Inflação, juros e taxa de câmbio – Brasil, economia e governo https://www.brasil-economia-governo.com.br Tue, 19 Apr 2022 05:25:06 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=6.5.3 Inflação e corrupção https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=3602&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=inflacao-e-corrupcao Tue, 19 Apr 2022 05:25:06 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=3602 Inflação e corrupção

Por Luiz Alberto Machado*

 “Não há meio mais seguro e mais sutil de subverter a base da sociedade do que  corromper sua moeda – processo que empenha todas as forças ocultas da economia na sua destruição, de modo tal que só uma pessoa em cada milhão consegue diagnosticar.”

John Maynard Keynes

Alinho-me àqueles que consideram o Plano Real o grande divisor de águas da economia brasileira. A conquista da estabilidade monetária pôs fim a um perverso ciclo de planos de estabilização fracassados que foram responsáveis pela nossa permanência em prolongado atoleiro. Adotados com o objetivo de acabar com a inflação crônica e elevada vigente na década de 1980 e início da de 1990, tais planos agravaram as tradicionais consequências negativas da inflação – corrosão do valor da moeda, elevação dos preços, perda aquisitiva dos salários – adicionando a elas a instabilidade jurídica decorrente da ruptura de contratos juridicamente perfeitos, a instabilidade financeira decorrente da troca frequente da moeda e das ilusões de rentabilidade, e a ampliação do campo para a corrupção generalizada graças, entre outras coisas, à manipulação dos orçamentos públicos transformados em peças de ficção contábil.

Num artigo de 1992 do Prof. Eduardo Giannetti da Fonseca, há um parágrafo que retrata bem o que era viver num país com taxas de inflação como essas: “A convivência com a inflação é uma escola de oportunismo, imediatismo e corrupção. A ausência de moeda estável encurta os horizontes do processo decisório, torna os ganhos e perdas aleatórios, acirra os conflitos pseudodistributivos, premia o aproveitador, desestimula a atividade produtiva, promove o individualismo selvagem, inviabiliza o cálculo econômico racional e torna os orçamentos do setor público peças de ficção contábil”. 

É evidente que há uma diferença acentuada entre os níveis da inflação daquela época e o da atual, que chegou a 10,06% em 2021, conforme divulgação do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Nos últimos dez anos, apenas em dois deles, 2015 e 2021, a inflação anual foi superior a 10%, como se observa no gráfico 1.

Gráfico 1 – A inflação nos últimos 10 anos: IPCA 2011-2021

Para enfatizar bem a diferença entre os dois contextos, vale lembrar, tanto para os que viveram nos primeiros anos da década de 1990 e, especialmente, para os que não viveram nessa época, a que patamar havia chegado a inflação no Brasil e como estávamos defasados em relação a nossos vizinhos latino-americanos que, àquela altura, já tinham obtido sucesso no esforço de debelar a inflação. Quase todos esses países, a exemplo do Brasil na década de 1980, conviveram com a combinação de estagnação prolongada, inflação crônica e endividamento elevado, no que se convencionou chamar de década perdida.

Como se vê no gráfico 2, a inflação anual do Brasil em 1992 foi de 1.178%, contrastando enormemente com a inflação dos outros países da região.

Gráfico 2 – A inflação na América Latina em 1992[1]

Em 1993, o ano que antecede a adoção do Plano Real, a situação foi ainda pior, com a inflação atingindo 2.567%, enquanto a média dos países da América Latina foi de 22% (gráfico 3). 

Gráfico 3  – A inflação na América Latina em 1993

Diz o ditado que “uma imagem vale mais que mil palavras”. As imagens desses três gráficos constituem, a meu juízo, razões mais do que suficientes para perceber que a inflação atual, mesmo estando bem acima da meta estabelecida pelo Banco Central, está num patamar completamente diferente daquele verificado antes da estabilidade propiciada pelo Plano Real.

Porém, considerando que: (i) não conseguimos eliminar por completo alguns resquícios de cultura inflacionária; (II) já nos deparamos aqui e acolá com notícias dando conta de reivindicações de aumentos de salários e/ou de preços em setores isolados; (iii) tudo indica que continuaremos em 2022 com uma inflação anual superior à meta fixada pelo Banco Central; (iv) estamos em ano eleitoral, nos quais interesses eleitoreiros costumam levar a gastos públicos superiores aos recomendáveis; e (v) assistimos a um crescente desmanche de avanços recentes das instituições anticorrupção,  achei por bem lembrar a perigosa relação entre inflação e corrupção a fim de conscientizar a todos sobre a necessidade de cortarmos o mal pela raiz, fazendo todos os esforços para que a inflação não se alastre e suba de patamar, ameaçando as conquistas decorrentes da estabilização monetária que nos colocaram, depois de muitos anos de inflação crônica e elevada, num novo padrão de convivência civilizada, sem os riscos que a falta de um padrão monetário estável significam para a corrosão do acordo moral de que dependem tanto a manutenção da ordem democrática como o funcionamento do mercado.

Recorro novamente a um alerta de Eduardo Giannetti da Fonseca: “A inflação destrói a transparência da gestão de verbas públicas, mina a confiança da sociedade no Estado, provoca a deterioração da moralidade fiscal e deturpa irremediavelmente as relações de mercado”.

Porém, para confirmar a hipótese de que ainda não estamos vivendo num clima de descontrole generalizado como costuma ocorrer quando todos os agentes econômicos – empresários, trabalhadores, donas de casa etc. – alteram seu comportamento normal, atirando-se num clima alucinado de jogatina, encerro reproduzindo um trecho bastante ilustrativo de Lionel Robbins, que, a exemplo de John Maynard Keynes, foi um dos maiores economistas do século XX: “A honestidade pública e privada tendem a se deteriorar na atmosfera de cassino engendrada pela inflação alta. A inflação, tal qual nós a conhecemos, através da história, corrompe e distorce toda a base da sociedade. Eu não afirmo que o mundo chegará ao seu fim se nós degenerarmos até a posição da América Latina. Mas o que digo é que uma inflação da ordem de grandeza que estamos presenciando (15% ao ano) gradualmente acarreta uma mudança radical de atitude – uma mudança geral e deplorável de atitude em toda a sociedade”.

 

Referências

FONSECA, Eduardo Giannetti da. Ética e inflação. Em O Estado de S. Paulo, 14 de julho de 1992, p. 2.

_______________ As consequências morais da inflação. Em As partes & o todo. São Paulo: Siciliano, 1995, pp. 185-190.

KEYNES, John M. As consequências econômicas da paz. Prefácio de Marcelo de Paiva Abreu; tradução de Sérgio Bath. São Paulo: Imprensa Oficial do Estado, Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2002. (Clássicos IPRI; v. 3).

ROBBINS, Lionel. Against inflation (1979). Em FONSECA, Eduardo Giannetti da. Ética e inflação. Braudel Papers, n° 1. São Paulo: Instituto Fernand Braudel de Economia Mundial, 1993, p. 6.

 

 * Luiz Alberto Machado é economista pela Universidade Mackenzie (1977), mestre em Criatividade e Inovação pela Universidade Fernando Pessoa (Portugal, 2012), assessor da Fundação Espaço Democrático e membro do Instituto Fernand Braudel.

 

Baseado no artigo publicado no blog de Fausto Macedo do jornal O Estado de S. Paulo, em 15 de abril de 2022.

[1] A fonte dos gráficos 2 e 3 é a FGV.

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O papel das Instituições Fiscais Independentes (IFIs) e o caso da IFI do Brasil https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=3589&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=o-papel-das-instituicoes-fiscais-independentes-ifis-e-o-caso-da-ifi-do-brasil Mon, 07 Mar 2022 20:33:15 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=3589 O papel das Instituições Fiscais Independentes (IFIs) e o caso da IFI do Brasil*

 

Por Felipe Scudeler Salto[1] e Rafael da Rocha Mendonça Bacciotti[2]

 

  1. O que esperar de uma IFI?

As Instituições Fiscais Independentes (IFIs), ou Conselhos Fiscais, são organismos públicos com mandato para realizar análises técnicas e apartidárias sobre política fiscal e orçamentária. O objetivo é melhorar a disciplina fiscal, promover maior transparência das contas públicas e elevar a qualidade do debate público nas temáticas de finanças públicas e economia em geral.

A ampliação do número de conselhos fiscais ao redor do mundo representa uma inovação institucional importante no campo da política fiscal (Mulas-Granados, 2018). Em resposta aos efeitos negativos da crise econômica e financeira de 2008, diversos países, particularmente, os que compõem a Organização para a Cooperação do Desenvolvimento Econômico (OCDE), criaram instituições fiscais independentes para fortalecer a credibilidade da política fiscal (Kopits, 2016).

Essa tendência de aumento é observada, principalmente, entre os países membros da União Europeia, tendo ganhado mais força com a aprovação, no Parlamento, do Regulamento nº 4733[3], de 2013. Como parte da resposta da região à crise da dívida pública, o Regulamento atribuiu mandato a um “órgão independente”, em nível nacional, para monitorar o cumprimento das regras da política fiscal e fornecer ou endossar previsões macroeconômicas e fiscais realistas para a elaboração do orçamento (FMI, 2013 e Ribeiro, 2020).

A dinâmica desfavorável do nível de endividamento foi amplificada pelas políticas de estímulo e pelas perdas acumuladas de receitas. Somou-se a isso o fato de o conjunto de regras numéricas utilizadas para controlar a discricionariedade da política fiscal, no processo orçamentário, não garantir, isoladamente, a condução prudente das contas públicas. Esses fatores favoreceram o surgimento de fiscal watchdogs (vigilantes ou cães de guarda), no pós-crise, com apoio crescente obtido junto aos organismos multilaterais.

A OCDE, por exemplo, divulgou, em 2014, os princípios orientadores para o design e operacionalização das IFIs. Trata-se de codificação de valores mínimos de governança que resultou de discussões e sistematização de boas práticas –, reconhecendo o potencial papel positivo dessas instituições[4].

O Fundo Monetário Internacional, por sua vez, mapeia a existência de 39 IFIs operando em 2016 (último levantamento disponível)[5], 25 das quais apareceram depois da crise econômica e financeira de 2008, como se observa no Gráfico 1.  As IFIs veteranas, existentes antes da crise, como o “Congressional Budget Office” (CBO) dos Estados Unidos e o caso pioneiro na Holanda – “Central Planning Bureau” (CPB) –, diferem da nova geração de IFIs, por terem aparecido em resposta a eventos históricos locais e  singulares (Bjios, 2014).

 

 

  1. Revisão de literatura: viés deficitário da política fiscal

Do ponto de vista teórico, as IFIs aparecem, na literatura, ao lado das regras fiscais (mecanismos que introduzem, por certo período, restrições ou limites quantitativos para alguma das variáveis fiscais como: dívida, resultado, resultado estrutural, despesa ou receita). São tidas como soluções institucionais mais comuns para atenuar o viés deficitário (tendência crescente do déficit e do nível de endividamento público ao longo do tempo) e a pró-ciclicidade do gasto público (tendência a gastar receitas extraordinárias sobretudo nos momentos de alta do ciclo econômico ao invés de poupá-las para que possam ser utilizadas para estimular o retorno da atividade econômico para o equilíbrio nos momentos de baixa), que acentua a volatilidade do ciclo econômico.

A literatura documenta diversas fontes que estariam por trás da geração de déficits persistentes e da tendência à pró-ciclicidade, que impactam a discricionariedade da política fiscal em muitas economias emergentes e avançadas, afetam a dinâmica da dívida pública (favorecendo a recorrência de crises fiscais) e reduzem o bem-estar social.  As implicações negativas sobre a estabilidade macroeconômica fundamentam a ênfase colocada na restauração e manutenção de posições fiscais sólidas. (Hemming e Joyce, 2013)

Calmfors e Wren-Lewis (2011) lista diversas classes teóricas de explicações:

(i) assimetrias de informação entre o público e o governo: os eleitores podem não conhecer a posição fiscal do seu país ou as projeções macrofiscais podem ser pouco realistas, por exemplo;

(ii) a impaciência, principalmente dos governos, em razão de objetivos eleitorais, pode levá-los a desejar aumentar o produto interno acima de seu nível natural, por meio de ações fiscais expansionistas;

(iii) conflito intergeracional: geração de eleitores pode não levar em conta que a carga futura aumentará, por exemplo, no caso em que a política fiscal atribua peso pequeno à pressão de gastos associada com o envelhecimento da população (Carlin e Soskice, 2015);

(iv) a competição entre os partidos políticos pode fazer com que os governos não internalizem totalmente o custo da dívida;

(v) o problema dos recursos comuns leva atores do processo orçamentário a pressionar por mais gastos ou incentivos tributários; e

(vi) a inconsistência temporal de compromissos de interesse nacional firmados ex ante, que podem deixar de ser desejáveis por questões eleitorais, por exemplo.

Na sequência, os autores exploram as potencias contribuições que os conselhos fiscais poderiam dar no sentido de reduzir o viés deficitário e fortalecer a disciplina fiscal:

(i) avaliação ex-post para averiguar o comportamento passado da política fiscal, se houve cumprimento das metas ou não;

(ii) avaliação ex-ante sobre a probabilidade de cumprimento das metas fiscais;

(iii) análise de sustentabilidade ou equilíbrio de longo prazo das finanças públicas;

(iv) análise de transparência das contas públicas;

(v) mensuração do custo e do impacto fiscal de proposições de políticas públicas;

(vi) projeções macroeconômicas; e

(vii) formulação de recomendações normativas sobre a política fiscal.

A Tabela 1, extraída de FMI (2013), sintetiza diversas explicações potenciais do viés deficitário, posicionando-as ao lado das funções que as IFIs poderiam exercer no decorrer de seus mandatos para atenuar as imperfeições e distorções existentes na condução da política fiscal, de modo a reduzir a assimetria de informação entre os formuladores de política e os eleitores.

 


  1. Critérios para avaliação de efetividade das IFIs no desempenho fiscal

Apesar da experiência relativamente recente com conselhos fiscais na maior parte dos países, a literatura, a partir de análises econométricas complementadas por nuances narrativas de estudos de casos, tem avançado no sentido de avaliar se eles têm obtido sucesso (se têm sido efetivos) na tarefa de influenciar os formuladores de políticas na direção de políticas fiscais sólidas. (Lledó, 2018)

Além do fato de serem, em sua maioria, instituições novas e heterogêneas entre si, existem muitos desafios metodológicos associados à avaliação empírica do impacto dos conselhos no desempenho fiscal, que derivam, entre outros fatores: i) da existência de causalidade reversa, uma vez que governos mais comprometidos com a disciplina fiscal tendem a ser mais sensíveis à promoção de reformas institucionais e ii) do fato de não serem os únicos elementos no arcabouço institucional encarregadas de encorajar políticas fiscais sustentáveis (Lledó, 2018).

Hagemann (2011) indica que a existência de conselhos fiscais bem desenhados é uma condição necessária para melhorar a performance fiscal, embora a falta de comprometimento político com um objetivo de médio prazo e, em alguns casos, com o próprio mandato dos conselhos, limitaria melhorias duradouras.

Debrun e Kinda (2014), utilizando dados em painel de uma amostra de 58 economias avançadas e emergentes, de 1990 a 2011, e cientes dos desafios de endogeneidade associados à estimação econométrica, relacionam a presença de IFIs com o desempenho fiscal (medido pelo nível do resultado primário), controlados por outros efeitos que influenciam o desempenho fiscal, como o hiato do produto e o nível de endividamento. A conclusão do estudo sugere que a existência de conselhos em si não é suficiente para promover disciplina fiscal (a correlação é positiva, mas não significante em termos estatísticos), o que ocorre apenas quando o conselho apresenta certas características e atribuições:

  1. i) grau de independência com relação às disputas políticas;
  2. ii) papel no monitoramento de regras fiscais;
  3. ii) produção ou avaliação de projeções macrofiscais;
  4. iv) impacto na mídia: como os conselhos fiscais não exercem influência direta sobre a condução da política fiscal, esse canal é importante para ampliar a presença no debate público.

Beetsma et al (2018), utilizando a base de dados sobre conselhos do FMI atualizada até 2016, também traz evidencias empíricas no sentido de que a presença de conselhos fiscais bem desenhados parece reduzir o viés otimista nas projeções orçamentárias e favorecer o cumprimento das regras fiscais.

Lledó (2018) constata, a partir da revisão de diversos estudos empíricos e casos narrativos, que conselhos bem desenhados, dotados de certas características (independência com relação a disputas políticas e impacto na mídia) e funções (produzir ou avaliar projeções macroeconômicas e monitorar o cumprimento de regras fiscais), parecem ter maior capacidade em promover políticas fiscais sólidas.

 

  1. A situação da IFI brasileira em relação às demais

Como se observou na seção 3 deste capítulo, parece haver um consenso na literatura de que o desenho de um conselho efetivo, capaz de melhorar o desempenho da política fiscal, passa, principalmente, pela presença constante no debate público, pelo grau de independência e pelo papel na produção ou avaliação de projeções macroeconômicas e no monitoramento do cumprimento de regras fiscais.

A base de dados da OCDE sobre as IFIs (OCDE, 2019)[6] possibilita mapear algumas dessas características chave e situar o Brasil – que é o único país, além dos membros da organização, monitorado nessa base – em relação aos países membros da Organização.

A base é bastante ampla e permite acessar informações sobre o contexto para estabelecimento, base legal, modelo institucional, relacionamento com o legislativo, independência, liderança, recursos, mandato e funções, publicações, acesso à informação, transparência, apoio consultivo e acordos de avaliação.

Segundo o monitoramento, 28 dos 36 países membros têm IFIs em operação. O Brasil, único país não pertencente à OCDE, também é acompanhado pelo órgão multilateral em sua base de dados que mapeia as principais características dessas instituições.

Na prática, como se observa na Tabela 2, 73% desses organismos se envolvem com projeções macrofiscais (sendo que, algumas delas, como o CBO, dos Estados Unidos, produzem projeções alternativas que servem de base de comparação para as projeções do governo; outras preparam as projeções utilizadas pelo governo, como o OBR do Reino Unido e o CPB da Holanda; enquanto outras endossam ou opinam sobre as previsões oficiais); 70,3% são incumbidas de monitorar o cumprimento das regras fiscais, ao passo que 64,9% têm um papel na análise de sustentabilidade fiscal de longo prazo. Por outro lado, 40,5%, 29,7% e 10,8% apuravam o custo fiscal de iniciativas do governo, realizavam suporte a parlamentares com análises sobre o orçamento e avaliação do custo de plataformas eleitorais, respectivamente.

 

Tabela 2. Funções de uma IFI de acordo com a OCDE

  IFI / Brasil IFIs que compõem a base de dados
  Sim
Projeções macroeconômicas e fiscais  

x

73,0%
Monitoramento de regras fiscais  

x

70,3%
Análise de sustentabilidade fiscal de longo prazo  

x

64,9%
Apuração do custo de iniciativas do governo  

x[7]

40,5%
Suporte direto a parlamentares com análises sobre orçamento  

29,7%
Avaliação do custo de plataformas eleitorais  

10,8%
Fonte: OECD Independent Fiscal Institutions Database (2019). Elaboração dos autores.

 

Mesmo que as IFIs ao redor do mundo tenham papéis e estruturas distintas (“there is no one size fits all model”), refletindo diferentes arcabouços fiscais e circunstâncias que estão por trás da origem de seu estabelecimento, elas apresentam funções convergentes, sendo que a maioria delas exerce as funções principais mapeadas por Debrun e Kinda (2014) para a mensuração de sua efetividade.

Segundo Von Trapp e Nicol (2018) e OCDE (2019), o grau de independência de um conselho fiscal pode ser avaliado por meio de quatro pilares, delineados nos princípios de boas práticas contidos em OCDE (2014).

  1. i) independência técnica: avaliada de acordo com o processo de seleção de pessoas para as IFIs, isto é, se ocorre com base no mérito e na competência técnica, se a duração do mandato é estabelecida de forma independente do ciclo eleitoral e se os critérios para a demissão das lideranças são especificados em legislação;
  2. ii) independência legal/financeira: refere-se ao marco jurídico da instituição e à proteção dos recursos financeiros contra contingenciamentos e interferências políticas. As variáveis desse pilar buscam analisar se a instituição foi estabelecida por legislação primária, se possui uma dotação orçamentária própria para assegurar os recursos para o desempenho de suas atividades e se há um compromisso plurianual de financiamento;

iii) independência operacional: trata-se da autonomia das IFIs em relação às suas operações, considerando-se, ainda, se fazem ou não recomendações normativas de políticas (o que pode colocar em risco a reputação por meio do viés partidário). As variáveis para mensurar a independência operacional incluem os seguintes tipos de critérios: se a instituição tem liberdade para definir o programa de trabalho e para produzir análises por iniciativa própria, se faz recomendação de política e se possui equipe qualificada própria para a execução do mandato.

  1. iv) acesso à informação e transparência: refere-se aos mecanismos de garantia legal para eventuais pedidos de informações requeridas ou viabilizadas por memorandos de entendimento, ao plano de trabalho e demais documentos operacionais publicados e se relatórios e metodologias subjacentes às análises também ficam disponíveis ao público interessado.

A Tabela 3, construída a partir das informações obtidas na base de IFIs da OCDE, coloca em perspectiva a IFI brasileira em relação às instituições dos países membros no quesito da independência. Do ponto de vista formal, observa-se a presença de muitas das medidas delineadas nos quatro pilares, indicando que a IFI brasileira segue as recomendações internacionais. Na seção 5, passaremos a tratar especificamente do caso brasileiro.

Há, de toda forma, certa distância em relação às demais nos itens “dotação orçamentária própria” (presente em 47% das IFIs que compõe a base de dados) e no número de funcionários (apesar de possuir equipe qualificada própria, a quantidade de colaboradores permanentes encontra-se bem abaixo da média dos pares: 9 x 27). O orçamento da IFI brasileira é vinculado ao do Senado Federal, ainda que exista garantia de espaço orçamentário para contratação de pessoal, em ato específico da Comissão Diretora do Senado Federal, como discutiremos à frente. Essas são questões importantes para os próximos passos no processo de “institutional building” da IFI brasileira.

 

Tabela 3. Aspectos relativos à independência

Pilares de independência IFI/ Brasil IFIs que compõem a base de dados
Sim
Independência técnica

Seleção de pessoas baseada no mérito e na competência técnica?

x

 

100%

Termo do mandato estabelecido de forma independente ao ciclo eleitoral?

 

x

 

97%

Critérios para a demissão das lideranças especificados em legislação?

 

x

 

72%

 

Independência legal/financeira

 

 

Instituição estabelecida por legislação primária?

 

x

 

83%

Dotação orçamentária própria?

 

 

47%

Compromisso plurianual de financiamento?

 

 

14%
 

Independência operacional

Liberdade para definir o programa de trabalho?

 

x

 

94%

Liberdade para produzir análises por iniciativa própria?

 

x

 

94%

Faz recomendação de política?

 

 

14%

Número de funcionários que compõem a equipe?

 

9[8]

27[9]

 

Acesso à informação e transparência

Acesso à informação requerida é assegurado pela legislação?

 

x

 

25%

Acesso à informação apenas por memorando de entendimento?

 

 

11%

Acesso à informação por ambos?

 

 

42%

Plano de trabalho e demais documentos operacionais são publicados?

 

x

 

89%

Relatórios e metodologias subjacentes também ficam disponíveis ao público?

 

[10]

 

69%

Fonte: OECD Independent Fiscal Institutions Database (2019). Elaboração dos autores.

Pontes (2018), a partir dos dispositivos da resolução que criou a IFI brasileira, mostra que a instituição apresenta elevado grau de aderência da base normativa e procedimental nas dimensões relativas à independência no desempenho de atribuições e no que se refere à abrangência de atribuições previstas para uma IFI frequentemente apontadas pela literatura e identificadas na experiência internacional – reforçando a impressão inicial que fica da simples análise comparativa a partir dos dados extraídos da base da OCDE.

Uma avaliação mais robusta da aderência em relação às boas práticas internacionais viria da própria OCDE, que produz com frequência relatórios técnicos sobre as IFIs que compõem sua rede[11] com avaliações detalhadas (realizadas pelos pares, membros da própria OCDE e acadêmicos) sobre o desempenho de uma instituição em relação aos princípios de boas práticas, identificando aspectos que podem ser aprimorados como forma de preservar a viabilidade no longo prazo. As análises abrangem tipicamente os elementos de inputs (recursos humanos e financeiros, acesso à informação e independência), outputs (qualidade das publicações e metodologias empregadas) e de impacto do trabalho da IFI em termos da influência no debate público e da ampliação da transparência.

Importante mencionar, de toda forma, que já há um reconhecimento internacional da IFI brasileira com relação à credibilidade de seus trabalhos. No documento “OECD Economics Surveys – Brazil”[12], publicado em 2018, a organização expressou que o Brasil progrediu em sua estrutura fiscal com o estabelecimento de um conselho fiscal que publica relatórios mensais de alta qualidade.

Finalmente, vale destacar que o Fundo Monetário Internacional (FMI) também tem acompanhado o trabalho da IFI do Senado Federal, por meio de reuniões e visitas da chamada Missão do Artigo IV. Em 2017, o FMI reconheceu em texto público a importância da criação da IFI no Brasil[13].

 

  1. Histórico da Instituição Fiscal Independente (IFI) do Senado Federal

A Instituição Fiscal Independente (IFI) foi criada pela Resolução do Senado Federal nº 42, de 2016[14], com o objetivo de melhorar a transparência e a disciplina das contas públicas. A IFI é um órgão do Senado, mas com independência para realizar suas funções legais, seguindo as boas práticas internacionais, conforme discutidas nas seções anteriores. Ela é dirigida por um Conselho Diretor e conta com um Conselho de Assessoramento Técnico (CAT), de caráter consultivo, indicado pelo Diretor-Executivo do Conselho Diretor. A independência é garantida pelo mandato fixo dos Diretores e do Diretor-Executivo.

Antes de discutir a experiência da IFI brasileira, destaca-se que as funções da IFI não invadem atribuições do Tribunal de Contas da União (TCU) ou mesmo das Consultorias do Senado e da Câmara. O TCU é um órgão de controle, uma corte de contas com poder judicante. As Consultorias prestam assessoria direta aos parlamentares. A IFI, por sua vez, produz informações – este é o seu poder – na área de contas públicas, por meio de publicações que auxiliem na tarefa de ampliar a transparência e a disciplina fiscal, sem poder judicante e não tendo a missão de prestar consultoria direta[15].

A instalação da IFI se deu no dia 30 de novembro de 2016[16], com a posse do primeiro Diretor-Executivo, o economista Felipe Salto[17], para exercer um mandato de seis anos, sem recondução. Os próximos Diretores-Executivos terão sempre mandatos de quatro anos.

Cabe esclarecer que a indicação do Diretor-Executivo se dá pela Presidência do Senado Federal, conforme o inciso I do parágrafo 2º do artigo 1º da Resolução nº 42. O indicado deve passar por duas etapas para assumir o mandato fixo: arguição pública e aprovação pelo Senado Federal, conforme o parágrafo 3º da mesma Resolução. Segundo o dispositivo, os indicados devem ter notório saber nos temas de competência da IFI e reputação ilibada. Esses requisitos são checados pelo parlamentar relator do processo de indicação e, também, na sabatina realizada pela Comissão Diretora do Senado Federal. A aprovação do indicado deve se dar tanto pela Comissão Diretora quanto pelo Plenário do Senado.

O primeiro Diretor-Executivo indicado foi aprovado pela Comissão Diretora do Senado Federal, em 29 de novembro de 2016[18], após arguição pública realizada pelo colegiado. No mesmo dia, foi aprovado por 50 votos favoráveis no plenário[19]. Houve um voto contrário e duas abstenções. No dia 30 de novembro, como mencionado, ocorreu a cerimônia de posse e o início dos trabalhos da IFI.

Os objetivos da IFI estão bem definidos na Resolução nº 42 e envolvem o trabalho técnico de projeção e análise econômica e fiscal. Isso se dá por meio do cumprimento dos quatro dispositivos legais, fixados no artigo 1º da Resolução:

“I – divulgar suas estimativas de parâmetros e variáveis relevantes para a construção de cenários fiscais e orçamentários;

II – analisar a aderência do desempenho de indicadores fiscais e orçamentários às metas definidas na legislação pertinente;

III – mensurar o impacto de eventos fiscais relevantes, especialmente os decorrentes de decisões dos Poderes da República, incluindo os custos das políticas monetária, creditícia e cambial; e

IV – projetar a evolução de variáveis fiscais determinantes para o equilíbrio de longo prazo do setor público.”

O objetivo fixado no inciso I consiste em elaborar projeções macroeconômicas, a exemplo da trajetória do PIB, da inflação, dos juros reais e nominais, da taxa de câmbio, dentre outras variáveis relevantes para os cenários fiscais. O inciso II determina que a IFI acompanhe as metas fiscais vigentes, comparando-as aos indicadores fiscais, a exemplo do teto de gastos (fixado pela Emenda Constitucional nº 95, de 2016) e da meta de resultado primário (prevista na Lei de Responsabilidade Fiscal – Lei Complementar nº 101, de 2000).

No inciso III, a instituição recebe a incumbência de definir eventos que tenham impacto relevante nas contas públicas e elaborar suas avaliações sobre tais assuntos, a exemplo das reformas previdenciária, tributária e administrativa. Por fim, o quarto inciso manda que a IFI projete a evolução das variáveis fiscais relevantes ao equilíbrio de longo prazo, a exemplo da dívida pública, do déficit primário e nominal, das receitas e despesas do governo federal.

Após a instalação da IFI, o Diretor-Executivo Felipe Salto montou uma equipe, a partir da regulamentação da Resolução nº 42, de 2016, feita pelo Ato nº 10 da Comissão Diretora do Senado Federal, de 2016[20]. O referido ato forneceu os subsídios para recrutar servidores e realocou cargos para contratação de pessoal de fora do Senado. Ainda sem o Conselho Diretor completo, portanto, a IFI passou a funcionar, no âmbito do Senado, mas com total independência para realizar seus estudos e análises.

Isso está em linha com a revisão de literatura apresentada na seção 4. Ainda que a IFI não possua um orçamento autônomo, o espaço fiscal fixo para contratação de pessoal está garantido por lei. Como mencionado, esta é uma área em que a IFI poderá avançar, ganhando mais estrutura e recursos para poder realizar suas atribuições legais. Entende-se que este é um processo de “institutional building”, que está diretamente associado aos resultados produzidos pela instituição.

Vale dizer, no período de quatro anos de funcionamento completados em novembro de 2020, a IFI já havia conquistado um amplo reconhecimento da imprensa, critério importante destacado por Debrun e Kinda, supracitados. Mais à frente, mencionaremos alguns números a fundamentar essa análise. Este reconhecimento foi fundamental para solidificar a posição da instituição diante do parlamento e mesmo para obter melhorias e avanços operacionais e de estrutura, como a própria conquista de um espaço físico adequado para a realização das atividades da IFI.

Logo no início do funcionamento do novo órgão, após recrutar dois servidores do Ministério do Planejamento – um da Secretaria de Orçamento Federal (SOF) e um do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) – e dois servidores efetivos do Senado Federal – um da Consultoria de Orçamentos (Conorf) e outro da Consultoria Legislativa (Conleg) –, a IFI elaborou um modelo de relatório mensal e publicou sua primeira versão em fevereiro de 2017[21]. Logo em seguida, recrutou um economista com experiência em contas públicas para reforçar a equipe, além da secretária, que também exerce funções de auxiliar administrativa.

Ainda sobre a questão da equipe, é importante destacar que, conforme o artigo 2º da Resolução 42, a equipe deve ter sempre 60%, no mínimo, de mestres ou doutores nas áreas de atuação da IFI, requisito sempre cumprido, incluindo todos os servidores efetivos e comissionados que compõem ou compuseram a equipe e a Diretoria.

Esse primeiro trabalho mencionado foi denominado “Relatório de Acompanhamento Fiscal” (RAF), que viria a ser o principal produto da IFI, com periodicidade mensal[22]. Ele já está na 48ª edição, publicada em janeiro de 2021[23]. Sua aceitação por parlamentares, imprensa, especialistas do mercado e academia tem sido muito positiva. Para divulgar o primeiro trabalho da IFI, em fevereiro de 2017, realizou-se coletiva à imprensa[24], da qual participaram jornalistas especializados dos principais veículos de comunicação e economistas e servidores públicos do Executivo e do Legislativo. Apenas no mês de fevereiro de 2017, houve onze menções à IFI na imprensa nacional. Também o Poder Executivo comentou projeções e cálculos publicados no primeiro RAF, cumprindo-se, assim, desde o início, uma função precípua de toda IFI, que é a de estabelecer um contraponto saudável com a área econômica do governo, a partir do acompanhamento macrofiscal.

Em janeiro de 2017, foi publicado um artigo do Diretor-Executivo da IFI, na página A2 do jornal O Estado de S. Paulo, que é útil para entender o contexto, a lógica e os objetivos do novo órgão do Senado: “O papel da Instituição Fiscal Independente”[25]. Nele, o economista explicou as razões da criação do novo órgão em um quadro de crise econômica e fiscal. É importante mencionar que a IFI foi uma resposta do Senado àquela situação conjuntural bastante grave das contas públicas e da atividade econômica. Vale dizer, a economia passava por um biênio, de 2015 a 2016, que viria a ser o pior da série histórico do PIB. As contas públicas também já seguiam por alguns anos apresentando déficit e crescimento da dívida/PIB. Nesse sentido, há um claro paralelo com as experiências de criação e consolidação de instituições ou conselhos fiscais, conforme relatadas pelos autores citados nas seções anteriores deste capítulo.

Para completar a primeira formação do Conselho Diretor, conforme determinado pela Resolução nº 42, a Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) e a Comissão de Transparência (CTFC)[26] do Senado Federal precisavam fazer suas indicações, proceder à sabatina e aprovação, para em seguida haver a deliberação em plenário. Foram indicados os economistas Gabriel Barros[27], para a vaga da CAE, e Rodrigo Orair[28], para a vaga da CTFC, completando, ainda em meados de 2017, a primeira formação do Conselho Diretor da IFI, ao lado de Felipe Salto.

Cabe ainda explicar a lógica dos mandatos não coincidentes prevista na Resolução 42. O mandato do primeiro Diretor indicado pela CAE, conforme a resolução, seria de quatro anos. Já o mandato do Diretor indicado pela CTFC, de dois anos. Assim, o primeiro Diretor-Executivo teria seis anos, o primeiro Diretor indicado pela CAE, quatro anos, e o primeiro Diretor indicado pela CTFC, dois anos. Os segundos indicados para todas as três vagas teriam sempre mandatos fixos de quatro anos, preservando-se a descontinuidade inicial. A recondução é proibida. Em caso de vacância, substitui-se o Diretor por meio do mesmo processo descrito acima, para que se complete o período remanescente do mandato original, seja para o Diretor-Executivo seja para os demais Diretores.

Essa descontinuidade inicial serve para que as trocas de Diretoria nunca ocorram de maneira concomitante. Esta é uma forma de preservar a blindagem político-partidária da IFI, isto é, a sua independência técnica em relação a essas questões. O mecanismo está em linha com as boas práticas e um dos critérios utilizados pela OCDE, por exemplo, para avaliação da independência das IFIs.

Transcorridos quase quatro anos desde a instalação da IFI, já houve duas trocas na Diretoria. O primeiro Diretor indicado pela CAE renunciou após dois anos de mandato, o que ensejou a indicação de um novo nome para completar o período faltante para os quatro anos. Já o Diretor indicado pela CTFC cumpriu o seu mandato completo e, ao término dos dois anos, a referida comissão indicou um novo nome para exercer, então, conforme a regra da Resolução nº 42, um mandato de quatro anos.

A substituição do Diretor indicado pela CAE transcorreu sem maiores percalços. Foi indicado o economista Josué Pellegrini, que já participava da equipe da IFI, como analista, além de ser Consultor Legislativo do Senado Federal. Pellegrini é Doutor em Economia pela USP, tem livros publicados na área de economia e contas públicas e foi diversas vezes premiado pelo Tesouro Nacional com artigos relevantes. Além disso, tem vasta experiência em docência, tendo sido um dos professores que ajudou a montar a Faculdade de Economia da USP de Ribeirão Preto. O Presidente da CAE fez a indicação, seguida do mesmo processo: sabatina, aprovação na comissão e no plenário. Pellegrini completará o mandato de quatro anos, portanto, conforme prevê a Resolução 42, contando os dois anos iniciais cumpridos pelo primeiro Diretor indicado pela CAE.

Quanto à substituição do Diretor indicado pela CTFC, com o término do mandato, seguiram-se os trâmites já explicados. O indicado foi o economista Daniel Couri, que fazia parte da equipe da IFI desde a sua instalação, sendo Consultor de Orçamento do Senado. Seu mandato será de quatro anos. Couri tem Mestrado em Economia pela UnB e experiência como servidor do Tribunal de Contas da União (TCU) e da Secretaria de Orçamento Federal (SOF) do Ministério do Planejamento.

Portanto, a atual formação do Conselho Diretor conta com os economistas: Felipe Salto, Josué Pellegrini e Daniel Couri. Todas as decisões sobre a definição dos assuntos a serem tratados pela IFI, dentro do plano de trabalho definido na própria Resolução nº 42, são colegiadas. Ouvem-se os membros da equipe, discutem-se os temas relevantes e fixam-se prazos para as publicações. O Relatório de Acompanhamento Fiscal (RAF) é a publicação fixa da IFI e mais importante, no sentido de que cumpre pelo menos três dos quatro objetivos fixados na Resolução nº 42. Além dos doze trabalhos anuais, a IFI ainda publica Estudos Especiais, Notas Técnicas e Comentários da IFI, de acordo com temas discutidos nas reuniões de Equipe e Conselho Diretor, levadas também em consideração as sugestões colhidas nas reuniões do CAT. Sempre no mês de dezembro, realiza-se reunião de planejamento para definir algumas diretrizes a esse respeito.

A equipe técnica da IFI também foi sofrendo alterações em relação ao seu quadro inicial. Como explicado, dois servidores do Senado tornaram-se Diretores, ao longo dos últimos quatro anos. Além disso, os dois servidores cedidos pelo Ministério do Planejamento saíram da equipe, tendo sido substituídos por outros economistas contratados com o espaço orçamentário contido no Ato nº 10 de 2016. Hoje, a IFI conta com um economista com doutorado, dois economistas com mestrado e dois economistas com nível de graduação, além de uma secretária e assistente administrativa. Além disso, há dois estagiários[29] a auxiliar a equipe e os Diretores. Os três diretores funcionam também como analistas, isto é, participam ativamente da elaboração dos produtos da IFI, além de exercerem suas funções administrativas no Conselho Diretor. É importante notar, para que se tenha a dimensão do orçamento de pessoal destinado à IFI, que a formação acima descrita já preenche praticamente 100% do orçamento disponível[30].

Destaca-se que, dentro do processo de “institutional building”, a IFI conseguiu que o Conselho de Assessoramento Técnico (CAT) fosse instalado, em 2019, pelo Presidente do Senado Davi Alcolumbre, conforme prevê o parágrafo 9º do artigo 1º da Resolução 42. Os cinco nomes apontados pelo Diretor-Executivo Felipe Salto foram: Yoshiaki Nakano, Diretor da Escola de Economia de São Paulo da FGV e ex-Secretário da Fazenda de São Paulo; José Roberto Afonso, pesquisador e professor do IDP e Doutor em Economia pela Unicamp; Monica de Bolle, professora da Johns Hopkins University; Gustavo Loyola, ex-Presidente do Banco Central; e Bernard Appy, Diretor do Centro de Cidadania Fiscal.

O CAT foi regulamentado pelo Ato nº 8 do Presidente do Senado, de 25 de março de 2019[31]. Nele, o instala-se o Conselho com os membros indicados pelo Diretor-Executivo da IFI. Os membros não são remunerados e exercem a função de ampla assessoria consultiva, em reuniões organizadas semestralmente. A primeira reunião do Conselho de Assessoramento Técnico foi pública e transmitida pela TV Senado. O evento contou com a presença de autoridades do Executivo e do Legislativo, economistas do mercado e jornalistas[32].

A instalação formal do CAT, ainda que a IFI já contasse com o apoio informal de economistas que vieram a compor o Conselho, foi um passo que completou, por assim dizer, as etapas principais de construção da instituição previstas na Resolução nº 42.

 

  1. Balanço de quatro anos

A IFI é inspirada em experiências internacionais importantes, a exemplo do “Congressional Budget Office” (CBO), nos Estados Unidos, e do “Office for Budget Responsibility” (OBR), no Reino Unido, já mencionados anteriormente. A OCDE congrega essas experiências e acompanha suas atividades por meio de uma rede, da qual a IFI brasileira passou a fazer parte, na categoria de “key partner country”, em base de dados publicada pelo organismo multilateral citada na seção 4.

O Conselho de Finanças Públicas (CFP) de Portugal é uma terceira referência fundamental, não apenas pela proximidade cultura e linguística, mas pela forma de atuação e modelo de governança. A IFI já participou de dois encontros anuais da rede de IFIs da OCDE, na Coreia do Sul e em Portugal. No encontro de Seul, em 2018, o Diretor-Executivo da IFI firmou um memorando de entendimentos para troca de experiências no campo técnico entre a IFI sul-coreana – “National Assembly Budget Office” (NABO) – e a IFI do Senado Federal do Brasil[33]. Na ocasião, o Diretor-Executivo da IFI também fez uma apresentação sobre a IFI brasileira[34].

A rede da OCDE é muito rica, do ponto de vista da troca de experiências, sobretudo para a instituições mais recentemente criadas, como é o caso da IFI brasileira. Como resultado dos diálogos e contatos, a IFI tem conseguido estabelecer trocas constantes de informações, mesmo à distância, coletar informações de outras instituições ao redor do mundo, além de reportar à OCDE os avanços obtidos. Em 2020, o Estudo Especial sobre o modelo macroeconômico da IFI foi enviado à equipe da OCDE, traduzido para o inglês, e a receptividade foi positiva. O avanço no uso de instrumentos e modelagem adequada, nas tarefas das IFIs, é algo fundamental para se buscar um resultado satisfatório em termos de análises e projeções econômicas e fiscais, incluindo simulações de impacto, a exemplo dos estudos publicados pela IFI em 2019, ao longo da tramitação da reforma da previdência no Congresso Nacional.

Por ocasião do aniversário de quatro anos da IFI, no fim de novembro, o jornal O Estado de S. Paulo publicou duas reportagens relatando as atividades e resultados obtidos pela instituição, inclusive trazendo a opinião de economistas da OCDE a respeito da IFI brasileira[35]. A atuação junto à imprensa é fundamental para o desempenho da IFI, como mostramos na revisão de literatura deste capítulo. A esse respeito, a IFI consolida, diariamente, em seu site[36], as citações de seus trabalhos pela imprensa. A partir disso, é possível observar que, em quatro anos de funcionamento, a IFI teve 2.692 aparições na imprensa nacional, o que corresponde a uma média de 1,8 ao dia. A evolução, entre o fim de 2016 e 2020, pode ser vista na Tabela 4 a seguir[37].

 Tabela 4. Aparições da IFI do Senado Federal na imprensa

Do ponto de vista do número de publicações, a IFI já produziu 48 Relatórios de Acompanhamento Fiscal (RAFs), 14 Estudos Especiais (EEs), 45 Notas Técnicas (NTs) e 9 Comentários da IFI (CIs), totalizando 2.911 páginas publicadas. O RAF contém, na sua versão atual, três seções básicas: Contexto Macroeconômico, Conjuntura Fiscal e Orçamento[38]. O objetivo do produto é analisar os principais indicadores econômicos e fiscais, acompanhar as publicações do governo cotejando suas projeções e análises às realizadas pela IFI, acompanhar o cumprimento das metas fiscais e apresentar os cenários projetados pela instituição.

Duas vezes ao ano, em maio e em novembro, são revisados os três cenários de estimativas da IFI: base, otimista e pessimista, e reapresentados no RAF, que então assume formato um pouco distinto. Em anos atípicos, com foi 2020, em razão da crise pandêmica da Covid-19, a IFI acaba apresentando maior número de revisões. Em 2020, foram quatro RAFs contendo revisões dos cenários prospectivos para dívida e déficit público, receitas e despesas do governo central, PIB, inflação, taxa de juros, taxa de juros real, taxa de câmbio, mercado de trabalho, dentre outras variáveis. Além dos textos, também veiculamos arquivo em planilha eletrônica com todos os dados, tabelas e gráficos contidos na publicação[39].

Os EEs servem ao propósito de analisar um tema com maior profundidade e pode ser metodológico ou temático. Têm como característica trazer revisão de literatura, comparação internacional e uso de instrumentos metodológicos para avançar sobre determinado assunto. A IFI já realizou EEs sobre: estimativa do hiato do produto; projeções de dívida bruta; situação fiscal dos estados; previdência; metodologia de projeção do PIB; reservas internacionais; operações compromissadas; despesas de pessoal; previdência estadual; balanço patrimonial da União; Regra de Ouro; dentre outros[40].

As NTs são estudos de menor alcance, mas também seguem rigor técnico e analítico, servindo, normalmente, para explorar assuntos que subsidiarão as projeções, cálculos de impacto e elaboração de cenários pela IFI. Dentre os temas tratados em NTs, estão: gastos em Defesa Nacional; cálculos de efeito fiscal do Benefício Emergencial do Emprego (BEm); análises das finanças dos estados; cálculo de impacto do Auxílio Emergencial a Vulneráveis (AE); impacto do Programa de Contrato Verde e Amarelo; custo de carregamento das reservas internacionais; impacto dos juros na dívida pública; análise das propostas de reforma tributária; diversos trabalhos sobre a reforma da previdência; Orçamento Impositivo; Desvinculação das Receitas da União (DRU); FAT e BNDES; Abono Salarial; Benefício de Prestação Continuada (BPC); relação Tesouro-Banco Central; riscos fiscais da União; FGTS; impacto de decisão do STJ sobre aposentadorias; teto de gastos; elasticidade receita-PIB; deflator do PIB; gastos tributários; capacidade de pagamento dos estados (capag); cálculos sobre o resultado primário mensal; atividade econômica e PIB; análise da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO); dentre outros.

Por fim, os Comentários da IFI (CIs), criados mais recentemente, em 2019, servem para manifestações que precisem ser mais rápidas a respeito de algum evento da conjuntura ou, ainda, posicionamentos institucionais do Conselho Diretor. Um exemplo recente foi a análise do teto de gastos assinada pelos três membros do Conselho Diretor da IFI[41].

Vale registrar que eventos da conjuntura política, fiscal e econômica influenciam a escolha dos temas. Em 2019, por exemplo, a IFI publicou diversos trabalhos sobre a reforma da previdência, acompanhando sua tramitação e elaborando cálculos de impacto de cada medida e alteração proposta no parlamento. Os cálculos foram utilizados para cotejamento com os números do governo federal, cumprindo-se, assim, a função de qualificar o debate público e colaborar para a transparência e a disciplina fiscal. Já em 2020, a crise da covid-19 requereu revisões mais frequentes dos cenários e cálculos de impacto fiscal das diversas medidas anunciadas, incluindo análises com microdados sobre o Auxílio Emergencial a Vulneráveis, as transferências a estados e municípios, o apoio às empresas e os gastos em saúde.

A respeito deste último tópico, em 2020, a IFI desenvolveu um painel de dados para acompanhamento da execução do chamado Orçamento de Guerra, instituído por Emenda Constitucional, para facilitar o acesso da sociedade a informações sobre os gastos relacionados à covid-19[42]. Além desta base especial, a IFI mantém, em seu site, um repositório de dados com séries calculadas pela instituição ou dados por ela trabalhados[43].

Além dos produtos publicados, a IFI realiza outras atividades: organização de seminários técnicos (ou webinários, como em 2020[44]); participação em Comissões do Senado Federal e da Câmara dos Deputados; participação específica na CAE para apresentar revisões de cenários e acompanhamento fiscal (prevista na Resolução nº 42); reuniões com organismos multilaterais, membros dos órgãos da área econômica do Executivo, órgãos de assessoramento do Legislativo, Tribunal de Contas da União, economistas do mercado, parlamentares e jornalistas; realização de palestras ou conversas com instituições privadas e públicas para apresentação dos trabalhos da IFI; participação em seminários acadêmicos; publicação de artigos e concessão de entrevistas à imprensa; e reuniões com acadêmicos da área de economia e contas públicas.

Por fim, ainda sobre as atividades da IFI, nestes quatro primeiros anos, vale destacar o recebimento de dois Prêmios do Tesouro Nacional. Um deles, na 1ª colocação, foi concedido ao trabalho sobre reservas internacionais (custo, nível ótimo e relação com a dívida pública) publicado pelo Diretor Josué Pellegrini, na forma de Estudo Especial[45], e submetido à referida premiação, ocorrida em 2017. O segundo prêmio, uma menção honrosa, também no âmbito do Prêmio de Monografias em Finanças Públicas do Tesouro Nacional, foi concedido em razão do Estudo Especial desenvolvido pelo analista da IFI Alessandro Casalecchi, pelo então Diretor Rodrigo Orair, com apoio do estagiário Pedro Henrique Oliveira. O trabalho versa sobre as despesas dos regimes próprios dos servidores civis da União[46].

Além disso, o reconhecimento dos parlamentares tem sido crescente. A IFI recebe demandas que são, sempre que possível, adequadas aos trabalhos desenvolvidos pela instituição, preservando, assim, sua independência. Realiza, com frequência, reuniões com parlamentares para discutir questões fiscais, cenários e conjuntura econômica. O uso dos relatórios da IFI pelos gabinetes parlamentares é também um indicativo relevante.

Os desafios, para os próximos anos, concentram-se no maior fortalecimento institucional, incluindo questões de estrutura e orçamento, na manutenção do ritmo de publicações e da repercussão na imprensa especializada e geral, na ampliação da equipe e no desenvolvimento de mais trabalhos envolvendo o cálculo de medidas que tenham efeito fiscal relevante. Na parte de elaboração de projeções e no acompanhamento das metas fiscais, entende-se que a IFI já avançou de maneira significativa, mas pode dar novos passos para consolidar metodologias de projeção, por meio de publicações técnicas, tempestivamente. Uma questão adicional, que deve ser debatida, é a eventual vinculação constitucional da IFI, a partir da experiência acumulada até aqui e do modelo vigente, fundamentado na Resolução do Senado, que tem força de lei.

 

  1. Conclusões

Neste capítulo, discutimos o contexto geral de criação e consolidação das Instituições Fiscais Independentes (IFIs) ou Conselhos Fiscais, à luz da literatura relevante e da experiência internacional. Em seguida, discute-se o caso da IFI do Senado Federal, o conselho fiscal brasileiro, criado em novembro de 2016 como resposta à crise econômica e fiscal vivenciada pelo Brasil. Uma preocupação central dos países europeus, principalmente, que criaram boa parte de suas instituições no pós-crise de 2008, é o chamado “viés deficitário” da política fiscal e a necessidade de se ter maior acompanhamento e transparência nas contas públicas. As regras fiscais, isoladamente, não se mostraram suficientes para levar a condutas fiscais mais responsáveis, o que está na gênese das IFIs.

Os estudos disponíveis sobre a efetividade da atuação das IFIs indicam que elas exercem seu papel em contextos em que está garantida a independência de seu corpo diretivo, sobretudo na definição dos estudos, análises e trabalhos que escolhe desenvolver. Também a imprensa é fundamental para a atuação dos “watchdogs”, pelo fato de que essas instituições têm o único poder de produzir informações. Assim, para que sua atuação seja efetiva para ajudar a qualificar o debate e melhorar a disciplina fiscal, o uso dos dados produzidos pela imprensa torna-se uma dimensão central.

No caso da IFI brasileira, os quatro anos de atuação revelam que são bastante positivos os resultados colhidos, com ampla presença na mídia e crescente consolidação interna, no Senado Federal, ao qual a IFI está vinculada. O desafio, daqui em diante, é avançar na estrutura de pessoal, orçamentária, mantendo e ampliando o escopo dos produtos entregues pela instituição.

 

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[1] Felipe Scudeler Salto é diretor-executivo da IFI e membro do Instituto Fernand Braudel.

[2] Rafael da Rocha Mendonça Bacciotti é analista da IFI.

[3] Pode ser consultado em: https://eur-lex.europa.eu/legalcontent/EN/TXT/PDF/?uri=CELEX:32013R0473&from=EN

[4] Disponível em: http://www.oecd.org/gov/budgeting/recommendation-on-principles-for-independent-fiscal-institutions.htm

[5] Disponível em: https://www.imf.org/external/np/fad/council/

[6] OECD Independent Fiscal Institutions Database (2019), http://www.oecd.org/gov/budgeting/OECD-Independent-Fiscal-Institutions-Database.xlsx  

[7] A IFI brasileira estima o custo de eventos fiscalmente relevantes, por exemplo, a reforma previdenciária que teve aprovação definitiva em 2019 e as medidas de combate à crise do coronavírus ao longo de 2020.

[8] No Brasil, a equipe é composta por 8 analistas (já incluídos os 3 diretores) e 1 secretária e assistente administrativa. Note-se que os 3 diretores também produzem estudos técnicos, junto com os analistas.

[9] Média simples do número de funcionários (tempo integral) das 36 IFIs em operação.

[10] No Brasil, a IFI explica e mostra suas hipóteses e tem como objetivo publicar todas as metodologias e questões técnicas no futuro. Em setembro de 2020, por exemplo, foi publicado o Estudo Especial n. 13 sobre a metodologia de previsões das variáveis macroeconômicas, que pode ser acessado aqui – https://www12.senado.leg.br/ifi/publicacoes-1/estudos-especiais/2020/setembro/estudo-especial-no-13-metodologia-de-previsao-das-variaveis-macroeconomicas-set-2020-1

[11] Disponíveis na página da OCDE sobre o “Network of Parliamentary Budget Officials and Independent Fiscal Institutions”: http://www.oecd.org/gov/budgeting/parliamentary-budget-officials/

[12] Disponível em: http://www.oecd.org/economy/surveys/Brazil-2018-OECD-economic-survey-overview.pdf

[13] Veja aqui a matéria da Agência Senado sobre o assunto, com o link para acesso ao relatório do FMI – https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2017/08/07/fmi-destaca-criacao-da-instituicao-fiscal-independente

[14] A Resolução 42 foi um projeto inserido na chamada “Agenda Brasil”, do Senado Federal, tendo sido desenvolvida pelo então Presidente Renan Calheiros e pelo Senador José Serra, com apoio do corpo técnico do Senado, destacando-se o papel do servidor do Senado Federal Leonardo Ribeiro neste processo. Acesse aqui a íntegra da Resolução – https://legis.senado.leg.br/norma/582564/publicacao/17707278

[15] Ainda que, como resultado do trabalho, os parlamentares se beneficiem do trabalho, acessando os relatórios, dialogando com a equipe e o corpo diretivo da IFI sobre conjuntura, cenários etc.

[16] Matéria jornalística sobre a posse do 1º Diretor-Executivo e início das atividades da IFI – https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2016/11/30/diretor-executivo-da-instituicao-fiscal-independente-toma-posse

[17] Salto tem experiência em análise das contas públicas, tendo trabalhado em consultoria, academia e no Legislativo. Possui Mestrado em Administração Pública e Governo pela Fundação Getúlio Vargas (FGV) e experiência em docência na mesma instituição. Foi também Assessor Legislativo no Senado e, à época, havia publicado o livro “Finanças públicas: da contabilidade criativa ao resgate da credibilidade” (Editora Record, 2016. Prêmio Jabuti – 2017), junto com o economista Mansueto Almeida, ex-Secretário do Tesouro Nacional. Foi um dos primeiros economistas do mercado a falar sobre a chamada “contabilidade criativa”, ainda em novembro de 2009, em parceria com o ex-Ministro da Fazenda Mailson da Nóbrega. https://www.estadao.com.br/noticias/geral,contabilidade-criativa-turva-meta-fiscal,474130

[18] Matéria jornalística sobre a criação da IFI – https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2016/11/29/felipe-salto-e-aprovado-para-direcao-executiva-da-instituicao-fiscal-independente

[19] Vídeo da aprovação em plenário da primeira indicação à Diretoria-Executiva da IFI – https://www12.senado.leg.br/noticias/videos/2016/11/senado-aprova-indicacao-de-felipe-salto-para-diretor-da-instituicao-fiscal-independente

[20] Acesse aqui o Ato nº 10 e modificações feitas no mesmo ano, pelo Ato nº 18 – https://www12.senado.leg.br/ifi/sobre-1/copy_of_sobre

[21] O Relatório de Acompanhamento Fiscal (RAF) nº 1 pode ser acessado aqui – https://www12.senado.leg.br/ifi/publicacoes-1/relatorio/2017/fevereiro-de-2017/raf-relatorio-de-acompanhamento-fiscal-fev-2017

[22] Reportagem da Agência Senado sobre o primeiro relatório da IFI – https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2017/02/02/instituicao-fiscal-aponta-que-emenda-do-teto-de-gastos-nao-conseguira-tirar-pais-do-vermelho

[23] Acesse aqui o RAF nº 48 – https://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/583296/RAF48_JAN2021.pdf

[24] Vídeo sobre a 1ª coletiva à imprensa realizada pela IFI –  https://www12.senado.leg.br/noticias/videos/2017/02/instituicao-fiscal-independente-retomada-economica-depende-de-novas-medidas

[25] Leia aqui a íntegra do artigo – https://opiniao.estadao.com.br/noticias/geral,o-papel-da-instituicao-fiscal-independente,10000097557

[26] Esta Comissão foi alterada, desde a publicação da Resolução 42, mas a sua designação atual é esta: CTFC. A alteração implicou mudança no texto da Resolução 42, que pode ser vista no link indicado anteriormente, no texto compilado da norma.

[27] Gabriel Barros já era membro da equipe de analistas da IFI, com experiência em análise das contas públicas, no setor privado, em banco e no Instituto Brasileiro de Economia (Ibre) da FGV

[28] Rodrigo Orair é pesquisador do Ipea, com experiência na análise das contas públicas e da economia nacional, sobretudo no assunto sistema tributário nacional.

[29] Para fins da comparação apresentada na seção 4, não consideramos os estagiários, pois ainda em processo de formação.

[30] Veja os currículos dos Diretores e Equipe da IFI aqui – https://www12.senado.leg.br/ifi/sobre-1/copy_of_equipe

[31] Acesse aqui o Ato do Presidente do Senado Federal que criou o CAT – https://legis.senado.leg.br/diarios/ver/100325?sequencia=145#diario

[32] Os anais do evento inaugural podem ser encontrados aqui – https://www12.senado.leg.br/ifi/conselho/sobre-1

[33] Veja aqui o Memorando de Entendimentos – https://www12.senado.leg.br/ifi/publicacoes-1/apresentacoes-e-outros-documentos/2018/julho/memorando-de-entendimento-entre-o-national-assembly-budget-office-da-republica-da-coreia-e-a-instituicao-fiscal-independente-do-senado-federal-do-brasil

[34] Acesse aqui o documento apresentado em Seul – https://www12.senado.leg.br/ifi/publicacoes-1/apresentacoes-e-outros-documentos/2018/julho/the-creationand-operationof-theindependentfiscal-institutionof-thebrazilianfederal-senate-oecd

[35] Matérias sobre os quatro anos de atividades da IFI – 1. https://economia.estadao.com.br/noticias/geral,ifi-faz-parte-de-rede-global-de-monitoramento,70003533490 e 2. https://economia.estadao.com.br/noticias/geral,como-funciona-o-cao-de-guarda-das-contas-publicas,70003533476

[36] Veja o “IFI na Mídia”, em nosso site –  https://www12.senado.leg.br/ifi/

[37] Além disso, os membros da IFI publicaram, no período, 39 artigos de opinião em diferentes veículos.

[38] Durante algum tempo, a IFI publicava algumas análises tópicas dentro do próprio RAF, mas passou a criar produtos específicos para atender a esse objetivo.

[39] Os arquivos completos dos Relatórios de Acompanhamento Fiscal (RAF) podem ser acessados aqui – https://www12.senado.leg.br/ifi/relatorio-de-acompanhamento-fiscal

[40] Todos os Estudos Especiais (EEs) da IFI podem ser acessados aqui – https://www12.senado.leg.br/ifi/publicacoes-estudos-especiais.

[41] Comentários da IFI (CI) nº 9 – https://www12.senado.leg.br/ifi/publicacoes-1/comentarios-da-ifi/ci-comentario-da-ifi-no-9-consideracoes-sobre-o-teto-de-gastos-da-uniao

[42] O painel covid pode ser acessado aqui – https://www12.senado.leg.br/ifi/covid-19/painel-de-creditos-covid-19

[43] Acesse aqui para consultar o repositório da IFI – https://www12.senado.leg.br/ifi/dados/dados

[44] No canal da IFI, no YouTube, podem ser encontrados os vídeos das gravações dos webinários realizados em 2020 e outros vídeos elaborados pela instituição ou decorrentes de entrevistas – www.youtube.com.br/instituicaofiscalindependente.

[45] Veja aqui a íntegra do Estudo Especial nº 1 – https://www12.senado.leg.br/ifi/publicacoes-1/estudos-especiais/2017/marco-de-2017/estudo-especial-no-01-o-custo-fiscal-das-reservas-mar-2017

[46] Veja aqui a íntegra do Estudo Especial nº 10 – https://www12.senado.leg.br/ifi/publicacoes-1/estudos-especiais/2019-1/julho/estudo-especial-no-09-despesas-do-rpps-dos-servidores-civis-uniao-jul-2019

 

* Capítulo do livro Governança Orçamentária no Brasil, organizado por Leandro Freitas Couto e Júlia Marinho Rodrigues (Brasília: IPEA, 2021), disponibilizado em early view no site do IPEA.

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A inflação da pandemia da Covid-19 https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=3372&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=a-inflacao-da-pandemia-da-covid-19 Tue, 24 Nov 2020 11:39:34 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=3372 Por Roberto Macedo

No meu último artigo, há duas semanas, argumentei que o noticiário sobre as causas da maior inflação em 2020 é limitado, em prejuízo da compreensão desse assunto. Três aspectos são enfatizados: o forte aumento dos preços de alimentos, como o arroz e o óleo de soja, e de preços industriais, este atribuído a uma escassez de insumos utilizados pelo setor, e a taxa de câmbio, em reais por dólar, que subiu bastante neste ano.

Na análise econômica, usualmente se distingue uma inflação de custos, como a dos aspectos citados, cabendo explicar por que aumentaram. E há a inflação de demanda, que pode ocorrer, por exemplo, quando um banco central amplia consideravelmente a oferta monetária e/ou é adotada uma política fiscal que expanda com vigor os gastos públicos. Essas fontes de inflação podem atuar conjuntamente.

No artigo citado, enfoquei a inflação de demanda, muito importante por dois aspectos, o lado fiscal da política macroeconômica governamental e o lado monetário e creditício da mesma política. A política fiscal tornou-se fortemente expansionista. Entre outras razões, pela adoção do auxílio emergencial e por outros dispêndios para a saúde. Isso teve o seu lado monetário mais claro com o auxílio emergencial, pois foi pago em dinheiro ou creditado em contas, alcançando dezenas de milhões de pessoas.

Mostrei também números de grande dimensão reveladores desse impacto monetário gerador de demanda. O papel-moeda em poder do público aumentou 35% entre março e setembro de 2020, os depósitos bancários à vista cresceram 25%, segundo o Banco Central, e esses aumentos foram significativos se comparados com os verificados em 2019, sem a covid-19. Ressaltei ainda as contas de poupança, cujo saldo total aumentou 18% entre março e setembro de 2020, ou R$ 152 bilhões. Pela primeira vez ultrapassou a imensa cifra de R$ 1 trilhão.

Outra fonte, o Fundo Garantidor de Créditos, revelou que o aumento foi mais forte, de 55% (!), nas contas de saldo mensal até R$ 5 mil, indicando que parte do auxílio emergencial aí ficou. Essas contas são também utilizadas, em parte, como depósitos à vista. E esse uso cresceu muito em 2020. Por exemplo, no mês de outubro, os depósitos na poupança passaram de R$ 218,1 bilhões em 2019, para R$ 279,6 bilhões em 2020; e as retiradas, de R$ 218,4 bilhões para R$ 272,6 bilhões no mesmo período.

Ainda do lado monetário, houve também aumento considerável das concessões de crédito, de apoio a pessoas físicas e jurídicas. Segundo o Banco Central, o saldo da carteira de crédito livre aumentou expressivos 26,5% para pessoas jurídicas e 8,7% para pessoas físicas, entre setembro de 2019 e setembro de 2020.

Concluí afirmando que essa forte expansão dos meios de pagamento pesou e continuará pesando na inflação de 2020. Acrescento que essa expansão coincidiu com forte queda do produto interno bruto (PIB), que foi de 2,5% no primeiro trimestre 2020 e de 9,7% no segundo. Assim, o grande aumento dos meios de pagamento, revelador de um também amplo aumento da demanda, encontrou a oferta em queda por causa do menor PIB, provocando assim pressões inflacionárias.

A previsão da inflação em 2020, medida pelo IPCA do IBGE, continuou subindo nas duas últimas semanas, como ocorre ininterruptamente há 14, segundo o boletim semanal Focus, do Banco Central. O último boletim, da semana passada, previa 3,25%. Em 5/6/2020 a previsão era de 1,53%, e havia caído desde o início do ano. Ou seja, a previsão mais do que dobrou desde junho.

Recentemente, o Banco Central divulgou seu Boletim Regional trimestral, de outubro, que reconhece o efeito dos programas de transferência de renda sobre a inflação, conforme estes trechos: “A pandemia da Covid-19 tem influenciado a inflação e os preços (..,) desde março (…) a depreciação cambial, os programas de transferência de renda e o aumento dos gastos com alimentação no domicílio pressionaram os preços dos alimentos. (…) a análise evidencia inflação de alimentos mais elevada no Norte e no Nordeste, inclusive para a faixa de renda mais baixa, o que sugere algum efeito do auxílio emergencial (…), mais significativo nessas regiões, sobre a demanda desses produtos”.

Usando esse diagnóstico para especular quanto ao futuro da inflação, a pressão inflacionária terá uma queda neste e no próximo trimestre com a redução e eliminação do auxílio, mais a expansão do PIB, que voltou a crescer no terceiro trimestre deste ano, queda que poderá ser arrefecida se o dinheiro acumulado em 2020 nas contas de poupança, ou de outras formas, for usado para consumo.

Passando a outros fatores, se o governo federal não tomar nos próximos três meses medidas efetivas para reduzir sensivelmente o déficit fiscal, que aumentou enormemente em 2020, isso poderá contribuir para agravar as preocupações quanto ao financiamento da dívida pública, criando pressões sobre o câmbio e sobre as próprias expectativas de inflação, que também poderão contribuir para agravá-la.

Roberto Macedo é economista (UFMG, USP e Harvard), professor sênior da USP e membro do Instituto Fernand Braudel.

Artigo publicado no jornal O Estado de S. Paulo, em 19 de novembro de 2020.

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Inflação maior? Mais dinheiro circulando é causa muito importante https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=3359&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=inflacao-maior-mais-dinheiro-circulando-e-causa-muito-importante Tue, 10 Nov 2020 18:48:44 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=3359 Preços de alimentos, câmbio e escassez de insumos têm recebido mais atenção

 

Por Roberto Macedo

 

A inflação aumentou bastante com a chegada da Covid-19 e seus desdobramentos. O boletim semanal Focus, do Banco Central (BC), com previsões de analistas do mercado financeiro, mostrou na última sexta que a inflação vem crescendo há 12 semanas, e sua previsão para o IPCA de 2020 foi de 3,02%. Em 5/6/2020 a previsão era de 1,53%, e havia caído desde o início do ano.

 

Outro índice do Focus, o IGP-M, agrega três índices. Com suas participações, são eles o Índice de Preços ao Produtor, Amplo (60%), de produtos agropecuários e industriais, o Índice de Preços ao Consumidor (30%) e o Índice Nacional de Custo de Construção (10%). Pelo boletim do BC da sexta passada, o IGP-M vem subindo há 16 semanas, e desta vez a previsão para a anual de 2020 subiu para 20,23% (!). No Focus de 5/6/2020 a previsão era de 5,21%, e já havia começado a subir. O IGP-M é muito afetado pela taxa de câmbio e a nossa moeda se desvalorizou bastante neste ano.

 

Em geral, análises do aumento da inflação em 2020 vêm enfatizando três aspectos nele presentes. Os dois primeiros são o forte aumento dos preços de alimentos, como o arroz e o óleo de soja, e de preços industriais, atribuído a uma escassez de insumos utilizados pelo setor. O terceiro é a taxa de câmbio, conforme já mencionado.

 

Contudo a inflação é um fenômeno macroeconômico complexo em suas origens e na sua dinâmica. Usualmente se distingue uma inflação de custos, como a dos aspectos citados, mas cabe explicar por que tais custos aumentaram. E há a inflação de demanda, que pode ocorrer, por exemplo, quando um banco central amplia consideravelmente a oferta monetária e/ou é adotada uma política fiscal expansionista, particularmente se focar no consumo, e não em investimentos. Essas duas fontes de inflação podem atuar em conjunto.

 

No que se segue, focarei na inflação de demanda, que tem recebido atenção muito escassa, mas vejo como muito importante, em razão de dois aspectos, o lado fiscal da política macroeconômica governamental e o lado monetário e creditício da mesma política.

Do lado fiscal, como é sabido, a política governamental tornou-se fortemente expansionista, entre outras razões, pela adoção do auxílio emergencial e por outros dispêndios voltados para a saúde. Isso teve o seu lado monetário mais claro no caso do auxílio emergencial, pois foi pago em dinheiro ou creditado em conta, alcançando dezenas de milhões de pessoas.

 

Vejamos alguns números desses aspectos. E são de grande dimensão. O papel-moeda em poder do público aumentou 35% entre março e setembro de 2020, quando chegou a R$ 288 bilhões. Mas em 2019 o seu aumento relativamente a 2018 foi apenas de 5%. Recorrendo à mesma forma da comparação anterior, no caso dos depósitos bancários à vista, os números foram 25%, R$ 277 bilhões e 14%. A soma do papel-moeda com os depósitos à vista, conhecida como meios de pagamento, ou M1, também na mesma forma de comparação, mostrou estes números: 30%, R$ 565 bilhões e 9%. Esses dados são do BC e, como visto, mostraram aumentos significativos se comparados com os verificados em 2019, sem a Covid.

 

Outro caso interessante é o das contas de poupança. Ele confirma que parte do auxílio emergencial foi parar aí, além de seu saldo total ter crescido também por outras razões. Esse saldo total aumentou 18% entre março e setembro de 2020, ou R$ 152 bilhões, quando, pela primeira vez, ultrapassou a imensa cifra de R$ 1 trilhão. De outra fonte, o Fundo Garantidor de Créditos, soube que o aumento foi mais forte nas contas de saldo mensal até R$ 5 mil, em que chegou a 55% (!), consistentemente com a ideia de que parte do auxílio emergencial ali ficou.

 

O Banco Central não inclui a poupança entre os meios de pagamento, mas as contas desse tipo são também utilizadas, em parte, como depósitos à vista. Por exemplo, em setembro deste ano, quando o saldo total atingiu o recorde citado, houve depósitos de R$ 294 bilhões e saques de R$ 281 bilhões.

 

Do lado monetário, houve também aumento considerável das concessões de crédito, resultante de medidas tomadas em apoio a pessoas físicas e jurídicas. Segundo um relatório do BC, o saldo da carteira de crédito livre do sistema financeiro aumentou expressivos 26,5% para pessoas jurídicas e 8,7% para pessoas físicas, entre setembro de 2019 e setembro de 2020.

 

Como se percebe, houve forte expansão dos meios de pagamento ou, noutros termos, do dinheiro em circulação na forma de moeda e depósitos bancários, o que pesou e continuará pesando na inflação de 2020. Daí para a frente, se de fato o auxílio emergencial for suspenso e outros gastos com a Covid-19 forem significativamente reduzidos, ainda assim haverá recursos para gastos, incluídos os de segmentos mais pobres, e sabe-se que os de maior poder aquisitivo também pouparam mais. Isso poderá sustentar uma inflação mais alta por algum tempo, ainda que tendo como contrapartida um impacto favorável na recuperação da economia.

 

Roberto Macedo é economista (UFMG, USP e Harvard), professor sênior da USP e membro do Instituto Fernand Braudel.

Artigo publicado no jornal O Estado de S. Paulo, em 5 de novembro de 2020.

 

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A taxa de juros neutra e a convergência dos juros no Brasil https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=3350&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=a-taxa-de-juros-neutra-e-a-convergencia-dos-juros-no-brasil Wed, 28 Oct 2020 16:22:23 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=3350 Por Marcelo Kfoury Muinhos

 

  1. Introdução

Depois de controlar a inflação com o Plano Real em 1994, o Brasil ainda conviveu com juros altos por muito tempo, bem acima da média para países emergentes de renda alta. Porém em 2019, aparentemente os juros básicos da economia convergiram para zero.

Em setembro de 2020, quando estamos em um final do ciclo de flexibilização, a taxa básica de juros do banco central (taxa Selic) está em um nível recorde de 2%. A taxa de juros real efetiva (medida através do Swap 360-PreDI descontado pela expectativa de inflação de 12 meses à frente) atingiu -0,75% em junho de 2020, o nível mais baixo de todos os tempos, e estava no final de agosto ligeiramente abaixo de zero, como se pode ver no Gráfico 1. Dado que ainda há capacidade ociosa na economia, é possível que a taxa efetiva esteja abaixo da taxa de equilíbrio. Portanto, três questões que se seguem naturalmente: (1) qual é a taxa de equilíbrio? (2) é a política monetária de fato acomodatícia? (3) essa nova taxa de equilíbrio é conjuntural ou estrutural.

Gráfico 1 – Selic e Juros Reais

Dois papers sobre o assunto de minha coautoria foram postados no centro Macro-Brasil da FGV-EESP. O primeiro usando técnicas econométricas para calcular a taxa de equilíbrio e o segundo usando um modelo DSGE, que é um Equilíbrio Geral parcialmente estimado com uma abordagem econométrica Bayesiana e parcialmente calibrado.

Links dos papers:

https://eesp.fgv.br/sites/eesp.fgv.br/files/equilibriumrates3aprset20.pdf

https://eesp.fgv.br/sites/eesp.fgv.br/files/dsgejurosdeequilibriobrasil.pdf

No paper econométrico foi calculada também uma regra de Taylor para verificar se realmente é expansionista a política monetária vigente.

  • Resultados Econométricos

Na primeira abordagem, com base em Schulz (2019), combinamos abordagens estáticas e dinâmicas, começando com abordagens simples como a média da taxa de juros real de longo prazo, terminando em uma Regra de Taylor dinâmica dentro de um painel de efeito fixo em 27 países emergentes com estimação trimestral no período 1995-2019. Nesta abordagem, também incluímos uma regra de Taylor simples e um filtro Hodrick-Prescott.

Tabela 1 – Juros Neutros com diferentes Metodologias

 

Country Model Neutral Interest Rate (r*) for each period (% a.a.)
1995-1999 2000-2004 2005-2009 2010-2014 2015-2019 Média
Average RIR 0.0 2.7 0.5 0.1 0.9 0.8
MD LP 1.3 0.9 0.8 0.9 1.1 1.0
F.HP 2.2 2.1 0.5 0.2 0.8 1.2
TYL1 -0.3 2.2 0.1 0.3 0.7 0.6
TYL2 -4.0 1.9 -0.1 0.1 0.7 -0.3
PNL 23.1 3.1 2.2 2.9 1.2 6.5
Brasil RIR 7.0 9.5 8.2 4.0 4.1 6.5
MD LP 16.0 9.7 5.7 4.3 3.4 7.8
F.HP 15.8 11.7 7.6 4.2 3.8 8.6
TYL1 -12.3 8.2 6.9 4.9 1.5 1.8
TYL2 -33.4 8.2 6.6 5.6 0.3 -2.6
PNL 25.9 6.3 5.6 6.7 3.3 9.6
RIR: Real Interest Rate. MD LP: Long Run Average. F.HP: HP filter. TYL1: Taylor Rule 1. TYL2: Taylor Rule2. PNL: Panel with Dynamic Taylor Rule.

Fonte: Schulz (2019).

As últimas estimativas de taxas de juros baseadas nas regras de Taylor são negativas (-0,16% TYL1 e -0,78% TYL2). A taxa de juros com filtro HP declinou até 1,12%, mas o resultado do painel, que só pode ser extraído para todo o período 2015-2019, fica em 3,3% conforme mostra a Tabela 1.

A segunda abordagem é a versão simplificada da abordagem de Laubach Williams (2003) aplicada ao Brasil, quando consideramos apenas a taxa de juros de equilíbrio como uma variável de estado e o hiato do produto como exógeno. O processo consta de se estimar uma curva IS onde incluímos variáveis ​​fiscais e de crédito, como variáveis ​​explicativas no processo. Foi também adicionada uma variável de prêmio de risco na equação da taxa de juros de equilíbrio e apresentamos uma nova metodologia para calcular o hiato do produto.

O Grafico 2 apresenta os resultados das curvas de equilbrio de diversos modelos estimados e a tabela 2 apresenta os juros de equilibrio, dependendo do hiato do produto e dos prêmios de risco para o horizonte projetado. Se os CDS-5 anos se mantiver ao redor de 200 bps, a taxa de juros de equilíbrio ficaria entre 1 e 3% dependendo da medida de hiato do produto.

 

Gráfico 2 – Média dos Juros de Equilíbrio

 

Tabela 2 – Juros de Equilíbrio com Cenários de  Riscos e Hiatos

A terceira abordagem é uma atualização dos artigos de Goldfajn e Bicalho (2011), Perreli e Roache (2014) e Augusto (2018), estendendo o período de 2003 a 2020 para ter uma melhor visão das variáveis, ​​que permitiram a convergência dos juros reais para níveis baixos. Nessa metodologia são calculados os juros de longo prazo, que são mais estáveis e dos de curto prazo que são uma inversão da curva IS. A taxa de curto prazo flutua ao redor do de longo prazo devido a choques temporários.

 

Gráfico 3 – Juros de Equilíbrio de Curto e Longo Prazo

 

De acordo com as estimações de longo prazo, no segundo trimestre de 2020, a taxa de juros de longo prazo estava em 1,1% e a de curto prazo em 2,7%.

De acordo com a maior parte das estimações, a taxa de juros de equilíbrio do Brasil está em 2020 entre 1-3%, dependendo do cenário e da metodologia.

 

  • Avaliação da Politica Monetária

 

Nessa sessão é calculada uma regra de Taylor para o Brasil, que seria uma regra mecânica que aponta onde deveria estar os juros, dado o gap entre a expectativa e a meta de inflação, e responde também ao nível do hiato do produto.

 

Quando comparamos a taxa efetiva com a regra de Taylor e com a média das taxas Semi-Laubach-Williams, podemos notar os seguintes fatos estilizados, como podemos ver na Gráfico 4:

– Em 2012, a taxa real efetiva ficou abaixo da regra de Taylor e também da taxa média.

– No período 2014-2016, a taxa efetiva foi significativamente superior a ambas as taxas, o que pode ter agravado a recessão no período.

– Desde 2019, a taxa efetiva está significativamente abaixo da média e ligeiramente acima da taxa de Taylor, o que significa uma política monetária expansionista nos últimos tempos.

– A taxa de juros real com base nesta estimativa da regra de Taylor deve estar no 20T3 em -0,8%, portanto, mais baixa do que a efetiva, significando que se fossem olhados apenas a inflação e o hiato, a Selic poderia estar ainda mais baixa.

 

Gráfico 4 – Regra de Taylor, Juros Efetivos e Juros Neutros

 

  • Politica Monetaria Expansionista: Conjuntural ou Estrutural

 

A comunicação do Banco Central tenta passar a mensagem de que a política monetária será acomodatícia no curto e médio prazos, pois a projeção de inflação para 2021 ainda está confortavelmente abaixo da meta. Esta mensagem é em linha com  o resultado da minha estimativa da regra de Taylor. Mas a orientação futura da politica monetária depende do cenário fiscal.

 

O melhor para determinar o risco país não é mais o CDS-5Y, mas a inclinação da estrutura a termo da taxa de juros. Porque o risco não está na dívida externa e sim na interna.

 

A inclinação é de 4pp quando se compara 6 meses com 5 anos e 5 pp entre 6 meses e 10 anos. Em janeiro, antes da pandemia atingir o Brasil, a inclinação era de 2 pp. No longo prazo, o yield de 10 anos é maior agora do que em janeiro, antes do ciclo de afrouxamento provocado pela pandemia. Pode se notar  no Gráfico 5, que a inclinação aumentou desde julho cerca de 80 bps e o CDS-5 anos é quase o mesmo, estando num patamar de 220pbs.

 

 

Gráfico 5 – Estrutura a Terma da Taxa de Juros

 

Então o primeiro grande risco para o cenário de inflação, na minha opinião, é o fiscal. Sendo que o resultado fiscal não é ortogonal à política monetária, podemos discutir se o Banco Central cortou excessivamente a Selic.

 

Os descontos nas LFTs também são um sinal de que o mercado não está 100% confortável com a Selic a 2%. Não vou aprofundar nos detalhes técnicos dos leilões, mas desde 2002 não temos visto o Tesouro ter dificuldade em vender títulos. O perfil da dívida encolheu muito, colocando muita pressão nas renovações da dívida no próximo trimestre. São R$600 bilhões de reais para rolar no primeiro trimestre.

 

Outro risco para a política monetária é o crescimento desigual da economia pós pandemia.

 

Vemos as vendas no varejo e o setor industrial tendo alta significativa e já superando o nível pré-pandemia, mas o setor de serviços com recuperação bem mais modesta.

 

O número da inflação está refletindo esse comportamento dual e ainda por cima temos um choque em alimentos e matéria-prima causado pela China, produzindo uma pressão enorme nos preços no atacado, colocando os IGPs a subirem ao redor de 20% no acumulado de 12 meses.

 

Até o momento, esse cenário não contaminou a projeção de inflação para 2021, embora tenhamos visto uma grande revisão neste ano. Há alguns meses, a maioria dos seguidores do Copom estava prestes a dizer, que o presidente do Banco Central teria de escrever uma carta aberta ao ministro da Fazenda, porque a inflação romperia o intervalo das metas de inflação por baixo. Parece que não é mais o caso, sendo que a expectativa de inflação para 2020 já está acima de 3%.

Por enquanto, esse repasse dos preços no atacado para o varejo já está acontecendo, mas em ritmo moderado, dado o peso dos preços dos serviços na inflação em torno de 35% e a recessão. Além dos preços dos itens monitorados que também estão ajudando a manter a inflação sob controle.

Porém, se tivermos outra rodada de depreciação do real, devido a um deslizamento fiscal ou a uma aceleração no setor de serviços, nivelado com outros setores, o repasse aumentará e afetará a expectativa de inflação nos próximos anos e será o fim da politica monetária expansionista.

 

 

Marcelo Kfoury Muinhos é professor e coordenador do Centro Macro-Brasil da FGV-EESP, PhD em economia pela Cornell University.

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Assim não vale https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=3307&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=assim-nao-vale Tue, 18 Aug 2020 17:15:43 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=3307 Sem mudanças que permitissem queda das despesas obrigatórias, teto só serviu para gerar impasse

 

Conta-nos Machado de Assis que a herança de Quincas Borba era composta de casas, escravos, apólices, ações do Banco do Brasil, joias e dinheiro. Na estimativa de Raymundo Faoro (em Machado de Assis: A Pirâmide e o Trapézio), o legado era da ordem de 300 contos, “com renda certa e permanente de 18 contos anuais, o que o fazia dançar na rua e provocava sonhos com o Oriente”. Bem, isso equivale a 6% de juros ao ano, o que mostra que a inclinação brasileira por juros altos não vem de hoje. Nos últimos 20 anos, a média dos juros reais, considerando a taxa Selic e o IPCA para períodos de 12 meses, ficou até um pouco acima disso, 6,3%. No cálculo ex-ante, ou seja, considerando juros prefixados de um ano contra a expectativa de inflação, a taxa ficou menor, 4,4% ao ano. Há muito que esperamos a queda dos juros. Agora ela chegou. Olhando para a frente, desde março último as taxas reais de um ano são negativas. A inflação desabou. Os juros caíram ainda mais.

Por que temos juros tão baixos? Analistas mais entusiasmados vinculam a trajetória da Selic, que veio de 14,25% em agosto de 2016 aos atuais 2%, à confiança dos mercados nas juras de amor do governo à austeridade fiscal. A aprovação da proposta de emenda constitucional (PEC) que limita os gastos públicos foi sacramentada no final de 2016. O corte dos juros básicos começou em outubro de 2016 e seguiu quase monotonicamente até março de 2018, quando estacionou em 6,5% por 16 meses. Mas parece ser equívoco atribuir à PEC do teto a queda dos juros.

Os juros caíram no rastro da queda da inflação, puxada, em grande parte, pelo comportamento dos preços agrícolas. Entre agosto de 2016 e dezembro de 2017, o item Alimentação no Domicílio do IPCA despencou de uma variação anual de 16,8% para uma deflação de 4,9% e seguiu negativo até junho de 2018. O subitem Cereais, leguminosas e oleaginosas fez mais: caiu de uma variação de 65% em agosto de 2016 para uma deflação de 24% em dezembro de 2017. Custa crer que o preço das abobrinhas foi comandado pela confiança do mercado na austeridade fiscal.

Os juros hoje são historicamente baixos porque vivemos uma recessão histórica. Em 2020, os gastos do Tesouro explodiram e empurraram a dívida pública para perto de 100% do PIB, enquanto o teto ameaça desabar a cada dia. Ainda assim, as taxas de juros prefixadas de cinco anos estão menores do que no final de 2019, quando 2020 ainda era uma doce ilusão. Pelas estimativas do mercado, o PIB per capita do ano passado (que foi menor que o de 2010) só vai ser superado em 2024. A população ocupada caiu de 94,4 milhões, em dezembro, para 83,3 milhões, em junho último.

O que nos aguarda é uma agônica recuperação, entremeada por espasmos convulsivos provocados pela crise política. O compromisso com o teto de gastos, nesta altura, vale pouco. A agenda fundamentalista pautada pela austeridade fiscal a qualquer custo do ministro Paulo Guedes conflita com as prioridades do presidente. A ameaça do impeachment ronda o Palácio do Planalto e o apoio do Centrão servirá para comprar a sobrevivência de Jair Bolsonaro, não para impulsionar uma agenda de reformas liberais que nem sequer está proposta e carece de apoio, mesmo dentro do Executivo.

Com o aumento da aprovação ao governo, no rastro do auxílio emergencial, Bolsonaro sentiu o gosto de sangue do populismo. A PEC do teto, hoje se percebe, era uma armadilha. Temer teria feito melhor se tivesse encaminhado mudanças que permitissem a queda das despesas obrigatórias. Sem isso, o teto serviu apenas para gerar o impasse que vivemos. A conquista dos juros baixos foi muito cara. Custou retrocesso econômico e desemprego em massa. Mais uma vitória destas e o Brasil está perdido.

 

 

Luís Eduardo Assis é Economista, foi diretor de política monetária do Banco Central e professor de economia da puc-sp e da fgv-sp. E-mail: luiseduardoassis@gmail.com 

Artigo publicado em O Estado de S. Paulo, em 17 de agosto de 2020.

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O que são as taxas de juros reais negativas? https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=3289&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=o-que-sao-as-taxas-de-juros-reais-negativas Fri, 31 Jul 2020 23:57:34 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=3289 Antes de discutir juros reais negativos, cabe esclarecer o que são juros reais. Os economistas distinguem a taxa de juros nominal da taxa de juro real. A primeira é a taxa, por período de tempo, negociada em transações como empréstimos e investimentos financeiros. Por exemplo, a poupança rende 70% da taxa Selic, a taxa básica de juros fixada pelo governo, em termos nominais, mais a chamada Taxa Referencial (TR), que se encontra zerada há tempos. A Selic está em 2,25% ao ano e 70% disso equivalem a 1,575% ao ano, ou 0,13% ao mês. Para chegar à taxa real, por exemplo, compara-se esta taxa com a da inflação mensal, usualmente a medida pelo IPCA, do IBGE. Ela foi de 0,26% em junho. Ou seja, se comparada com a inflação deste último mês, a poupança teve taxa de juros real negativa.

Mas vale lembrar que em abril e maio as taxas do IPCA foram negativas, -0,38% e -0,31%, respectivamente, e o ganho da poupança foi claramente positivo nesses dois meses. Ademais, a previsão do IPCA para agosto é de 0,10%, segundo o Relatório Focus, do Banco Central, de 24/7/20, que coleta semanalmente as previsões do mercado, o que daria outro ganho real para a poupança se a Selic permanecer como está e essa previsão de inflação se verificar.

Como ficamos? É interessante comparar taxas mensais, mas como a inflação oscila de um mês para o outro, cabe uma perspectiva de maior prazo, como a do rendimento nominal e na inflação acumulada em 12 meses. Olhando à frente, o mesmo Boletim Focus previa uma Selic de 2% ao ano, no final deste ano, e 70% disso seriam 1,4%. Também previa uma inflação anual de 1,67% até o final do ano. Ou seja, isso acontecendo, supondo um período de 12 meses em que a Selic e a inflação permanecessem nesses valores, a inflação ficaria acima do ganho da poupança, ou seja, levando a juros reais negativos.

Agora farei uma comparação da poupança com fundos de investimento de renda fixa de longo prazo que rendam 100% da Selic, ou do chamado CDI, que é bem perto da Selic. Aí entram duas complicações nos fundos: a taxa de administração e o imposto de renda. Fazendo cálculos com a Selic atual, de 2,25%, uma taxa de administração de 1% ao ano sobre o saldo da aplicação e um IR de 15% (para quem manteve a aplicação por mais de 2 anos), a remuneração líquida do fundo seria de 1,063% ao ano, ou seja, bem pior do que a da poupança, que seria de 1,575% ao ano.

O que fazer? É preciso manter algum dinheiro em renda fixa, para atender a necessidades imprevistas. Para não perder muito nesses fundos de investimento, seria preciso encontrar uma taxa de administração de 0,5%. Se não, é melhor ficar na poupança, sem a taxa de administração e IR, para pessoas físicas. E há aplicações que não têm taxas de administração, a exemplo dos CDBs (Certificados de Depósitos Bancários), nos quais os bancos, principalmente os pequenos, costumam oferecer taxas maiores do que a do CDI ou da Selic. Mas veja sempre se há a cobertura do Fundo Garantidor de Crédito, que garante investimentos até R$ 250 mil. Como todas essas questões envolvem muitos cálculos, sugiro usar a do Calculadora do Cidadão, disponível no site do Banco Central (www.bcb.gov.br), em particular a opção valor futuro de um capital, que permite passar de taxas anuais para mensais.

 

Roberto Macedo é Economista pela FEA-USP, doutor pela Harvard University e membro do Instituto Fernand Braudel de Economia Mundial.

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Sob Tombini, o Copom foi mais “pombo” ou mais “falcão”? https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=2838&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=sob-tombini-o-copom-foi-mais-pombo-ou-mais-falcao https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=2838#comments Mon, 22 Aug 2016 13:02:22 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=2838 Introdução

Em junho de 2016, Ilan Goldfajn tomou posse como novo Presidente do Banco Central, após cinco anos e meio de presidência de Alexandre Tombini. O Comitê de Política Monetária (Copom) durante a presidência de Tombini é um interessante objeto de estudo porque, desde 2012, os votos de seus membros passaram a ser de conhecimento público, com o advento da Lei de Acesso à Informação (LAI). O período também é de especial interesse por a taxa de inflação ter sempre ficado acima da meta, atingindo quase 11% em 2015, gerando acusações de que a política monetária era demasiado influenciada por interesses políticos do Planalto e do partido da Presidenta afastada.

Este texto se propõe a analisar o comportamento do Copom entre 2012 e 2016 como colegiado, sem se aprofundar em discussões mais técnicas sobre a política monetária (discutida recentemente no blog aqui). Em especial, analisamos como os diretores participantes do Copom se situam em um espectro pombo-falcão. Simplificadamente, em economês, a postura de um pombo (dove) é a de uma política monetária mais frouxa, expansionista (juros menores, associado a maior crescimento do PIB no curto prazo, com inflação maior) e a de um falcão (hawk) é a de uma política monetária mais restritiva (juros maiores, inflação menor). Em uma visão mais simplista, o pombo é associado a um voto de esquerda, enquanto o falcão a um de direita.

Exemplos de exercícios desse tipo para o Federal Reserve (FED), a autoridade monetária norte-americana, são apresentados nas Figuras 1 e 2, abaixo.

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Uma escala pombo-falcão

Para gerar uma escala semelhante para o Banco Central do Brasil, usamos um modelo espacial de votação (introduzido no blog em um estudo sobre o Supremo Tribunal Federal). Por meio de um estimador de máxima verossimilhança, o modelo apresenta em um gráfico, dentre N possibilidades de pontos ocuparem um espaço, a que melhor reproduz uma amostra de votações. Na aplicação, cada ponto representa um dos diretores do Banco, que votam no Copom. Quanto mais distante um ponto estiver ponto do outro, mais um diretor divergiu de outro.

Entre maio de 2012 (primeira reunião com dados disponíveis pela LAI) e junho de 2016 (última reunião de Tombini), foram realizadas 33 reuniões (votações), que compõem a amostra usada.

Como as votações do Copom têm uma única decisão (qual direção deve tomar a taxa de juros), a interpretação do espaço em que os diretores estão é simples: a inclinação em reduzir ou aumentar os juros (ou uma escala pombo-falcão). Nesta aplicação, quanto mais à direita estiver uma coordenada, mais inclinado a votar pelo aumento dos juros esteve um diretor (falcão).

O resultado é apresentado na Figura 31.

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A Figura 3 representa adequadamente 99,4% dos votos da amostra (310 de 312), sugerindo que a escala pombo-falcão captura bem o comportamento do Copom. Em uma escala (relativa) de 0 (mais pombo, dovish) a 1 (mais falcão, hawkish), os diretores se posicionam da seguinte forma:

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Comentários

Existem questões interessantes que pesquisas futuras podem explorar. Pela Figura 3, Tombini, além de ter um voto de minerva na diretoria, surge como o votante mais próximo de um mediano – votante que tende a ser mais decisivo e aparecer com maior frequência compondo a maioria (ou seja, vencendo)2. Poder-se-ia especular se isso é resultado de Tombini ser influente (considerando que o voto seja “sincero”) ou que busca integrar a maioria (considerando queo o voto seja “estratégico”).

Outro ponto interessante é o fato da maioria dos diretores estar na parte mais “pomba” (dovish) do espectro, com exceção de Anthero Meirelles, Carlos Hamilton e Sidnei Marques, em um período em que a inflação esteve sempre acima da meta. Este resultado dá fôlego aos defensores da tese de independência do Banco Central (discutida aqui).

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Ainda, pesquisa futura pode discutir também o papel das indicações dos presidentes Lula e Dilma na política monetária: visualmente, há concentração de diretores indicados por Dilma na “metade” pomba do espectro, embora o indicador de 0 a 1 da Tabela 1 seja 10% mais falcão para os diretores indicados por ela3.

Também é de interesse entender porque o Copom é um colegiado com relativo pouco dissenso, especialmente em um período em que a política monetária esteve cercada de tanta controvérsia. Uma hipótese é que o colegiado gostaria de projetar em suas decisões a imagem de convergência. A Figura 4, abaixo, expande o espectro da Figura 3 para mostrar toda a possível gama de divergência que poderia ter havido, e não houve, no colegiado.

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Por fim, novos estudos podem analisar o padrão de votação de acordo com cada diretoria do Banco. É comum que um mesmo diretor ocupe diretorias diferentes em períodos diferentes. Há diferença no padrão de votação de um diretor que muda, por exemplo, da Diretoria de Normas para a de Política Monetária? Uma composição do Copom mais típica de uma autoridade monetária (“Banco Central puro”), descartando a participação de diretorias afetas à regulação ou à administração interna do órgão, traria resultados diferentes na condução da política monetária?  O acesso a dados de votações anteriores à LAI pode sugerir também eventuais estratégias que passaram a ser usadas após a obrigatoriedade da publicação, em especial de sinalizações ao mercado ou a atores políticos.

Para o futuro, as sinalizações dadas publicamente pela nova diretoria vão ao sentido de uma política monetária menos expansionista, o que migraria a média do Copom para à direita, com menos pombos e mais falcões.

 

Este texto é baseado na apresentação do working paper “A Map for COPOM: consent and dissent between 2012-2016 na UnB em junho de 2016 (First International Workshop in Economics & Politics – FIWEP/
Fourth Annual Meeting of the Economics and Politics Research Group)

 

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1 Não houve amostra suficiente para estimar pontos para os diretores Tony Volpon e Otávio Ribeiro Damaso, por isso são apresentadas coordenadas somente para Sidnei Corrêa MARQUES, Carlos HAMILTON Vasconcelos Araújo, Anthero de Moraes MEIRELLES, Alexandre Antonio TOMBINI, Aldo Luiz MENDES, Altamir LOPES, Luiz Edson FELTRIM e Luiz AWAZU Pereira da Silva.

2 Não há de fato um mediano, pelo número par de votantes.

3 0.45 (Dilma) a 0.40 (Lula). Awazu, com indicador 0,  foi indicado por Lula, puxando a média para baixo.

 

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A desvalorização do real será suficiente para tirar o Brasil da crise? https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=2813&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=a-desvalorizacao-do-real-sera-suficiente-para-tirar-o-brasil-da-crise https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=2813#comments Mon, 04 Jul 2016 12:35:40 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=2813 A se confirmarem as expectativas, o biênio 2015/16 trará uma queda acumulada do PIB de 7,5%, ou quase 10% em termos per capita. Em que pese mudanças de metodologia ao longo do tempo, esta será, certamente, a maior retração da economia brasileira, no mínimo, no período Pós-Guerra. Há uma crise de confiança, que vem impedindo a economia de reagir: desconfiança em relação à sustentabilidade das contas públicas, à evolução da inflação e ao apoio político que o presidente (seja o presidente interino, seja a presidente afastada) conseguirá obter.

Em grande parte decorrente dessa crise de confiança (sem ignorar problemas externos), houve significativa depreciação do real nos últimos anos: entre o primeiro semestre de 2014 (cotação média de R$ 2,30) e os primeiros cinco meses de 2016 (cotação média de R$ 3,70), o real depreciou-se em mais de 60%. Será que essa mudança de preços relativos será capaz de estimular nossa economia e tirar o País da crise?

Vários analistas acreditam que sim. Segundo esse argumento, há uma capacidade ociosa decorrente de escassez de demanda. A depreciação cambial torna nossas exportações mais competitivas, bem como incentiva a produção de nossa indústria substituidora de importações. O aumento da produção industrial irá, aos poucos, aumentando o nível de emprego, gerando renda que se reverterá em consumo, estimulando outras atividades, até que a economia retorne aos trilhos do crescimento.

Entendemos que esse raciocínio esteja correto até certo ponto. Concordamos que o câmbio poderá contribuir para ocupar a capacidade ociosa atualmente existente. Mas, além de fricções importantes, no longo prazo, o atual modelo de econômico, que gera baixa poupança, é incompatível com câmbio depreciado e altas taxas de crescimento. Seguem os argumentos.

Em primeiro lugar, conforme frequentemente divulgado1, o Brasil é muito fechado, de forma que o setor externo, mesmo crescendo bastante, teria pouca capacidade de alavancar a economia como um todo. Seria como esperar que o rabo abanasse o cachorro. Há também fatores conjunturais que podem dificultar o avanço de nossas exportações, como o menor crescimento do comércio internacional observado nos últimos anos.

O maior problema que vemos, contudo, é que a recuperação da atividade teria de vir via indústria. Temos dois grandes setores exportadores. Um é o produtor de commodities, no qual temos vantagens comparativas. Uma depreciação cambial certamente contribuirá para aumentar as exportações do agronegócio, mas, em larga medida, esse impacto tende a ser de menor importância. Mesmo porque, nossa taxa de câmbio é fortemente influenciada pelo preço internacional de commodities, de forma que há uma correlação negativa entre esse preço e o valor do real. Assim como a apreciação cambial de meados da década passada até o início desta foi, em parte, causada pelo boom de commodities, a depreciação recente também está associada à deterioração de nossos termos de troca (sem prejuízo do impacto causado por erros da política econômica). Dessa forma, o preço em reais recebido pelos exportadores de commodities tende a flutuar bem menos do que a taxa de câmbio.

O outro setor com potencial de exportação é a indústria de transformação. Em nosso entendimento, o principal obstáculo para que a depreciação cambial leve ao crescimento sustentável da economia é o fato de o Brasil adotar um modelo de baixa poupança, que impõe sérios limites ao crescimento da indústria de transformação.

Não iremos discutir aqui por que nossa taxa de poupança é baixa, mas cabe mostrar os principais números2. Em 2015, a taxa de poupança doméstica (que constitui a soma da poupança do governo e com a do setor privado) atingiu o mínimo da década, 14,4% do PIB. Desde 2010, a maior taxa observada ocorreu em 2011, quando atingiu 18,5% do PIB3. Para se ter uma base de comparação, de acordo com o World Economic Outlook de abril de 2016, publicado pelo Fundo Monetário Internacional (FMI), em 2015, a taxa média de poupança dos países emergentes foi de 31,4%. Na América Latina era de 17,6%4 e, na Ásia emergente, de 41,5%, não por acaso, a região que cresce mais rapidamente no mundo!

É possível que, superadas algumas rigidezes de curto prazo, a indústria de transformação cresça, ocupando a capacidade ociosa existente. Mas, uma vez que a economia passe a operar com plena capacidade, as perspectivas de crescimento são mínimas. Uma economia de baixa poupança implica baixo nível de investimento para a economia como um todo. Mostraremos agora que isso é particularmente verdadeiro para a indústria de transformação.

Para entender porque o modelo pró-consumo/baixa poupança tende a desestimular investimentos, devemos observar o movimento dos preços relativos. Quando os gastos da economia superam a sua produção, a única forma de atender ao excesso de demanda é importando. Havendo condições externas favoráveis (leia-se, com o mundo disposto a financiar o Brasil), os preços relativos se movimentam na direção de garantir que o real se valorize, tornando as importações mais baratas. A apreciação do real se dá por meio de mudança nos preços relativos entre bens comercializáveis – chamaremos, para simplificar, de bens industriais – e de não comercializáveis, que chamaremos, também para simplificar, de serviços. Não trataremos aqui do setor produtor de commodities5, que também são comercializáveis, porque, conforme já comentamos, o Brasil apresenta enormes vantagens comparativas em sua produção, de forma que, mesmo havendo apreciação da taxa de câmbio, o País permanece competitivo e mantém elevados níveis de exportação.

Se a demanda aumenta além da capacidade de oferta da economia, a tendência é o preço dos serviços subir mais rapidamente do que o da indústria. Afinal, por não serem comercializáveis, os serviços não sofrem concorrência externa. Quando o preço dos serviços sobe (em relação ao dos bens industriais), os fatores produtivos se dirigem para o setor, fazendo com que sua participação no PIB aumente, à custa da participação da indústria de transformação. O Gráfico 1 mostra a evolução dos preços relativos (mensurada pela relação entre o deflator implícito da indústria de transformação/deflator implícito do setor serviços) e a participação da indústria de transformação no PIB.

Gráfico 1: Evolução da participação da indústria de transformação no PIB e de seu preço relativo, 2001 a 2015.

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Entendemos que a direção de causalidade vai no sentido de variação dos preços relativos alterar a participação da indústria no PIB. Portanto, para entender o atual (fraco) desempenho da indústria de transformação, é importante ver como os preços relativos evoluíram nos anos recentes e por quê.

A queda dos preços relativos a partir de 2011 decorre da política de expansão de gastos e da baixa taxa de poupança, em um contexto de forte liquidez internacional de capitais, que viabilizaram o déficit crescente no balanço de pagamentos.         Conforme o Gráfico 2 mostra, o período de forte queda de preços relativos, entre 2010 e 2014, foi acompanhado de aumento substancial no déficit em transações correntes.

Gráfico 2: Saldo em transações correntes (em USD milhões) e preço relativo da indústria de transformação (base 2010 = 100), 2000 a 2015.

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O movimento de alteração de preços relativos se reverteu em 2015. Entretanto, conforme mostrou o Gráfico 1, a indústria de transformação ainda não reagiu e continuou vendo reduzir sua participação no PIB. Não seria de se esperar que, com a depreciação cambial, a indústria de transformação reagisse?

A resposta seria afirmativa se a depreciação cambial implicasse mudança de preços relativos. Em verdade, a relação de preços comercializáveis/não comercializáveis é a mensuração correta da taxa de câmbio, se o objetivo é avaliar as condições de competitividade da indústria. O Gráfico 2 mostrou que houve, de fato, uma pequena melhora nos preços relativos em 2015 (3,5%), mas foi substancialmente inferior à depreciação cambial (acima de 30%, em termos nominais, comparando média de um ano em relação ao ano anterior, ou de quase 20%, quando se deduz, da depreciação nominal, a inflação medida pelo IPCA)6.

Esse comportamento dos preços relativos é, em certa medida surpreendente, porque, para uma economia sem imperfeições de mercado, o preço dos bens comercializáveis deveria se igualar ao preço internacional convertido na moeda doméstica. Com a forte depreciação cambial ocorrida, deveríamos esperar, portanto, que o preço dos produtos industriais se elevasse fortemente em relação ao dos serviços. Como isso não ocorreu, ou seja, como a inflação dos produtos industriais foi bem mais baixa do que a depreciação cambial, podemos concluir que esse setor não é tão comercializável como se poderia supor a priori. Há fricções que impedem o ajuste dos preços domésticos.

Essas fricções podem decorrer de vários fatores. As empresas podem ter “desaprendido” a exportar. Ao contrário do setor de commodities, que fornece um bem homogêneo, a indústria precisa convencer seus potenciais compradores que seu produto é melhor do que o do concorrente. Muitas vezes a exportação só é viabilizada se vier acompanhada de financiamento, o que está muito difícil diante da atual conjuntura, com dificuldade de ampliação dos créditos do BNDES e elevação do risco Brasil, que encarece o empréstimo de empresas brasileiras no exterior. É também necessário organizar a logística, que envolve não somente os contratos de transportes, seguros, etc, como também lidar com as burocracias, do Brasil e do país importador.

Outros fatores que vêm impedindo a retomada da produção industrial para exportação incluem a depreciação cambial que também alcançou nossos vizinhos latino-americanos (ainda que em menor escala do que o Brasil), importantes importadores de nossa indústria. Adicionalmente, há evidências anedóticas de que algumas empresas estavam com estoques elevados ou que estavam presas por contratos de importação em vigor quando se iniciou esse ciclo de depreciação do Real. Essas empresas estariam reduzindo os estoques, mas, em função da crise econômica, esse processo está mais lento do que o esperado. A crise, portanto, tem dificultado a alteração de preços relativos por meio de dois canais: dificuldade para redução de estoques e dificuldade para repassar o aumento de custos para os consumidores.

Por fim, o processo de sucateamento pela qual passou a indústria nacional nos últimos anos traz consequências mais fortes para o futuro, além daquela já mencionada de terem desaprendido a exportar. Aumentar a produção para exportar requer investimentos, e ninguém quer investir diante do clima de insegurança que existe, tanto em relação à capacidade de o governo pagar a dívida, quanto em relação à política monetária. O fortalecimento do dólar pode vir a ser acompanhado de aumentos da inflação, em uma escalada inflacionária como a da década de 1980, que anula a depreciação do câmbio real ocorrida nos últimos dois anos.

Dessa forma, nossas perspectivas para o setor exportador, em particular para a indústria, é que há espaço para crescimento no médio prazo, à medida que algumas fricções sejam suavizadas e que se ocupe a capacidade ociosa. Com ou sem escalada inflacionária, o mundo está menos disposto a financiar o Brasil, o que significa que, por um bom horizonte, deveremos nos adaptar a conviver com déficits em transações correntes mais baixos. Isso implica real mais depreciado.

Somos, entretanto, céticos em relação à possibilidade de o setor exportador puxar a economia, permitindo-a sair da recessão e atingir novos patamares de crescimento, a exemplo do que ocorre no Leste Asiático. Sem alterações profundas nas contas públicas ou no comportamento do setor privado, que levem à maior taxa de poupança, o crescimento concomitante da indústria de transformação e das exportações é contraditório. Para a indústria (e o país) crescer, é necessário investir. Com baixa taxa de poupança doméstica, o investimento somente será viabilizado com déficits substanciais em conta corrente. Mesmo que o mundo esteja disposto a financiar perenemente tais déficits, eles somente ocorrerão se houver uma mudança de preços relativos em favor dos bens não comercializáveis, ou seja, em detrimento da indústria. Mas, sem preços relativos favoráveis, a indústria não será competitiva, e não poderá crescer.

Sendo assim, o máximo que se pode esperar da atual depreciação cambial é que ela permitirá que a indústria cresça no curto prazo, ocupando a capacidade ociosa existente. Uma vez ocupada, a tendência será o país voltar a crescer às taxas medíocres que vinha crescendo antes da crise, entre 0% e 2%, que é uma estimativa para o nosso PIB potencial.

Apesar de ser de difícil mensuração, há evidências muito fortes de que a taxa de crescimento do PIB potencial está abaixo de 2%. O ano de 2014 foi emblemático para corroborar essa conclusão: o País já vinha de períodos de crescimento medíocre (o crescimento anual médio no primeiro governo Dilma foi de 2,2%); a Utilização da Capacidade Instalada, medida pela Fundação Getúlio Vargas, situou-se acima da média histórica (83,3% ante 81,6%); a taxa de desemprego atingiu o mínimo histórico em dezembro daquele ano (4,3%); e o País se encontrava em vias de sofrer racionamento de água e energia. Ou seja, os fatores de produção estavam plenamente ocupados e, ainda assim, a economia cresceu apenas 0,1% em 2014. Esse resultado, aparentemente paradoxal, só pode ser explicado se a taxa de crescimento potencial da economia for igualmente baixa.

Dessa forma, a retomada das exportações pode ajudar o País a ocupar a atual capacidade ociosa. Mas isso significa voltar a crescer a taxas medíocres, de até 2% ao ano. Para que o País possa crescer a taxas mais elevadas de forma sustentável, será necessário implementar reformas estruturais que alterem o modelo econômico atualmente adotado, na direção de aumento da poupança pública e de menor intervenção no setor privado.

 

Este artigo é um resumo da seção final do capítulo intitulado “A crise atual: razões e perspectivas de recuperação via ajuste cambial”, publicado no livro “O Dia do Juízo Fiscal”, que também contou com a co-autoria de Marcos José Mendes. O livro foi apresentado no Fórum Nacional, patrocinado pelo Instituto Nacional de Altos Estudos, em maio de 2016, no Rio de Janeiro, e está disponível para download em http://www.raulvelloso.com.br/o-dia-do-juizo-fiscal/

 

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1 Ver http://www.dgabc.com.br/Noticia/1554042/setor-externo-tem-pouco-potencial-como-alavanca-do-pib-diz-economista-da-fgv e http://exame.abril.com.br/economia/noticias/com-dolar-tao-alto-as-exportacoes-podem-salvar-o-brasil. Esses textos mencionam outros aspectos que podem reduzir o impacto do câmbio sobre a recuperação da economia, como a depreciação de outras moedas frente ao dólar.

2 O leitor interessado poderá ler o artigo original.

3 O IBGE revisa frequentemente as estatísticas do PIB e, para a taxa de poupança, apresenta dados que retroagem somente até 2010. Segundo as estatísticas mais recentes, do 1º trimestre de 2016, a taxa de poupança em 2011 havia sido de 18,5% do PIB.

4 Esse valor está influenciado pela baixa taxa de poupança brasileira. Se supusermos que nosso PIB corresponde a cerca de 30% do PIB latino-americano, a taxa de poupança do continente seria em torno de 19%, se excluirmos o Brasil.

5 Em verdade, parte importante das commodities é formada por bens industrializados ou semi-industrializados, como o aço, farelo de soja, açúcar e o suco de laranja.

6 Esse resultado é robusto para outras mensurações de preços relativos, por exemplo, inflação dos comercializáveis/inflação dos não comercializáveis.

 

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O Copom e a Dominância Fiscal https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=2594&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=o-copom-e-a-dominancia-fiscal https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=2594#comments Wed, 02 Sep 2015 12:17:07 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=2594 Nesta semana, o Banco Central irá se reunir para definir a taxa de juros básica da economia, que atualmente se encontra em 14,25% ao ano. A maior parte do mercado espera que o Copom mantenha inalterada a taxa de juros nesta reunião, assim como não faça qualquer alteração até o final do ano. Neste ano, o Banco Central elevou a taxa Selic de 11,75% para 14,25% ao ano, uma alta de 2,5 pontos percentuais. Em relação aos indicadores de atividade, com a divulgação do péssimo resultado do PIB do 2º trimestre, o mercado reduziu a projeção do PIB para retração de 2,3% do PIB neste ano e de retração de 0,4% em 2016. Além disso, foi divulgada a elevação da taxa de desemprego para 8,3% no 2º trimestre, maior taxa desde o início da série em 2012.

Em condições normais, a decisão de elevação das taxas de juros pela autoridade monetária promove efeitos sobre a economia para combater a inflação por pelo menos três canais. O primeiro é o impacto da Selic sobre as taxas de crédito ao consumidor e às empresas. Por esse canal, o aumento tende a reduzir o consumo e os investimentos e, por conseguinte, o nível da atividade econômica. O segundo canal é sobre o câmbio, onde o aumento da Selic torna as aplicações financeiras no país mais atrativas para o capital estrangeiro, incentiva o ingresso de capitais, tende a valorizar o real e, por conseguinte, reduz a pressão inflacionária. Por fim, existe o componente das expectativas. Por meio da credibilidade da autoridade monetária e seu comprometimento em alcançar as metas estabelecidas, a elevação da taxa de juros diminui as expectativas de inflação futura e, consequentemente, reduz a pressão sobre reajustes de preços.

Existe uma situação, no entanto, em que a efetividade de parte dos canais da política monetária deixa de funcionar. Trata-se da dominância fiscal. O termo cunhado pelos economistas para descrever a circunstância onde a política monetária perde liberdade e a efetividade de sua estratégia por causa dos seus efeitos sobre as contas públicas. Em uma situação onde o nível de endividamento é elevado, há alto custo de carregamento e as contas públicas não estão equilibradas, o aumento da taxa de juros pode elevar a probabilidade de default da dívida pública, tornar o mercado de títulos menos atrativo ao investidor estrangeiro ou local, causar depreciação cambial e pressão inflacionária. Nessa circunstância, a política fiscal (e não a política monetária) é o melhor instrumento para controlar a inflação por meio da redução das despesas públicas.

Olivier Blanchard, Economista Chefe do FMI, publicou o artigo Fiscal Dominance And Inflation Targeting: Lessons From Brazil em 2004, onde indica que o país se encontrou na situação de dominância fiscal na crise enfrentada pelo país em 2002 e 2003, após as incertezas do processo eleitoral. De acordo com o autor, o fator determinante para a formação da dominância fiscal do período foi o elevado nível de endividamento, sua composição, com alta participação de títulos atrelados ao dólar, e o ambiente de aversão ao risco de investidores. Nessa circunstância, o aumento dos juros provavelmente levou a uma depreciação cambial.

O tema da dominância fiscal está muito presente das discussões econômicas no pós-crise 2008. Como vários países tiveram que se endividar fortemente para evitar o colapso do sistema econômico, há preocupação sobre a solvência das contas públicas no momento em que os bancos centrais tiverem que aumentar juros novamente. Michael Woodford no seu artigo Fiscal Requirements for Price Stability analisa o papel da política fiscal na determinação da estabilidade inflacionária. Chega-se a um regime ótimo em combinar uma regra de Taylor (regra que define a política de juros com base no desvio da inflação em relação à meta e no hiato do produto) para a política monetária com uma meta de comprometimento para o déficit nominal como regra fiscal.

Analisando a atual conjuntura do Brasil, observa-se que, em relação a alguns indicadores, o país está mais preparado para enfrentar crises que no ano de 2002. Primeiro, o Tesouro Nacional realizou um importante trabalho de reduzir a participação da dívida atrelada ao dólar nos últimos anos, o que deixou a dívida menos vulnerável a variações cambiais. Ademais, o montante de reservas internacionais acumuladas hoje é bem superior. No caso da política monetária, o choque de juros implementado pelo Banco Central para o processo de retomada da convergência da inflação à meta, neste ciclo, foi bem inferior ao necessário em 2003, quando a Selic chegou a atingir 26,5% a.a.

No entanto, há outros fatores fiscais que são mais desafiadores neste ciclo em relação à crise de 2002. Primeiramente, a situação fiscal brasileira se encontra em um processo contínuo de deterioração desde 2011, sem que se tivesse tomado medidas efetivas para mitiga-lo. Acumulou-se um montante enorme de despesas represadas que teve seu processo de regularização iniciado no final de 2014. Em relação às receitas, o baixo dinamismo econômico traz um cenário futuro desafiador para esse componente. Quanto ao perfil do gasto público, as despesas obrigatórias assumiram uma tendência expansionista recente que surpreendeu vários analistas. Destaco as despesas previdenciárias, que muitos imaginavam que era um problema apenas de médio-prazo, mas que resolver bater em nossa porta já neste ano.

Por fim, e talvez o mais importante, a forte crise política que vivemos neste momento é um fator de forte instabilidade. Por um lado, o regime “presidencialista de coalisão” mostra sinais de esgotamento, por outro, a baixa popularidade do governo faz com que os parlamentares se distanciem da agenda governamental, votando, inclusive, medidas que deterioram a situação fiscal, como na votação do fim do fator previdenciário e nas propostas de aumento salarial dos servidores públicos. Dessa forma, o necessário processo de ajuste fiscal torna-se extremamente custoso e eleva o nível de incerteza dos agentes econômicos.

É nesse ambiente de deterioração fiscal, com o déficit nominal atingindo 8,8% do PIB em 12 meses, sem perspectivas de o Congresso cooperar e elevado nível de incerteza dos agentes econômicos que a situação de dominância fiscal pode ocorrer. Essa é uma avaliação que deve estar na mesa na reunião do Copom desta semana. Como a atividade econômica já se encontra em retração e o desemprego em alta, será que o aumento ou manutenção da taxa Selic neste patamar irá contribuir para reduzir as expectativas de inflação ou para gerar mais incertezas sobre as condições de solvência da política fiscal? No meu ponto de vista, essa é a questão mais importante da agenda monetária nos próximos meses.

 

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O F.A.Q. da Crise https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=2592&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=o-faq-da-crise https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=2592#comments Mon, 31 Aug 2015 12:53:08 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=2592 Foi publicado recentemente neste site o texto “Por que a economia brasileira foi para o buraco?”. Com base no diagnóstico ali traçado, listamos uma série de perguntas frequentes sobre a crise econômica, oferecendo as nossas respostas.

 

1 – A crise que estamos vivendo é consequência da crise econômica internacional?

R: Não. A crise fiscal, a inflação alta, o desemprego crescente, a baixa capacidade de crescimento da economia brasileira são fundamentalmente consequência de desequilíbrio fiscais estruturais (a despesa pública cresce mais que o PIB há 30 anos) somada a uma política econômica equivocada adotada a partir de 2005/2006.

Na verdade, a situação econômica internacional existente entre 2003 e 2011 foi muito favorável ao Brasil, devido a dois fenômenos: o grande aumento nos preços dos nossos produtos de exportação (commodities) e a fartura de crédito no mercado financeiro internacional. O nosso governo tomou essas duas situações passageiras como se fossem definitivas e passou a conduzir a política econômica acreditando que os preços das commodities nunca iriam mudar e que haveria dinheiro barato para sempre no mercado financeiro internacional.

Por isso, acelerou os gastos públicos, concedeu isenções tributárias, distribuiu benefícios creditícios, interferiu no processo de decisão das grandes empresas, congelou preços públicos e fez muitas outras políticas criticáveis, com descrito em detalhe no postPor que a economia brasileira foi para o buraco?” Enquanto os ventos na economia internacional eram favoráveis, o Brasil ia bem apesar dos erros de política econômica. Contudo, tais erros acumularam distorções (déficits público e no balanço de pagamentos crescentes, aumento da inflação, insustentabilidade da dívida pública).

Agora que os ventos favoráveis vindo do exterior mudaram (queda nos preços das commodities e tendência de aumento das taxas de juros internacionais), como seria de se prever, o governo passa a culpar tais mudanças pela crise brasileira. Se durante o período de bonança tivéssemos adotado uma política econômica responsável, não estaríamos enfrentando uma situação tão dura. Se tivéssemos aproveitado os tempos bons para fazer reformas que consertassem as inconsistências no gasto público, estaríamos mais bem preparados para o momento atual. Assim como um organismo fragilizado é mais vulnerável a contrair doenças, uma economia desajustada sofre mais quando há uma crise na economia internacional. Basta comparar o desempenho da economia brasileira com a de países latino-americanos que praticam melhores políticas macroeconômicas, como Chile e Colômbia. Esses dois países estão sentido o impacto da crise internacional, mas com intensidade muito menor que o Brasil.

2 – Se a economia está em recessão, por que fazer ajuste fiscal, que aprofunda mais a recessão? Será que esse tipo de remédio não irá matar o paciente?

R: Em primeiro lugar, é preciso dizer que a recessão começou ANTES do ajuste fiscal. O Comitê de Datação de Ciclos Econômicos (Codace) da FGV mostrou recentemente que a recessão começou em meados de 2014. Portanto, mais de seis meses antes da posse do Ministro Levy e do início do ajuste fiscal.

Essa recessão se deu pelo esgotamento de um padrão de crescimento do gasto público acima do crescimento do PIB, somado a uma política econômica populista e insustentável, adotada a partir de 2005/2006. A crise é composta por vários problemas: inflação alta e crescente, visível esgotamento financeiro do Tesouro e incapacidade de continuar a subsidiar investimentos, paralisação do setor de óleo e gás pela mudança do marco regulatório do pré-sal, ameaça de racionamento de energia, sobre-endividamento da maior empresa do país, queda da produtividade da economia (devido aos inúmeros gargalos produtivos, como a infraestrutura deficiente, legislação tributária e trabalhista inadequadas e interferência do governo nas decisões privadas), sobre-endividamento das famílias, crescente risco de rebaixamento da nota de crédito do Governo Federal para o nível de investimento especulativo.

Enquanto a China puxava nossa economia, parte desses problemas não aparecia ou era menor. Acabado o estímulo externo, a crise se impôs.

Na situação em que nos encontramos, o ajuste fiscal não é uma das políticas possíveis. Ele é o único caminho responsável a ser trilhado. Esse ajuste é condição necessária para que o país tenha alguma esperança de retomar o crescimento no futuro. Sem o ajuste fiscal, a dívida pública vai crescer rapidamente, o Tesouro não terá como financiá-la (porque os investidores não vão querer correr o risco de levar o calote) e será preciso emitir moeda para pagar a dívida pública. Voltaremos à época da hiperinflação. E quem viveu nos anos 80 sabe que com hiperinflação não se vai a lugar nenhum.

Embora seja necessário (o único caminho possível, a não ser que se considere o caos econômico como opção válida), o ajuste fiscal não será suficiente para garantir a retomada do crescimento. Estão certos os que dizem que o ajuste vai aprofundar a recessão. A única possibilidade de o ajuste fiscal não gerar mais recessão seria fazê-lo por meio de reformas que permitissem reduzir o gasto público corrente, abrindo espaço para que, ao mesmo tempo em que o superávit primário aumentasse, a carga tributária pudesse ser mantida constante e houvesse investimentos de qualidade em infraestrutura.

Porém, não é esse o padrão de ajuste fiscal de curto prazo viável no Brasil. Como no passado, o ajuste será feito por meio de aumento de tributos e mais repressão ao investimento. Não há como não derrubar a economia fazendo tal ajuste. Mesmo assim, é melhor fazer esse ajuste sub-ótimo do que não fazer nenhum ajuste e rumar para a hiperinflação.

Ou seja: o ajuste em curso vai ajudar a derrubar a economia no curto prazo. Mas a recíproca não é verdadeira: o “não-ajuste” não fará a economia crescer. Irá, isso sim, nos levar para uma situação ainda pior: a hiperinflação e a desestruturação da economia. Há, ainda, o risco de ficarmos no meio do caminho: um ajuste insuficiente que não evitará o pior, e ainda imporá custos à sociedade.

3 – A tentativa de resolver a crise econômica na Europa por meio de medidas de austeridade fiscal falhou. Por que vamos insistir nesse remédio que não funcionou em outros lugares?

R: É incorreto dizer que a política de ajuste na Europa foi apenas de austeridade fiscal. Irlanda, Portugal e Espanha implantaram não apenas duros ajustes fiscais, mas também fizeram reformas importantes: vendas de ativos, flexibilização do mercado de trabalho, reforma orçamentária.

Também é incorreto dizer que esse conjunto de medidas não deu resultado. Esses três países sofreram as dores do ajuste, mas estão todos emergindo da crise e voltando a crescer, assim como diversos países do leste europeu, como Polônia, Hungria e os países bálticos.

A lição que devemos tirar do caso europeu é justamente o contrário da afirmação feita na pergunta: o país que se recusou a se ajustar, a Grécia, é que foi para uma crise aguda. O caso grego é um exemplo do que ocorrerá com o Brasil se não fizermos um adequado ajuste fiscal. Diga-se de passagem, apesar de todo o barulho político feito por seu governo populista, a Grécia acabou tendo que por em prática um programa de ajuste fiscal e de reforma estrutural do setor público. Não apenas por exigência dos credores, mas por uma questão de sobrevivência da economia do país.

Deve-se dizer, por fim, que a contração econômica nos ajustes fiscais feitos nos países do Euro tende a ser maior do que em um país que tem moeda própria, como o Brasil. Isso porque os países do Euro não têm a opção de se ajustar por meio da desvalorização cambial, já que a moeda é única. Por isso, para reduzir os custos internos e se tornarem mais produtivos, eles precisam de uma grande contração econômica, para gerar grande desemprego e, com isso, reduzir os salários e os custos das empresas. No Brasil, a desvalorização cambial pode fazer uma parte desse serviço, sendo necessária menor contração do PIB.

4 – Não seria contraditório acabar com a desoneração da folha de pagamentos no momento em que as empresas estão sofrendo com a crise econômica?

R: Sem dúvida que seria melhor fazer um ajuste fiscal baseado em redução da despesa pública, sem a necessidade de elevar tributos. Isso não aumentaria os custos das empresas, geraria menos desemprego e abriria mais espaço para o investimento privado. Porém, o orçamento público brasileiro é muito rígido. Se não fizermos reformas que reduzam o ritmo de crescimento de despesas da previdência, das políticas sociais ou da folha de pagamento, não haverá como conter a expansão do gasto.

Nessa situação, como já afirmado acima, é melhor que se faça um ajuste de baixa qualidade (via aumento de impostos e corte de investimentos) do que não se fazer ajuste nenhum.

O risco, como já apontado na resposta à questão 1, é que o ajuste “politicamente possível” não seja suficiente para reequilibrar as contas e conter o crescimento da dívida. Aí os sacrifícios serão em vão.

5 – O ajuste fiscal vai ser pago pelos mais pobres?

R: Não necessariamente os pobres pagarão pelo ajuste fiscal. Como afirmado ao longo do texto “Por que a economia brasileira foi para o buraco?”, o gasto público no Brasil beneficia todas as camadas de renda. Se fizermos uma reforma fiscal que contenha a expansão dos gastos feitos a favor das classes alta e média, poderemos ter um efeito de redistribuição de renda. Uma reforma da previdência social, por exemplo, que requeira maior tempo de trabalho para a aposentadoria, tende a ser redistribuidora de renda, pois o seu custo recairá sobre a classe média e alta urbana. O mesmo se pode dizer de um maior controle na contratação e remuneração de servidores públicos, que, em sua maioria, estão entre os 5% mais ricos do país. O fim dos subsídios creditícios a grandes empresas também teria importante efeito redistributivo de renda. Um redirecionamento do gasto público em educação do nível universitário para o ensino básico também beneficiaria os mais pobres, principalmente se fosse instituída a cobrança de mensalidades nas universidades públicas. Mesmo alguns programas normalmente identificados como sendo de atendimento aos mais pobres, como o abono salarial e o seguro desemprego, atendem camadas de renda acima do nível de pobreza: o seu redesenho pode levar à redução de despesas sem afetar os mais pobres.

Deve-se lembrar, ainda, que o não-ajuste levará a aumento da inflação; esta sim muito prejudicial aos pobres e concentradora de renda.

6 – Por que não fazemos o ajuste tributando os bancos?

R: Uma lição básica em economia é a de que o custo dos tributos não incide, necessariamente, sobre o agente econômico que é tributado. Sempre que a pessoa física ou jurídica que é tributada pode passar para frente o custo do imposto pago, ela passará. Uma maior tributação dos bancos (que já são bastante tributados) se converterá, total ou parcialmente, em aumento das taxas de juros por eles cobradas. Quem pagará uma parte ou a totalidade do imposto será o indivíduo ou a empresa que precisar tomar crédito.

Não obstante isso, tendo em vista o exíguo espaço político para se cortar despesas, é possível que se acabe optando por tributar as operações de crédito, pois essa é uma forma dissimulada de se ampliar a tributação sobre a população como um todo, disfarçando-a de tributação sobre os bancos.

7- Por que não fazemos o ajuste tributando os ricos, através da criação do Imposto sobre Grandes Fortunas?

Esse imposto, sozinho, não resolveria o problema. Mesmo que não se preveja nenhuma isenção, nem se leve em conta a fuga de capitais que ele provocaria, sua arrecadação dificilmente passaria de R$ 5 bilhões por ano. O valor é irrisório frente às necessidades fiscais do Tesouro Nacional.

Pode-se discutir a progressividade ou regressividade do sistema tributário brasileiro e, com isso, a possibilidade de tributos que incidam sobre os mais ricos. Porém, não se pode esperar que esse tipo de tributação gere receita suficiente para fechar as contas públicas. Somente os aumentos previstos nas áreas de previdência, saúde e educação para os próximos anos está na casa de R$ 22 bilhões por ano.

Tributar grandes fortunas pode também trazer o impacto indesejado de reduzir ainda mais a já reduzida taxa de poupança doméstica.

8 – As despesas com juros são da ordem de R$ 417 bilhões por ano. Por que não fazemos o ajuste fiscal cortando a taxa de juros fixada pelo Banco Central? Não seria muito mais fácil do que cortar programas sociais?

R: Isso já foi tentado pelo Governo, no âmbito da “nova matriz econômica”. Entre agosto de 2011 e outubro de 2012 a taxa Selic foi sistematicamente reduzida, passando de 12,5% a.a. para 7,25% a.a.. Porém, a redução forçada dos juros, sem que haja uma correspondente redução do déficit primário, aumenta a inflação e não se sustenta. O déficit do governo coloca renda na mão das pessoas e aumenta o consumo. Como a oferta de bens e serviços é rígida (há uma série de obstáculos à expansão da produção no Brasil, como descrito no texto), o aumento da demanda leva a aumento de preços.

Por isso, o ajuste das contas não financeiras deve preceder a redução dos juros pelo Banco Central. Tentar começar pelos juros, apesar de ser a conta mais elevada, não é algo consistente ou sustentável. Ademais, a maior parte dos valores pagos a títulos de amortização e juros da dívida não vêm diretamente da tributação imposta à população, e sim de novos empréstimos, que rolam os antigos. Um corte abrupto dos juros reduzirá a oferta de novos empréstimos ao Governo. Com isso, seriam necessários cortes nas outras despesas com vistas a alocar mais recursos para pagar amortização e juros da dívida.

9 – Muitos economistas advogam que, para o país crescer mais rápido, é necessário aumentar a poupança. Mas se todo mundo poupar, qual será o estímulo para as empresas investirem, se não haverá quem consome?

Há uma confusão de conceitos. Poupar não é o mesmo que deixar de gastar. Um indivíduo que deixa de gastar em bens de consumo final (alimentos, roupas, festas, etc) para comprar tijolos e construir uma casa, em verdade, está poupando. Sua poupança está sendo gasta na aquisição de bens de investimento (no caso, os tijolos). Poupar (e sua contrapartida, investir), portanto, é simplesmente trocar o consumo de bens e serviços finais hoje por bens e serviços finais no futuro. Assim, um aumento da taxa de poupança de um país somente altera o mix de produção, com a economia passando a produzir mais bens de capital, insumos para construção civil ou produtos para exportação (que lhes permite adquirir ativos no exterior). Naturalmente, economias que investem mais, crescem mais rapidamente. Não é por menos que os países emergentes do leste asiático, cuja taxa de poupança é acima de 30% do PIB (enquanto no Brasil é em torno de 15% do PIB), são os que mais rapidamente crescem.

10 – Um modelo de crescimento do estilo asiático, baseado em elevada taxa de poupança e câmbio depreciado, não está associado a piores condições para o trabalho?

No curto prazo, é correto. Se o país poupa muito, há poucos recursos para programas assistenciais e de previdência. Além disso, a taxa de câmbio depreciada implica salários reais menores. Entretanto, essa é uma visão estática. Como esses países investem mais, o que lhes permite crescer mais rapidamente, no longo prazo, o padrão de vida da população tende a ser melhor. Coréia do Sul e Brasil tinham níveis de renda per capita semelhantes na década de 1960 e, hoje, a renda per capita sul-coreana é cerca do triplo da brasileira. Da mesma forma, a renda per capita da China já se aproxima da brasileira, quando era menos da metade há vinte anos. Pode-se fazer uma analogia com o bem-estar de uma família. Se tivermos dois domicílios com a mesma renda inicial, aquele que poupar mais terá menor qualidade de vida no curto prazo. Entretanto, no longo prazo, o que poupou mais terá maior renda (decorrente das aplicações financeiras feitas ao longo da vida), o que lhe permitirá auferir maior bem estar.

11 – Corremos o risco de uma nova década perdida?

Infelizmente, sim. Tomando o PIB per capita como medida de bem estar individual, temos que o pico deste ocorreu em 2013 (R$ 27,4 mil, em valores de dezembro de 2014). Considerando que o PIB cresceu 0,15% em 2014 e a população tem crescido em torno de 0,9% a.a., e assumindo que o PIB diminuirá 2% em 2015 e 0,5% em 2016, crescendo 1,5% na média dos anos seguintes, temos que o PIB per capita cairá até 2017, recuperando-se lentamente depois disso, até voltar ao patamar de 2013 apenas em 2023 ou 2024. Trata-se de cenário bastante plausível. Não havendo reformas substanciais que aumentem a poupança pública e a produtividade, teremos baixa taxa média de crescimento econômico no período 2017-2024, em face do esgotamento da principal fonte de crescimento econômico do passado recente (qual seja, o aumento da taxa de ocupação da mão de obra), combinado com nosso histórico de incrementos reduzidos na produtividade do trabalho.

 

Os autores agradecem os comentários de Pedro Fernando Nery.

 

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Por que a economia brasileira foi para o buraco? https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=2585&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=por-que-a-economia-brasileira-foi-para-o-buraco https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=2585#comments Tue, 25 Aug 2015 18:12:38 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=2585 Até poucos anos atrás havia grande otimismo em relação à economia brasileira. Chegamos a crescer 7,6% em 2010. Os salários cresciam, o desemprego ia para zero, a pobreza e a desigualdade caiam. A ascensão da classe C era festejada com a ampliação do consumo. De repente tudo mudou: a economia entrou em recessão em meados de 2014. As previsões para os próximos anos, coletadas junto ao mercado pelo Banco Central, são sombrias: uma recessão de 2% esse ano e crescimento zero em 2016. E mesmo quando a luz no final do túnel aparecer, o que se espera são medíocres taxas de crescimento do PIB de, no máximo, 2% ao ano. A taxa de desemprego calculada pelo IBGE não para de subir, passando de 4,3% em dezembro de 2014 para 7,5% em julho de 2015. Os dados sobre o déficit e a dívida do Governo Federal só mostram deterioração: festejados programas de governo, como o Fies e o Pronatec, tiveram que ser encolhidos por falta de dinheiro. A inflação disparou. Alguns governos estaduais não conseguem sequer pagar o funcionalismo, e estão parcelando os contracheques. Afinal, o que aconteceu para que caíssemos do nirvana para o buraco tão rapidamente?

A crise econômica atual tem causas antigas, que remontam ao início do atual  período democrático (iniciado em 1985), bem como causas recentes, ligadas a uma política econômica equivocada e inconsistente, adotada por volta  de 2005/2006 e aprofundada a partir de 2011.

As causas antigas

Quando o Brasil transitou de um regime ditatorial para uma democracia, em 1985, surgiram fortes pressões sociais para expansão do gasto público. Isso levou ao aumento do déficit público e exigiu a expansão da carga tributária. Esses fatos estão na base da nossa crise atual, como veremos a seguir. Vejamos, primeiro, porque o gasto público passou a crescer após à transição para a democracia.

Houve um acúmulo de necessidades sociais não atendidas ao longo dos 21 anos de regime militar. Praticamente não havia políticas públicas para atendimento aos mais pobres. Os indicadores sociais e educacionais estavam em níveis africanos.

Durante a ditadura os governantes não se sentiam premidos a atender a população mais pobre pelo simples fato de que o direito de voto era restrito. Havia eleição direta apenas para os cargos de senador, deputado e prefeitos de pequenas cidades. Ter uma carreira política de sucesso em muitos casos não dependia de ter votos. Com a redemocratização e a instituição de eleições diretas em todos os níveis, a sobrevivência de um político no poder passou a depender diretamente do voto.

Sendo os pobres a maioria do eleitorado (lembrando que até mesmo os analfabetos passaram a ter direito a voto), nada mais natural de que os políticos no poder passassem a oferecer políticas públicas a favor dos mais necessitados. Houve uma explosão de políticas de assistência social, educação e saúde pública. Diversos indicadores sociais passaram a melhorar, ainda que muito dessas políticas sejam caras e pouco eficientes.

Ocorre que não apenas os pobres se beneficiaram. A classe média também encontrou maior espaço para reivindicação. Afinal, com a redemocratização recobrou-se o direito de greve e o direito de associação em sindicatos e outras instituições formadas por pessoas com interesses comuns (associações de aposentados, de consumidores, de pacientes de doenças raras, etc.). Esses grupos passaram a ter grande poder de pressão para reivindicar políticas públicas a seu favor.

Frente ao ganho de poder político dos pobres e da classe média, seria de se esperar que os mais ricos perdessem espaço no orçamento público, com o governo direcionando os recursos antes gastos em favor deste para programas voltados aos pobres e à classe média. Mas isso não aconteceu. Os mais ricos também ganharam poder de reivindicação. Afinal, eleições custam caro, e alguém tem que financiá-las. Por meio do financiamento eleitoral, grandes empresas (em especial aquelas que têm contrato com o poder público) passaram a garantir o atendimento de seus interesses.

Ou seja, com a redemocratização, o Estado brasileiro passou a ser pressionado para atender aos pobres, à classe média e aos ricos. Com vários segmentos sociais tendo acesso aos recursos públicos, instituiu-se um cenário de forte disputa pelos recursos orçamentários. Para que isso não resultasse em expansão da despesa pública, teria sido necessário criar regras eficazes de limitação do gasto público: um orçamento consistente, que refletisse a real expectativa de receitas e despesas; limites legais para o déficit público; vedação ao financiamento do Tesouro pelo Banco Central.

Essas regras fiscais ou não foram instituídas, ou foram contornadas. Criaram-se, também, regras na direção contrária ao controle fiscal. Na nossa frágil democracia, pressionada por diferentes grupos sociais e de interesses, foram sendo construídas regras que protegiam a fatia do bolo dos grupos que conseguiam fazer mais pressão sobre instâncias decisórias do poder público. Assim, foram criadas regras que instituíam despesa mínima para os setores de educação e saúde, regras benevolentes de aposentadoria, crédito subsidiado para grandes empresas por meio de bancos públicos, regras de aumento real para o salário mínimo, etc.

Ou seja, em vez de haver regras fiscais que impusessem um limite ao gasto público total e forçassem os políticos a fazer escolhas entre beneficiar o grupo A ou o grupo B, o que se criou foram regras que obrigavam o setor público a beneficiar todo mundo, ao mesmo tempo, o tempo todo. Como bem sabe qualquer pessoa que administra um orçamento doméstico, uma hora a despesa fica maior que a receita e o endividamento explode.

No caso de governos, ao contrário dos orçamentos domésticos, há uma saída (perigosa) para evitar o endividamento: emitir moeda para pagar a despesa. E foi isso que se fez entre 1985 e 1994. O resultado foi a hiperinflação. Como os grupos sociais não conseguiam chegar a um consenso sobre o controle dos gastos públicos e como não havia regras fiscais que garantissem um orçamento equilibrado, a inflação fazia o serviço, corroendo o valor real dos gastos públicos e da renda das pessoas.

O problema é que a inflação tem efeitos perversos: além de incidir mais fortemente sobre os mais pobres (que não têm acesso a bancos, para proteger seu dinheiro por meio de aplicações financeiras), ela cria um ambiente de incerteza e insegurança que desestimula o investimento, levando a baixo crescimento econômico. Tivemos uma década perdida, em que tentamos nos livrar da inflação. Tentávamos fazê-lo sem abrir mão da prodigalidade fiscal. Queríamos resolver o problema (inflação) sem extinguir a causa (déficit público).

O esgotamento fiscal induziu a realização de algumas reformas. A principal delas foi o Programa Nacional de Desestatização, iniciado em 1990, que afastou o setor público da gestão de empresas então deficitárias e operadas de forma ineficiente em vários setores, como siderurgia, telefonia e mineração. Essas empresas funcionavam como um segundo cofre do Tesouro e como ferramenta de política econômica, muitas vezes sendo induzidas a tomar decisões que prejudicavam seu desempenho. Tomavam empréstimos no exterior quando era necessário fechar as contas do balanço de pagamentos; tinham os preços de seus produtos congelados, para segurar a inflação; etc.

Embora importantes, as privatizações não foram capazes de mudar o deficitário regime fiscal brasileiro. Passamos quase uma década, de 1985 a 1994, em que sete planos de estabilização da moeda falharam, porque não conseguiram impor limites ao gasto público. Somente em 1994 tivemos um plano de sucesso. O Plano Real correu o mesmo risco de dar errado, como os seus antecessores, pois não foi acompanhado de medidas para controlar os gastos públicos. Mais uma vez os esforços de ajuste fiscal não foram suficientes para equilibrar as contas públicas. Destaca-se nesse período a criação, em 1994, do Fundo Social de Emergência (posteriormente rebatizado de “Desvinculação de Receitas da União” – DRU), para tornar a despesa orçamentária menos rígida e viabilizar a redução de despesas obrigatórias (Emenda Constitucional de Revisão nº 1, de 1994). Esse é o exemplo típico de ajuste fiscal limitado, fazendo-se aquilo que as restrições políticas permitiam fazer: ajustes marginais, jamais reformas amplas, que assegurassem o equilíbrio fiscal e a solvência de longo prazo das contas públicas.

Novas crises de balanço de pagamentos surgiram em 1997 e 1998, nas quais a frágil situação fiscal brasileira somou-se ao contágio de crises ocorridas em outros países emergentes. Naquele momento ficou claro que o sucesso da estabilização dependia de mudanças profundas no regime fiscal brasileiro. As crises econômica e política forçaram os agentes políticos a aceitar limitações fiscais. Ajudou o fato de que um empréstimo do FMI ficava condicionado a medidas de ajuste fiscal: se os diversos grupos sociais e políticos do país não conseguiam se entender sobre como conter o gasto público, uma imposição externa ajudava a formar o consenso.

O ajuste fiscal “meia boca”

O país começou, então, a trilhar um caminho de mais responsabilidade fiscal. Assim, aprovou-se a Lei de Responsabilidade Fiscal no ano 2000. Um pouco antes, entre 1997 e 1998, fez-se uma importante renegociação da dívida dos estados e municípios junto ao mercado financeiro. Essa dívida era impagável e alimentada por déficits crônicos desses governos. O Governo Federal assumiu a dívida e passou a pagá-la em dia aos credores privados. Em troca disso, os estados e municípios se comprometeram a pagar o débito de forma parcelada ao Governo Federal ao longo de trinta anos. Para conseguir pagar essa dívida, foram forçados a ajustar suas contas. Quem não pagasse em dia, tinha as suas receitas confiscadas pelo Governo Federal. O esquema deu certo, e os estados e municípios se ajustaram rapidamente. Pela primeira vez na história recente começamos a ouvir palavras como “eficiência”, “gestão” e “equilíbrio fiscal” no âmbito dos governos estaduais e municipais. Tudo isso porque estava fechada a porta ao socorro federal: ou os estados e municípios se ajustavam ou quebravam.

Mais medidas foram tomadas visando ao equilíbrio fiscal. Estabeleceram-se metas de resultado primário e de redução da dívida nos três níveis de governo. Pouco depois se propôs uma reforma da previdência, com foco no regime dos servidores públicos (Emenda Constitucional nº 20/1998).

A aprovação dessas reformas ajudou bastante, mas não alterou o modelo instaurado nos anos 1980: continuava a pressão por aumento dos gastos públicos. A aprovação de cada reforma representava grande custo político para o Governo, em especial devido à aguerrida resistência dos interesses estabelecidos, apoiada pelos partidos de oposição da época. Não havia nada próximo a um consenso social em torno da reforma do Estado. Somente a visão da beira do precipício, representada pelas ameaças e concretizações de crises cambiais, é que davam estímulo e cacife ao Poder Executivo Federal para propor, e ao Legislativo para aceitar, pequenos avanços na agenda de reformas.

Em função dessa resistência, não  se reformou a previdência do setor privado ou o processo de elaboração e execução do orçamento federal. Para piorar, foram tomadas medidas fiscais em direção contrária, das quais se destacam a aceleração dos reajustes do salário mínimo (que tem grande impacto na despesa da previdência) e a vinculação das despesas em saúde ao ritmo de crescimento do PIB (Emenda Constitucional nº 29, de 2000). O apelo eleitoral desse tipo de medida é evidente.

Naquele momento a carga tributária ainda não era tão elevada. Em 1998, por exemplo, estava na casa de 27% do PIB. Por isso, havia espaço para fazer o ajuste fiscal via aumento de receitas. E assim se fez, com a criação de novos tributos e a majoração dos antigos, para dar conta do crescimento acelerado da despesa. Para a classe política era mais fácil dispersar o custo entre todos os contribuintes do país, do que comprar brigas com grupos organizados que defendiam seu quinhão no orçamento. Ademais, cada aumento de impostos vinha embalado com uma nobre causa a ser atendida: a CPMF era para financiar a saúde, o aumento das contribuições sociais era para financiar as aposentadorias, etc.

Passamos, então, de um regime cronicamente inflacionário (devido ao alto déficit público) para um regime de gastos públicos altos financiados por alta carga tributária. Já não tínhamos mais a hiperinflação, mas a economia não conseguia crescer, sufocada pela alta carga tributária.

Outra característica do nosso ajuste fiscal foi o radical corte nos investimentos públicos. A criação de regras de despesas obrigatórias em diversos setores, como educação, previdência e saúde, não foi acompanhada de regras de despesa mínima em infraestrutura. Estas ficaram expostas a cortes, para que se pudesse ampliar despesas que beneficiavam diretamente grupos bem organizados. A infraestrutura do país tornou-se cada vez mais precária, passando a representar um gargalo adicional para o crescimento econômico.

E o problema não estava só nas contas públicas

O fato de a nossa jovem democracia não ter conseguido construir instituições para conter o poder de influência dos diferentes grupos de interesse (ricos, pobres e de classe média) sobre as decisões públicas criou outros problemas além do desequilíbrio fiscal crônico, que passaram a minar a nossa capacidade de crescimento. Assim como reivindicavam gastos públicos ou benefícios tributários a seu favor, cada um desses grupos organizados também lutava por regulação econômica que protegesse suas rendas. E isso se fazia à custa da eficiência e competitividade da economia, resultando em menor potencial de crescimento.

A indústria conseguiu influenciar a política comercial do país, mantendo altas barreiras à entrada de produtos estrangeiros. Isso diminuiu a entrada de novas tecnologias no país, reduzindo o ritmo de inovação e de ganho de produtividade. Ademais, deu sobrevida a empresas ineficientes que, não tendo que competir com estrangeiros, conseguiram se manter vivas. Essas empresas utilizam recursos produtivos (mão de obra, capital, financiamentos) que poderiam ser mais bem empregados em empresas mais produtivas, gerando mais renda e produto.

Os sindicatos de empregados de empresa do setor formal conseguiram manter regras trabalhistas rígidas, que garantem benefícios a quem está empregado, mas que induzem as empresas a contratar menos. Assim, tais benefícios têm, como contrapartida, perdas para os trabalhadores que não conseguem emprego formal, e se mantêm no setor informal, sem acesso aos benefícios. Com regras trabalhistas rígidas, as empresas não têm flexibilidade para se ajustar a variações no ritmo da economia. Muitas, para evitar entrar no radar dos órgãos de fiscalização, optam por se manter pequenas, sem registrar seus trabalhadores. Perde-se oportunidade para que empresas talentosas cresçam, pois empresas informais não têm acesso a crédito e têm poucos incentivos a treinar seus trabalhadores. Mais uma vez, prejudica-se o crescimento econômico.

Os servidores públicos e seus sindicatos, com crescente influência, conseguiram obter ou manter diversos benefícios para as diferentes categorias, colocando em segundo plano o interesse dos usuários de serviços públicos. Greves intermináveis, nunca punidas com demissões ou desconto de remuneração, passaram a paralisar escolas, universidades, policiamento, vigilância sanitária, justiça e serviços de saúde. Os serviços públicos terceirizados, em uma comunhão de interesses das empresas concessionárias e de seus empregados, passaram a paralisar frequentemente os transportes públicos, a coleta de lixo e serviços funerários.

A justiça morosa sempre beneficiava quem tinha mais tempo e dinheiro para ingressar em juízo e manter causas de longa duração. O respeito aos contratos, em tal situação, fica ameaçado, o que desestimula investimentos.

Em função dessas dificuldades, o país navegou, entre 1994 e 2003, com baixa capacidade de crescimento, mas com estabilidade de preços, garantido pelo ajuste fiscal precário, baseado em aumentos de impostos.

As sucessivas crises externas, associadas a esse equilíbrio instável das contas públicas, infraestrutura deficiente e regulação econômica ineficiente, não abriam muito espaço para o crescimento.

E o ajuste fiscal necessário não se concretizava

Nos primeiros anos do novo século já estava clara a necessidade de reformas que mudassem o padrão de crescimento do gasto público. Projeções de especialistas em previdência social mostravam que os sistemas dos servidores públicos e do setor privado estavam em rota de déficit crescente. Os gastos em programas sociais cresciam de forma acelerada. A rigidez da despesa com pessoal, saúde e educação também aumentava. O processo de elaboração do orçamento era frágil: as receitas superestimadas, as despesas subestimadas e o controle fiscal feito “na boca do caixa”. Tornou-se lugar comum a frase segundo a qual “o orçamento público, no Brasil, é uma peça de ficção”.

Ou seja, mais de uma década atrás já era evidente que o regime fiscal brasileiro não seria sustentável no longo prazo. Obviamente, a carga tributária não poderia crescer para sempre, pois chegaria um momento em que sufocaria os contribuintes e as possibilidades de crescimento econômico e da própria receita. A crônica falta de investimento em infraestrutura reduzia o potencial de crescimento do PIB e da receita pública. Enquanto isso a despesa crescia, sempre a taxas superiores ao PIB, como pode ser visto no gráfico abaixo. Em 2001, já havia rompido, no caso específico do governo central (Tesouro Nacional, Banco Central e Previdência Social), a barreira dos 15% do PIB. Tudo isso projetava um futuro em que a dívida pública cresceria mais que o PIB e, em algum momento, se tornaria impagável.

Gráfico 1 – Despesa Primária do Governo Central: 1997-2014 (% do PIB)

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Chegamos, então, a 2002 com um regime fiscal capenga e insustentável. A associação desse fato com a eleição de Lula para a Presidência da República desencadeou um movimento de temor sobre qual seria a política econômica do PT. O passado recente de oposição à Lei de Responsabilidade Fiscal, às reformas da previdência e a toda e qualquer medida de controle de gastos indicava que se teria um governo populista, que aceleraria o ritmo de deterioração das contas públicas. Em função desse temor, houve fuga de capitais e, mais uma vez, o país se viu em uma crise de balanço de pagamentos, sem dólares para pagar os compromissos externos do governo e das empresas privadas. A cotação do dólar ultrapassou a marca dos R$ 4,00 e  a inflação acelerou-se: nos três últimos meses de 2002 o IPCA acumulou 6,5%, equivalente a uma taxa anualizada de 29%.

Ao tomar posse em meio a forte crise econômica, o Presidente Lula surpreendeu e adotou um conjunto de medidas de ajuste fiscal que confrontava todo o discurso oposicionista do PT. Mandou para o Congresso e aprovou, ainda que de forma mitigada, uma reforma da previdência do setor privado (Emendas Constitucionais nº 41/2003 e nº 47/2005). Controlou com mão de ferro as despesas não obrigatórias e os reajustes do funcionalismo público. Manteve a escalada da carga tributária. Ou seja, intensificou o padrão de equilíbrio fiscal do governo anterior: algumas reformas, supressão do investimento público e elevação da carga tributária.

Assim como no caso do Governo FHC, não conseguiu abrir mão de políticas de alto retorno eleitoral, como os aumentos reais para o salário mínimo. Tampouco reformou o frágil processo orçamentário. O controle da despesa continuava na boca do caixa, a base de “decretos de contingenciamento”. Obteve-se alguma melhoria na qualidade do gasto público ao se reformar um conjunto de programas sociais, criando-se o Bolsa Família.

Outras reformas, fora da área fiscal, foram realizadas com o objetivo de aumentar a eficiência da economia. Destaquem-se a Lei de Falências, a introdução do sistema de crédito consignado e a melhoria das garantias em operação de crédito, facilitando a execução de garantias. Isso melhorou o ambiente de negócios e estimulou o crédito e o investimento.

Já se começava a discutir o aprofundamento das reformas fiscais, visando zerar o déficit público. Aí veio o Mensalão…

O Mensalão e o Maná que Caiu do Céu

Essa orientação de política econômica duraria pouco. Em 2005 estourou o escândalo do Mensalão e a popularidade do Presidente Lula caiu fortemente, ameaçando a sua reeleição. Para costurar uma nova rede de apoio político, o Presidente deu uma guinada na política fiscal. Os cofres públicos foram abertos e generosos aumentos de remuneração foram concedidos a praticamente todas as carreiras do funcionalismo federal. Foram ampliadas as verbas públicas destinadas à UNE, aos sindicatos e confederações de trabalhadores, às universidades, aos estados e municípios, às emendas parlamentares, às campanhas publicitárias do governo.

Tudo indicava que teríamos uma recaída fiscal e voltaríamos para o padrão de crises cíclicas. Porém um fenômeno externo veio em socorro ao Brasil. O forte crescimento da economia chinesa elevou a demanda por commodities no mercado internacional. Os preços de nossos produtos de exportação, como minério de ferro e soja, cresceram sobremaneira. Do final de 2002 até o final de 2010 o preço médio das exportações brasileiras, em dólares, subiu 146%, enquanto o das importações cresceu apenas 85%. Um “maná vindo dos céus” (ou melhor, da China) aumentou fortemente as receitas de exportações e barateou as nossas compras de produtos industrializados – produzidos, em sua maioria, na própria China.

O Brasil, assim como todos os demais exportadores de commodities do mundo e, em especial, da América Latina, passou a acumular grandes superávits comerciais. As reservas internacionais cresceram. O fantasma da crise cambial foi afastado. O aumento de renda nacional decorrente das exportações a preços elevados se traduziu em ganhos de arrecadação de tributos. A receita do Governo Federal passou a crescer a inacreditáveis 7% ao ano, em termos reais. O desemprego caiu. A criação de regimes tributários simplificados estimulou a formalização do emprego, o que contribuiu para melhoria das contas da previdência.

Paralelamente, havia um excesso de liquidez no mercado financeiro internacional. Investidores estrangeiros passaram a aplicar seus recursos nos países emergentes. O Brasil, com boas perspectivas econômicas e uma taxa de juros atraente, passou a ser destino preferencial. Essa entrada de poupança externa, somada às melhorias institucionais no mercado interno de crédito, ajudou na forte expansão dos financiamentos de imóveis e bens de consumo.

Essa lufada de boas notícias afastou o inferno astral político do Presidente Lula, que recobrou a sua popularidade e se reelegeu. O ambiente de bonança abriu espaço para que o PT finalmente adotasse os seus ideais históricos de política econômica, baseados na crença de que é possível estimular o crescimento econômico através de um governo grande, que tenha ingerência nas decisões dos agentes privados, para orientar o mercado em direção ao crescimento.

O governo tomou como sendo permanente o ganho de renda proporcionado pelo boom de commodities. Qualquer pessoa que já gastou trinta segundos olhando um gráfico da evolução histórica da cotação de commodities sabe que esse mercado se caracteriza por alternar períodos de alta e de baixa, com a transição de um para outro se dando de forma abrupta. No entanto, a crença era de que a melhoria do quadro econômico era consequência da política interna, nada tendo a ver com o presente vindo da China. Assim, não havia que temer qualquer reversão do quadro externo.

A ordem, agora, era estimular a economia, acelerando-se o gasto público. Trocou-se a equipe econômica e criou-se, em 2007, o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), baseado no desarquivamento de projetos de investimento do setor público e de empresas estatais, que passaram a ter prioridade e não seriam contabilizados como despesa pública para fins de apuração do déficit público.

Esse mecanismo de não contabilizar investimentos como desepesas, para fins de apuração do déficit público, havia sido instituído anteriormente, a partir de um acordo com o FMI. Nesse acordo criou-se o Programa Piloto de Investimentos (PPI), no qual alguns projetos, previamente selecionados com base em sua qualidade e retorno econômico, ganhavam esse privilégio. A ideia era que bons projetos de infraestrutura tendem a acelerar o crescimento e, com isso, melhorar as contas fiscais no longo prazo.

Com o advento do PAC, generalizou-se a prática de retirar os investimentos do cálculo do déficit. Não importava se os projetos fossem antigos e de baixa qualidade, tampouco se teriam algum impacto econômico relevante. Subverteu-se, portanto, um mecanismo que, se fosse usado com temperança, poderia ajudar a melhorar a infraestrutura e o crescimento econômico.

Não havia foco, nem prioridade nos investimentos: tudo teria que ser feito ao mesmo tempo. Certamente o Brasil precisava ampliar seus investimentos públicos, após décadas de supressão desses gastos em nome do equilíbrio fiscal. Mas fazê-lo dessa forma dificilmente colaboraria para melhorar a eficiência da economia.

Em 2006 o Brasil foi escolhido para ser a sede da Copa do Mundo de 2014. Em 2007 candidatou-se para sediar os jogos Olímpicos. Duas empreitadas de vulto, que exigiriam fortes investimentos em arenas esportivas, previsíveis elefantes brancos de alto custo de construção e manutenção.

A primeira rodada de aumentos reais de remuneração dos servidores públicos, ocorrida em 2006, desencadeou um movimento de reivindicação por parte das carreiras inicialmente não contempladas. Houve aumentos generalizados e os servidores nunca ganharam tanto. Em 2007, os gastos primários do governo central, retratados no gráfico 1 acima, já se aproximavam dos 17% do PIB, quase dois pontos percentuais acima do nível de 2005. Mas não se via problema nisso, pois a receita estava “bombando” e a carga tributária, reforçada pelos aumentos de impostos do período 2002-2004 e pelo crescimento da base de arrecadação, já chegava a 33,2% do PIB.

Os erros de política econômica que agravaram os problemas estruturais

Em 2008 eclodiu a crise no mercado financeiro norte-americano, com a quebra do banco Lehman Brothers. A atividade econômica mundial caiu fortemente e isso, obviamente, teve consequências sobre o Brasil. No ano de 2009 o PIB brasileiro caiu 0,23%. A equipe econômica decidiu, então, que precisava fazer uma “política anticíclica”: aumentar os gastos públicos e reduzir tributos para estimular o consumo e reativar a economia.

Política anticíclica é, por definição, algo passageiro: expande-se o gasto apenas enquanto a economia está precisando de incentivos. À medida que a economia sai da crise, e a capacidade ociosa das indústrias diminui, o governo deve retirar os estímulos.

Porém, a política anticíclica aqui adotada aumentou gastos difíceis de reverter posteriormente, como, por exemplo, a remuneração do funcionalismo e o salário mínimo. E as desonerações tributárias, que poderiam ser revertidas, não o foram em função da pressão política de seus beneficiários. Tornaram-se, isso sim, definitivas, mediante a edição de uma medida provisória posteriormente convertida na Lei nº 13.043, de 2014.

Já em 2010 a economia apresentava forte crescimento, mas os estímulos fiscais não foram retirados. Na verdade, o boom de commodities continuava intenso, pois a China manteve elevado ritmo de crescimento e continuou fortemente compradora no mercado internacional, apesar da crise que afetava os EUA e a Europa.

A partir de 2011, animado com o elevado crescimento de 2010 (que nada mais foi que a recuperação da queda de 2009 e não o prenúncio de um novo patamar de crescimento), a política anticíclica transmutou-se em um conjunto de medidas que veio a ser batizado de “Nova Matriz Econômica”.

Essa “nova” política consistia em forte intervenção governamental na economia visando estimular o investimento privado e o consumo. A ideia básica era de que, havendo mais consumo, as empresas se interessariam em investir e produzir mais. Ao mesmo tempo, se os investimentos fossem incentivados e subsidiados, o ciclo se fecharia, com as empresas ampliando investimentos e produção. A taxa de crescimento se aceleraria. Não seria preciso se preocupar com equilíbrio fiscal, pois o crescimento decorrente da política de estímulos faria a receita pública crescer e fechar as contas do governo.

Também fazia parte do cardápio a redução da taxa de juros básica da economia. Considerada pelos gestores da política econômica como instrumento ineficiente de controle da inflação, ela precisaria ser reduzida para diminuir os custos financeiros das empresas e dos consumidores. A queda dos juros no mercado internacional, em função da crise financeira de 2008, parecia uma oportunidade e tanto para baixar as taxas domésticas.

Outro pressuposto da Nova Matriz era de que o governo sabia melhor do que as empresas quais seriam os bons investimentos para o país. Partia-se do pressuposto de que era preciso proteger e subsidiar as empresas nacionais, para que novos setores produtivos, escolhidos pelo governo, florescessem no país e/ou se tornassem multinacionais de sucesso. Com isso, deixaríamos de ser um simples exportador de commodities e agregaríamos valor à produção nacional.

Essa política estava baseada em diagnósticos errados. Sua pressuposição básica era de que o aumento do consumo das famílias e do governo desencadearia imediato aumento dos investimentos e, consequentemente, do crescimento econômico. Porém, entre o aumento do consumo e a ampliação da capacidade produtiva há grandes obstáculos: o país tem sérios problemas de infraestrutura; o custo do trabalho subiu muito desde o início do século (aumento do salário mínimo e redução da oferta de trabalho decorrente de mudança na composição etária da população); os trabalhadores têm baixa qualificação; fornecedores não conseguem ofertar insumos de qualidade e no prazo demandado (em função da política de proteção e exigência de conteúdo local); a justiça é lenta e o cumprimento dos contratos sistematicamente desrespeitado; há um excesso de burocracia para se abrir e gerir uma empresa; as regras trabalhistas são rígidas; as regras tributárias complexas e requerem alto custo para serem cumpridas. Ou seja, produzir no Brasil é caro, arriscado e não resulta em produtos de qualidade.

Ademais, há uma inconsistência entre aumentar o déficit público e aumentar o investimento privado ao mesmo tempo. Ambos são financiados pela poupança agregada da economia. Se o déficit público aumenta, o seu financiamento (a venda de títulos pelo Tesouro) vai absorver uma parcela maior da poupança disponível, sobrando menos recursos para financiar o investimento privado.

É verdade que podemos recorrer à poupança externa. Mas a entrada de capital externo acaba gerando um excesso de dólares na economia, valorizando o real. Quando o câmbio se valoriza, a indústria nacional fica menos competitiva em relação aos produtos importados. O aumento do consumo, em vez de estimular mais produção doméstica, vai estimular mais importações. E foi o que ocorreu. Apesar de todo discurso de incentivo ao investimento da indústria nacional, essa teve a sua participação no PIB sistematicamente encolhida nos últimos anos. Em 2010 ela estava na faixa de 15% do PIB, chegando a apenas 11% em 2014.

Não bastasse isso, é preciso reconhecer que, entre o aumento do consumo e a ampliação da produção, existe um hiato de tempo, no qual as empresas precisam constatar que o consumo subiu, acreditar que isso é permanente, tomar a decisão de investir e, finalmente, construir e começar a operar as novas unidades produtivas.

Por todos os motivos acima, apesar dos estímulos e desonerações fiscais, a indústria não conseguiu suprir a expansão do consumo. Os ganhos de renda, advindos da expansão fiscal e da bonança no comércio exterior, levaram ao aumento do consumo de bens importados, dada a incapacidade da indústria em prover bens com preço e qualidade capazes de concorrer com os produtores internacionais. Viajar a Miami, para comprar pela metade do preço, virou esporte nacional.

Ao mesmo tempo, os ganhos de renda elevaram o consumo de serviços (construção e reforma, serviços pessoais, refeições fora de casa). Como esses serviços não podem ser importados, os produtores nacionais não enfrentam concorrência externa, e o aumento de demanda elevou seus preços. Isso teve impacto sobre a inflação e sobre a competitividade da indústria: a absorção de mão de obra pelo setor de serviços aumentou os salários de equilíbrio em toda a economia, reduzindo a margem de lucro da indústria. Aumentou, também, o custo de outros serviços consumidos pela indústria, como alugueis, logística, consultoria e fretes.  Ainda que houvesse incentivo fiscal ao investimento, a menor margem de lucro e a baixa eficiência não permitiam à indústria vislumbrar oportunidades de negócios. Ademais, o crédito barato não era para todos, mas apenas para os escolhidos do Governo.

A redução da taxa Selic “na marra” levou ao descontrole da inflação. Ficou evidente mais um erro de diagnóstico: uma política monetária prudente tem sim efeito sobre a taxa de inflação. A atuação sobre os juros não se fez apenas via taxa básica. Houve determinação política para que os bancos públicos reduzissem os juros cobrados em suas operações de crédito e expandissem os seus empréstimos. A ideia era de que isso acirraria a concorrência com os bancos privados e os induziria a reduzir os juros de seus financiamentos. Na prática, os bancos privados não entraram nessa disputa. A carteira de crédito de instituições públicas, como Caixa Econômica e Banco do Brasil, se expandiu e perdeu qualidade (aumento do risco de inadimplência). O custo dessa maior inadimplência já aparece nas perdas provisionadas por esses bancos e, cedo ou tarde, virará gasto público, quando o Tesouro for chamado a fazer um aumento de capital para compensar as perdas. Criou-se um “esqueleto fiscal” a ser pago no futuro. Como, aliás, já aconteceu em diversos momentos da história do país.

O subsídio ao crédito teve sua expressão máxima nos empréstimos subsidiados do Tesouro Nacional ao BNDES, em montante que atingiu inacreditáveis 10% do PIB. A ideia, mais uma vez, era conceder crédito subsidiado a empresas e estimular o investimento. Ocorre que, para emprestar ao BNDES, o Tesouro tem que tomar emprestado dos poupadores nacionais. Afinal, o Tesouro é deficitário e não tem dinheiro sobrando para emprestar a ninguém. Ao tomar dinheiro em mercado, o Tesouro tirou a oportunidade de que aquele dinheiro fosse emprestado por outros bancos a outros tomadores. Ou seja, os créditos criados via BNDES não eram créditos novos dentro da economia. Eram simples realocações da poupança privada, em que o Governo decidiu, via BNDES, escolher quem receberia os créditos, na suposição de que o Governo tem mais capacidade que o mercado para alocar o crédito de forma eficiente.

Há pelo menos dois problemas nessa política. Primeiro, o crédito não é concedido aos melhores projetos (aqueles que têm mais chance de sucesso e de gerar crescimento econômico), mas sim aos projetos que têm maior conexão política. Segundo, o subsídio embutido no crédito aumenta o déficit público e, com isso, a pressão do Tesouro para se financiar no mercado, reduzindo a poupança disponível para financiar outros investimentos. A taxa de juros (preço da poupança disponível) sobe, prejudicando a viabilidade de todos os outros projetos que não têm acesso a juros subsidiados.

Efeito similar tiveram as diversas medidas de proteção das empresas nacionais. A cadeia produtiva de óleo e gás, por exemplo, foi submetida a crescentes exigências de compra de insumos fabricados internamente. Houve grandes estímulos para a instalação de estaleiros em território nacional. Isso se traduziu em insumos mais caros, de pior qualidade e entregues fora do prazo. E tudo isso bancado por mais subsídios públicos. Também daí decorrem baixa produtividade e redução da capacidade de crescimento.

Sempre que o Governo tenta proteger um dos elos da cadeia produtiva (por exemplo, a indústria naval), ele desprotege o elo seguinte (produção de petróleo), pelo simples fato de que obrigará esse setor a comprar insumos mais caros e piores. Não é possível proteger todos os setores da economia nacional ao mesmo tempo. A menos que importemos o modelo econômico da Coréia do Norte.

Numa demonstração de que o controle fiscal era secundário e que o importante era estimular a empresa nacional, a Lei de Licitações foi alterada, para permitir aos órgãos públicos pagar até 25% a mais nas licitações, quando o ofertante fosse empresa nacional. A aquisição de medicamentos pelo SUS deixou de ter como objetivo único atender as necessidades dos pacientes. Acoplou-se a ela uma política industrial de produção de medicamentos nacionais, mantida a base de fortes subsídios públicos, que, obviamente, consumiam recursos que poderiam ir para o atendimento final dos pacientes. Aguardemos para ver os resultados em termos da expansão da tecnologia e da capacidade nacional para produzir medicamentos…

Não menos problemática foi tentativa de induzir a Vale (empresa privada, mas com grande participação de entidades estatais) a investir no beneficiamento de minério (atividade de baixo retorno e excesso de produção internacional) em vez de se concentrar na mais lucrativa atividade de exploração e exportação de minério. A Petrobras fez uma série de maus negócios, desde compra de refinaria a preço superfaturado até construção de refinarias sem viabilidade econômica. Tudo a título de migrar da exploração de recursos naturais para atividades supostamente mais sofisticadas.

No conjunto de interferências equivocadas no processo produtivo merece destaque a mudança do marco regulatório do petróleo. A título de extrair maiores rendas de petróleo para o governo, e reduzir o lucro das petroleiras, foi proposta a mudança do regime de concessão (que vinha funcionando bem) para o regime de partilha (ver mais sobre esse tópico aqui). Aproveitou-se para estabelecer uma reserva de mercado para a Petrobrás, que seria a operadora única dos campos e sócia obrigatória, com pelo menos 30% do capital em cada campo.

A discussão do novo marco regulatório paralisou o setor. Foram quatro anos sem novas licitações para exploração de petróleo. Bilhões de reais de investimentos deixaram de ser feitos, em um período em que o preço do barril superava os US$ 100 e, portanto, as petroleiras estavam dispostas a dar lances elevados pelas concessões. Agora, com o petróleo a US$ 50, o interesse por investir nos campos (de alto custo) do pré-sal caíram bastante. Enquanto o Brasil gastava quatro anos discutindo as regras do pré-sal, o desregulamentado mercado dos Estados Unidos viu florescer o óleo de xisto, tornando-se o maior produtor de petróleo do mundo.

Ademais, a reserva de mercado concedida à Petrobrás se tornou um veneno para a empresa. Endividada, em função de inúmeros investimentos equivocados, interferência governamental e má governança decorrente de corrupção, a empresa não tem capital para participar com 30% de todo o capital da exploração do pré-sal. Por conta disso, atrasa-se ainda mais o cronograma de investimentos do setor, freando o crescimento econômico.

Ainda no setor de combustíveis, destaca-se o congelamento do preço da gasolina. A medida teve por objetivo controlar, “na marra”, a expansão da inflação, após o equívoco em se tentar controlar, “na marra”, a taxa de juros fixada pelo Banco Central. Ou seja, lançou-se mão de uma medida errada (o controle de preços), para corrigir outra medida errada (o controle dos juros). Os efeitos não se compensaram: somaram-se a amplificaram seus efeitos negativos sobre a economia. Como diz o velho ditado: um erro não justifica o outro.

De fato, a intervenção teve diversos efeitos negativos. Em primeiro lugar, arruinou as finanças da Petrobras, que foi obrigada a importar gasolina a um preço mais alto do que vendia no mercado interno (o que também prejudicou o balanço de pagamentos). Em segundo lugar, inviabilizou todo o setor de produção de etanol, que ficou menos competitivo em relação à gasolina, levando usinas à falência. Em terceiro lugar, criou uma inflação reprimida, que os agentes econômicos sabiam que iria aparecer (como de fato apareceu) em 2015, no momento em que se permitisse um reajuste corretivo dos preços: as expectativas inflacionárias ficaram mais rígidas, exigindo política monetária mais restritiva.

A expressão mais evidente do fracasso do novo marco regulatório do petróleo foi o leilão do megacampo de Libra, em 2013. Com reservas estimadas entre 8 e 12 bilhões de barris, o maior campo já licitado no Brasil e um dos maiores do mundo obteve o interesse de apenas um consórcio, que o arrematou pelo preço mínimo. O que gerou esse resultado pífio foram as regras de exploração, que espantaram os potenciais investidores.

No setor elétrico, a intervenção do governo não foi mais feliz. Às vésperas de um período seco, com os reservatórios das hidrelétricas em nível crítico, foi decretada uma redução de tarifas de energia. Estimulou-se o consumo quando se sabia que a oferta não daria conta de maior demanda. O risco de racionamento elevou-se e só não se concretizou porque a economia entrou em recessão e o consumo caiu. Mas não escapamos de uma correção de preços que, em poucos meses, aumentou em 50% a tarifa de energia.

O desarranjo no setor elétrico foi além do problema das tarifas. Uma medida provisória (MP 579) buscou induzir as geradoras de energia a dar desconto no valor da energia produzida. Para tanto, prometia a renovação antecipada das concessões que estavam para vencer nos próximos anos. As geradoras ligadas à Eletrobrás foram induzidas a aceitar o acordo e tiveram perdas de receitas (criando mais “esqueleto fiscal” a ser transferido para o Tesouro no futuro). Outras importantes geradoras não aceitaram o acordo. O seu suprimento de energia deixou de ser vendido em contratos de longo prazo, a crise de abastecimento se agravou e os preços explodiram. Para quem desejava reduzir o custo da energia, o governo conseguiu um belo resultado, porém com o sinal trocado!

A tão necessária recuperação da infraestrutura não escapou do equivocado pressuposto de que o governo conhece e pode mais que as empresas e o mercado. Ao mesmo tempo em que ofereceu ao setor privado a oportunidade de construir e administrar concessões de estradas e aeroportos, o governo decidiu tabelar o lucro máximo que essas empresa poderiam obter. A ideia era fornecer infraestrutura barata para que os usuários pudessem deslocar sua produção a baixo custo e as famílias não fossem oneradas pelos custos de pedágio. Ocorre que esse tabelamento de lucros atraiu empresas de baixa qualidade para a gestão das estradas, inviabilizou a concessão de outras tantas rodovias e diminuiu a concorrência nas concessões aeroportuárias.

Ainda no setor aeroportuário, a insistência em manter forte intervenção governamental, por meio da participação da Infraero como sócia de todos os consórcios, reduziu a agilidade dos consórcios administradores e onerou o erário, uma vez que a Infraero tem que participar com 49% (sua participação no negócio) de todo o custo de investimento na reformulação e ampliação dos aeroportos.

Outra conta que foi jogada para o contribuinte, no âmbito das concessões, foi o subsídio creditício dado nos financiamentos aos consórcios vencedores. Para que a tarifa aos usuários não fosse elevada, dava-se crédito barato aos concessionários. Ou seja, a conta que o usuário dos serviços (eletricidade, rodovias e aeroportos) não pagava, era repassada ao contribuinte. Mais despesa pública em um país com as contas estressadas.

Não menos desastrada foi a política de desoneração da mão de obra. Com o intuito de reduzir os custos das empresas, substituiu-se a base de cálculo da contribuição para a previdência social. Em vez de se calcular a tributação com base na remuneração de cada empregado, passou-se a calculá-la com base no faturamento das empresas. O resultado imediato foi a indução de contratação de mais mão de obra, pois agora a inclusão de mais empregados na firma não aumentava o custo de contribuição previdenciária. Para um mesmo nível de faturamento, não importava se a empresa tinha 10 ou 100 funcionários, a contribuição seria a mesma. Mas isso foi feito em um momento em que o país estava em pleno emprego. Estimular a contratação em uma situação como essa significa induzir aumentos de salários, pois a demanda por mão de obra cresce e a oferta de mão de obra não acompanha, pois há poucos desempregados buscando colocação. Em vez de reduzir custo das empresas, a medida representou aumento salarial: mais uma estocada na capacidade competitiva das empresas frente aos concorrentes externos, que também gerou perdas substanciais de arrecadação tributária.   (em outro artigo há mais detalhes sobre isso).

A falsa sensação de que o Brasil estava engrenando um longo período de crescimento (criada pela renda extra vinda de fora, sob a forma de altos preços e alta demanda por commodities e pelo dinheiro barato circulando no mercado financeiro internacional) levou a grande relaxamento da política fiscal. Um país que, como vimos, permaneceu por  décadas na corda bamba do déficit, equilibrando-se à base de aumento de carga tributária e cortes de investimentos, de repente descobriu-se sem restrições fiscais. Na educação, por exemplo, os gastos federais aumentaram de R$ 14 bilhões em 2004 para R$ 94 bilhões em 2014: um crescimento real de 294%! (mais sobre esses números aqui)

Como um contágio da baixa responsabilidade fiscal, o Governo Federal passou a estimular os estados e municípios a se endividar. Estes aproveitaram a oportunidade para expandir suas folhas de pagamento.

Em suma, houve uma primeira guinada de política econômica em 2005-2006, motivada pelo Mensalão e custeada pelo boom de commodities. Em seguida estabeleceu-se uma política de expansão fiscal com o pretexto de se fazer política anticíclica, posteriormente transformada em “Nova Matriz Econômica”. Tal “matriz”, além de aprofundar a lassidão fiscal, introduziu novos elementos que prejudicariam o bom funcionamento da economia e sua capacidade de crescimento: escolha pelo governo dos setores a serem estimulados, proteção a empresas nacionais ineficientes, interferência na estratégia de investimento das grandes empresas, congelamento de preços de insumos básicos (energia elétrica e gasolina), relaxamento da política monetária, paralisia das licitações de campos de petróleo, elevação do risco de racionamento de energia elétrica e aumento do risco regulatório (a hiperatividade do governo, interferindo em vários mercados, tornava as empresas receosas de investir).

Esses efeitos negativos, contudo, não foram sentidos de imediato. O aumento da renda real, o baixo desemprego, a expansão do consumo ajudada pelo crédito barato, as estatísticas de redução da pobreza e da desigualdade, tudo isso fazia a população crer que seu nível de vida havia mudado definitivamente para melhor.

Como uma cigarra feliz, o Governo Federal estimulou os brasileiros a consumir com vontade toda a renda extra que veio dos ganhos do boom de commodities e do crédito barato vindo do exterior. Impossível não chamar a Nova Matriz Econômica pelo seu nome verdadeiro: “populismo”.

Em 2013 a maré baixou e os problemas começaram a aparecer

Em 2013 o ritmo de crescimento da economia chinesa começou a diminuir. Os mercados de commodities esfriaram. A atividade econômica no Brasil sentiu o baque e os problemas acumulados com os erros da nova matriz, somados à nossa histórica fragilidade fiscal e aos demais problemas estruturais, passaram a cobrar seu preço: o nível de endividamento dos consumidores brecou a expansão do consumo; a escalada da inflação corroeu a renda; acabou o dinheiro que estava bancando o crescimento  insustentável dos gastos primários; os subsídios creditícios dados pelo Tesouro elevaram a dívida bruta e o seu custo; a queda do preço do petróleo somou-se aos escândalos de corrupção e ao previsível fracasso dos produtores nacionais de equipamentos de exploração, colocando a Petrobras na berlinda; as expectativas se deterioraram; as desonerações fiscais ajudaram a derrubar a receita pública e ampliaram o déficit.

O governo passou a maquiar as contas para esconder o déficit, deteriorando ainda mais a confiança e as expectativas dos agentes econômicos em relação à consistência da política econômica. O gráfico abaixo mostra como o resultado primário despencou em 2014. Isso sinaliza para um rápido crescimento da dívida pública e descontrole da inflação.

Gráfico 2 – Resultado Primário do Governo Federal

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O Banco Central, que perdeu credibilidade ao baixar os juros e deixar a inflação escapar da meta, está se defrontando com taxas na casa de 10% ao ano. Para recobrar a credibilidade e fazer as pessoas acreditarem que pretende trazer a inflação de volta para a meta de 4,5% ao ano, ele precisa “comprar credibilidade”, e o faz com uma elevação de juros bem mais forte do que a que seria necessária caso os agentes econômicos não tivessem perdido a fé nas intenções da Autoridade Monetária. A recessão necessária para colocar os preços nos eixos terá que ser maior.

Diversos programas públicos estão sendo reduzidos ou extintos pela simples falta de dinheiro. Vedetes da propaganda oficial, como Fies, Pronatec, Minha Casa Minha Vida, Minha Casa Melhor e Ciência sem Fronteira estão encolhendo. Mas os desafios fiscais não param. A elevação da inflação fará com que os reajustes futuros do salário mínimo, corrigidos pelos índices passados mais o crescimento real do PIB, sejam altos, realimentando os gastos públicos e a pressão sobre as empresas.

Apesar da evidente crise fiscal, sucessivos aumentos de gastos presentes e futuros têm sido aprovados, com destaque para a meta de se gastar 10% do PIB na área de educação, a fixação de um piso para o gasto em saúde equivalente a 15% da receita corrente líquida da União, a obrigatoriedade de execução das emendas parlamentares ao orçamento, a substituição do fator previdenciário por critérios mais frouxos de acesso a aposentadorias.

A sociedade brasileira e as lideranças políticas parecem ter se acostumado com os anos recentes, em que a receita pública crescia a 7% ao ano, e não conseguem se adaptar à nova realidade, em que a receita está caindo em termos reais.

As agências de avaliação de risco já sinalizaram o iminente rebaixamento da nota de crédito do país. Esse rebaixamento iminente já está expresso nas elevadas taxas de juros cobrados de empresas e governos brasileiros que buscam crédito no exterior. Quando consumado, o rebaixamento fechará o acesso do país a recursos de fundos de investimento internacionais, cujos estatutos proíbem investimentos em países sem qualificação de crédito. A tendência será a desvalorização adicional do real, mais pressão inflacionária e maior dificuldade para equilibrar o balanço de pagamentos.

Só não vamos para uma crise clássica, de falta de liquidez para pagar nossos compromissos externos, porque acumulamos mais de US$ 350 bilhões em reservas internacionais. Entretanto, o uso extensivo de swaps cambiais está aumentando a exposição do governo ao risco cambial, bem como o custo de manutenção das reservas. Em um cenário de stress, o Banco Central pode ser obrigado a vender parte substancial das reservas, aproximando-nos de uma clássica crise de balanço de pagamentos.

Como toda política populista, a “nova matriz” era inconsistente e termina em crise. Tivemos a oportunidade de usar o período do boom de commodities para fazer reformas fiscais e regulatórias que removeriam fragilidades e entraves ao crescimento da economia. Preferimos a fórmula fácil de torrar a renda extra pela via do gasto público em políticas questionáveis ou de eficiência não comprovada, além de multiplicar o crédito subsidiado.

Temos problemas estruturais, que vêm de longe e precedem a política econômica dos últimos oito anos. Mas esta, sem dúvida, agravou em muito os fundamentos da economia brasileira.

Feita essa longa digressão, estamos em condições de discutir indagações que frequentemente surgem nesse momento de crise e de mudança de rota da política econômica. No próximo post será apresentado um F.A.Q. da crise.

 

O autor agradece os comentários de Alexandre Rocha, Paulo Springer de Freitas e Pedro Fernando Nery, isentando-os de responsabilidade por erros eventualmente contidos no texto.

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O Banco Central deve ser independente? https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=2289&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=o-banco-central-deve-ser-independente Mon, 15 Sep 2014 13:37:29 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=2289 O cenário político recente despertou novamente o debate sobre independência (ou autonomia) do Banco Central do Brasil (BCB). Uma diversidade de argumentos, teóricos ou ideológicos, vem sendo utilizada para defender, de um lado, um maior controle do Poder Executivo sobre as decisões do BCB, ou, de outro, um maior isolamento do órgão com respeito a oscilações políticas. Neste texto, entregamos uma análise sobre o papel do Banco Central na sociedade e esclarecemos argumentos em defesa da sua independência.

Primeiramente, é preciso clarificar o que é (e o que não é) independência do Banco Central.

Independência pode ser entendida como um arranjo institucional em que estão presentes mecanismos de insulação do órgão em relação a intervenções discricionárias do governo. Dito de outra forma, a independência representa um desenho das regras do jogo de modo a deixar o BC livre de influências políticas que prejudiquem o cumprimento da sua missão como guardião da estabilidade da moeda – leia-se, inflação sob controle.

Que mecanismos garantem independência na prática? Como exemplos, podemos citar:

  • Período de tempo predefinido para o mandato do presidente e da diretoria do órgão, assim como critérios alternativos de escolha da direção (que não a nomeação direta por parte do governo), são regras que evitam a interferência do governante.
  • A autonomia orçamentária é tida como outra forma de reforçar a independência do órgão, já que o governo poderia exercer pressão sobre o órgão retendo recursos orçamentários ou obstruindo contratação de funcionários.

Antes de discutirmos os benefícios de um BC independente, é preciso quebrar alguns mitos por vezes disseminados ao público geral a respeito deste tema.

Independência não é entregar o galinheiro a comando da raposa, como argumentam alguns veículos na mídia1. De fato, o quadro de funcionários do BC precisa de pessoas com experiência com bancos e com o mercado financeiro, inclusive na diretoria, devido ao nível técnico exigido pelo trabalho que é desempenhado no órgão. Todavia, o desenho de instituições como o BC certamente não ignora a possibilidade de conflitos de interesse, informação privilegiada, nem a possibilidade de captura da agência pública por interesses privados, os quais representam comportamentos abusivos em prejuízo da comunidade. Para esses problemas, há dispositivos especialmente criados no design institucional, como o período de quarentena profissional dos ex-diretores, a subordinação do presidente a conselhos de administração e a auditoria externa.

Independência não significa abrir mão da determinação dos objetivos de política pela nossa democracia representativa. Até mesmo um BC com operação independente precisa respeitar a lei existente e seguir as diretrizes de política estabelecidas por instâncias superiores, como o Congresso. Para prevenir condutas que se desviem dessas diretrizes, há dispositivos como a avaliação independente e incentivos para a responsabilização (accountability). Vide, por exemplo, o sistema de accountability do Banco Central Europeu, um BC independente com o desafio de harmonizar objetivos de política de dezoito nações2.

Mas por que a independência de uma instituição pode ser desejável?

  1. No caso de alguns órgãos, não é bom que o seu desempenho seja contaminado por preocupações de curto prazo do governo de situação. Seja porque o horizonte temporal relevante vai além dos ciclos eleitorais, seja porque o objeto da atuação do órgão é sensível politicamente (por exemplo, se trata de medidas impopulares ou medidas com benefícios somente para a geração futura).
  2. Em outros casos, o objetivo do órgão precisa de credibilidade para ser cumprido. Assim, o único modo de os agentes envolvidos acreditarem no comprometimento do órgão é se houver insulação dos humores da política. Dito de outra forma, em alguns setores a estabilidade das regras e dos procedimentos é peça central para se alcançar o objetivo almejado.

São exemplos de entidades cuja independência é desejável aquelas que lidam diretamente com a regulação dos agentes, como, por exemplo, o Poder Judiciário, as Agências Reguladoras, o CADE, a CVM. Outro exemplo são os órgãos de fiscalização da própria ação do governo, como o TCU, o Ministério Público e a Polícia Federal.

O Banco Central mistura elementos desses dois tipos de órgão. Sua missão, conforme declarada em seu estatuto, é dupla: (i) manter a estabilidade de preços e (ii) assegurar um sistema financeiro sólido e eficiente. A segunda tarefa está ligada à formulação de regras e à fiscalização da atividade bancária com o objetivo de controlar o risco sistêmico e evitar fraudes e crimes como lavagem de dinheiro. Só esta missão já justificaria a independência do banco para assegurar sua credibilidade e a segurança jurídica.

No entanto, a primeira missão é a mais sensível, especialmente no caso do Brasil. A estabilidade do poder de compra da moeda (ou seja, a inflação sob controle) tem no Banco Central o seu principal guardião, devido, principalmente, à eficácia da atuação desse órgão para influenciar a macroeconomia, por meio da política monetária.

O Brasil tem um histórico de coexistência com altos e persistentes níveis de inflação, um problema crônico denominado pelo historiador econômico Gustavo Franco como ‘inflacionismo’3. Este fenômeno consiste na incapacidade do governo de se financiar via aumento de impostos no presente ou no futuro (via emissão de dívida), e está intimamente relacionado com a instabilidade política do Estado aliada a uma estrutura extremamente desigual de distribuição de riqueza. Sendo assim, somente através do aumento da inflação o governo consegue expandir seus gastos politicamente direcionados e, dessa forma, garantir o apoio político de grupos diversos para se sustentar no poder. O lado perverso disso é que o financiamento inflacionário do Estado funciona como um imposto regressivo, incidindo de forma mais acentuada sobre os mais pobres e piorando a estrutura distributiva.

Entretanto, com a redemocratização dos anos 1980 e a consequente emergência das demandas sociais, o controle da inflação se tornou claramente uma prioridade de política pública. Após várias tentativas fracassadas nos primeiros governos democráticos, o Plano Real conseguiu, em 1994, lançar as bases para uma inflação estabilizada. Além de prescrever uma série de ajustes macroeconômicos, como controle do déficit público e âncora cambial, o Plano tinha um pilar central: a credibilidade do governo no compromisso com a estabilidade de preços.

Essa credibilidade afeta a raiz das expectativas dos agentes da economia (produtores, consumidores, bancos), os quais, tomando suas decisões de forma descentralizada, determinam conjuntamente a evolução dos preços. Porém, o Plano não poderia depender, para sempre, da credibilidade dos indivíduos à frente da condução da política naquela época. Seus proponentes estavam cientes da inconsistência de programas de controle da inflação que dependessem da discricionariedade do governo, fato consolidado na literatura econômica 4 5.

Por isso, o programa de controle da inflação inaugurado pelo Plano Real foi transformado, a partir de 1999, em um mecanismo de caráter institucional: o Sistema de Metas para a Inflação. Neste sistema, o BCB se compromete institucionalmente a utilizar os instrumentos à sua disposição para manter a inflação anual projetada dentro de uma meta centrada em 4,5%, com 2 pontos de tolerância para mais ou para menos (ou seja, entre 2,5 e 6,5). Além disso, para o sistema funcionar bem, é necessário que o BC opere com absoluta transparência e que seus objetivos de política sejam de amplo conhecimento do público. O resultado deste modelo é claro: os níveis de inflação foram consistentemente mais baixos desde 1994 [veja o gráfico].

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Inflação anual medida pelo IGP-DI (Fonte: BCB)

 

O funcionamento do Sistema de Metas, porém, depende criticamente da credibilidade do Banco Central. Apesar de operar com relativa autonomia, qual seja, uma relativa liberdade para decidir os meios e instrumentos para implementar as metas e diretrizes estabelecidas pelo governo, o BCB não possui independência de fato. As dúvidas quanto à credibilidade do Banco podem ser evidenciadas pelo fato de que, nos anos recentes, rumores de que o Governo estaria pressionando o presidente do BC no sentido de ser menos rigoroso com o cumprimento da meta, por si só, contribuíram para o aumento da expectativa de inflação, que hoje beira o teto da meta (6,5%) no acumulado de 12 meses.

A atual geração jovem pouco vivenciou o caos e a aflição causados pela inflação fora de controle, mas ouviu histórias sobre como era difícil o planejamento e a vida econômica naquela época. Os dados e a literatura também ensinam sobre os efeitos perversos da inflação sobre as camadas de menor renda, bem como sobre o potencial de desenvolvimento da nossa economia.

Esses fatos nos levam a crer que a estabilidade de preços figura como senão a mais valiosa conquista econômica da nossa jovem democracia.

 

Para saber mais:

Para uma abordagem didática sobre como funciona a política monetária, recomendamos o artigo de Carlos Góes sobre independência do BC para não-economistas: http://mercadopopular.org/2014/09/o-que-e-autonomia-do-banco-central-um-manual-para-nao-economistas/

Texto originalmente publicado em: http://economiadependrive.wordpress.com/2014/09/07/sobre-a-independencia-do-bc/

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1 http://www.cartacapital.com.br/economia/o-banco-central-independente-e-os-20-centavos-8002.html

2 Banco Central Europeu. Organização > Responsabilização. Acesso em 07/09/2014. Disponível em: https://www.ecb.europa.eu/ecb/orga/accountability/html/index.pt.html

3 Franco, Gustavo. “Auge e Declínio do Inflacionismo no Brasil.” In: Fábio Giambiagi, André Villela, Lavinia Barros de Castro e Jennifer Hermann (orgs.) Economia Brasileira Contemporânea 1945/2004, Capítulo 10, p.258-283. Rio de Janeiro, Editora Campus, 2004.

4 Kydland, Finn E.; Prescott, Edward C. “Rules rather than discretion: the inconsistency of optimal plans.” Journal of Political Economy Vol. 85 No. 3., p.473-492, 1977.

5 Bernanke, Ben S. “Central Bank Independence, Transparency and Accountability.” Speech at the institute for monetary and economic studies international conference, Bank of Japan, May 25th 2010. Disponível em: http://www.federalreserve.gov/newsevents/speech/bernanke20100525a.htm

 

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As exportações brasileiras ficaram mais competitivas com a desvalorização do real? https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=2156&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=as-exportacoes-brasileiras-ficaram-mais-competitivas-com-a-desvalorizacao-do-real Mon, 10 Mar 2014 14:33:31 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=2156 No final de 2007, o saldo da balança comercial começou a apresentar uma trajetória declinante, parcialmente interrompida entre o terceiro trimestre de 2010 e o terceiro trimestre de 2011. Desde então, a tendência de queda se acentuou. Para vários analistas e formuladores da política econômica, o vilão desse fraco desempenho foi a taxa de câmbio, que estaria demasiadamente apreciada. A solução para o problema seria, portanto, uma depreciação do real. Com o real mais depreciado, as empresas brasileiras ganhariam maior competitividade e, com isso, exportariam mais.

Em verdade, há um consenso de que a melhor forma de ganhar competitividade é aumentar a produtividade, mas isso só é viável no médio e longo prazos. É igualmente consensual que menor tributação é outra forma de ganho de competitividade. Entretanto, as exportações já são isentas de vários tributos, e alterações na estrutura tributária podem envolver longas discussões no Congresso, de forma que, efetivamente, no curto prazo, o principal instrumento de ganho de competitividade é a depreciação cambial.

A ideia é bastante intuitiva: suponhamos um automóvel que, no mercado internacional, custe US$ 10 mil. Se a taxa de câmbio estiver em R$ 2,00 por dólar, seu preço, em reais, seria de R$ 20 mil. Se o real se desvalorizar, e o dólar passar a valer R$ 3,00, o preço do automóvel, em reais, aumentaria para R$ 30 mil. Suponhamos que o custo de fabricação do carro no Brasil fosse de R$ 25 mil. Na situação inicial, com o dólar valendo R$ 2,00, o fabricante brasileiro teria imensa dificuldade em exportar, pois seu custo de produção estaria acima do preço internacional e, para exportar sem prejuízos, dificilmente encontraria consumidores dispostos a pagar R$ 25 mil (ou US$ 12,5 mil) por um bem que podem adquirir por R$ 20 mil (ou US$ 10 mil). Já com o real depreciado, a R$ 3,00 por dólar, o fabricante de automóveis não teria maiores dificuldades em exportar sua produção. Afinal, se vendesse o carro a US$ 10 mil, receberia, em reais, R$ 30 mil, e teria um lucro de R$ 5 mil.

O problema desse raciocínio é que, se nossa moeda se depreciar, com o dólar norte americano passando de R$ 2,00 para R$ 3,00, o custo da montadora, antes de R$ 25 mil, pode também aumentar. Do ponto de vista de ganho de competitividade, de pouco adiantaria a taxa nominal de câmbio depreciar-se de R$ 2,00 para R$ 3,00 se os custos das empresas brasileiras aumentassem na mesma proporção. Por esse motivo, a medida de nossa competitividade não é dada pelo câmbio nominal, mas, sim, pelo câmbio real que, grosso modo, busca avaliar em que medida o preço internacional dos bens tem evoluído em relação aos custos domésticos.

Apesar de o conceito de câmbio real ser relativamente fácil de entender, sua mensuração não é trivial. Antes de discutirmos diferentes formas de mensuração do câmbio real, cabe esclarecer que, ao contrário do câmbio nominal, onde há algum espaço de manipulação pela autoridade monetária, o câmbio real depende integralmente das forças de mercado, e, em larga medida, de como a absorção doméstica (a soma do consumo e investimento, privados e do governo) se comporta em relação à produção 1. Assim, eventuais intervenções do banco central no mercado de câmbio ou choques externos, como o anúncio do banco central norte-americano de que adotaria uma política monetária mais restritiva, podem alterar o câmbio nominal, mas terão um impacto mínimo sobre a taxa real de câmbio se a política econômica não se alterar.

Feito esse parênteses, voltemos à mensuração do câmbio real. A melhor forma de mensurar a competitividade é comparar a evolução dos preços dos chamados itens comercializáveis com a dos itens não comercializáveis. Bens comercializáveis são aqueles que podem ser facilmente importáveis ou exportáveis. São, em geral, produtos industriais ou commodities. Já os itens não comercializáveis correspondem àqueles produtos que não podem ser facilmente exportáveis ou importáveis. Normalmente estão associados a serviços. Não há divisão inequívoca entre o que é e o que não é comercializável, pois depende dos custos de transação (que inclui o custo de transportes), dos parceiros comerciais e de outros fatores institucionais. Por exemplo, commodities são, quase que por definição, bens comercializáveis. A invenção de navios frigoríficos, no início do século XX, transformou a carne em bem comercializável e permitiu o grande desenvolvimento da Argentina e Uruguai. Já o turismo pode ser um serviço comercializável ou não, dependendo do contexto. Para pequenas ilhas caribenhas, próxima a fortes mercados emissores, como norte-americano e canadense, e com estrutura bem montada, o turismo é um serviço comercializável. Já o turismo no Nordeste brasileiro teria características de item comercializável e não comercializável ao mesmo tempo, pois compete com outras praias no exterior, mas com custos de transação mais elevados (exigência de visto de americanos, longa distância de europeus) e conta com um mercado cativo doméstico (brasileiros que não dispõe de recursos para ir ao exterior ou que não querem enfrentar barreiras de língua, vistos, etc).

Por que a relação preço dos bens comercializáveis/preço dos bens não comercializáveis mensura o câmbio real (e, portanto, a competitividade de um país)? Observem, inicialmente, que, em tese, o preço dos comercializáveis livre de impostos, quando convertidos em uma única moeda, é o mesmo em todos os países. No caso de commodities essa é uma aproximação muito boa. Já para bens diferenciados, como automóveis, certamente há variações de preço em função da marca, modelo, etc, mas, dentro de determinada categoria de qualidade, conforto e tamanho de veículo, a faixa de variação de preços tende a ser pequena. Já o preço dos não comercializáveis pode variar intensamente de país para país, pois esses bens/serviços estão protegidos da concorrência internacional. Mesmo dentro de um país, as diferenças de preço entre bens não comercializáveis é muito maior do que entre bens comercializáveis. Por exemplo, o aluguel de um apartamento em Ipanema (Rio de Janeiro) pode ser dez vezes mais caro do que o aluguel de um apartamento semelhante em Goiânia. Já a diferença entre o preço do automóvel ou do feijão entre as duas localidades é substancialmente menor, se houver.

Na produção de qualquer bem, há insumos comercializáveis e não comercializáveis. Assim, para produzir automóveis, é necessário aço, tinta e outros insumos cujos custos devem ser aproximadamente os mesmos (uma vez convertidos na mesma moeda) no Brasil ou em qualquer país. Assim, um aumento no preço dos insumos comercializáveis, por afetar da mesma forma todos os produtores, não prejudica a competitividade da indústria nacional.

Já o transporte dos insumos do porto para a fábrica e, posteriormente, o transporte do automóvel da fábrica para o porto, a tarifa de energia, o aluguel e a mão-de-obra, todos esses insumos são não comercializáveis e, portanto, um aumento de seu custo afeta somente a competitividade da indústria nacional. Por esse motivo, quando o preço dos comercializáveis sobe em relação aos não comercializáveis, o câmbio real se deprecia e estamos ganhando competitividade. Simetricamente, se o preço dos não comercializáveis aumenta em relação ao dos comercializáveis, estamos perdendo competitividade, e o câmbio real se aprecia.

Podemos analisar agora como mensurar os preços relativos. A fórmula tradicionalmente utilizada na literatura é:

formula

Em que q é a taxa real de câmbio; e é a taxa nominal de câmbio (expressa em moeda doméstica por moeda externa, como R$ por US$); p* e o nível de preços internacional; e p, o nível de preços domésticos.

Quanto maior o valor de q, mais desvalorizada está a moeda do país. Olhando para os termos, o numerador corresponde ao preço internacional convertido na moeda doméstica. No exemplo do automóvel, era o preço de US$ 10 mil, multiplicado pela taxa de câmbio nominal, para chegarmos aos R$ 20 mil. Assim, o numerador corresponde ao preço dos bens comercializáveis.

O denominador é o nível de preços domésticos. Pela discussão acima, vemos que p não deve ser escolhido aleatoriamente, mas deve refletir o preço dos bens não comercializáveis.

Com base na fórmula acima, o Banco Central (Bacen) estima diversas taxas de câmbio real. Como podemos estimar a taxa de câmbio real em relação a cada moeda diferente, haverá tantas taxas de câmbio real quantos forem as moedas. O Bacen estima uma taxa de câmbio que chama de efetiva, em que pondera as diferentes moedas pela participação do país emissor nas exportações brasileiras. Assim, a taxa de câmbio real efetiva corresponde ao comportamento do real brasileiro frente a uma cesta de moedas que incluem o dólar norte-americano, o yuan chinês, o euro, o iene japonês, o peso argentino, entre outras. Além disso, o Bacen calcula as taxas de câmbio real bilaterais, por exemplo, real x dólar, real x euro, etc.

Em relação aos índices de preços, o Bacen utiliza quatro índices domésticos (IPCA, IPC-Fipe, INPC e IPA-DI) e, para os preços internacionais, dois (o correspondente ao Índice de Preços no Atacado – IPA, quando utiliza o IPA-DI para os preços domésticos, e o correspondente ao Índice de Preços ao Consumidor – IPC, quando utiliza os demais índices para os preços domésticos). Pela discussão anterior, o IPA-DI, por ser um índice de preços no atacado, e, como tal, fortemente influenciado pelo preço dos bens comercializáveis, é inadequado para o cálculo da taxa real de câmbio. Na prática, entretanto, como veremos a seguir, a diferença não é muito grande em termos qualitativos (embora possa ser, do ponto de vista quantitativo).

Outra forma de calcular a taxa real de câmbio é dividir diretamente o índice de preços de bens comercializáveis pelo de bens não comercializáveis. O Bacen calcula esses índices para o IPCA. O Gráfico 1 mostra a evolução das diferentes medidas de câmbio real desde dezembro de 2005. Para suavizar as séries, apresentamos os valores médios dos últimos doze meses, tendo como base dezembro de 2006 = 100. Apresentamos também o índice referente à taxa de câmbio nominal.

grafico_1

(Clique no gráfico para ampliar)

Observamos, em primeiro lugar, que todos os métodos de calcular a taxa real de câmbio de acordo com a Equação 1 fornecem resultados qualitativamente semelhantes. Em termos quantitativos, a diferença entre utilizar como base de comparação o dólar ou uma cesta de moedas pode ser substancial, podendo superar 10 pontos percentuais. Já o uso do IPCA ou IPA como deflator não altera muito os resultados. Na maior parte do tempo, as séries são muito próximas, apresentando diferença média de 1 ponto percentual. Em alguns períodos, contudo, como no fim do primeiro semestre de 2008, a diferença entre as séries chegou a 6 pontos percentuais.

Em segundo lugar, vemos que as séries de câmbio real calculadas de acordo com a Equação (1) são qualitativamente semelhantes à evolução da taxa de câmbio nominal. Os movimentos, contudo, tendem a ser mais suaves. Por exemplo, no recente ciclo de depreciação do real, desde o segundo semestre de 2011, a depreciação do câmbio nominal foi mais intensa do que a do câmbio real, refletindo o fato de a inflação brasileira ser mais alta do que a inflação de nossos parceiros comerciais.

Finalmente, mas não menos importante, o comportamento da série que mensura somente a relação preço comercializáveis/não comercializáveis é bem diferente das demais. Observe-se, inclusive, que, de acordo com esse índice, a forte depreciação do câmbio nominal observada nos últimos dois anos não se transformou em depreciação do câmbio real: o forte aumento do preço dos serviços no Brasil teria minado eventuais ganhos de competitividade.

Qual das metodologias é mais correta? Não há resposta inequívoca para essa pergunta. A Equação 1 utiliza o índice de preços (no atacado ou ao consumidor) de nossos parceiros comerciais. Mas os itens que compõem esses índices, bem como sua ponderação, podem guardar pouca relação com os itens comercializáveis que competem com nossa produção. Em relação ao denominador, já explicamos que o IPA é um índice inadequado. Em tese, o IPCA restrito aos bens e serviços não comercializáveis seria mais adequado. Ainda assim, o IPCA é um índice ao consumidor. Se queremos ter uma noção dos custos de nossas empresas, deveríamos utilizar um índice de não comercializáveis de insumos, e não de bens de consumo final. Por motivos similares, a taxa de câmbio real calculada pelo índice IPCA comercializáveis/IPCA não comercializáveis tem problemas por não tratar diretamente dos insumos na produção. Uma alternativa seria utilizar somente um índice de salários como proxy para os preços dos bens não comercializáveis, mas essa proxy também teria problemas, pois deixaria de considerar vários insumos importantes que não são comercializáveis, como aluguel, tarifas de água, luz e transportes. Por fim, mesmo o índice do IPCA comercializáveis é contaminado por itens não comercializáveis: quando compramos uma garrafa de vinho ou um automóvel, estamos pagando também pelo transporte até a loja, pelo salário do vendedor, aluguéis, etc.

Mesmo com todas as limitações, as taxas reais de câmbio apresentam boa correlação com o saldo da balança comercial. Os Gráficos 2 e 3 mostram a relação do saldo da balança comercial e dos serviços não fatores; o primeiro com a taxa real de câmbio mensurada pela relação preço comercializáveis/preço não comercializáveis; o segundo, com a taxa mensurada em relação ao dólar e utilizando o IPA como deflator (dentre as séries calculadas de acordo com a Equação 1, foi a que apresentou a melhor correlação). Para o período analisado, a taxa de câmbio estimada pela variação dos preços relativos apresentou melhor aderência à série do saldo da balança comercial, e maior correlação (0,96 versus 0,79). Esse resultado, contudo, deve ser visto somente como um fato estilizado. Um trabalho econométrico mais profundo, utilizando outras variáveis, é necessário para que se possa chegar a conclusões mais robustas. De qualquer forma, não deixa de ser interessante verificar que, a despeito da forte depreciação no câmbio nominal observada desde o primeiro trimestre de 2013 até o início de 2014, quando o dólar passou (em valores aproximados) de R$ 2,00 para R$ 2,35, uma depreciação nominal muito acima da inflação do período, o câmbio real medido pela relação preço comercializáveis/não comercializáveis continua se apreciando, comportamento mais consistente com a contínua deterioração de nossa balança comercial.

Em suma, para que a competitividade das exportações brasileiras aumente, e o déficit comercial seja revertido, não basta desvalorizar o câmbio nominal. É preciso que os preços dos bens não comercializáveis parem de subir a taxas superiores às dos comercializáveis.

grafico_2

(Clique no gráfico para ampliar)

grafico_3

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1 Sobre a determinação da taxa real de câmbio, ver outro artigo deste blog, intitulado “Por que o real se valoriza em relação ao dólar desde 2002?

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Os investimentos no Brasil estão perdendo valor? https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=2138&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=os-investimentos-no-brasil-estao-perdendo-valor https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=2138#comments Mon, 24 Feb 2014 15:16:56 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=2138 1. Introdução

Ao final de janeiro, o blog Beyond Brics, ligado ao jornal Financial Times, ventilou uma notícia sobre a perda de valor dos investimentos feitos por estrangeiros no Brasil. A notícia, além de trazer preocupações em seu título (Investing in Brazil: Value creation and value destruction), traz outra ainda maior sob o ponto de vista da estrutura do balanço de pagamentos e da posição de vulnerabilidade externa.

As duas principais contas do balanço de pagamentos1 – o resultado em transações correntes e a conta capital e financeira – servem como referência para avaliar a situação do país frente ao sistema financeiro internacional. Países deficitários em transações correntes – ou seja, aqueles que consomem mais do que produzem, precisando importar bens e serviços do exterior – precisam recorrer ao financiamento externo, seja por investimento estrangeiro ou por ajuda externa, como faz o Fundo Monetário Internacional (FMI) ao detectar países com desequilíbrios nas contas externas. O Brasil, nos últimos dez anos, tem conseguido manter o financiamento de seu déficit em transações correntes de forma saudável, sendo o investimento direto a principal fonte de financiamento. De 2002 até o final de 2012, não havia necessidade de financiamento externo nas contas externas2. Esse cenário benéfico, entretanto, foi revertido em 2013, com o desempenho ruim da balança comercial, passando o país a necessitar de 0,8% do PIB para financiar o resultado negativo das transações correntes.

Apesar do resultado, o país não fechou as contas em 2013 de forma totalmente negativa porque os investimentos estrangeiros em carteira3 ajudaram no financiamento do saldo negativo. Preocupa, todavia, o fato de que investidores estrangeiros possam estar perdendo dinheiro ao investir no país, fazendo com que esses atores revejam suas estratégias de investimento para outros países emergentes. O artigo supracitado argumenta que houve destruição de valor nos investimentos de estrangeiros no Brasil e expõe dados do Banco Central para avaliar o tamanho da perda de valor no estoque de investimento estrangeiro no país, tanto direto, como em renda fixa e em ações.

O objetivo desse texto é avaliar os números de estoque e fluxo de investimento estrangeiro no Brasil, verificar se há perda de valor desses investimentos e avaliar se essa perda está relacionada com a volatilidade cambial e/ou com a perda do valor dos ativos nacionais.

2. Investimento Estrangeiro Direto

Avaliando os dados atualizados recentemente pelo Banco Central4, observa-se que, entre janeiro de 2003 e novembro de 2013, o fluxo de IED no Brasil valia US$405 bilhões e que o estoque de IED – todo o investimento acumulado nesse período – aumentou em quase US$600 bilhões. Esse aumento se deve aos fluxos e à valorização dos ativos. Os números podem ser observados no Gráfico 1.

Gráfico 1

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Importante ressaltar que o País tem atraído fluxos de investimento direto cada vez maiores, por anos seguidos e acumula, entre 2003 e 2013, um estoque de investimento estimado em US$725 bilhões5. Em 2010, apesar de um fluxo menor de IED em relação a 2009, o país captou investimentos no valor de US$26 bilhões. Além da alta no valor das empresas brasileiras nesse ano (IBOVESPA), a apreciação do Real (que altera o valor do estoque em dólar) também ajuda a explicar parte da alta no valor do estoque entre 2009 e 2010. O mesmo raciocínio pode ser utilizado para explicar o grande recuo no estoque de IED a partir de 2011, quando o valor das empresas brasileiras caiu e o houve subsequentes desvalorizações da moeda nacional. Por exemplo, enquanto o dólar valia R$1,69 ao final de 2010, esse valor subiu para R$1,83 ao final de 2011, uma desvalorização de 8,5% em um ano. Um investidor estrangeiro que tenha trazido R$1.690 (ou US$1.000) para o país em 2010, se resolvesse retirar essa quantia do país ao final de 2011, teria o valor equivalente a US$923,5, ou seja, perda de US$76,5. O Gráfico 2 mostra que a correlação6 entre a variação no estoque de IED e a variação cambial é de -0,75, ou seja, uma desvalorização cambial está fortemente associada a uma variação negativa do estoque de IED.

Gráfico 2

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Em 2010, observa-se que a alta dos ativos brasileiros influenciou fortemente o aumento no valor dos estoques de investimento no país. Como mostra o Gráfico 3, a correlação entre o índice Bovespa e os estoques de investimento direto 7é fortemente positiva, de forma que aumentos no índice Bovespa estão associados a variações positivas no valor do estoque de IED. Portanto, a queda no valor desses estoques, observadas a partir de 2011, além de refletir a desvalorização cambial, também é resultado do baixo desempenho das ações das empresas negociadas na Bovespa.

Gráfico 3

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3. Investimento Estrangeiro em Renda Fixa

A análise seguinte compara estoques e fluxo dos investimentos estrangeiro em renda fixa a partir de 2002. O dado mais recente do Banco Central mostra que o estoque de renda fixa em posse de estrangeiros soma US$175,5 bilhões no período. Entre 2009 e 2010, o fluxo em renda fixa, somado, foi de US$ 47 bilhões e o estoque aumentou US$56,5 bilhões.

Gráfico 4

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Como apontam a maioria dos economistas em comércio internacional, investimentos em carteira, ao contrário dos investimentos diretos, são movidos por diferenças no retorno ao capital (Markusen et al, 1995). No caso dos investimentos em renda fixa, devido ao grande diferencial de juros oferecido pelos ativos brasileiros, estes têm sido pouco afetados pela mudança de percepção no risco e pela queda de valor das empresas brasileiras. Entre 2011 e 2012, por exemplo, enquanto o valor do estoque do IED caía, o estoque nessa categoria de investimento apresentou uma alta de US$42 bilhões. As variações do dólar não alteram tanto a decisão de investimento no país, quanto nos outros investimentos, como mostra o Gráfico 5, embora possa ser observada uma correlação negativa relativamente alta.

Gráfico 5

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4. Investimento Estrangeiro em Ações

Quanto aos investimentos estrangeiros em ações, importante componente do investimento em carteira, há uma forte relação entre o valor do estoque e o valor das ações das empresas brasileiras avaliadas no IBOVESPA. O valor do estoque dos investimentos estrangeiros em ações caiu fortemente em 2008, ano da crise financeira internacional, quando houve perda no valor das empresas listadas no Ibovespa (em Reais), acompanhada da desvalorização da moeda nacional, como mostra o Gráfico 6.

Gráfico 6

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Apesar da recuperação do valor do estoque dos investimentos em carteira em 2009 e 2010, a variação estimada do valor desses estoques a partir de 2011 é negativa. O recuo no estoque de investimentos em ações, nos últimos 3 anos, apesar do país ter recebido fluxos positivos no período, resulta da desvalorização cambial recente, dado que houve leve recuperação nos valores das empresas brasileiras. O Gráfico 7, que mostra a relação entre a variação do valor do estoque dos investimentos em carteira e a variação cambial, aponta uma correlação de -0,87.

Gráfico 7

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5. Considerações Finais

A situação de vulnerabilidade externa brasileira atual é muito diferente do observado pela história econômica do país. O país hoje possui reservas internacionais suficientes para cobrir sua dívida externa total. A dívida externa líquida, negativa, mostra que o país está na posição de credor internacional, algo inédito até 1998 (Gráfico 8).

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Esses indicadores, entretanto, são extremos quando se considera as condições das contas externas. É possível explicar que a perda de valor dos investimentos estrangeiros, tanto direto quanto em carteira, ocorre devido à um ajuste cambial. Mas a queda nos preços dos ativos, causando a perda de valor no estoque dos investimentos em ações, preocupa, visto que este tem sido complementar no financiamento do déficit em transações correntes.

Em adicional, uma percepção de maior risco do país, acompanhada de baixo retorno dos ativos brasileiros frente a outros países – que pode piorar diante do rebaixamento da nota brasileira – tende a deixar o país em uma posição vulnerável, com saída de capitais estrangeiros. A divulgação de matérias como a do blog Beyond Brics altera a percepção de investidores estrangeiros sobre os ativos brasileiros e preocupa caso haja uma reversão no fluxo de investimento estrangeiro para o país.

_________________

1Instrumento de contabilidade que resume as transações econômicas de bens e serviços entre residentes e não residentes.
2Necessidade de financiamento externo= déficit de transações correntes menos os investimentos estrangeiros diretos líquidos.
3O investimento direto é constituído quando o investidor detém 10% ou mais das ações ordinárias ou do direito a voto numa empresa; considera-se como investimento em carteira quando ele for inferior a 10%.
4O Banco Central revisa periodicamente os dados de estoque de investimento estrangeiro no país para fins de demonstração da posição internacional de investimento, conforme o Padrão Especial de Disseminação de Dados, requerido pelo FMI.
5O estoque de investimento estimado depende do fluxo líquido captado e do valor de mercado desses investimentos durante cada ano. O valor do estoque de IED, em dólares, aumentou muito em 2009, resultado tanto da apreciação cambial quanto da alta no valor das ações brasileiras.
6O coeficiente de correlação mostra a influência que uma variável tem sobre a outra. Valores próximos a 1 (ou -1) mostram que elas são fortemente positivamente (ou negativamente) relacionadas.
7Por definição, investimentos acima de 10% em ações de uma mesma empresa são classificados como IED.

Referências:

Banco Central do Brasil, Sistema de Séries Temporais.
KRUGMAN, P., OBSTFELD, M., MELITZ, M., International Economics: Theory and Policy. Cap. 8, 9ª edição, 2011.
MARKUSEN, J., MELVIN, J., KAEMPFER, W., MASKUS, K., International Trade: theory and evidence. Cap. 22, 1995.
SARTORI, A., Estatística e Introdução à Econometria. Cap. 1, 2003.
Wheatley, J. Investing in Brazil: value creation and value destruction.  Financial Times, Beyond Brics. Publicado em 23 de jan. 2014

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As contas externas do Brasil estão se deteriorando? https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=1878&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=as-contas-externas-do-brasil-estao-se-deteriorando https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=1878#comments Tue, 11 Jun 2013 14:14:31 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=1878 As contas externas de um país estão retratadas no seu balanço de pagamentos, registros das transações econômicas entre residentes e não residentes. O balanço é dividido em duas partes principais. A primeira retrata as transações com bens e serviços, inclusive os juros e lucros pagos por investimentos feitos por estrangeiros. A segunda parte reflete as transações financeiras, entre as quais as entradas e saídas de investimentos diretos, empréstimos bancários e investimentos em carteira, que são operações com ações e títulos de empresas e do governo.

À exceção do modelo asiático, os países em desenvolvimento, a exemplo do Brasil, costumam ter déficit nas transações com bens e serviços, também conhecidas como transações correntes, e superávit nas transações financeiras. Assim, as aquisições líquidas de bens e serviços do exterior são financiadas com as entradas líquidas de investimentos estrangeiros, seja diretamente nas empresas (investimentos diretos), seja por meio dos empréstimos bancários e das aquisições de ações e títulos das empresas e do governo.

Esse mecanismo de financiamento externo pode ser útil ao esforço do país em desenvolvimento, normalmente caracterizado por escassez de capital, mas está sujeito também à instabilidade, por vezes pronunciada, como se viu em várias experiências de crise internacional nas duas últimas décadas. Nesses casos, os residentes encontram dificuldades para pagar seus compromissos externos, em geral pagos em dólar, moeda emitida apenas pelos Estados Unidos, gerando crise cambial, espécie de crise de liquidez do país.

Diante dos riscos, o desejável é que o país utilize o financiamento externo de modo adequado e parcimonioso, o que decorre da qualidade da política econômica do país receptor. Disso dependerá a intensidade dos efeitos internos em caso de mudanças abruptas do cenário internacional.

Feita essa introdução, cabe analisar a evolução das contas externas do Brasil nos últimos anos, com base nas estatísticas do balanço de pagamentos divulgadas pelo Banco Central do Brasil (Bacen)1.

No que tange às transações correntes, no período 2003 a 2006, o Brasil apresentou superávit entre 1% e 2% do PIB, média anual de US$ 13,1 bilhões, situação pouco usual em seu histórico. Tal fato refletiu o descompasso entre o aumento das exportações de bens, impulsionadas pela valorização das commodities exportadas pelo Brasil, em relação às importações de bens e serviços, contidas por conta da defasagem entre o crescimento econômico do Brasil e da economia mundial.

Em 2007, o superávit nas transações correntes foi praticamente eliminado e, no biênio 2008-2009, transformou-se em déficit de cerca de 1% do PIB, média anual de US$ 26,2 bilhões. No triênio 2010-2012, o déficit subiu ainda mais e ficou um pouco acima de 2% do PIB, média anual de US$ 51,3 bilhões. A evolução do déficit se deveu ao forte aumento das compras externas de bens e serviços, inclusive transporte, viagem e aluguel de equipamentos cujos gastos somados chegaram a US$ 55,2 bilhões em 2012.

Esse patamar de déficit não chega a ser preocupante. Ocorre que, desde setembro de 2012, a tendência pendeu para os 3% do PIB. No primeiro quadrimestre de 2013 houve surpreendente déficit na balança comercial por conta da redução das exportações de bens, enquanto as importações de bens e serviços mantiveram o ritmo anterior de aumento. O déficit de US$ 33,2 bilhões nas contas correntes do primeiro quadrimestre de 2013 foi 91% superior a igual período de 2012 e correspondeu a 61% do déficit acumulado nos doze meses do ano passado.

É cedo ainda para dizer para qual patamar caminhará o déficit em conta corrente, mas com certeza sua evolução é mais um sinal de alerta na economia brasileira. Vale observar que o déficit não superou os 4,55% do PIB entre 1999 e 2002, anos em que o Brasil passou por grandes dificuldades nas contas externas. A exemplo do cenário atual,

naquele período havia instabilidade no mercado financeiro internacional, trazendo muita incerteza acerca das condições do financiamento externo das economias deficitárias.

Outra dificuldade é o cenário macroeconômico atual da economia brasileira, no qual convivem baixo crescimento e inflação elevada. A eventual necessidade de ajustamento da economia por conta de falta de financiamento externo poderia piorar esse quadro, pois o ajuste normalmente requer desaceleração da economia e desvalorização cambial para conter as importações e elevar as exportações.

O assunto envolve ainda outras duas complicações. Uma é o efeito da desaceleração da economia chinesa sobre os preços e quantidades exportadas de commodities pelo Brasil. É sabido que boa parte do forte aumento das vendas externas brasileiras ao longo da década passada se deveu à crescente importância da China na economia mundial. Outra complicação é a reduzida capacidade competitiva do Brasil que se reflete não apenas na concentração das exportações em commodities de baixo valor agregado, como também na crescente importância das importações na economia brasileira, as quais não parecem arrefecer nem mesmo com o lento crescimento do país.

Como visto, o déficit nas transações correntes é financiado pelas entradas de capital no país. Se as condições do financiamento são favoráveis, abre-se espaço para que correções por ventura necessárias sejam feitas gradualmente e com menor custo para o país. Do contrário, o ajustamento pode ser traumático. Cabe, portanto, analisar a evolução nos últimos anos da parte do balanço de pagamentos que registra as transações financeiras entre residentes e não residentes no Brasil.

A principal marca dessas transações a partir de 2007 foi a forte entrada líquida de investimentos estrangeiros, tanto os investimentos diretos em empresas, como os investimentos em títulos e ações. O fluxo líquido de capital superou em larga medida o déficit das transações correntes, o que também traz dificuldades.

Em situações como essa, a política econômica se vê diante do seguinte dilema: deixar ou não que os efeitos da abundância de dólares se propaguem pela economia, a começar pela valorização do real e seu impacto sobre as exportações e as importações.

A resposta está em larga medida na avaliação que se faz da qualidade do financiamento externo. Em geral, os investimentos diretos são considerados financiamento de boa qualidade, já que ao implicarem envolvimento com o processo produtivo, não são facilmente revertidos, sugerindo compromisso de longo prazo com a economia brasileira. Os investimentos diretos brutos no Brasil (inclusive empréstimos intercompanhias) subiram da média anual de US$ 17,3 bilhões no triênio 2004-2006 para a média anual de US$ 47,7 bilhões no período 2007-2012. O aumento a partir de 2007 se deu em boa hora, pois, como visto, nesse ano, o saldo da conta corrente transitava para o déficit. Desde então, ou os investimentos diretos líquidos superaram o déficit em conta corrente ou financiaram boa parte dele.

Há duas dúvidas a respeito desses investimentos cujas respostas fogem ao escopo deste artigo. A primeira refere-se à continuidade ou não no futuro dos elevados fluxos de recursos dirigidos ao Brasil nos últimos anos, questão que ganha importância com o aumento do déficit nas contas correntes.

A segunda questão está relacionada com o efeito posterior desses investimentos sobre as contas externas do país. Há o efeito positivo decorrente do esperado incremento da produtividade da economia brasileira. Entretanto, há também o efeito sobre as transações correntes, por meio da remessa de lucros para o exterior, à medida que os investimentos entram em operação. Segundo o Bacen, o estoque de investimentos diretos no Brasil chegou a US$ 750,9, em abril de 2013, 366% a mais que o saldo existente no final de 2004. É claro que esse último efeito pode ser compensado pelo incremento na capacidade produtiva de setores exportadores ou que substituam importações. Entretanto, é preciso verificar se os investimentos diretos vêm sendo preponderantemente atraídos para esses setores, dados os incentivos econômicos vigentes nos últimos anos.

Já os investimentos em carteira, que são aplicações em ações e títulos das empresas e do governo, foram também bastante elevados desde 2007, excetuados os meses que se seguiram ao início da crise internacional, em setembro de 2008. A partir de 2011, entretanto, esses investimentos desaceleraram, sem dar mostras de que retornarão ao ritmo anterior. Considerando-se os valores médios anuais em cada período, os investimentos brutos em carteira de estrangeiros no Brasil foram de US$ 3,9 bilhões, US$ 40,3 bilhões e US$ 17,5 bilhões, respectivamente, nos períodos 2004-2006, 2007-2010 e 2011-2012.

Ainda que esses investidores levem em conta as perspectivas de longo prazo da economia receptora, predomina na sua avaliação o retorno esperado dos papéis adquiridos, relativamente ao retorno esperado nos demais países, notadamente nas grandes economias dos Estados Unidos e da União Européia. Os investidores também cotejam o diferencial de retorno com o risco da aplicação no país hospedeiro, especialmente quanto à mudança da taxa de câmbio no horizonte de cálculo, pois ela afeta o retorno em dólar do investimento.

Como os investimentos em carteiras, em geral, podem ser desfeitos com baixos custos, qualquer alteração no retorno esperado ou no risco, tanto no país receptor, como nas localidades alternativas, provoca ajustes rápidos na direção e intensidade dos fluxos de capital. Em situações mais graves, os fluxos líquidos de entrada podem ficar negativos, desequilibrando as contas externas, mesmo com investimentos diretos elevados.

Entre 2007 e 2010, excetuando-se os meses que se seguiram ao início da crise internacional, as condições foram muito atrativas para os investimentos em títulos e ações no Brasil. Em meados de 2007, a taxa de juros nos EUA caiu de forma acentuada, fato que se reproduziu na economia européia no ano seguinte. No Brasil, embora a tendência da taxa de juros tenha sido de queda, o processo se deu com idas e vindas. Houve ainda a melhora na percepção internacional do risco da economia brasileira, culminando na reclassificação do país para grau de investimentos pela agência classificadora de crédito Standard & Poor’s, em abril de 2008, seguidas de outras agências nos meses seguintes.

A reação das autoridades econômicas aos abundantes fluxos de capital foi um meio termo entre deixar o real se valorizar e acumular elevados montantes de reservas internacionais, por meio das intervenções do Bacen no mercado de câmbio, adquirindo o excesso de dólares.

A taxa de câmbio efetiva real calculada com base no IPA-DI valorizou-se entre 2005 a 2011. Ao final de 2004, alcançou o nível anterior às crises de 2001 e 2002, cerca de 90% do valor verificado em junho de 1994. Em meados de 2011, o percentual estava abaixo de 60%. A valorização cambial ajudou a compor o quadro negativo da evolução das exportações e das importações apontado anteriormente. Entretanto, a valorização teria sido ainda maior se as reservas internacionais não tivessem subido acentuadamente de US$ 62,7 bilhões em junho de 2006 para US$ 378,7 bilhões em abril de 2013.

Alguns estudos feitos com base em análises de custo-benefício, usuais na literatura econômica, entendem que tal montante de reservas supera o nível ótimo. Os custos são evidentes, tendo em vista que, no Brasil, a aquisição de reservas é financiada pelo aumento do caro endividamento interno do governo. Esse procedimento não afeta imediatamente a dívida líquida do setor público, mas o faz posteriormente por conta do aumento dos juros líquidos devidos. O custo fiscal no final dependerá da taxa de câmbio com que as reservas internacionais forem vendidas.

Entretanto, o problema não está no acúmulo de reservas em si. Dada a forte entrada de capitais, a opção faz sentido, pois o acúmulo reduz o risco de crises cambiais e, caso elas ocorram, o uso das reservas amortece os efeitos sobre a economia . A crítica que pode ser feita é a incapacidade da política econômica em evitar que o país atraia capitais em excesso. O controle da entrada ajuda, mas apenas acessoriamente, até que medidas mais eficazes surtam efeito.

A partir de 2011, os investimentos em carteira no Brasil desaceleraram, ao contrário dos investimentos diretos, que continuaram vindo ao país em ritmo ainda mais intenso do que o verificado nos anos anteriores. Inicialmente, a desaceleração decorreu de medidas internas então adotadas, mas, posteriormente, ganharam importância a deterioração dos indicadores da economia brasileira e a evolução da economia internacional.

No que tange às medidas internas, não propositalmente dirigidas à redução dos fluxos de capital, o Bacen passou a reduzir a taxa Selic a partir de maio de 2011 até baixá-la ao nível inédito de 7,25% ao ano em setembro de 2012. Outra decisão, aí sim propositalmente dirigida à redução da entrada de recursos, foram os sucessivos aumentos da alíquota de IOF, notadamente ao final de 2010, sobre as aquisições por estrangeiros de papéis privados de renda fixa, aqui ou no exterior. A política já havia sido utilizada entre março e setembro de 2008, mas foi abandonada com o início da crise internacional.

Resultado da desaceleração da entrada de capitais, e da já apontada elevação do déficit nas transações correntes, a tendência de valorização da taxa de câmbio foi revertida a partir do segundo semestre de 2011. Daí em diante, a taxa de câmbio chegou a patamares de desvalorização que não alcançava desde meados de 2009, período em que os efeitos da crise internacional ainda estavam bem presentes. É claro que a nova situação elevou as incertezas acerca do retorno esperado em dólar da aplicação estrangeira no país, criando desestímulo extra aos investimentos em carteira.

Em anos anteriores, com a abundância de capital, a desvalorização cambial só seria possível a custa de forte intervenção do Bacen no mercado de câmbio, tendo como resultado colateral o aumento ainda maior do saldo das reservas internacionais. Entretanto, desde meados de 2011, mesmo com a desvalorização cambial, as reservas deixaram de crescer no ritmo dos anos anteriores. Na verdade, após os US$ 353,4 bilhões alcançados em agosto de 2011, as reservas se mantiveram relativamente estáveis, a exceção dos meses de março e abril de 2012. Entre abril de 2013 e o mesmo mês de 2012, as reservas subiram apenas 1,2%.

O risco para o país agora é a possível transição de uma situação de abundância de capital que inclusive trouxe problemas para a gestão da política econômica, para outra de escassez, algo ainda mais problemático, levando-se em conta o já apontado desempenho recente das transações correntes do país.

A existência de reservas externas de quase US$ 380 bilhões representa um seguro importante, conforme já apontado. Já os investimentos diretos no Brasil têm se mantido em patamares elevados. Há ainda dois instrumentos que podem ser usados para atrair o investimento estrangeiro em carteira: a redução da alíquota de IOF aplicada sobre eles e a elevação da taxa Selic, que já voltou a subir em abril de 2013 por conta da inflação, estando agora em 8% ao ano.

Em que pese esses fatores, em alguns cenários possíveis para a economia internacional esses instrumentos podem ser insuficientes. Além da já citada desaceleração da economia chinesa com seus impactos sobre as exportações brasileiras, uma possibilidade cada vez mais concreta é a da reversão da política monetária americana fortemente expansionista iniciada em 2007, caso a recuperação da economia se consolide e a taxa de desemprego baixe para padrões mais aceitáveis.

Uma eventual elevação da taxa de juros oficial nos EUA atrairá pelo menos parte do capital que emigrou nos últimos anos em busca de melhor rentabilidade. Na verdade, as taxas de juros dos títulos do governo americano já vêm aumentando, diante da expectativa de alguma inflexão importante na política do banco central dos EUA. Ao final de maio e início de junho de 2013, quando esse artigo estava sendo concluído, o preço do dólar em relação a diversas moedas subiu fortemente. O real foi uma das moedas mais afetadas. Como resposta, o governo brasileiro reduziu a zero a alíquota do IOF sobre investimentos estrangeiros em papéis de renda fixa no Brasil. Vale lembrar que tal medida já havia sido adotada nos meses que se seguiram ao início da crise internacional, em setembro de 2008, período de severa escassez de capitais externos. O Bacen também passou a intervir mais no mercado de câmbio para conter a desvalorização cambial. As medidas foram em parte neutralizadas pelo anúncio da Standard & Poor’s de que a perspectiva da nota do Brasil é de baixa.

Tais riscos ao equilíbrio das contas externas do país não estão devidamente considerados nos usuais indicadores de endividamento externo divulgados pelo Bacen. Mais reveladoras são as informações sobre a posição internacional de investimentos do país, também divulgadas pela Autarquia.

Ao final de abril de 2013, os estrangeiros tinham aplicado no Brasil US$ 172,4 bilhões em títulos de renda fixa e US$ 235,9 bilhões em ações, enquanto os empréstimos externos estavam em US$ 197,7 bilhões. Apenas a soma dos dois primeiros valores já resulta em valor superior ao saldo das reservas no mesmo mês. Há que se considerar ainda a possibilidade de que os próprios residentes remetam capital ao exterior. Trata-se de algo esperado quando os estrangeiros estão retirando capital do país, já que o raciocínio econômico de ambos os grupos de investidores é essencialmente o mesmo.

Dito tudo isso, cabe sintetizar uma resposta para a pergunta feita no título deste artigo. De fato, em geral, os números do balanço de pagamentos estão piorando e a questão do equilíbrio das contas externas retorna ao centro das atenções nos noticiários e debates econômicos. Entretanto, ainda não se pode dizer que o país caminha inequivocamente para uma crise cambial. Há alguns sinais contraditórios. O déficit em conta corrente está subindo, mas, como proporção do PIB, ainda não está fora de controle. As entradas líquidas dos investimentos em carteira estão caindo, mas os investimentos diretos permanecem elevados. É muito difícil prever as trajetórias desses três agregados, pois, como expressões das relações econômicas entre residentes e não residentes, dependem simultaneamente da evolução da economia interna e internacional. O pior cenário para o Brasil, caso o déficit em conta corrente se situe acima de 3% do PIB, é a desaceleração do investimento direto estrangeiro no país conjugada à concretização de cenários externos desfavoráveis, notadamente no que tange à China (desaceleração econômica) e aos EUA (aumento de taxa de juros).

__________________

1Todos os dados utilizados neste artigo foram retirados da página eletrônica da Autarquia, mais exatamente das séries temporais e tabelas especiais relativas ao setor externo (https://www3.bcb.gov.br/sgspub/localizarseries/localizarSeries.do?method=prepararTelaLocalizarSeries)

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O enigma das altas taxas de juros no Brasil https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=1347&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=o-enigma-das-altas-taxas-de-juros-no-brasil https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=1347#comments Mon, 06 Aug 2012 14:44:09 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=1347 As taxas de juros estão em um nível historicamente baixo no Brasil, se considerarmos sua tendência histórica. Mas essas taxas ainda são muito altas se comparadas com as de outros países emergentes que, como o Brasil, utilizam o regime de metas de inflação (Figura 1). Excluíndo-se o período de hiperinflação (1988-1994), quando as taxas de juros reais foram extremamente voláteis (o que poderia distorcer a análise), as taxas de juros ex-post (aquelas medidas após se conhecer o valor da inflação no período em que se avalia a taxa de juros) caíram, em média, de aproximadamente 40% ao ano nos anos 1980 para algo como 20% na segunda metade da década de 90, antes da introdução do regime de metas de inflação e da mudança do regime cambial de fixo para flutuante em 1999. As taxas declinaram ainda mais, para 10% ao ano no período 2000-2005, decrescendo para menos de 8% ao ano entre 2006 e 2009, atingindo seu menor nível em toda a série histórica considerada em 2009, ficando um pouco abaixo de 5% ao ano. Esse é um nivel bastante baixo para os padrões brasileiros, ainda que esteja em torno de quatro pontos percentuais acima da média dos países emergentes que usam o regime de metas de inflação.

Figura 1. Taxas de juros reais de curto prazo (ex-post), média 2000 – 2009

A alta taxa de juros é frequentemente citada como uma das mais importantes restrições ao desenvolvimento econômico do país. Alguns autores se referem a esse problema como a mais importante restrição ao crescimento (Hausmann 2008). Portanto, é um exercício importante entender quais são os fatores que podem estar associados com essa tendência de queda nas taxas de juros reais, e tentar explicar como o Brasil pode reduzir ainda mais os juros de modo a convergir para a taxa média das outras economias emergentes que utilizam o regime de metas de inflação.

Os argumentos que buscam explicar as taxas de juros historicamente altas no Brasil podem ser agrupados em alguns grupos temáticos. Há cinco tipos de razões apresentadas pela literatura:

A. Considerações sobre a política fiscal

O principal argumento fiscal refere-se aos efeitos da chamada “dominância fiscal” e ao risco de default da dívida pública. Favero e Giavazzi (2002) mostram que as taxas de juros são altas no Brasil devido ao alto nível da dívida pública. Rogoff (2005) argumenta que o historico de defaults (sete episódios de defaults ou reestruturações de dívida no período 1824–2004) significa que o Brasil, mesmo com um relativamente baixo nível de dívida pública,  já começa a pagar um prêmio de risco elevado. As evidências empíricas sobre o efeito da dívida pública na taxa de juros real no Brasil não são conclusivas. Muinhos e Nankane (2006), por exemplo, não encontram evidência de uma relação negativa entre o nível da dívida pública e a taxa de juros real. De fato, um simples exame da tendência da  taxa de juros real e da dívida pública  mostra que não há aparente relação entre as variáveis (Figura 2). Embora essa seja apenas uma relação entre duas variáveis, a inclusão da dívida pública bruta em uma regressão em painel também não produz resultados robustos, e em algumas especificações o efeito aparece com o sinal inverso.

Figura 2. Brasil: Divida Publica Bruta (em porcentagem do PIB), 1996–2009

B. Poupança doméstica

O Brasil tem um nível de poupança doméstica relativamente baixo. Hausmann (2008) argumenta que essa é a principal restrição ao crescimento e a razão para a alta taxa de juros. Um argumento similar sobre o efeito da baixa poupança sobre a taxa de juros real é feito por Fraga (2005). Miranda e Muinhos (2003) também fazem referência a esse argumento, mas não o testam empiricamente. A intuição por trás desse argumento é convincente. De acordo com a teoria clássica de investimento e poupança, se a demanda por investimento excede a oferta de poupança doméstica, a taxa de juros real de equilíbrio se eleva. É bem verdade que em uma economia aberta ao exterior a poupança doméstica pode não ser uma restrição, pois pode ser complementada pela poupança externa. Porém, Feldstein e Horioka (1980), e vários outros estudos posteriores, encontram grande correlação entre poupança doméstica e investimento doméstico. Rogoff e Obstfeld (2000) descrevem esse fenômeno como um dos principais enigmas da macroeconomia moderna.

Figura 3. Poupança doméstica e taxa de juros real em países emergentes – média 2000–09

A relação entre poupança doméstica e a taxa de juros real parece ser forte (Figura 3). Entre as mais baixas taxas de juros em uma amostra de países emergentes que utilizam o regime de metas de inflação estão os países do sudeste asiático (Coréia, Indonésia e Tailândia), que têm altos níveis de poupança doméstica (em torno de 30% do PIB). Chile e Mexico têm poupança doméstica media entre  6 e 7 pontos percentuais maiores que o Brasil e níveis consideravelmente mais baixos de juros reais. No entanto, Brasil e Turquia aparecem muito longe da média. Ambos têm juros elevados porque suas poupanças domésticas são baixas em relação aos demais países, mas a previsão linear traçada na Figura 3 sugere que as taxas de juros de Brasil e Turquia deveriam ser aproximadamente 4 pontos percentuais mais baixas que os valores efetivamente observados.

C. Fragilidade institucional

Há argumentos de que a alta taxa de juros decorre, por um lado, da fragilidade das instituições políticas e econômicas brasileiras, necessárias para prover proteção aos investidores (garantia de cumprimento de contratos e de direitos de propriedade); e por outro lado da falta de independência do Banco Central.

  • Incerteza jurisdicional. Esse é um termo vagamente definido que se refere à fraqueza dos direitos de propriedade e das instituições responsáveis por garantir o cumprimento dos contratos. O termo foi criado por Arida, Bacha, e Lara-Resende (2004) que o descrevem como uma espécie de vies anti-credor, o risco de mudança no valor dos contratos antes ou no momento de sua execução, e o risco de interpretação desfavorável do contrato em seu julgamento pela justiça. O problema dessa hipótese é que muitos outros países emergentes não têm instituições de defesa do direto de propriedade e de garantia de cumprimento de contratos melhores que as do Brasil e, mesmo assim, têm taxas de juros muito mais baixas. Ademais, evidências empíricas não dão sustentação a essa hipótese, como demonstrado por Gonçalves, Holland, e Spacov (2007).
  • Falta de completa independência do Banco Central. Esse argumento é citado por Rogoff (2005) e outros. Esse é um importante argumento, mas difícil de testar empiricamente, uma vez que não é fácil quantificar e testar qual deve ser o nível crítico de independência do Banco Central.

D. Histórico de alta inflação e volatilidade da taxa de inflação

O Brasil tem uma longa história de inflação alta e volátil. A inflação anual foi moderadamente alta nos anos 1970 (media de 30%); muito alta no período 1980–88, (média de mais de 200%); e se transformou em hiperinflação entre 1989 e 1994, (média de 1.400%). Entre 1980 e 1994 o Brasil foi o país com a mais longa história de inflação alta entre os países emergentes que agora usam metas de inflação. Não é de surpreender que haja uma forte correlação entre inflação alta e taxas de juros altas. A taxa de juros precisou subir para puxar a inflação para baixo,  e algumas vezes precisou ir a níveis muito altos. A queda da inflação e da volatilidade de suas taxas no Brasil permitiu que as “expectativas inflacionárias fossem domadas” (Bevilaqua et al, 2007). Esse parece ter sido um fator chave para garantir a tendência declinante nas taxas de juros reais.

E. Fatores que afetam o mecanismo de transmissão da política monetária no Brasil

Várias peculiaridades do caso brasileiro têm sido citadas como fragilizadoras do mecanismo de transmissão da política monetária e como possíveis fontes de pressão adicional sobre a taxa de juros. Podem ser citados:

  • Segmentação do mercado de crédito. Empréstimos feitos abaixo das taxas de Mercado pelo BNDES e pelos setores de habitação e agricultura podem estar puxando para cima a taxa de juros real de equilíbrio no mercado de crédito livre. A intuição por trás desse argumento é que se o setor publico oferece crédito com taxas subsidiadas,  a taxa de juros controlada pelo Banco Central, para efeito de política monetária, precisará ficar mais alta, para conter a demanda por crédito em um nível consistente com a meta de inflação.
  • Outros fatores. Barbosa (2008) apresenta ampla revisão de outros fatores que afetam a eficácia da política monetária no Brasil e podem estar associados com altas taxas de juros reais, quais sejam:  (i) inércia inflacionária causada pela indexação de preços-chave da economia, o que cria rigidez da inflação brasileiro a mudanças na taxa de juros, e requer uma grande redução da demanda agregada para que a inflação seja reduzida; (ii) fraqueza do “efeito riqueza”, devido à indexação e o curto prazo de vencimento da dívida pública, o que neutraliza o efeito negativo sobre o valor dos títulos público gerado por uma alta da taxa de juros; e (iii) uma relativamente baixa relação crédito-PIB em comparação com outras economias emergentes, o que reduziria o impacto do canal do crédito de um dado aumento da taxa de juros.

O uso de um modelo econométrico (veja detalhes em IMF 12/62) mostra que o aumento da poupança doméstica parece ser o fator individual mais importante para a redução da taxa de juros real no Brasil ao longo do tempo. Essa é a variável que tem potencialmente o mais promissor efeito porque o Brasil ainda tem uma base muito baixa, o que permitiria a expansão da poupança doméstica. A Figura 4 mostra que se a taxa de poupança doméstica crescesse de sua media amostral de 16,5% do PIB para a média do México (22,6% do PIB), o modelo indicaria que a taxa de juros real poderia declinar em 2 pontos percentuais. Ao passo que uma redução mais intensa dos juros reais, de 4 a 5 pontos percentuais, requereria o incremento da poupança doméstica para os níveis de Tailândia ou Coréia (em torno de 30% do PIB), o que nunca foi observado na história do Brasil. Atingir o nível de poupança doméstica do México seria mais factível para o Brasil, e permitiria reduzir a diferença do país em relação à média dos demais países emergentes com metas de inflação em quase 50%.

Figura 4. Brasil: reduções na taxa de juros real se a poupança doméstica crescesse ao nível daquelas observadas em outros países emergentes com metas de inflação.

A alta taxa de juros no Brasil é provavelmente resultado de baixa poupança doméstica e de imperfeições no mercado de crédito. Quanto ao primeiro ponto, aumentar a poupança doméstica por meio de melhorias na situação  fiscal (ou seja, pelo aumento na poupança do governo) provavelmente produzirá grande efeito. Isso é sugerido pela maior magnitude dos coeficientes de regressão associados à poupança do governo. No entanto, a redução integral da diferença entre o Brasil e a media dos demais países da amostra utilizando-se apenas o aumento da poupança doméstica requereria taxas de poupança similares às da Coréia e Indonésia (30% do PIB). Isso não parece realista para o Brasil no curto prazo. Os resultados também mostram que, controlado os outros efeitos do modelo, a taxa de juros real do Brasil ainda fica 2 pontos percentuais acima dos demais (esse efeito é capturado pelo efeito fixo do modelo de regressão).Tal resultado sugere  que há questões específicas do país que podem estar associadas com a alta taxa de juros, que vão além daquelas analisadas no modelo. Fatores importantes a esse respeito, que não podem ser testados empiricamente, e que requereriam atenção particular em pesquisas futuras, seriam as imperfeições do mercado de crédito e o efeito dos empréstimos públicos a taxas subsidiadas. Embora esse tipo de empréstimo tenha sido uma das mais eficazes ferramentas de política anti-cíclica durante a crise após à quebra do Lehman Brothers, o seu uso em tempos normais deve levar em conta o fato de que ele pode estar enfraquecendo o mecanismo de transmissão da política monetária e contribuindo para taxas de juros reais de equilíbrio de mercado mais altas.

O presente texto é um resumo do IMF Working Paper “The Puzzle of Brazil’s High Interest Rates” (IMF 12/62), traduzido e publicado com autorização do autor e do FMI.

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REFERÊNCIAS

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Bacha, Edmar, Marcio Holland e Fernando Goncalves, 2007, “Is Brazil Different? Risk, Dollarization, and Interest Rates in Emerging Markets,” IMF Working Paper 07/29 (Washington: International Monetary Fund).

Barbosa-Filho, Nelson, 2008, “Inflation Targeting in Brazil: 1999–2006,” International Review of Applied Economics Vol. 22(2), pp. 187–200.

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Catao, Luis, Douglas Laxton e Adrian Pagan, 2008, “Monetary Transmission in an Emerging Targeter: The Case of Brazil,”. IMF Working Paper 08/191 (Washington: International Monetary Fund).

Coates, Kenneth e Edwin Rivera, 2004, “Fiscal Dominance and Foreign Debt: Five Decades of Latin American Experience,” Paper presented at the Latin American Workshop, Banco de Portugal, Lisbon, October 14–15.

D’Amato, Jeffrey, 2005, “The Role of the Natural Rate of Interest in Monetary Policy,” BIS Working Paper 171 (Basel: Bank for International Settlements).

Favero, Carlo e Francesco Giavazzi, 2002, “Why are Brazil’s Interest Rates so High,”. Innocencio Gasparini Institute for Economic Research, Working Paper No. 224. __________, e Francesco Giavazzi, 2004, “Inflation-Targeting and Debt: Lessons from Brazil,” NBER Working Paper No.10390, (Cambridge, Massachusetts: MIT Press).

Feldstein, Martin e Charles Horioka, 1980, “Domestic Savings and International Capital Flows,” NBER Working Paper No. 310, (Cambridge, Massachusetts: MIT Press).

Fraga, Arminio, 2005,Fiscal Dominance and Inflation Targeting: Lessons from Brazil,” In Giavazzi, Francesco, Ilan Goldfajn, and Santiago Herrera, eds. Inflation Targeting, Debt and the Brazilian Experience, 1999 to 2003, (Cambridge, Massachusetts: MIT Press).

Fried, Joel e Peter Howitt, 1983, “The Effects of Inflation on Real Interest Rates,” American Economic Review, Vol. 73(5), pp. 968–980.

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ITAU e Unibanco, 2010, “Real Interest Rate: Where is Neutral?”, Weekly Macro Report, January 12, 2010.

Hausmann, Ricardo, 2008, “In Search of the Chains that Hold Brazil Back”. Harvard Center for International Development, Working Paper No. 180.

Miranda, Pedro Calhman e M. Muinhos, 2003, A Taxa de Juros de Equilíbrio: Uma Abordagem Múltipla. Central Bank of Brazil, Working Paper No. 66.

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Rogoff, Kenneth e Maurice Obstfeld, 2000, “The Six Major Puzzles in International Macroeconomics: Is There a Common Cause,” NBER Working Paper No. 7777, (Cambridge, Massachusetts: MIT Press).__________, 2005, “Strategies for Bringing Down Long-Term Real Interest Rates in Brazil,” Presentation prepared for the Central Bank of Brazil, August 30, 2005.

Woodford, Michael, 2003, Interest and Prices, Foundations of a Theory of Monetary Policy. (Princeton, NJ: Princeton University Press).

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O governo alterou corretamente a regra de correção da caderneta de poupança? https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=1198&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=o-governo-alterou-corretamente-a-regra-de-correcao-da-caderneta-de-poupanca https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=1198#comments Mon, 14 May 2012 03:00:27 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=1198 A rentabilidade  da caderneta de poupança, fixada em TR mais 6,17%, ao ano representava um obstáculo a novas reduções na taxa Selic.

Para resolver o problema do piso de rentabilidade o governo optou por um sistema híbrido, que manteve a regra antiga para os depósitos existentes, e criou, para os depósitos novos, a regra de 70% do valor da Selic + TR em vez dos atuais 6,17% + TR sempre que a Selic atingir 8,5% ao ano ou menos.

Havia grande temor, por parte das autoridades governamentais, de que se usasse politicamente a alteração, que é tecnicamente justificável, como argumento político. Afinal, ainda está fresca na memória da população o episódio do congelamento dos depósitos no Governo Collor.

A decisão tomada foi, portanto, costurada para que fosse dada a maior garantia possível aos poupadores de que nada mudaria em relação aos depósitos já existentes.

Ainda que se tenha em mente esse contexto político, cabe perguntar: haveria solução técnica melhor? A solução adotada está totalmente livre de causar efeitos colaterais negativos?

A rigidez da rentabilidade líquida da poupança tinha duas causas: a existência de um piso nominal, de 6,17% ao ano, e a isenção da tributação do IR para pessoas físicas.  Ambas elevavam a rentabilidade líquida da poupança. O governo optou por manter a isenção tributária e reduzir o piso nominal de remuneração.

Alternativamente, o governo poderia ter optado por reduzir paulatinamente a anacrônica e injustificada isenção de imposto de renda de que gozam esses depósitos. A segunda opção teria duas importantes vantagens em relação à adotada.

Em primeiro lugar, a nova regra irá criar uma indeterminação sobre o custo de funding entre as várias instituições, gerando incerteza sobre qual será o spread na poupança em cada instituição. Isso ocorrerá porque o custo para cada instituição individual dependerá da proporção em que se dividirá o total dos depósitos entre os antigos (TR + 6,17%) e os novos (70% da Selic + TR). Sendo uma aplicação fortemente regulamentada, com contratos de longo prazo e com subsídio fiscal implícito, essa circunstância poderá dar margem a disputas, inclusive judiciais.

Mutuários e suas associações poderão reivindicar condições de reequilíbrio do spread original, pressionando por redução de juros em seus contratos, e instituições com maior proporção  de depósitos antigos podem passar a demandar compensações. Isso acabará  levando a aumento das já excessivas arbitragens regulatórias existentes no Sistema Brasilieiro de Poupança e Empréstimo (SBPE).

Essa crescente regulação nem sempre consegue resolver todos os problemas que pretende solucionar e sempre corre o risco de criar novas brechas jurídicas e novas situações de conflito não imaginadas inicialmente. No mínimo será acrescentado um maior custo operacional para que as instituições financeiras e o Banco Central obedeçam e operem a nova norma, com impacto deletério sobre a produtividade do setor financeiro e da economia.

Segundo as estatísticas do SFH de fevereiro publicadas pelo Banco Central, 53% dos depósitos em poupança estão em instituições públicas e 47% em instituições privadas. Já os financiamentos a mutuários finais concedidos por essas instituições se dividem na proporção de 72% (com grande concentração na Caixa Econômica Federal) e 28%. Ou seja, bancos públicos e privados captam poupança quase que na mesma proporção, mas bancos públicos (em especial a CEF) têm empréstimos imobiliários em valor 172% superior ao dos bancos privados.

Os financiamentos habitacionais de instituições privadas a mutuários pessoas físicas representam apenas R$ 51,3 bilhões, enquanto os financiamentos à produção e os eufemisticamente chamados “desembolsos futuros”[1] correspondem a R$ 43,4 bilhões. Os financiamentos a compradores finais com recursos da poupança correspondem a somente 32,7% dos depósitos das instituições privadas.

Os percentuais de aplicação de recursos da poupança em financiamento habitacional devem ser comparados com o percentual de 65% que, em tese, seria o determinado na norma de direcionamento do SFH. As instituições privadas estão ofertando muito menos crédito subsidiado do que deveriam, capturando, portanto, a isenção fiscal. Já as públicas estão com excesso de aplicação, elevando o risco governamental implícito.

O novo modelo da poupança pode tornar esse cenário pior, caso as novas regras levem os bancos privados a demandar mais benefícios regulatórios sob a forma de não aplicação dos recursos da poupança em crédito habitacional. Tal situação é inconsistente com o objetivo governamental de reduzir  o spread bancário.

Por outro lado, a redução do incentivo tributário da poupança reduziria o grau de subsídio mal direcionado no SFH, poderia gerar receita pública imediatamente e caminhar na direção de reduzir a excessiva regulação do SBPE. Tornaria desnecessário o estranho privilégio que se concedeu aos depósitos antigos, que, além de continuar capturando rentabilidade superior àquela que seria determinada pelas novas condições da política monetária, continuarão gozando de incentivo fiscal para tanto!

Se, no momento atual, fosse imposta uma tributação de 5% sobre os rendimentos, a rentabilidade efetiva da poupança cairia, para o poupador pessoa física, de 6,17% ao ano para 5,86%, liberando igualmente a política monetária, sem discriminar novos e antigos poupadores e sem criar heterogeneidade no funding da modalidade. Do ponto de vista da receita pública, haveria uma expansão de aproximadamente 1,3 bilhão por ano, dos quais praticamente R$ 600 milhões seriam repartidos entre Estados e municípios, de acordo com as regras do FPE e do FPM.

Assim, a solução adotada pelo Governo faz pouco sentido, pois cria um modelo híbrido, complexo e que, principalmente, mantém uma isenção fiscal que não chega, na prática, aos que deveriam ser os principais beneficiários, continuando a vazar pelas brechas da arbitragem regulatória. Piora o quadro o fato de que os fortes subsídios tributários e creditícios concedidos à habitação parecem ter contribuído mais para a espiral de preços e valorização de terrenos do que para a redução do custo final aos adquirentes. . Além disso, parte significativa dos empréstimos (estoque de R$ 57 bilhões de créditos em dezembro de 2011) é feita na modalidade de taxas livres, destinada ao financiamento de imóveis de maior valor para as classe média e média alta.

Por fim, quando se considera o valor das operações (em contraposição ao número), observa-se que, em sua grande maioria, os poupadores pertencem à classe média. Para se ter uma ideia da distribuição, em dezembro de 2011, cerca de 85% das contas tinham saldo inferior a R$ 5 mil. Isso representava algo em torno de 10% do valor total dos depósitos. No outro extremo da distribuição, cerca de 0,5% das contas tinham valores acima de R$ 100 mil, que representavam mais de 30% do valor dos depósitos. Do ponto de vista distributivo, portanto, seria mais eficaz tributar os depósitos de poupança, isentando somente os de baixo valor (para maiores detalhes acerca da tributação da poupança ver, neste site, o texto A isenção do Imposto de Renda na poupança é um subsídio justo e eficiente?).

A introdução paulatina de imposto de renda sobre a poupança não só evitaria o problema da indeterminação do custo da poupança entre as várias instituições – o que, insisto, poderá, no médio prazo, suscitar conflitos jurídicos e regulatórios – como reduziria o grau de subsídio em um sistema que, patentemente, não tem dirigido recursos públicos da isenção fiscal para o público que  pretendia beneficiar.

Tal solução, tecnicamente superior, não poderia ser improvisada. Em vista da incidência do princípio da anterioridade sobre o imposto de renda, deveria ter sido, necessariamente, prevista em lei ainda em 2011.

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[1] Desembolsos futuros são as tranches de financiamento à produção já contratadas mas ainda não desembolsadas para as construtoras.

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A Grécia deve abandonar o euro? https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=1118&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=a-grecia-deve-abandonar-o-euro https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=1118#comments Mon, 12 Mar 2012 13:40:46 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=1118 O elevado endividamento do governo grego não é exatamente uma novidade. A expressão “PIGS” (acrônimo dos nomes em inglês de Portugal, Itália, Grécia e Espanha), utilizada para denominar países com finanças públicas desorganizadas do sul da Europa, foi cunhada já nos anos 90. Neste artigo farei uma breve exposição do problema grego e discutirei as duas alternativas que se colocam: a Grécia deve fazer um programa de ajuste sob a supervisão da troika (FMI, União Europeia e Banco Central Europeu), ou deve abandonar o euro e tentar um caminho sozinha?

De 2000 a 2008, o endividamento grego cresceu sem maiores problemas. Havia grande liquidez no mundo, decorrente, entre outros fatores, de um maior desenvolvimento e integração do sistema financeiro e de um forte aumento da poupança asiática (em especial, da China), que disponibilizou mais recursos para empréstimos.

A introdução do euro, em 2002, também contribuiu para o endividamento. Em primeiro lugar porque a perspectiva de maior integração europeia significava maior perspectiva de crescimento. Além disso, a moeda única reduzia custos de transação e, sobretudo, o risco cambial, permitindo reduzir as taxas cobradas. Por fim, também contribuiu uma euforia do mercado financeiro, que não enxergou corretamente os riscos que estavam incorrendo, ou conheciam bem os riscos, mas acreditavam que os demais governos da eurozona não deixariam um país quebrar.

A crise financeira internacional já apresentou alguns sinais em 2007, mas se tornou evidente com a falência do Lehman Brothers em setembro de 2008. A recessão global que se seguiu atingiu fortemente a Grécia, entre outros motivos, porque uma de suas principais indústrias, a do turismo, é particularmente sensível a variações do PIB. O governo grego, assim como o de diversos outros países, tentou amenizar os impactos da crise fazendo uma política fiscal expansionista, seja gastando mais, seja reduzindo os impostos. Isso fez com que a dívida grega se acelerasse, passando de cerca de 105% do PIB em 2008 para 145% em 2010. Para se ter uma base de comparação, a relação dívida/PIB dos países da Zona do Euro passou de 70% para 85% no período.

Diante da forte deterioração fiscal, a Grécia fez um plano de austeridade e, em maio de 2010, fechou o primeiro acordo com o FMI e União Europeia, no valor de € 110 bilhões. Isso, entretanto, não foi suficiente para equilibrar suas finanças. Em verdade, a política de austeridade posta em vigor pode ter até deteriorado as finanças gregas, pois fez cair a arrecadação de tributos e não foi suficiente para restabelecer a confiança do setor privado na economia.

Ao longo de 2011 foram feitas várias negociações, que culminaram, em fevereiro de 2012, com um acordo em que a Grécia se comprometeria a cumprir um novo programa de ajustamento. Em troca, receberia empréstimos de € 130 bilhões, e os credores privados aceitariam um desconto de 53% no valor dos títulos. Esse acordo permitirá que a relação dívida/PIB grega convirja dos atuais 160% para 120% em 2020.

Está longe de haver um consenso de qual é a melhor opção para a Grécia. As principais posições antagônicas são entre a Grécia abandonar o euro e dar um calote generalizado ou fazer o programa de ajuste imposto pela troika.

Há algumas vantagens em participar do programa de ajuste. Em primeiro lugar, institucionaliza-se o default parcial sobre os títulos (a redução de 53% no valor de face da dívida), reduzindo a probabilidade de contestações judiciais. Em segundo lugar, os empréstimos darão ao país um colchão de liquidez, reduzindo a probabilidade de insolvência no curto e médio prazos.

Por outro lado, manter-se na Zona do Euro traz todos os problemas associados à regimes de câmbio fixo em países em situação de desequilíbrio fiscal e de balanço de pagamentos. A Grécia vem apresentando constantes déficits em transações correntes. No início dos anos 2000, esse déficit já era da ordem de 7% do PIB. Com a crise de 2008, o déficit aumentou, superando 14% do PIB em 2009 e, mesmo tendo se reduzido, situou-se acima de 10% do PIB em 2011.

O déficit em transações correntes corresponde à poupança externa que está sendo injetada no país. Não há país em crise que consiga financiamento de 10% de seu PIB, principalmente após o calote parcial que impôs ao setor privado. Daí a importância do empréstimo coordenado pela troika no curto prazo. No médio prazo, entretanto, a Grécia terá de reverter esse déficit em conta corrente, o que necessariamente passa pelo aumento das exportações de bens e serviços, vis a vis as importações.

O aumento da competitividade de um país implica mudança de preços relativos, tornando caros os bens e serviços comercializáveis (ou seja, os bens e serviços que podem ser vendidos para ou comprados do exterior) em relação aos serviços não comercializáveis. Essa mudança de preços relativos reduz a demanda doméstica dos produtos comercializáveis, estimulando as exportações e reduzindo as importações.

Quando o país dispõe de autonomia monetária, pode desvalorizar a moeda e, com isso, conseguir facilmente a mudança de preços relativos (pode haver problemas não desprezíveis nessa transição, que serão discutidos a seguir). Mantendo-se atrelada ao euro, a Grécia não dispõe dessa opção. Na ausência de choques exógenos positivos (por exemplo, recuperação surpreendente da economia europeia, aumentando o fluxo de turistas para o país), há duas formas mais óbvias de se conseguir a mudança de preços relativos.

A primeira é instituir reformas que aumentem a produtividade do país (mais rapidamente do que a dos outros países da área do euro). Um aumento de produtividade permite abaixar os custos. No caso de bens e serviços não comercializáveis, a concorrência deve fazer com que seus preços caiam. Já para os bens e serviços comercializáveis, o preço (em euros) tende a ficar inalterado, pois é formado no mercado internacional.

A outra forma de alterar os preços relativos é por meio de uma forte redução da demanda agregada, ou seja, por meio de uma recessão. Isso reduz a demanda por todos os bens e serviços, comercializáveis ou não. Entretanto, como o preço dos comercializáveis é estabelecido no mercado internacional, ele permanece inalterado. Já o preço dos não comercializáveis tende a cair, gerando a mudança de preços relativos necessária para aumentar a competitividade da economia.

Além dos impactos negativos de uma recessão sobre o bem estar da população decorrentes do aumento do desemprego e/ou da queda de renda, há ainda os impactos fiscais, associados à queda da arrecadação tributária. Ou seja, corre-se o risco de a Grécia entrar em um círculo vicioso, em que um programa de ajuste levaria a uma recessão, que deterioraria a situação fiscal, tornando necessário um ajuste ainda maior. O Brasil viveu situação similar no período 1980-83, quando precisou ajustar-se ao segundo choque do petróleo, ocorrido em 1979.

Apesar do descrito acima, tal programa de ajuste não está fadado ao fracasso. O setor privado poderá voltar a investir se perceber que as medidas de austeridade e que as reformas econômicas serão de fato implementadas  e se estiver ciente de que não haverá crise de liquidez (afinal, a Grécia receberá créditos de centenas de bilhões de euros). Os ganhos de produtividade poderão ser sentidos já no médio prazo (digamos, em três ou quatro anos) e o país pode entrar em um círculo virtuoso, voltando a crescer.

Se, em vez de fazer o programa de ajuste, a Grécia optar por sair do euro, poderá fazer o ajuste de preços relativos com muito mais rapidez, em tese, sem necessidade de recessão bastando, para isso, deixar a sua “nova” moeda se desvalorizar. Mas essa opção não está livre de riscos. O cenário mais provável é de uma forte recessão no curto prazo.

Em primeiro lugar, o abandono do euro sem um programa de apoio obrigaria o país a dar um desconto ainda maior na dívida do que o 53% que está sendo proposto. Afinal, se o governo grego está sem caixa, e se não houver empréstimos de regularização, simplesmente não haverá como pagar os credores. Ademais, a dívida grega continuará a ter o euro como moeda de referência. Com uma moeda nova desvalorizada em relação ao euro, a capacidade de pagamento do país diminui.

O não pagamento da dívida implica o isolamento do governo grego do sistema financeiro (pelo menos no curto prazo), requerendo, a partir daí, que o setor público não incorra mais em déficits. É claro que, caso se recuse a pagar a dívida, as despesas com juros cairiam a zero. Mas há outras despesas governamentais (pessoal, aposentadoria, transferências, etc), e, para não depender de financiamento, a Grécia teria de apresentar resultado primário (isto é, receitas governamentais menos despesas, desconsiderando o pagamento de juros) positivo ou neutro. O resultado primário já melhorou muito, mas, ainda assim, foi deficitário em 2,5% do PIB em 2011. Ou seja, mesmo se sair da Zona do Euro, o governo grego terá de promover ajustes para, no mínimo, zerar o déficit primário.

No curto prazo, a política de desvalorização com default provavelmente terá um impacto mais forte sobre o setor privado. Em primeiro lugar, cerca de 40% da dívida do governo grego está em mãos de investidores domésticos. O não pagamento dessa dívida reduzirá a riqueza do setor privado do país, reduzindo a demanda agregada. Em segundo lugar, porque as empresas gregas que estiverem endividadas em euros (ou em outra divisa) sofrerão um forte desequilíbrio patrimonial: suas dívidas serão aumentadas na proporção da desvalorização da moeda, enquanto que suas receitas (exceto no caso de empresas exportadoras) serão corrigidos pela inflação doméstica, supostamente, mais branda que a desvalorização cambial (se a inflação for maior que a desvalorização do câmbio, o câmbio real não terá se desvalorizado e os desequilíbrios externos do país permanecerão).

Teme-se ainda que a desvalorização da “nova” moeda leve a um aumento da inflação, eventualmente, a uma hiperinflação. Conforme colocado anteriormente, para que o país se torne mais competitivo, é necessária uma mudança de preços relativos, com encarecimento dos bens e serviços comercializáveis. Em tese, é possível que uma desvalorização nominal da moeda seja suficiente para garantir esse ajuste. Considerando, entretanto, haver rigidez salarial e, talvez, alguns mecanismos de indexação (formais ou informais) ao câmbio ou à inflação, o mais comum é a desvalorização cambial trazer um impacto inflacionário. Se houver descontrole fiscal, a probabilidade de explosão inflacionária aumenta consideravelmente.

A hiperinflação não é um cenário a ser descartado nesse caso, embora a experiência brasileira de 1999[1] mostre que é possível desvalorizar a moeda mantendo a inflação sob controle. É necessário, contudo, manter uma postura firme do Banco Central, mantendo os juros altos, e do Tesouro, garantindo, pelo menos, superávit primário. No nosso caso, o acordo em vigor com o FMI e acordos informais, que garantiram a manutenção do fluxo de capitais externos, ajudaram a impedir que o PIB caísse naquele ano, tornando nossa transição relativamente suave. Já na Argentina e México, a transição do regime de câmbio fixo para de câmbio flutuante foi mais traumática, com quedas do PIB da ordem de 6%.

O abandono do euro traz ainda dificuldades de implementação, pois não pode  ser anunciado com antecedência. Do contrário, haverá uma corrida bancária (todos tentarão sacar o máximo possível de euros), com prováveis riscos sistêmicos. Observe-se que a frágil situação fiscal grega dificulta que o governo se envolva em operações de resgate de bancos.

Em um cenário mais catastrófico, uma crise bancária combinada com hiperinflação pode desestruturar o país, levando, inclusive, a convulsões sociais. Já em um cenário benigno, o setor público faria as reformas necessárias e  as exportações gregas rapidamente ganhariam competitividade. Livre de dívidas passadas e com forte (e crível) compromisso de estabilidade financeira, a Grécia voltaria a ter acesso ao crédito e encontraria mais rapidamente (comparativamente à opção do ajuste proposto pela troika) o caminho do crescimento sustentável.

Resumidamente, não há fórmula mágica para a saída da crise grega, assim como não houve solução indolor para as crises cambiais e da dívida dos países latino-americanos. Parece inevitável que a Grécia sofra uma recessão no curto prazo. Também parece inevitável o default, mesmo que parcial. Independentemente da escolha entre ficar ou sair do euro, para recuperar a estabilidade fiscal e  voltar a crescer, o governo grego deverá dar mostras de que é capaz de fazer um ajuste em suas contas e de que está fortemente comprometido com esse ajuste.

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[1] Argentina e México também são exemplos de que é possível abandonar o câmbio fixo sem haver hiperinflação. No caso do México, a inflação subiu para cerca de 50% logo após a desvalorização do peso, em 1995, mas caiu nos anos seguintes.

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Por que o real se valoriza em relação ao dólar desde 2002? https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=620&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=por-que-o-real-se-valoriza-em-relacao-ao-dolar-desde-2002 https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=620#comments Mon, 20 Jun 2011 12:15:05 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=620 Este texto é uma resenha do estudo “O câmbio no Brasil: perguntas e respostas”, de autoria de Affonso Celso Pastore e Maria Cristina Pinotti, apresentado no XXIII Fórum Nacional, promovido pelo Instituto Nacional de Altos Estudos – INAE. O texto resenhado pode ser obtido na íntegra, em versão pdf,  no endereço: http://www.forumnacional.org.br/sec.php?s=400&i=pt . A publicação da presente resenha em www.brasil-economia-governo.org.br foi autorizada pelos autores e pelo INAE.

Por que o câmbio no Brasil se valoriza continuamente desde 2002? Não há uma causa única, mas uma explicação muito importante está associada a uma característica dominante da economia brasileira, que é o nível baixo das poupanças domésticas – pública e privada. Isto torna o crescimento econômico dependente da absorção de poupanças externas, na forma de importações líquidas, cujo aumento ocorre através da valorização do câmbio real. Se todas as demais causas apontadas para a valorização do real não existissem, essa dependência com relação às poupanças externas já seria suficiente para transformar o real em uma moeda forte.

O propósito deste trabalho é enfatizar a importância desse efeito, bem como indicar caminhos para superar a limitação que ele impõe ao crescimento econômico. Mas antes de atingir esse ponto é preciso avaliar as outras forças por trás do comportamento da taxa cambial. Para fazê-lo há que se responder a cinco perguntas.

i)                    qual é o verdadeiro regime cambial brasileiro?

ii)                  o que está por trás da contínua valorização do real desde 2002?

iii)                por que cresceram as pressões para a valorização do real a partir de 2010?

iv)                por que mesmo diante das intervenções e de controles aos ingressos de capitais o câmbio real se valoriza?

v)                  como os ganhos de relações de troca afetam as exportações de commodities e de produtos manufaturados, e que consequências isto acarreta sobre as importações?

Após responder a essas cinco questões, na última seção o trabalho discute as sugestões sobre como reagir à nova realidade externa. Não há controvérsias sobre as reações aos movimentos de curto prazo, que temporariamente valorizam o real: usam-se os instrumentos das intervenções e de taxações sobre os ingressos de alguns tipos de capitais. A controvérsia está no que fazer para evitar forças que a longo prazo tornam o real uma moeda mais forte. A primeira ação deveria ser a promoção de reformas que levem à elevação das poupanças domésticas, tornando o crescimento econômico menos dependente da absorção de poupanças externas.

I – QUAL É O REGIME CAMBIAL BRASILEIRO?

O Brasil aderiu à flutuação cambial no início de 1999. Mas se caracterizarmos o regime cambial brasileiro não pelo comportamento da taxa cambial, e sim pela intensidade das intervenções, desde janeiro de 2006 o Brasil vem praticando um regime cambial muito distante do câmbio flutuante puro.

Quando a trajetória do câmbio é pré-fixada (assim como no regime de câmbio fixo), o Banco Central tem que estar pronto a comprar ou a vender quaisquer que sejam os fluxos cambiais de entrada e de saída para manter o câmbio preso àquela trajetória. Já no regime puro de câmbio flutuante, o Banco Central nem compra, nem vende: o aumento de fluxos de entrada leva à valorização do câmbio, e o aumento dos fluxos de saída leva à sua desvalorização.

Desde a implementação do Plano Real, podemos identificar três períodos no que diz respeito ao comportamento do Banco Central no mercado de câmbio. Durante o período de câmbio com trajetória pré-fixada (1994-1999), eram frequentes as intervenções de compra e venda. Já no regime de câmbio flutuante, após 1999, há dois períodos distintos. No primeiro, entre 1999 e o final de 2005, as intervenções eram muito pequenas. Havia nesse período uma flutuação cambial quase pura. Já a partir de 2006, as intervenções são mais intensas do que no período entre 1994 e 1999. Por esse critério, o regime cambial recente se assemelha ao que existia quando o real seguia uma trajetória pré-fixada. Entretanto, contrariamente ao que ocorria entre 1994 e 1999, apesar da intensidade das intervenções, o câmbio não deixou de se valorizar. Também contrariamente ao que ocorria entre 1994 e 1999, quando havia uma alternância de compras e vendas, neste período mais recente, em quase todos os meses (a exceção são os quatro meses mais agudos da crise mundial de 2008), somente ocorreram compras. Foram compras tão intensas que, de janeiro de 2006 até o presente, o Brasil acumulou um adicional de mais US$ 274 bilhões de reservas.

Qual o motivo dessas intervenções intensas? A explicação oficial é que com isso buscava-se a acumulação de reservas. Esse é, de fato, um objetivo de política econômica, mas não era o único. O outro, não declarado, é a busca de, pelo menos, evitar uma valorização mais intensa do real.

II – O QUE ESTÁ POR TRÁS DA CONTÍNUA VALORIZAÇÃO CAMBIAL DESDE 2002?

Não há uma única causa por trás da contínua valorização cambial desde 2002, mas uma delas, muito importante, é o aumento progressivo da demanda por ativos brasileiros a partir de 2002, derivada da adesão do país à disciplina macroeconômica, junto com a melhora do cenário internacional.

A grande queda da percepção de riscos macroeconômicos ocorreu quando o governo Lula, logo no seu início, se comprometeu a manter o mesmo tripé implantado no governo anterior: superávits fiscais primários; metas de inflação; e flutuação cambial. Buscava, com isso, a redução da dívida publica; a sua desdolarização; o controle da inflação; e o aumento da liquidez externa do país. A percepção da seriedade do compromisso com esses objetivos reduziu drasticamente a percepção de riscos, elevando a demanda por ativos brasileiros.

O aumento da demanda no mercado financeiro internacional eleva os preços dos bônus brasileiros no mercado secundário, o que reduz seus rendimentos (yelds) e, consequentemente, o prêmio de risco[1]; e o aumento da demanda no mercado financeiro por parte de estrangeiros eleva o ingresso de dólares para permitir as compras, valorizando o real. Ou seja, a queda na percepção de riscos macroeconômicos produz, ao mesmo tempo, uma baixa dos prêmios de risco e uma valorização cambial: é a melhoria da percepção de riscos, por sua vez decorrente de uma maior disciplina macroeconômica, que permite queda no prêmio de risco e apreciação da taxa de câmbio.

Há quem argumente que a forte demanda por ativos brasileiros decorre das altas taxas de juros. É verdade que em todo este período há ingressos de capitais de curto prazo, mas há, também, um forte ingresso de capitais de longo prazo, que não são diretamente estimulados pelo diferencial de taxa de juros. Por exemplo, nos doze meses encerrados em maio de 2011, a entrada de investimentos estrangeiros diretos e em portfólios, que não é induzida pelo diferencial de juros, atingiu em torno de US$ 100 bilhões. São capitais atraídos pelas boas perspectivas econômicas do Brasil, em um contexto de abundante liquidez no mercado financeiro internacional.

III – POR QUE A PARTIR DE 2010 CRESCEU A PREOCUPAÇÃO COM A VALORIZAÇÃO?

Em 2010 o Federal Reserve iniciou Quantitative Easing 2 – QE2, um programa de recompra de títulos de longo prazo do Tesouro dos Estados Unidos que aumentou a quantidade de dólares em circulação. Isso acentuou a desvalorização do dólar com relação a praticamente todas as moedas, inclusive o real.

Uma primeira reação do governo brasileiro a essa valorização foi retomar os controles nos ingressos de capitais, elevando para 6% o IOF para os ingressos em portfólio de renda fixa. Em segundo lugar, intensificaram-se as intervenções no mercado à vista, tendo as compras no primeiro quadrimestre de 2011 atingido a média de US$ 7,3 bilhões por mês.

IV – POR QUE APESAR DO ESFORÇO CONTRÁRIO O CÂMBIO REAL SE VALORIZA?

Essa valorização é uma consequência de duas forças. A primeira são os ganhos de relações de troca. A segunda é o fato de que o Brasil é um país no qual o aumento dos investimentos depende da complementação de poupanças externas, porque as poupanças domésticas são baixas. A absorção de poupanças externas se faz com o aumento das importações líquidas, mas, para tanto, é necessário que se tornem mais baratas, o que exige a valorização do câmbio real.

Olhemos primeiramente para as relações de troca, mas antes de analisar o caso brasileiro, concentremo-nos por um momento no comportamento do dólar australiano, que foi a moeda que mais se valorizou depois de implantado o QE2. Não se pode atribuir a apreciação do dólar australiano ao diferencial de juros, simplesmente porque a taxa de juros daquele país é muito próxima da dos Estados Unidos. O canal de transmissão relevante, no caso da Austrália, foi a elevação dos preços de commodities.

Os ganhos de relação de troca, ao estimular as exportações e ampliar a oferta de divisas, tendem a valorizar o câmbio real em países cujas exportações de commodities são elevadas. No caso brasileiro, tanto quanto no caso da Austrália, ganhos de relações de troca ocorrem quando os preços das commodities se elevam. A partir de 2009, o Brasil teve ganhos de relações de troca da ordem de 30%.

Olhemos agora para o fato de que no Brasil as poupanças domésticas são baixas, e que os investimentos dependem da absorção de poupanças externas, na forma de aumento das importações líquidas. Contabilmente um déficit nas contas correntes (exportações líquidas negativas) é o excesso de importações sobre exportações de bens e serviços, mas economicamente ela pode ser vista: ou como o excesso da absorção (a soma da formação bruta de capital fixo e dos consumos das famílias e do governo) sobre a renda; ou como a escassez das poupanças totais domésticas para financiar os investimentos[2]. Outra forma de entender a dependência de nossa economia pela poupança externa é constatar que o aumento dos investimentos provoca o crescimento da absorção acima do PIB, porque não ocorre nem uma queda suficientemente grande do consumo das famílias, nem do consumo do governo, que provocariam a elevação das poupanças domésticas. É necessária então a poupança externa para completar o financiamento do investimento doméstico. Com isso fica estabelecido o fato empírico de que no Brasil o aumento dos investimentos requer a complementação de poupanças externas. Mas por que isso levaria á valorização do câmbio real?

O câmbio real é um preço relativo, entre bens tradables e non-tradables[3], e o aumento da absorção relativamente à renda provoca a sua apreciação. Para mostrar esse ponto partimos de uma situação inicial na qual os investimentos são iguais às poupanças domésticas (a absorção é igual à renda), com importações líquidas nulas. Admitamos que a partir desse ponto a absorção doméstica se eleva acima da renda (os investimentos crescem acima das poupanças domésticas), levando a um aumento nas importações líquidas. Expansão da demanda doméstica significa um aumento quer da demanda por bens tradables, quer da demanda por bens non-tradables. Mas com um dado valor do câmbio nominal o preço nominal dos bens tradables não se altera (ele é o produto do câmbio nominal pelo preço internacional, e lembremos que este último não se altera, porque o Brasil é um “tomador de preços” no mercado internacional). Em contrapartida, o aumento da demanda de bens non-tradables leva a um aumento de seu preço relativo (os salários, por exemplo), e, como o câmbio real é o preço relativo entre bens tradables e non-tradables, este se valoriza. A valorização do câmbio real é necessária para levar ao aumento das importações líquidas, que conduzem ao aumento da taxa de investimentos.

Por que canais essa valorização ocorre? Ela pode ser tanto decorrente de uma apreciação do câmbio nominal sem que os preços dos bens non-tradables se alterem no mercado doméstico; quanto de uma elevação dos preços dos bens non-tradables, isto é, através de uma inflação. Observem que em ambos os casos os bens non-tradables tornam-se mais caros em relação aos bens tradables.

Desde 2002 tem ocorrido apreciação do câmbio real. Em grande parte, essa apreciação é explicada pela apreciação do câmbio nominal. Mas a inflação (de bens non-tradables) também teve a sua parte, especialmente depois de 2010, quando se intensificaram as intervenções do Banco Central no mercado à vista, buscando evitar uma apreciação do real com relação ao dólar. Ou seja, nesse período mais recente, a tentativa de impedir uma apreciação do câmbio nominal tem feito com que a apreciação do câmbio real necessária para equilibrar o excesso de absorção doméstica em relação ao produto tenha de ser obtida por meio de maior inflação de non-tradables, como os serviços.

V – COMO AS RELAÇÕES DE TROCA AFETAM AS EXPORTAÇÕES E IMPORTAÇÕES?

Para as exportações como um todo, a valorização do câmbio real com relação à cesta de moedas é compensada pela elevação dos preços das exportações medidos em dólares. Mas os preços dos produtos manufaturados cresceram menos do que os preços dos produtos básicos. Quanto isso representa em termos de perdas de competitividade?

A resposta obviamente não pode ser dada olhando apenas para o câmbio real. Uma medida mais precisa é dada computando-se o produto do câmbio real pelos preços em dólares de manufaturados, semimanufaturados e básicos. Em relação ao câmbio real, podemos tomar como referência o dólar, se considerarmos que as exportações são predominantemente direcionadas para os Estados Unidos ou para países com moedas presas ao dólar (como a China), ou ter como referência uma cesta de moedas, se houver maior diversificação no destino de nossas exportações.

Em relação aos produtos básicos, verificamos que nos últimos anos suas exportações tornaram-se extremamente mais competitivas, pois a elevação de preços de commodities mais do que compensou a valorização das duas medidas de câmbio real. Já para os exportadores de produtos manufaturados para os Estados Unidos e para países com moedas atreladas ao dólar norte americano, a perda de competitividade vem ocorrendo continuamente. Mas ela é bem menor do que a estimada pela valorização do real, e é ainda menor caso se exporte para países cujas moedas também estão em processo de valorização.

O caso das importações é semelhante ao das exportações de produtos manufaturados. Importações provenientes dos Estados Unidos ou de produtos cotados em dólares têm seus preços convertidos em reais mostrando uma queda contínua.

QUAIS SÃO OS CAMINHOS?

Em situações de valorizações transitórias excessivas, como a que vem ocorrendo em resposta à crise internacional, o governo reage intervindo mais pesadamente e/ou “colocando areia nas rodas” dos ingressos de capitais, evitando uma sobrevalorização. A grande maioria dos países lança mão desses instrumentos. O que nos interessa mais de perto, diante da análise exposta neste trabalho, é como reagir ao movimento permanente de valorização do real.

A primeira providência é elevar as poupanças totais domésticas, de forma a tornar o crescimento econômico menos dependente da absorção de poupanças externas. Para isso é necessário redefinir completamente os objetivos da política fiscal. Há alguns anos, quando o Brasil sofria do problema da não sustentabilidade da dívida pública, tinha que gerar superávits primários suficientemente grandes para, dadas a taxa real de juros e a taxa de crescimento econômico, produzir o declínio da relação dívida/PIB. Agora teria que dar um passo além, cortando gastos de custeio em relação às receitas de forma a elevar simultaneamente suas poupanças e os seus investimentos.

A segunda providência é tomar medidas no campo tributário para elevar a competitividade das exportações. É preciso, primeiro, que os impostos sobre o valor adicionado permitam a total isenção nas exportações, o que não existe atualmente com o ICMS. É necessário reformar completamente o ICMS, mantendo as receitas nos Estados, mas com legislação federal, de forma a tolher o poder dos Estados na concessão de incentivos e isenções. O ICMS também teria que ser recolhido de acordo com o princípio do destino, e não da origem, de forma a eliminar o problema da não utilização dos créditos tributários. Também são necessárias uma desoneração da tributação sobre a folha de pagamento e uma queda drástica de impostos sobre energia elétrica e bens de capital.

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[1] O yield corresponde ao rendimento de um título, que pode ser expresso pela soma do rendimento de um título sem risco (o que usualmente é aproximado pela taxa de juros de títulos do governo norte-americano para títulos com características semelhantes aos nossos) com o prêmio de risco. Se o rendimento cai e a taxa de juros sem risco não se altera, isso implica redução do prêmio de risco.

[2] Para simplificar admitimos nula a renda líquida enviada ao exterior. A oferta total de bens e serviços é obtida somando o produto, Y, às importações, M, e a demanda agregada de bens e serviços é  obtida somando o consumo das famílias, C, aos investimentos, I, ao consumo do governo, G, e às exportações, X (a demanda externa). O equilíbrio impõe a igualdade Y+M=C+I+G+X, ou (X-M)=Y-(C+I+G), onde as exportações líquidas, (X-M), são iguais ao saldo nas contas correntes (a renda enviada ao exterior é nula), e (C+I+G) é a absorção. Somando e subtraindo a arrecadação tributária, T, obtemos (Y-T)-C – I+(T-G)=(X-M), onde (Y-T) é a renda disponível. A diferença entre a renda disponível e o consumo é a poupança das famílias, e a diferença entre a arrecadação tributária e o consumo do governo é a poupança do setor público. Ou seja a poupança das famílias é St =(Y-T)-C, e a poupança pública é (T-G)=Sp, e fazendo S=St+Sp obtemos S-I=X-M, ou seja, as exportações líquidas (o superávit nas contas correntes) é o excesso das poupanças sobre os investimentos.

[3] Bens tradables, ou comercializáveis, são bens que são fáceis de serem exportados ou importados. Já bens non tradables são bens que apresentam maior dificuldade de comercialização no mercado internacional (seja para exportação ou para exportação). Podemos aproximar, grosseiramente, bens tradables como commodities e manufaturados, e non-tradables como serviços. Câmbio real depreciado significa, portanto, que os bens comercializáveis estão relativamente caros. Quando o câmbio real se aprecia, o preço dos serviços e outros bens não comercializáveis tende a ficar relativamente mais caro.

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