajuste, no entanto, está longe de estar completo. As despesas obrigatórias – previdência, folha do funcionalismo e outras despesas previstas em lei – ainda superam 90% das despesas totais. O País arrecada cerca de R$ 1,5 tri por ano, mas quase R$ 1,3 tri está carimbado. Sobra pouco para despesas discricionárias como infraestrutura, bolsa-família, investimentos em saúde e educação. Não precisamos de mais recursos, mas sim desvincular, desindexar e desobrigar essa imensa fatia do orçamento que Executivo e Legislativo não podem alocar nas necessidades mais críticas da sociedade.

O Pacto Federativo, que possibilita redução de despesas obrigatórias e desvincula receitas de fundos públicos, a Reforma Administrativa e a Reforma Tributária são pautas urgentes. Fraga Neto (2019) mostra que o gasto do Brasil com previdência e funcionalismo é alto comparado com outros países, especialmente emergentes. O autor argumenta ainda que é possível liberar recursos para áreas cruciais como a social com a eliminação de subsídios e impostos regressivos.

 

A pandemia e o desafio adiante

Em meio ao processo de ajuste estrutural descrito acima, a pandemia da Covid-19 se abateu sobre o mundo.

Um país com a situação fiscal delicada, via de regra, não deve aumentar seus gastos para estimular a economia. O aumento de gastos gera incerteza sobre a capacidade de honrar sua dívida ao longo do tempo. Os juros sobem, prejudicando crédito e investimento. A despesa financeira aumenta, reduzindo ainda mais o espaço para as políticas públicas. Este ciclo vicioso, chamado de efeito “não-keynesiano” da política fiscal, deve ser evitado pelo gestor público responsável.

A situação absolutamente excepcional da pandemia, no entanto, muda esta prescrição. A maioria dos setores econômicos sofreu um choque intenso e inesperado, de duração imprevisível e natureza não correlacionada com as ações dos agentes na economia. Ou seja, não há um problema de moral hazard como na crise de 2008. Nestas circunstâncias, cabe ao Estado manter financeiramente vivos trabalhadores e empresas. Como na fábula da cigarra e da formiga, o argumento para manter o estado solvente, ágil e focado em tempos normais é justamente para que nessas ocasiões excepcionais exista munição para agir com efetividade.

O ajuste fiscal foi corretamente – e, temporariamente – interrompido. Segundo Balanço do Ministério da Economia, as ações de enfrentamento aos efeitos da Covid-19 superam R$ 500 bilhões de reais em despesas primárias. O impacto pode ser maior, uma vez que o Congresso discute uma prorrogação do Auxílio Emergencial, que distribuiu R$ 600 mensais para quase 60 milhões de brasileiros, um custo mensal superior a R$ 50 bilhões para o erário.

Em que pese o mérito das ações fiscais durante a crise da Covid-19, a melhora dos resultados fiscais foi revertida. A dívida bruta deve saltar para algo entre 95% e 100% do PIB, se aproximando das projeções mais pessimistas de anos atrás (Gráfico 2). Torna-se fundamental, portanto, não desfigurar o arcabouço de governança fiscal, fundando na Lei de Responsabilidade Fiscal, Regra de Ouro e Teto de Gastos. Ele se mostrou flexível o suficiente para acomodar a situação excepcional, com o parecer favorável do Ministro Alexandre de Moraes do STF e reforçado com a “PEC da Guerra”. E deve continuar sendo o guia para retornar à trajetória de equilíbrio, passada a pandemia.

 

Fonte: Secretaria do Tesouro Nacional, Pastore (2016)

 

Há, no entanto, riscos para o retorno dos gastos ao patamar e ritmo anteriores. O maior desafio será o auxílio emergencial, pois se por um lado pesa nas contas públicas, por outro se mostrou efetivo em reduzir a desigualdade social e impulsionar a aprovação do governo. Essa dicotomia, no entanto, não se sustenta: se uma ação provoca desequilíbrio fiscal crescente, cedo ou tarde uma crise macroeconômica jogará por terra seus benefícios. A recessão de 2014-2016, que eliminou os avanços sociais gerados por políticas insustentáveis dos anos anteriores, é o exemplo recente mais contundente deste fenômeno.

Outro risco ao retorno da trajetória de equilíbrio pós-pandemia é a chamada “fadiga do ajuste”. O déficit primário está negativo desde 2015 e, mesmo que o teto de gastos seja cumprido, deverá permanecer no vermelho até 2026. São mais de 10 anos de ajuste. Se não avançarmos rapidamente em reorientar os gastos obrigatórios, continuará a crescer a pressão pela saída fácil de romper o teto e aumentar a dívida, sem questionar a efetividade dos gastos correntes. É anestesiar o alcoólatra com mais bebida ou o drogado com mais droga. Em uma democracia operacional, urge que a sociedade saiba com clareza quais as opções que se apresentam, e seus custos.

Por fim, há o risco na relação com os entes federados. A pandemia pode virar uma oportunidade para os Estados, muitos em situação crítica mesmo antes da crise, pressionarem por um resgate “maternal” da União. A rigidez orçamentária se repete nos entes subnacionais, com raras exceções. Com a queda das receitas tributárias, ficou praticamente impossível manter serviços públicos funcionando. O governo Federal entrou com um substancial pacote de apoio, que envolveu suspensão de pagamentos e aporte de recursos. O pagamento das dívidas com a União, por exemplo, foi suspensa e o recolhimento das contribuições do PIS, PASEP e FGTS foram diferidos. Será grande a pressão por mais recursos, e para que a suspensão de pagamentos continue depois da pandemia.

Outra “janela de oportunidade” para os Estados se salvarem é a Reforma Tributária. Com o balanço de forças favorável no Congresso, é possível que, embutido na Reforma, Estados abocanhem uma fatia desproporcional do ISS Municipal (cuja base de arrecadação é crescente comparada ao ICMS) e sejam contemplados com generosos fundos de compensação, abastecidos pelo Tesouro Nacional.

A União vem tentando ao longo dos anos resolver o problema dos Estados com iniciativas como o Plano de Recuperação Fiscal, que estabelece ajuda federal mediante contrapartidas. No entanto, o resultado se mostra limitado. Há pouco interesse de se cumprir as condicionalidades. A opção da maioria parece ser de esticar a corda, apostando na pressão política para que o Governo Federal jogue a boia, como ocorreu diversas vezes na história.

Muitos argumentam que, com as taxas de juros excepcionalmente baixas no Brasil e no mundo, endividar-se não é um problema. De fato, pode ajudar a ganhar tempo. O Tesouro Nacional tem, acertadamente, encurtado as emissões de títulos para se beneficiar da Selic de 2% ao ano, uma vez que os juros longos estão muito altos com o atual estado de incerteza. Essa mudança no perfil da dívida, contudo, traz como efeito colateral o risco de “dominância fiscal” da política monetária mais adiante. Quando – e se – o Banco Central tiver que elevar a Selic para controlar a inflação, o impacto nas despesas com juros será muito intenso, podendo restringir (pelo canal da piora do risco-país e da depreciação do câmbio) os efeitos que se desejam do aperto monetário sobre a inflação. Perde-se “potência” da política monetária, reeditando-se o efeito apontado por Blanchard (2005), ainda que suavizado pelo fato de o Brasil ser hoje credor líquido em dólar – reservas internacionais superam a dívida denominada em dólar, oposto do que ocorria no início dos anos 2000.

Vivemos, portanto, um momento decisivo da história econômica brasileira. O País enfrentava um complexo quadro fiscal antes da pandemia do Covid-19, mas com avanços que vinham tornando a perspectiva mais positiva. Grandes desafios ainda se apresentam, como o excesso de gastos obrigatórios e de benefícios tributários, novas ações estão no pipeline para o avanço estrutural prosseguir. A pandemia trouxe novos riscos, tornando ainda mais urgente esses avanços. Um bom sinal é a notícia de que a PEC 186, que traz gatilhos para redução de gastos obrigatórios, pode acomodar a proposta do Renda Brasil (substituto permanente do Auxílio Emergencial). É uma forma de abrir espaço para um importante gasto social sem desequilibrar as contas.

É preciso celeridade. As ações de hoje vão de terminar a sustentabilidade macroeconômica do país por anos a frente. No ínterim, devemos resistir à saída fácil de abandonar o ajuste nos gastos, abrindo mão do teto por mais endividamento ou aumento da carga tributária. Esta alternativa apenas aumentará o custo a ser pago pela sociedade como um todo mais adiante.  Especialmente pelos mais pobres que não têm poupança rendendo juros e tem acesso limitado a instrumentos jurídicos e financeiros para se defender da inflação e dos impostos.

 

Caio Megalé é Economista. Foi Secretário da Municipal de Fazenda de São Paulo (2017-2018) e membro da equipe do Ministério da Economia (2019-2020).

 

 

 

1 Ver, por exemplo, Pastore, A. Desajuste Fiscal e Inflação: Uma Perspectiva Histórica. In: Bacha, E. (Org) 2016. A Crise Fiscal e Monetária Brasileira.

2 Ver, por exemplo, “Consolidação fiscal expansionista no Brasil”. Nota Informativa da Secretaria de Poll expansionista no Brasil”ꘅ da Economia, dezembro 2019.

3 PECs 186, 187 e 188 de 2019, em tramitação no Senado Federal.

4 FRAGA NETO, A. Estado, Desigualdade e Crescimento no Brasil. Novos estudos CEBRAP. Set.–Dez 2019.

5 Para um registro empírico desse efeito, ver BHATTAACHARYA, R. e MUKHERJEE, S. NonKeynesian effects of fiscal policy. In OECD economies: an empirical study. Applied Economics, Vol 45, 2013.

6 BlLANCHARD, O. Fiscal Dominance and inflation targeting: lessons from Brazil. In GIAVAZZI, F. et al. (2005). Inflation targeting, debt and the Brazilian experience 1999 to 2003.

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A Crise Econômica do Covid-19 no Brasil: Como Estamos Reagindo? https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=3260&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=a-crise-economica-do-covid-19-no-brasil-como-estamos-reagindo Thu, 28 May 2020 18:24:52 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=3260 ⦁ Introdução

A resposta adequada da política econômica à crise do Covid-19 tem sido o tema mais relevante do debate atual sobre economia no mundo e no Brasil.

Nesse artigo procuramos analisar a resposta que está sendo dada pela equipe econômica no Brasil. Partindo de uma estratégia de austeridade fiscal, a equipe econômica optou por uma abordagem mais expansiva com vistas a compensar as consequências da Covid-19.

A pergunta que se faz é em que medida tal mudança constitui um reconhecimento da equipe econômica de que a austeridade anterior estava errada e que é preciso migrar para uma abordagem de gosto mais Keynesiano, na linha da “nova matriz econômica” executada entre 2008 e 2016?

Se o entendimento do que for “keynesiano” é simplesmente gastar mais no curto prazo para fazer frente à crise do Covid-19, a resposta é positiva. No entanto, voltar a uma abordagem de gastos públicos que continuamente ativem a economia, seja “cavando e enchendo buraco” (a eterna metáfora keynesiana), seja investindo ou consumindo, a resposta é claramente negativa. Não há dissenso de que uma mudança de direção temporária é necessária no curto prazo em resposta a um evento totalmente imprevisível e fora do controle como o covid-19. Mas isto não implica que se deva reverter a linha de austeridade para um prazo mais longo. Na verdade, indica a necessidade de reforçar aquele caminho, passada a tempestade.

A Revista The Economist reconheceu a necessidade de rápida e coordenada ação do Estado para fazer frente à emergência do Covid-19:

“Governments might have stumbled in the pandemic, but they alone can coerce and mobilise vast resources rapidly. Today they are needed to enforce business closures and isolation to stop the virus. Only they can help offset the resulting economic collapse.”

De fato, enquanto não há dúvida da necessidade da resposta rápida do governo no enfrentamento da crise do covid-19, esta estratégia não pode se estender muito dados os limites de sustentabilidade da dívida pública brasileira.
Como discutiremos abaixo, a resposta de curto prazo que está sendo implementada pela equipe econômica envolve convergir dois tipos de ações em resposta à crise: 1) proteger os mais vulneráveis e 2) compensar os súbitos choques de oferta e demanda gerados pela quarentena, evitando que eles se inercializem e gerem uma recessão desnecessariamente duradoura.

No longo prazo, no entanto, a convergência destes mesmos objetivos se realizará apenas com a volta da austeridade que permitirá retomar a meta de reduzir a relação dívida/PIB. Afinal, continua não se podendo gastar nas funções básicas do Estado, saúde, educação e segurança, em função não apenas da dívida muito elevada como do orçamento comprometido. A crise do Covid-19 nos revela, na realidade, o contrário, ou seja, o valor que deveríamos dar à disciplina fiscal para quando choques negativos gerados por eventos totalmente imprevisíveis ocorrerem. Ter mais graus de liberdade nas finanças públicas para conter os efeitos de crises como essa é fundamental,. A linha de expansionismo fiscal da “nova matriz econômica”, infelizmente, foi o que diminuiu esse espaço de manobra das finanças públicas brasileiras.

Ademais, não há qualquer contradição entre a resposta à crise no curto prazo e as reformas microeconômicas estruturais no longo prazo. Nesse caso, a maior produtividade que se espera com mais concorrência e desregulamentação da economia permite não apenas um melhor padrão de vida a todos, mas também uma maior capacidade de enfrentar eventuais crises como a atual com menos sacrifícios. Afinal, produzindo mais com menos em função da maior produtividade e com preços menores devido à maior concorrência se tem melhores condições de reduzir o sacrifício requerido durante este tipo de crise.

Na próxima seção fazemos uma síntese dos efeitos da crise nas economias mundial e brasileira pelas estimativas e indicadores disponíveis. Na seção III colocamos a pergunta sobre qual a melhor estratégia de enfrentamento da crise, proteger os mais vulneráveis ou aumentar investimentos públicos?

Na seção IV abordamos a natureza dos choques gêmeos de oferta e demanda, gerados pela crise do covid-19 e as reações da equipe econômica tanto na política fiscal quanto na monetária em cada um daqueles. Entendemos que, além destas políticas convencionais, há necessidade de manter o esforço de reformas microeconômicas de longo prazo. De fato, não há qualquer contradição, ao contrário, complementaridade, entre as políticas monetária e fiscal expansivas de curto prazo, o retorno o mais rápido possível ao ajuste gradual que vinha sendo seguido anteriormente e as políticas estruturais de longo prazo.

Na seção V, discutimos, do ponto de vista da teoria econômica, porque há necessidade de políticas fiscais e monetárias expansivas para uma crise desta envergadura. Cabe evitar que os choques de curto prazo se propaguem para o longo prazo e gerem efeitos permanentes na economia, ou seja, se inercializem. Aqui a magnitude elevada dos dois choques gerados pela quarentena repentina se torna uma variável chave para justificar o breve desvio da política econômica anterior de austeridade, especialmente para evitar a presença de tipping points que joguem o país em uma recessão desnecessariamente prolongada.

Na seção VI, destacamos a necessidade de se evitar um terceiro choque, o de concorrência, que ocorreria por uma maior concentração de mercado pós-Covid em função da saída permanente de empresas do mercado. Assim, evitar a crise de liquidez que afeta especialmente as pequenas e médias empresas é crucial. Os movimentos que o governo tem implementado nas políticas fiscal, monetária e de crédito são fundamentais neste aspecto.
Por fim, a seção VII conclui.

 

⦁ Covid-19: A Pior Recessão Mundial desde a Grande Depressão – “O Grande Lockdown”

A crise do Covid-19 gerou um impacto significativo e repentino na economia brasileira, mais fortemente sentido a partir do mês de março de 2020. Conforme o IBGE, o consumo aparente de bens industriais registrou uma queda de 11,9% na comparação entre março e fevereiro de 2020, na série com ajuste sazonal. O Indicador Ipea de Formação Bruta de Capital Fixo recuou 8,9% na comparação entre março e fevereiro de 2020, na série com ajuste sazonal.
O mais impressionante foi a deterioração das expectativas do mercado em relação ao PIB do Brasil em 2020 e 2021, conforme a pesquisa Focus do Bacen, à medida que foi se percebendo a real magnitude da crise do covid-19. De uma mediana das expectativas de mercado de crescimento do PIB no Brasil de +2,3% para 2020 em 07/02/2020, passou-se a uma expectativa de queda no PIB de -5,12% em 15/05/2020. O gráfico a seguir, tirado do Boletim Macrofiscal de 13/05/2020, apresenta a queda abrupta dos indicadores de serviços (PMS), industrial (PIM) e comércio (PMC).

Quadro I – Evolução Recente de Indicadores de Atividade no Brasil

O impacto da crise do Covid-19 é global. O quadro a seguir mostra as estimativas do FMI para a recessão esperada no mundo. Estima-se uma queda do PIB das economias mais avançadas em -6,1%, chegando a área do Euro a – 7,5% e os EUA a -5,9%. A China cai de um crescimento de 6,1% em 2019 para 1,2% em 2020. Para a América Latina e Caribe junto dos países ex-socialistas europeus, estima-se uma queda também de -5,2%, próximo ao estimado para o Brasil em -5,3%.

Quadro II – Estimativas de Crescimento do FMI no Mundo e Brasil para 2020/21

Com base nesses números, o FMI assim caracterizou a dimensão da crise econômica gerada pelo Covid-19 no mundo:
“The magnitude and speed of collapse in activity that has followed is unlike anything experienced in our lifetimes. This is a crisis like no other, and there is substantial uncertainty about its impact on people’s lives and livelihoods……… Under the assumption that the pandemic and required containment peaks in the second quarter for most countries in the world, and recedes in the second half of this year, in the April World Economic Outlook we project global growth in 2020 to fall to -3 percent. This is a downgrade of 6.3 percentage points from January 2020, a major revision over a very short period. This makes the Great Lockdown the worst recession since the Great Depression, and far worse than the Global Financial Crisis…….. the cumulative loss to global GDP over 2020 and 2021 from the pandemic crisis could be around 9 trillion dollars, greater than the economies of Japan and Germany, combined.”
Vejamos como o Brasil está reagindo a isso na próxima seção.

⦁ Investir ou Proteger os Vulneráveis na Crise?

Nelson Barbosa criticou a resposta inicial do governo brasileiro à crise do Covid-19. Em 18 de março de 2020, o ex-Ministro da Fazenda do governo Dilma apontava que a equipe econômica estaria excessivamente “focada em ações de longo prazo –“reformas, reformas, reformas”– sem qualquer medida de curto prazo”. Sua principal prescrição seria rever o teto de gasto e aumentar o investimento público.

A revisão do teto de gastos foi considerada desnecessária por Marcos Mendes, pois “a restrição ao aumento dos gastos tem algumas exceções. Uma delas é o envio de dinheiro para despesas imprevisíveis e urgentes, como em caso de guerra, comoção interna ou calamidade pública. O governo, portanto, pode usar esse dispositivo para ampliar os recursos em ações de contenção das transmissões do vírus e tratamento de pacientes infectados, sem pressionar ainda mais o teto”. De fato, ao final de março, o Supremo Tribunal Federal liberou regras fiscais mais flexíveis para a crise do covid-19.

O aumento do investimento público esbarra nos problemas do endividamento do setor público brasileiro. Em 2020, a necessidade de financiamento do setor público e a dívida bruta do governo central, como proporção do PIB, podem chegar a, respectivamente,13,8% do PIB e 93,1%, com as despesas extras para mitigar os efeitos da crise do Covid-19. Claramente se está em um limite das despesas públicas em que cabe escolher prioridades, ou retomar a estratégia de investimentos públicos de um lado ou mobilizar recursos para a saúde e ajudar os mais vulneráveis a atravessarem essa difícil fase do outro.

A eficiência da estratégia de investimentos públicos no Brasil é, em geral, bastante duvidosa. Segundo Frischtak e Davies (2015), por exemplo, o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), que contava com investimentos públicos, teve recorrentes problemas de custos elevados, atrasos sistemáticos e resultados ruins. O relatório de obras paralisadas do programa mostrou que em 30 de junho de 2018, 4.738 empreendimentos se encontravam paralisados, o que correspondia a 41% da carteira e um valor despendido de R$ 69 bilhões que até agora não gerou qualquer retorno à sociedade. Em Relatório de Assistência Técnica de dezembro de 2018, o FMI, mostra que de cada Real gasto em investimento público no Brasil, R$ 0,39 são desperdiçados. No caso específico de rodovias, a pesquisa da Confederação Nacional dos Transportes em 2019 mostrou que 74,7% da extensão das rodovias brasileiras em regime de concessão estavam em estado geral ótimo ou bom contra apenas 32,5% das rodovias geridas pelo poder público.

Dessa forma, não faz sentido, a não ser de forma residual, retornar à estratégia de investimento público. Independente da crise do covid-19, há um grande número de referências indicando que o caminho de parcerias com o setor privado por meio de concessões e PPPs é o mais adequado. E não apenas pela falta de eficiência relativa do investimento público, mas também pela falta de recursos públicos disponíveis.
A estratégia da equipe econômica, tomada com base em recursos despendidos pelo Tesouro Nacional pode ser avaliada a partir do quadro III a seguir. O Tesouro Nacional destinou um total de R$ 349,4 bilhões para o enfrentamento da Covid-19, sendo R$ 344,1 bilhões de recursos novos (98,48%) e o resto de realocações de outras rubricas de despesas do orçamento. Ou seja, o enfrentamento foi todo realizado com base, até agora, no incremento do déficit primário de 2020, sendo que 23,01% ainda está sem dotação (especialmente recursos novos para os estados). R$ 31,9 bilhões (9,13%) foram alocados para apoiar empresas, sendo R$ 16 bilhões (4,58%) de desonerações fiscais e R$ 15,9 bilhões (4,55%) de apoio a pequenas e médias empresas no Pronampe.

 

 

Quadro III – Despesas do Tesouro – Ações de Enfrentamento do Covid -19
Medidas Instrumentos R$ Bilhões
I) Suporte Direto às Empresas  31,9 9,13%
I.1) Desonerações Fiscais (II, IPI, PISCofins, IOF) Resoluções camex 17, 22, 28, 31, 32 e 33 16 4,58%
Decretos 10285, 10302, 10318, 10305
I.2)Pronampe (Crédito e Garantia a PMEs) Lei 13.999, de 2020 – Sem Dotação 15,9 4,55%
II)Despesas de Proteção Social Não Saúde 216 61,82%
II.1)Ampliação do Bolsa-Família MPV 929 3 0,86%
II.2)Benef. Manut. Emprego e Renda  MPV 935 51,6 14,77%
II.3)Coronavoucher MPV 937 123,9 35,46%
II.4)Programa de suporte a Empregos (Folha) MPV 943 34 9,73%
II.5)Transferencia para CDE (Tarifa social de energia) MPV 949 0,9 0,26%
II.6)Suplementação à Proteção Social no Sistema Único MPV 953 2,6 0,74%
de Assistência social
III)Despesas de Proteção Social Saúde 23,7 6,78%
III.1)Auxilio Estados e Municípios – Transferência MPV 940 9 2,58%
III.2)Fundo Nacional da Saúde 
III.3)Transferência ao Fundo Nacional de Saúde  MPV 947 2,6 0,74%
Aquisição EPIs e Respiradores
III.4)Auxílio Estados e Municípios – Transferência MPV 941 2 0,57%
Saúde
III.5)Cidadania – Segurança alimentar e nutricional MPV 957 0,5 0,14%
III.6)Transferência  suplementar ao Fundo Nacional  Sem dotação 4,5 1,29%
Saúde 
III.7)Ampliação de Recursos para Aquisição de 
Insumos Médicos Hospitalares (*) MP 924 5,1 1,46%
IV)Créditos a Estados e Municípios Não Saúde  76 21,75%
IV.1)Auxílio Estados e Municípios – Compensação FPE e  MPV 939 16 4,58%
FPM
IV.2)Auxílio Estados e Municípios Recursos Novos Sem dotação 60 17,17%
V)Outros  1,8 0,52%
V.1)Crédito Extraordinário da Presidência, MRE, MCTIC, MPVs 921, 929, 940, 942 1,6 0,46%
Defesa, MEC, Cidadania
V.2)Realocações Covid 19 (*) 0,2 0,06%
VI)Total de Despesas do Tesouro para Enfrentamento
da Covid-19 349,4 100,00%
VII) Total do Impacto Potencial no Deficit Primário de 2020  344,1 98,48%
(VI-III.7-V.2)
VII.1) Com dotação 263,7 75,47%
VII.2) Sem dotação 80,4 23,01%
(*) Resultado de Realocações de Recursos de Outras Despesas

 

As despesas de proteção econômico-social da população não diretamente relacionadas a gastos em saúde são a maior parte, com R$ 216 bilhões (61,82%). O coronavoucher para os mais vulneráveis ocupa mais da metade desse total de proteção social com R$ 123,9 bilhões (35,46%) alocados para três meses (R$ 200 Reais por mês por beneficiário), seguido do benefício pela manutenção de emprego e renda, que é um benefício pago ao trabalhador em caso de redução da jornada ou contrato suspenso direcionado a 24,5 milhões de trabalhadores com carteira assinada com R$ 51,6 bilhões (14,77%) e do Programa de Suporte a Empregos com R$ 34 bilhões (9,73%) para complementação da renda relativo ao financiamento de 2 meses da folha de pagamento de pequenas e médias empresas.

Já o total de recursos que incrementam as ações de saúde, inclusive com transferências para Estados, atingem R$ 23,7 bilhões (6,78%). Somando aqueles valores despendidos com recursos financeiros para proteção social e esses últimos para saúde teremos, portanto, (R$ 216 + R$ 23,7=) R$ 239,7 bilhões (68,6%) de direcionamento de gastos diretamente para a área social (desempregados + trabalhadores formais e informais + saúde) em resposta ao Covid-19. Se acrescentarmos os valores alocados ao Pronampe acima na conta de recursos para a área social, o percentual chega a (68,6%+4,55%=) 73,15%, ou seja, quase ¾ destinado ao objetivo de mitigar os efeitos sociais da crise.
Enfim, a parte IV relativa ao crédito a estados e municípios não relacionados a questões de saúde, que atinge R$ 76 bilhões representa pouco mais de 1/5 do incremento (21,75%). A relação com o covid-19 deriva, em tese, do elevado impacto que a crise terá sobre as finanças dos entes subnacionais, especialmente a frustração do ICMS. Nesse caso, não é claro até onde o governo federal, que também contará com grande impacto negativo em sua arrecadação, deveria deslocar recursos escassos de outras atividades mais relacionadas à proteção de vulneráveis, apoio à manutenção de empregos ou à saúde. Neste item, também não é claro por que transferir aos entes subnacionais é superior à proposta de Nelson Barbosa de investir em obras paralisadas e, principalmente, à ideia de poupar estes valores e evitar a elevadíssima pressão na dívida pública federal.

Mais do que isso, a estratégia utilizada promove uma desejável convergência das ações macroeconômicas de curto prazo com a requerida política social de apoio aos mais necessitados. Como destacado pelo ex-presidente do BACEN, Ilan Goldfajn, o “foco” da política econômica neste momento “em termos de política fiscal (deveria ser) em medidas que dão suporte e mitigam os efeitos da crise, asseguram que os mais vulneráveis conseguirão atravessar este período. Não é o momento de grandes planos, de obras públicas”.

Cabe entender como a crise do Covid gerou choques gêmeos repentinos de oferta e demanda para compreender tais escolhas. É o que faremos a seguir.

⦁ Os Choques Gêmeos de Oferta e Demanda

No início de março o economista Kenneth Rogoff (2020) alertou para uma peculiaridade da crise gerada pelo Coronavírus em relação às últimas duas recessões mundiais do século XXI: o Covid-19 implica um choque tanto de oferta quanto de demanda, ou seja, seriam “choques gêmeos” gerados pela crise. Pior, os choques ocorreram repentinamente pela necessidade de instituição imediata da quarentena. O problema destacado por Cochrane (2020) é que:

“Shutting down the economy is not like shutting down a light bulb. It’s more like shutting down a nuclear reactor. You need to do it slowly and carefully or it melts down”.

Inicialmente considerado como um rápido choque de oferta para a China e economias crescentemente dependentes de insumos daquele país como o Brasil, entendia-se que haveria um comportamento na forma de “V”: uma queda inicial seguida por uma rápida recuperação das economias envolvidas. Este otimismo inicial já foi revertido com a constatação de que o isolamento social naturalmente levou a um forte e repentino “choque de demanda” de curto prazo. E como as pessoas não vão trabalhar e produzir por estarem doentes ou em quarentena, gera-se também um choque de oferta.

Apesar da generalização do impacto dos “choques gêmeos” de demanda e oferta sobre os diversos setores, alguns foram mais rapidamente afetados pela pandemia como viagens aéreas, bares e restaurantes, turismo, academias de ginástica e grande parte do comércio.

Mas o setor industrial também está passando por problemas substanciais. Baldwin e Di Mauro (2020) resumem os três impactos principais sobre a manufatura (dois na oferta e um na demanda):

“The manufacturing sector is likely to get a triple hit. 1. Direct supply disruptions will hinder production, since the disease is focused on the world’s manufacturing heartland (East Asia) and spreading fast in the other industrial giants – the US and Germany. 2. Supply-chain contagion will amplify the direct supply shocks as manufacturing sectors in less-affected nations find it harder and/or more expensive to acquire the necessary imported industrial inputs from the hard-hit nations, and subsequently from each other. 3. There will be demand disruptions due to (1) macroeconomic drops in aggregate demand (i.e. recessions); and (2) wait-and-see purchase delays by consumers and investment delays by firms….. when faced with massive Knightian uncertainty (the unknown-unknowns) of the type that COVID-19 is now presenting to the world.”

No Brasil, do lado da indústria, sondagem da CNI com industriais no início de abril de 2020 aponta que 91% dos empresários reportaram impactos negativos do Covid-19, sendo que para 70% houve queda na demanda.
Mas a face mais delicada do choque de demanda é o impacto sobre os mais pobres do mercado informal como ambulantes que dependem de pessoas na rua para manter o seu negócio. O problema macroeconômico se encontra com a questão social como veremos a seguir, segmentando em medidas para o choque de demanda e para o de oferta.

Mitigação do Choque de Demanda

Na dimensão “mitigação do choque de demanda”, implementaram-se dois tipos de ações. Primeiro, medidas de transferência de renda aos grupos mais vulneráveis, o que inclui os trabalhadores informais e autônomos, que repentinamente perderam suas rendas, permitindo a eles atravessar a tormenta econômica com um mínimo de segurança. A Lei do chamado “coronavoucher” com a distribuição de R$ 600,00 por indivíduo em condição de vulnerabilidade ao longo de 3 meses foi uma importante medida nesta direção, junto à ampliação da possibilidade de saques do FGTS, não havendo melhores exemplos da convergência da macroeconomia e a área social.
Segundo, medidas de incentivo à manutenção do nível de emprego pelos empregadores, flexibilizando o contrato de trabalho de forma a evitar o desemprego e o desaparecimento da renda do trabalhador em um período de crise. Governo, trabalhadores e empresas darão sua cota de contribuição.

Do ponto de vista macroeconômico, estes dois tipos de políticas de sustentação de renda, que também se constituem em importantes políticas de alcance social, contribuem para mitigar o choque de demanda.
Como mostrado no Balanço da Secretaria Especial de Fazenda do Ministério da Economia de 01 de maio de 2020, o governo federal brasileiro implementou medidas relacionadas ao Covid-19 que resultarão em impacto no déficit primário do governo central de R$ 394,4 bilhões, o que representa 4,81% do PIB, bem maior que a média dos emergentes de 2,3% do PIB ou mesmo dos países mais avançados de 4,3% do PIB. Esta resposta constitui um mix de incremento de gastos com redução/diferimento de tributos. Ou seja, a resposta fiscal do governo brasileiro ao Covid-19, atuando para mitigar os efeitos do choque de demanda, tem sido bastante expressiva. O problema aqui é qual o espaço fiscal que o país tem para dar continuidade a esta estratégia por mais tempo com a relação dívida bruta/PIB passando dos 90% e podendo chegar aos 100% a depender das pressões políticas para tornar permanentes os gastos temporários derivados da crise?

De um lado, Nelson Barbosa defendeu que os limites para esta ou qualquer estratégia fiscal expansionista seriam bem amplos, pois “o restante da dívida pública pode ser pago ou rolado de modo infinito”. Segundo o ex-Ministro da Fazenda, o problema de financiamento da dívida pública é pequeno pois como o Banco Central poderá adquirir títulos do Tesouro, o aumento da demanda de moeda gerado pela recuperação econômica, em situação de desemprego e capacidade ociosa, permitiria que o aumento da quantidade de moeda não iria gerar inflação. Isso equivaleria a uma sustentabilidade de relações dívida/PIB bem elevadas.

De outro lado, Persio Arida é cético em relação aos limites da expansão fiscal, os quais seriam dados pela expectativa sobre a sustentabilidade do crescimento da relação:

“O drama não é o patamar da dívida, mas sim a percepção de que possa estar numa trajetória explosiva. É a perspectiva de um crescimento descontrolado da dívida/PIB que erode a confiança no nosso futuro, afugenta o investimento privado, aumenta a percepção de risco do país e leva à depreciação exagerada da moeda nacional.”

Levando em consideração a experiência brasileira recente de recessão grave com o desequilíbrio das contas fiscais gerados pela “nova matriz econômica”, entendemos esta avaliação de Arida mais equilibrada. Se utilizarmos a comparação do Brasil com outros países emergentes, apresentada no Boletim Macrofiscal de 13/05/2020, vemos que o Brasil estará com a maior relação dívida bruta/PIB (maior que 90%) e um esforço fiscal que está, junto a Peru e Tailândia e Chile, entre os maiores.

Ou seja, o espaço fiscal brasileiro é muito limitado e a resposta, até o momento, de concentrar os esforços de curto prazo na proteção dos vulneráveis e mitigação macroeconômica do choque de demanda é correta. Estender no tempo esta expansão fiscal pode mergulhar o país em uma crise ainda pior, a não ser que se conte com cortes em outras despesas. De qualquer forma, medidas sociais adicionais de proteção requererão maior focalização do gasto e atenção ao custo do programa e/ou redução de outras despesas.

Naturalmente que quanto mais confortável fosse a situação fiscal do país antes da crise, maior poderia ser o tempo de extensão da estratégia de expansão fiscal para o objetivo duplo de acomodação social e macroeconômica do choque de demanda. Com a maior frouxidão fiscal da “nova matriz econômica” até 2016, a capacidade de fazer frente aos problemas criados pelo covid-19 é naturalmente mais limitada. Igualmente, recorrer a aumento da carga tributária para financiar mais gastos poderia ser muito ruim para a recuperação econômica, especialmente para o investimento, a não ser que conte com uma reforma anterior que corrija as distorções existentes. Apesar de a carga tri0butária brasileira como proporção do PIB de 33,1% em 2018 estar próxima da média da OCDE (34,3%), está muito acima da média dos países da América Latina em 10 pontos percentuais (23,1%), estando acima da Argentina (28,8%), México (16,1%) e Chile (21,1%), ficando apenas atrás de Cuba (42,3%).

Quadro III – Relação Dívida/PIB e Gastos fiscais no Combate ao Covid-19: Brasil x Emergentes

Mitigação do Choque de Oferta

Na dimensão “contenção do choque de oferta” há dois tipos de ações requeridas. Primeiro, prosseguir na redução de entraves regulatórios e de barreiras à entrada na economia brasileira. Passar pela tormenta não nos deve impedir de continuar olhando para a frente no esforço de reformas microeconômicas favoráveis à competição e à produtividade. Na realidade, sinalizar a manutenção do compromisso do governo com o destravamento do ambiente de negócios no Brasil se tornou ainda mais essencial para evitar que os choques gêmeos de curto prazo contaminem o processo de recuperação econômica pós-COVID-19. O Brasil continua sendo o penúltimo pior país no índice do Product Market Regulation (PMR) da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE-2018), que mede o grau de barreiras à entrada e concorrência, como pode ser visto no quadro IV abaixo.

Isso restringe em demasia a atratividade do país para investimentos, sendo falso que a crise deveria representar uma reversão da agenda de reformas microeconômica. Rocha (2020), por exemplo, mostra o efeito da qualidade regulatória, que inclui a remoção de barreiras à entrada, no investimento em infraestrutura após a crise de 2008 no Brasil. A autora mostra que se atingíssemos a (melhor) qualidade regulatória do Chile aumentaríamos os investimentos em infraestrutura como proporção do PIB do atual patamar médio de 1,84% do PIB para 3,43% do PIB, abaixo do requerido (4,5% conforme o Banco Mundial), mas já acima do nível de reposição de 2,41%.
A continuidade das reformas gera ainda um efeito positivo sobre as expectativas na economia, o que será importante na disposição a investir, além de uma blindagem maior da economia brasileira a eventuais crises futuras.
Destacamos as reformas tributária e administrativa, o aprofundamento da flexibilização trabalhista, as alterações dos marcos legais do saneamento, ferrovias, petróleo e gás, cabotagem e as iniciativas de privatização da Eletrobras, portos, refinarias de petróleo, correios e o leilão de 5G, dentre outras. A abertura ao comércio exterior é chave nesta agenda.

Ademais, note-se como mesmo algumas das principais respostas ao choque de demanda mostradas acima estão em uma linha liberal. A flexibilização da legislação trabalhista é considerada um dos principais gargalos para aumentar o nível de emprego em tempos normais. No covid-19, flexibilizaram-se as regras trabalhistas para manter o nível de emprego, admitindo-se redução de jornada e de salários. A concessão do coronavoucher, à exemplo do bolsa família, se espelha na ideia do imposto de renda negativo de Milton Friedman. Na saúde houve a aprovação de uma lei de liberalização/flexibilização do uso da telemedicina (Lei 13.989/2020), apesar de só vigorar durante a pandemia. Ou seja, mesmo para o período da pandemia, reconhecem-se as virtudes de medidas liberais para mitigar os efeitos econômicos e sociais da crise.

Quadro IV – Indicador de Regulação no Mercado de Produto da OCDE em 2018

Segundo, o choque de oferta pode se tornar mais dramático no médio prazo em função do prolongamento do isolamento social e, por conseguinte, do próprio choque de demanda. Com o maior período de consumo baixo e de receitas de vendas reduzidas, várias empresas poderão ir à bancarrota se não contarem com outras fontes de capital para se financiarem.

Ainda não é clara a magnitude do comprometimento das empresas a partir do covid-19. Apesar de o SERASA/Experian registrar aumentos dos pedidos de recuperação judicial (46,3%) falências (25%) em abril de 2020 relativamente a março, estes números são inferiores a abril de 2019, especialmente falências (131 em abril 2019 para 75 em abril 2020). Na sondagem da CNI no início de abril, 6 em cada 10 empresas reportaram dificuldades para honrar pagamentos de rotina, ampliando a demanda por capital de giro de terceiros. 55% reportaram maior dificuldade em acessar o capital de giro no mercado após o covid-19.

Se uma falência generalizada ocorrer, vários ativos poderão sair de forma definitiva do mercado. Há a possibilidade de parte deles nem voltarem a produzir os mesmos bens ou serviços quando o coronavírus estiver sob controle e nem serem realocados em outros segmentos. Isso resulta na possibilidade de um choque de oferta mais amplo e duradouro. Segundo Cochrane (2020):

“Firms have to pay debts and wages. People have to make mortgage payments or pay the rent. “Left alone,” he writes, “there could be a huge wave of bankruptcies, insolvencies, or just plain inability to pay the bills. A modestly long economic shutdown, left alone, could be a financial catastrophe.”

Popov e Sundaram (2020) destacam a necessidade de o Estado intervir no caso de mudanças muito repentinas, como na crise do Covid-19 para evitar que o ajuste seja muito “doloroso, demorado e custoso”:
“sudden, large scale structural shifts may be more disruptive as time and effort are needed to reallocate resources. Thus, output drops in declining industries are not immediately compensated by production increases in the emerging new industries. In a market economy, adjustments typically increase unemployment: industries that become less profitable, due to higher costs, may lay off workers; growing unemployment lowers wages, and it may take a while before the lower labour costs make it worthwhile to raise production in other industries. Without government assistance to retrain laid off workers and encourage new investments, adjustment will be more painful, lengthy and costly”.

Assim, cabe evitar prolongamento desnecessário das recessões abruptas e profundas como o caso desta gerada pelo covid-19, que acabem por gerar irreversibilidades importantes na estrutura produtiva do país.

Dessa forma, é fundamental melhorar as condições de liquidez das empresas para evitar que os choques gêmeos tenham efeitos mais persistentes que o necessário. Nesse contexto, o governo federal tem adotado medidas importantes como o relaxamento de condições para empréstimos de instituições financeiras oficiais, com foco em pequenas e médias empresas com destaque para o Programa Nacional de Apoio às Microempresas e Empresas de Pequeno Porte (Pronampe), e medidas de política monetária como a redução da taxa Selic pelo Banco Central de 4,5% a.a em dezembro de 2019 para 3% a.a no início de maio de 2020, a terceira queda do ano, e a redução da alíquota do compulsório sobre os recursos à prazo de 25% para 17%. Na arena fiscal, os vários diferimentos/redução de tributos ajudam na liquidez das empresas e atenuam o choque de oferta.

É fundamental, no entanto, garantir que os escassos recursos públicos sejam utilizados com parcimônia e cuidado, refletindo sobre os custos de oportunidade de realizar a operação de suporte com outros usos concorrentes, que na crise são inúmeros. Seguindo Goldberg (2020) podemos derivar alguns princípios a serem seguidos nestas operações:

1) aceitar que estamos mais pobres, ou seja, não faz sentido evitar todas as perdas do setor privado;
2) proteger empresas deveria ser visto como uma forma indireta de proteger pessoas, em particular trabalhadores; assim cabe avaliar se é mais vantajoso proteger pessoas diretamente ou via empresas;
3) avaliar se i) é melhor resgatar a empresa, preservando ativos que, operando em conjunto, valham mais do que quando separados ou ii) não fazer nada, deixando à iniciativa da própria empresa elaborar seu plano de recuperação com venda de ativos ou recuperação judicial ou falência, deixando que o mercado aloque os ativos “liberados” a novas companhias. Afinal de contas, como destacado por Cochrane (2020):

“Bankruptcy of a large corporation does not leave a crater behind. Bankruptcy is reorganization and protection, not liquidation. The point of bankruptcy is precisely to keep the business going. When a corporation files for bankruptcy, the stockholders are wiped out, bondholders lose a lot and become the new stockholders. The company rewrites a lot of contracts — union contracts requiring a plane to fly even with empty seats, contracts to buy fuel at high prices, gate leases, and so forth.”

4) focar em problemas de liquidez gerados pelo covid-19 e não de solvência que já venham de antes, o que tem a ver com a necessidade de reduzir problemas de moral hazard; na crise de 2008 se falou muito que os bancos tiveram comportamento excessivamente arriscado, sendo que o seu resgate, ao validar a indisciplina, geraria incentivos para indisciplinas futuras, o que seria o embrião da próxima crise. Na atual crise do covid-19, ao contrário, a nenhuma empresa ou setor pode ser imputada a responsabilidade pela covid-19. No entanto, isso não implica que as empresas em geral não devem “investir” em seus próprios hedges contra crises imprevisíveis como esta.

⦁ Persistência dos Choques Gêmeos

Há um extenso debate na literatura econômica sobre a persistência/inércia de choques sobre o produto da economia. Remete-se à ideia keynesiana de falhas de coordenação e rigidez no ajustamento de preços e salários, com significativo grau de dependência da trajetória (path-dependence). Kydland e Prescott (1982), por exemplo, mostram que como investir é uma atividade demorada, isso levaria a uma maior persistência dos efeitos de crises no PIB. Blanchard e Summers (1987) mostram que o principal fator explicativo do desemprego seria a trajetória recente do próprio desemprego baseado na diferença de poder de barganha entre trabalhadores empregados e desempregados (insiders/outsiders).
Os choques podem ter efeitos persistentes sobre o PIB e sua taxa de crescimento e da produtividade como destaca Stiglitz (1994):

“During recessionary phases, typically firms also reduce their expenditures in R&D and productivity-enhancing expenditures. The reduction in output reduces opportunities to “learn by doing.” Thus, the attempt to pare all unnecessary expenditures may have a concomitant effect on long-run productivity growth. In this view, the loss from a recession may be more than just the large, but temporary, costs of idle and wasted resources: the growth path of the economy may be permanently lowered”. 

Dosi, Pereira, Roventini e Virgilito (2018) trabalham com três hipóteses nessa linha de efeitos inerciais potenciais do choque de demanda que seriam:
⦁ o efeito sobre a interrupção dos gastos em P&D;
⦁ a redução do volume de entrantes gerando redução do dinamismo nos negócios que chamaríamos de “efeito destruição da concorrência”; e
⦁ a deterioração das habilidades dos desempregados.
Algumas evidências empíricas recentes são importantes acerca dos efeitos de longo prazo das recessões sobre o crescimento econômico. Blanchard, Cerutti e Summers (2015) estudaram 22 recessões nos últimos 50 anos em 23 países e mostraram que em uma grande proporção delas houve impacto não apenas no PIB mas também em sua taxa de crescimento por um bom tempo. Ball (2014) se concentrou no período da crise de 2007/8 e analisou 23 países até 2014, concluindo pela “super-inércia” da queda no produto:

“in most countries the loss of potential output is almost as large as the shortfall of actual output from its pre-crisis trend. This finding implies that hysteresis effects have been very strong during the Great Recession. Second, in the countries hit hardest by the recession, the growth rate of potential output is significantly lower today than it was before 2008. This growth slowdown means that the level of potential output is likely to fall even farther below its pre-crisis trend in the years to come”.

Esta evidência de Ball (2014) é especialmente relevante aqui: quanto mais forte o impacto da recessão inicial, mais persistentes tendem a ser os seus efeitos, o que remete à ideia de “tipping points”. Estes últimos seriam pontos de queda tão expressiva na demanda que induziriam o país a cair numa espiral recessiva mais dramática por um prazo excessivamente longo. Seria fundamental, portanto, não chegar a este “tipping point” no curto prazo sob o risco de se entrar numa recessão desnecessariamente grande e longa. Ou seja, choques muito abruptos predispõem mais a economia a tipping points.

Não foge à percepção o longo período de tempo que o Brasil tem passado para corrigir plenamente os efeitos da recessão que durou de 2014 a 2017. Ou seja, o tamanho e a longevidade da recessão iniciada pelo governo do Brasil de 2014 a 2017 demonstram a possibilidade de tipping points no Brasil que devem ser evitados.

III) Restrições à Liquidez e Impactos à Concorrência na Crise

Como vimos, um dos itens responsáveis pela persistência de uma recessão sobre o crescimento econômico na análise de Dosi, Pereira, Roventini e Virgilito (2018) é a “redução do volume de entrantes”, que representa o impacto da concorrência sobre o crescimento econômico.

O efeito de redução de volume dos entrantes apontado pelos autores, no entanto, pode ter o sinal inverso pois recessões teriam também o efeito de “depuração” dos agentes econômicos menos eficientes numa linha Schumpeteriana. Aghion e Howitt (1998, p. 239) exploram essa linha de quando os maus momentos da economia também podem ser virtuosos:

“This view was summarized by Schumpeter himself: “Recessions are but temporary. They are the means to reconstruct each time the economic system on a more efficient plan”. One can indeed think of several reasons why small recessions could have positive effects on productivity. There is first the “cleaning-up” or “lame-duck” effect emphasized by Schumpeter …whereby less productive firms are eliminated during recessions and average productivity increases accordingly”.

Um ponto importante aqui é que se o governo implementar medidas que ampliem o acesso ao crédito, é fundamental ter cuidado para apenas apoiar empresas realmente eficientes. Aquelas que já passavam por problemas anteriormente à crise do Covid-19 não devem ser beneficiadas ao custo de comprometer justamente aqueles efeitos potencialmente positivos das recessões sobre a produtividade. Ou seja, a crise do Covid-19 não deveria ser utilizada para operações de resgate de empresas pouco eficientes sob o custo de gerar uma retomada menos vigorosa.
Um outro ponto relevante é que o efeito negativo da crise do Covid-19 sobre a concorrência ressaltado por Dosi, Pereira, Roventini e Virgilito (2018) está associado diretamente ao problema da baixa disponibilidade de crédito na presença de choques severos de demanda:

“Constrained access to credit may represent an important barrier to entry, together with the usual setup costs, particularly during crises and the associated tight finance availability”.

É mais que reconhecido na literatura econômica a falha de mercado relacionada à segmentação dos mercados de crédito elaborada por Stiglitz e Weiss (1981). A segmentação de crédito relevante é, em geral, entre pequenas e médias empresas de um lado e as maiores do outro.
Nesse contexto, havendo uma escassez temporária de liquidez dos agentes econômicos, é bastante razoável presumir que a maior parte das falências recairá de forma desproporcionalmente elevada sobre as empresas menores. Como destacado por Baldwin e Di Mauro (2020):

“Given the nature of this shock, small and medium-sized businesses may be among the most exposed to liquidity issues, thus special facilities to keep lending to small businesses may be appropriate.”

E isso pode ocorrer menos por problema de solvência de longo prazo do que por falta de capital de giro que dê liquidez no curto prazo. Essas falências mais prevalecentes nas empresas menores poderão levar a uma maior concentração dos vários mercados da economia no curto prazo.

Em um prazo suficientemente longo, nos segmentos com poucas barreiras à entrada, é razoável supor que os mercados voltem a ser “repovoados” após bancarrotas geradas por falta de liquidez no curto prazo. No entanto, nos setores com maiores barreiras à entrada, esse “repovoamento” pode não ocorrer ou apenas ocorrer em um prazo muito longo quando (e se) ocorrer um ciclo de negócios favorável. Associando isso ao fato que pode ser mais fácil para as empresas maiores evitar a entrada de novos entrantes ou o retorno das antigas empresas que faliram na crise do que induzir a saída antes da crise, é plausível que os mercados pós-covid serão mais concentrados.

Até que novos entrantes consigam vencer estas barreiras no pós-crise, haverá evidentes prejuízos à concorrência. Isso implicará preços maiores no longo prazo, com danos permanentes ao consumidor, o que cabe ser evitado.
Assim, é fundamental que a correção da falha de mercado associada à segmentação do mercado de crédito corrija outra falha de mercado: mercados de produtos e serviços menos competitivos na economia brasileira.

IV) Conclusão

Os choques gêmeos de oferta e demanda de curto prazo gerados pelo Covid-19, ao se estenderem em razão da continuidade das medidas de isolamento social, podem se inercializar, reforçando-se mutuamente com efeitos secundários um no outro.

Isso não apenas tornaria os choques gêmeos mais persistentes no longo prazo, como poderia gerar o que seria um terceiro tipo de choque, este de natureza mais estrutural, de queda na concorrência em vários setores da economia simultaneamente. Isto porque as empresas menores e menos líquidas poderiam ser proporcionalmente mais afetadas pela crise de liquidez.

Afinal, a perda das receitas dos negócios gerada pela queda abrupta da demanda decorrente das medidas de isolamento social e a concomitante retração do crédito no mercado financeiro privado causada pela maior aversão ao risco podem fazer com que várias empresas eficientes e perfeitamente viáveis no longo prazo sejam obrigadas a sair do mercado de forma definitiva. Em particular, as empresas menores, menos líquidas, apresentam tendência maior a ter este destino, inercializando o choque concorrencial do Covid-19.

Assim, o momento excepcional de choques gêmeos repentinos e a necessidade de proteger as pessoas físicas e jurídicas mais vulneráveis gera uma convergência da otimização das políticas social e macroeconômica. É fundamental ainda evitar as irreversibilidades de longo prazo associadas ao risco de um volume de falências sem precedentes na economia brasileira por meio das medidas de incremento do crédito que estão sendo implementadas, especialmente para as pequenas e médias empresas.

O impacto fiscal negativo no curto prazo é inevitável. Mas isso não implica que a disciplina fiscal deva ser abandonada no longo prazo, sendo fundamental cuidar para sinalizar a estabilização da relação dívida/PIB na linha de Arida.

É errado, portanto, apontar que a crise do covid-19 deveria reafirmar a necessidade de políticas fiscais ativas ainda mais audaciosas na linha de Nelson Barbosa. Na verdade, sinaliza o oposto: é fundamental que o setor público esteja com suas contas em dia não apenas para evitar desequilíbrios macroeconômicos, mas também para ter mais graus de liberdade para atuar quando esse tipo de crise aparecer. Afinal, quando aparece uma despesa imprevista e inevitável para qualquer indivíduo, a vida será bem mais fácil se tiver dinheiro na conta do que dívida no banco. As dificuldades que o país tem passado nas finanças públicas, derivadas de anos de irresponsabilidade fiscal, tornam as dificuldades para enfrentar a crise muito maiores do que precisavam ser. Contrariamente ao afirmado por Nelson Barbosa de que a equipe econômica estaria sofrendo nessa crise de “Keynesianismo pós-traumático”, seria a própria economia que ainda se ressentiria do “trauma do Keynesianismo” irresponsável.

Mas, além da questão financeira, a manutenção de políticas fiscais ativas por mais tempo também é ruim pela perspectiva de gerar um indesejável aumento no tamanho do Estado que pode acabar por se perenizar. Afinal, um dos principais problemas para o ajuste fiscal do país é a tendência das novas despesas se tornarem permanentes. E isso torna o Leviathan maior do que nunca. Como destacado pela revista The Economist em 26 de março de 2020:

“For believers in limited government and open markets, covid-19 poses a problem. The state must act decisively. But history suggests that after crises the state does not give up all the ground it has taken. Today that has implications not just for the economy, but also for the surveillance of individuals……”

Por fim, a necessidade de manter a agenda de reformas estruturais no longo prazo continua intacta. Uma crise como a do Covid-19 demonstra como as reformas para promover a concorrência e a produtividade são importantes. Não à toa, em uma dramática conjuntura de busca da recuperação da Alemanha do pós-guerra, o então ministro das finanças alemão, Ludwig Erhard (1958), destacou a importância da competição como o instrumento mais importante na estratégia da política econômica daquele país:

“A competição é o meio mais promissor para alcançar e assegurar prosperidade. A competição torna as pessoas capazes, enquanto consumidores, de obter progresso econômico. Assegura que todas as vantagens que resultam da alta produtividade serão eventualmente aproveitadas por elas. Ao longo do caminho da competição, a socialização -no melhor sentido da palavra- do progresso e do lucro é melhor realizada. Ademais, o incentivo pessoal para a maior produtividade permanecerá vivo”.

Erhard também aponta a plena convergência entre a concorrência e a agenda social de qualquer governo:
“Uma política econômica apenas pode se chamar de “social” se ela permitir que o consumidor se beneficie do progresso econômico, dos resultados do aumento do esforço e da produtividade. E a melhor forma de alcançar este objetivo em uma ordem social livre é por meio da concorrência: este é o pilar central do sistema.”

E mais concorrência é chave como mecanismo de incentivo à produtividade que é o que, em tempos normais, assegura um padrão de vida mais elevado à população. Já na crise, a produtividade é o que garante a resiliência da economia com a recuperação mais rápida e a minimização dos sacrifícios requeridos, especialmente dos mais vulneráveis. Reduzir o custo do empreendedorismo, abrindo mercados e estimulando a concorrência se torna mais importante do que nunca. E espera-se que esta terrível crise deixe isso mais nítido do que nunca para toda a sociedade brasileira.

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