Infraestrutura e petróleo – Brasil, economia e governo https://www.brasil-economia-governo.com.br Mon, 22 Aug 2022 22:56:23 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=6.5.3 Efeito Fim de Jogo nas Concessões de Eletricidade https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=3671&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=efeito-fim-de-jogo-nas-concessoes-de-eletricidade Mon, 22 Aug 2022 22:54:09 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=3671 Efeito Fim de Jogo nas Concessões de Eletricidade

 

Por Joisa Dutra* e Romário Batista**

 

O término dos contratos é objeto do livro “Concessões no Setor Elétrico Brasileiro – Evolução e Perspectivas”[1], recém-lançado[2]. Passadas quase três décadas desde o início da reestruturação do setor elétrico, os próximos 10 anos são palco do término de 129 contratos de concessão de distribuição(D), geração(G) [3] e transmissão (T)[4]. Representam cerca de 62,6% do mercado das distribuidoras[5], 20 GW de potência hidrelétrica e 9.000 km de linhas de transmissão. A obra é relevante e oportuna, principalmente com o avanço dos debates para aprovação no Legislativo da Modernização do Setor Elétrico (PL 414/21), que inclui propostas de tratamento às concessões vincendas.

As desestatizações ao final da década de 1990 garantiram a outorga de novos contratos por 30 anos. Isso viabilizou a expansão do sistema elétrico, através da implantação de novas instalações de geração e redes de transmissão e distribuição. Alcançamos também a universalização do acesso à energia elétrica, que hoje atende 99.9% da população. Tudo isso é fruto de uma bem-sucedida coexistência de capitais públicos e privados.

O setor elétrico tem papel crítico na transformação da sociedade, rumo à descarbonização, que é chave para enfrentar os desafios da deterioração do meio ambiente. O volume de investimentos previsto no horizonte do Plano Decenal de Energia PDE/2031, elaborado pela Empresa de Pesquisa Energética, é de R$ 3,2 trilhões. Segurança jurídica é fundamental para financiamento e investimentos em qualquer setor de infraestrutura, afetando diretamente o custo de capital.

O que chamamos aqui de as “regras do fim do jogo” fazem parte do que é considerado pelos agentes nas suas decisões de investimento por todo o período da concessão e, especialmente, quando vai chegando ao final, quando podem sobrar “menos anos” para recuperar o que foi investido. É essencial saber as condições que vão pautar a decisão do Poder Concedente sobre licitar ou prorrogar as concessões. Previsibilidade aqui requer o desenho e a implementação de uma política funcional de gestão de outorgas.

A decisão sobre o que fazer no término dos contratos vai além da uma simples dicotomia entre licitar ou prorrogar:  a possibilidade de renovar concessões do setor elétrico abre espaço para repactuar a relação contratual entre Poder Concedente e concessionários. A adaptação dos contratos a um mundo em transformação pode garantir melhores incentivos e ganhos de eficiência para a prestação dos serviços e expansão do sistema. Ganham usuários, empresas e o governo.

O contexto atual de transição energética amplia os desafios e dilemas em torno da renovação ou licitação das outorgas vigentes, sobretudo para o segmento de distribuição. Em um mundo descentralizado e digitalizado, a empresa de distribuição de eletricidade se converte em um Operador do Sistema de Distribuição – o DSO, da sigla em inglês.

Flexibilidade para adaptar contratos no advento de seu término é essencial quando a transição energética dá espaço ao DSO. Novos serviços são necessários para o adequado gerenciamento de um ambiente que combina recursos energéticos distribuídos (DER, da sigla em inglês), conceito que inclui a geração distribuída, a resposta da demanda, o armazenamento e  veículos elétricos. As redes elétricas são grandes facilitadores dessa transformação. Como isso tudo custa caro, a renovação permite amoldar os contratos a essa nova realidade, que demanda ainda resiliência a eventos como extremos climáticos e ataques cibernéticos em um adequado compartilhamento de risco entre concessionários e poder concedente. 

Os investimentos para adaptar as redes de distribuição ao conceito DSO são vultosos e não meramente incrementais. Isso é ilustrado em artigo recente de Anna Brockway e coautores [6], que foca na companhia PG&E, uma das três grandes utilities que operam na Califórnia. A análise mostra que a penetração dos veículos automotores elétricos em patamar coerente com os compromissos climáticos para aquele estado demandaria aumentar muito os investimentos nos sistemas de distribuição. Para ilustrar, os investimentos requeridos para aquele fim até 2025 correspondem ao triplo do projetado pela empresa no período.  Análises semelhantes ainda não estão disponíveis por aqui. Mas são essenciais para pactuar as condições entre Poder Concedente e concessionário para viabilizar investimentos consistentes com a almejada “transição energética” para fontes limpas nas próximas décadas.

O livro oferece ainda contribuições metodológicas para subsidiar a decisão quanto à renovação ou licitação das outorgas, como os modelos de: (i) avaliação das condições de prestação serviços – se adequada ou não –, mensurável através de índices de sustentabilidade; e (ii) análise financeira de valuation para usinas hidrelétricas, que daria pistas da duração ótima da concessão.

O livro apresenta, ainda, proposta de instrumento normativo infralegal, destinado a reduzir incertezas e assegurar um procedimento mais estruturado, previsível e transparente para regulamentar a prorrogação, bem como o pagamento de indenizações por investimentos não amortizados em bens reversíveis.

Na síntese de Ricardo Brandão[7], que escreve na contracapa, “O estudo oferece as balizas para o Poder Concedente em seu processo de tomada de decisão, posto que traz a ótica do regulador, a visão dos órgãos de controle externo e a jurisprudência dos tribunais; mas é também um guia para concessionários, investidores e consumidores, para melhor compreender todas as camadas que envolvem esta discussão. Sem dúvidas, esta obra já nasce como referência obrigatória para os que desejam se debruçar sobre o tema das concessões e das prorrogações de seus contratos”.

 

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Resultado de pesquisa (P&D ANEEL), o livro  visa lançar sólido alicerce para que floresçam as discussões sobre as transformações em curso no contexto da transição energética e o desafio de refleti-las em direitos e obrigações nos instrumentos de outorga. Isso reforça e se coaduna com as novas práticas adotadas a partir dos “Princípios para Atuação Governamental no Setor Elétrico” (Portaria do Ministério de Minas e Energia (MME) 86/18), em especial os da “transparência e participação da sociedade nos atos praticados”, autorizando, desse modo, a legítima aspiração dos agentes, consumidores, entidades representativas e demais segmentos interessados, de participarem desse debate, de forma estruturada e tempestiva.

É preciso, no entanto, vigilância quanto a possíveis recaídas ou compromissos com o passado de improvisações e arranjos de última hora. Circularam na mídia, nos últimos meses, notícias de iminente edição de (i) Medida Provisória para dispor sobre a renovação antecipada de concessões de geração e (ii) Decreto para regulamentar a renovação de concessões de distribuidoras privatizadas, prescindindo de qualquer debate com os atores envolvidos e efetivamente comprometidos com soluções estruturais e harmônicas[8]. Setembro próximo “comemoramos” 10 anos da edição da Medida Provisória 579/2012, o 11 de setembro do setor elétrico, que tentou – e falhou – aproveitar a oportunidade de renovação de concessões para alcançar redução de tarifas e preços de eletricidade tão somente por motivações eleitorais.

A despeito desses ruídos, há sinalizações do MME para uma regulamentação, até dezembro de 2022, de diretrizes e metas para eventual renovação dos contratos de concessão de distribuição, alinhadas com a modernização e com os novos paradigmas do setor, e que tragam benefícios efetivos ao consumidor. Tal processo estaria sendo desenvolvido com base em estudos e avaliações específicas, em observância às determinações e recomendações constantes do Acórdão TCU nº 2.253/2015-Plenário e dos relatórios técnicos que o subsidiaram[9].

Embora possa representar um avanço em relação a práticas anteriores, é preciso ainda assegurar o diálogo e a participação nesse processo dos diversos atores envolvidos e/ou afetados, de forma estruturada e transparente. Esse é, sem dúvida, o melhor caminho para que as “regras do fim do jogo” possam ser consideradas desde o princípio, em prol da segurança jurídica e da viabilidade de vultosos investimentos na adaptação e modernização das redes e demais instalações de energia elétrica no ambiente digitalizado e descentralizado da transição energética!

 

 

 

[1] Synergia Editora (Parceria entre FGV/CERI-FGV/Direito SP e a EDP Energias do Brasil, no âmbito do Programa de P&D da ANEEL).

[2] Webinar do FGV CERI e FGV Direito SP, realizado em 20/7/22, com o apoio e participação da EDP, da ANEEL e do MME.

[3] Inclui as UHEs Tucuruí e Mascarenhas de Moraes, com 8,8 GW de potência, cujas concessões foram renovadas antecipadamente nas condições da Lei nº 14.182/21 (Desestatização da Eletrobras).

[4] Mais de uma centena dessas concessões decorrem de privatizações de empresas federais ou estaduais ao final da década de 1990, bem como de licitações de novas outorgas de geração e transmissão realizadas a partir de 1995.

[5] Relatório de Indicadores de Sustentabilidade Econômico-Financeira das Distribuidoras: ANEEL- Base Set/21; 14ª Edição – Dez/21.

[6] Anna Brockway (2022) et al.. “Can Distribution Grid Infrastructure Accommodate Residential Electrification and Electric Vehicle Adoption in Northern California?” Energy Institute at Haas Business School Working Paper 327.

[7] Diretor Executivo de Regulação da Associação Brasileira de Distribuidores de Energia Elétrica (ABRADEE). Foi Procurador Geral na Agência Nacional de Energia Elétrica.

[8] Mudanças nos regramentos e nos contratos aplicáveis produziram um arcabouço heterogêneo no tempo (diferentes “safras” de contratos) e mesmo dentro de um mesmo segmento (G/T/D). Defendem os autores do livro o estabelecimento de um procedimento estável e funcional, com anterioridade e previsibilidade, para tomada de decisão pelo Poder Concedente quanto ao futuro das concessões, de modo a alterar o cenário atual de incertezas institucionais e regulatórias.

[9] No julgamento do TC 003.379/2015-9[9], o Plenário da Corte de Contas considerou constitucional a prorrogação de todas as concessões de distribuição de energia elétrica pelo prazo de 30 anos, desde que as empresas concessionárias aceitassem as novas metas de qualidade e de gestão econômico-financeira definidas pela ANEEL. Entendeu, ainda, que estava caracterizada uma situação de excepcionalidade suficiente para afastar a necessidade de realização de nova licitação pública.

O posicionamento dos Ministros contrariou o entendimento das instâncias técnicas no Tribunal de Contas da União, que propugnavam pela inconstitucionalidade da Lei nº 12.783/2013 e insistiam na necessidade de realização de novas licitações.

Para a SeinfraEnergia, unidade do TCU< o poder concedente não teria caracterizado, por meio de estudos técnicos, a situação excepcional capaz de justificar a necessidade de prorrogação. Também não teria sido demonstrada a vantagem da prorrogação, em relação à alternativa de relicitação de todos ou alguns contratos de concessão. De outro lado, o modelo de prorrogação proposto violava a Lei nº 8.987/1995 e a Lei nº 12.783/2013, na medida em que teria caráter gratuito. A definição de novas metas de qualidade e de gestão econômico-financeira para as atuais concessionárias não caracterizava a onerosidade da prorrogação. A prestação de serviço público adequado, segundo os parâmetros estabelecidos pelo poder concedente, constitui a obrigação básica de toda e qualquer concessionária. Tampouco havia previsão de novos investimentos por parte das atuais concessionárias para o cumprimento das metas impostas. O caráter generalizado da prorrogação abrangeria indistintamente as concessionárias que não vinham prestando serviço adequado aos usuários. A sanção de caducidade não constituía mecanismo eficaz para garantir o cumprimento das novas metas de qualidade definidas pela ANEEL.

 

 

* Joisa Dutra é diretora do FGV CERI e doutora em economia pela FGV EPGE.

 

** Romário Batista é pesquisador do FGV CERI e ex-secretário de Parcerias em Energia, Petróleo, Gás e Mineração do PPI.

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5G: Conectando o Brasil com o Futuro https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=3655&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=5g-conectando-o-brasil-com-o-futuro Sun, 24 Jul 2022 04:33:47 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=3655 5G: Conectando o Brasil com o Futuro

 

Por Marcos Ferrari* e Amanda Lopes**

 

O Paradigma da Telefonia Móvel

Recém-lançada no Brasil, a 5ª geração de banda larga móvel (standalone) nasce com o propósito de revolucionar as telecomunicações e promover um ambiente produtivo totalmente digital. Neste cenário, o setor de telecom desponta como o agente central do crescimento brasileiro.

Entender as razões que tornam o 5G o habilitador do desenvolvimento econômico requer a compreensão da evolução dos padrões da tecnologia móvel e a importância da tecnologia na economia. No passado, o objetivo primordial das telecomunicações era facilitar a comunicação entre pessoas, através de serviços de áudio e texto. A evolução da tecnologia, entretanto, abarcou os anseios do passado e superou o objetivo inicial.

A popularização do telefone celular ocorre na década de 80, quando a primeira geração de tecnologia (1G) possibilita a transmissão wireless de voz através de sinais analógicos. Apesar do avanço, o 1G apresenta falhas severas de segurança de dados e a transmissão sofria com interferências.

Uma década depois, o 2G surge com um novo paradigma: transmissão do sinal digital em vez do analógico. A mudança solucionou as questões de ruídos e possibilitou a criptografia dos dados, de forma a promover o primeiro passo em direção à cybersegurança móvel. As evoluções do 2G também possibilitaram a comunicação via SMS e a criação do sistema de internet móvel.

A telefonia já se encontrava no patamar de oferecer aos clientes comunicação via voz, mensagem e dados em um só equipamento. Contudo, à medida que o 2G era disseminado, aumentavam as demandas por mais largura de banda e velocidade. Neste cenário, o 3G foi lançando nos 2000 com o intuito de estabelecer um novo patamar de capacidade de transmissão de dados e potencial de conexão nos mais diversos lugares.

A facilidade promovida pela telefonia móvel alterou gradativamente a forma de comunicação da sociedade, impondo novas necessidades. Conversar com a família, participar de reuniões, fazer negócios, digitalizar empresas, todas são atividades que sofreram sensíveis mudanças em 20 anos. As  necessidades crescentes nos levaram ao 4G (LTE), tecnologia que habilitou diversas aplicações móveis relacionadas a serviços bancários, mobilidade, delivery, popularizando smartphones e tablets. A conexão enfim alcançou a maioria das pessoas de forma inegável. Em junho de 2022, a Lei Complementar nº 194 alterou a Lei Kandir de forma a considerar telecomunicação um serviço essencial à sociedade.

A natureza das telecomunicações, inicialmente com enfoque na mera comunicação entre agentes, ganha contorno transversal na economia, habilitando o desenvolvimento de diversos setores.

A evolução das telecomunicações pode ser muito bem compreendida pelo processo schumpeteriano de destruição criativa (Schumpeter, 1942): a incessante inovação e os processos de substituição de produtos obsoletos por paradigmas tecnológicos modernos permeiam o desempenho econômico de longo prazo e as constantes flutuações econômicas. A concorrência, dentro desta abordagem, exerce papel fundamental sobre a mudança tecnológica. No sistema capitalista, a competição endogeniza o progresso tecnológico (Dosi, 1988). Firmas buscam aprimorar o capital produtivo na busca por lucro potencial e diferenciação no mercado. 

Gráfico 1 – Acessos de Telefonia Móvel por Tecnologia

Fonte: Anatel. Elaboração: Conexis.

A destruição criativa e a acumulação das inovações tecnológicas, propiciadas pelas telecomunicações, guiaram a evolução entre um cenário produtivo restrito e manual, para um mundo conectado e digital. Apesar de uma tecnologia não findar com a chegada de uma nova, a mudança de paradigmas é visível. Até os dias atuais, o 2G e 3G continuam a atender algumas das necessidades de áreas mais remotas ou conectar máquinas de cartão de crédito, por exemplo, mas a chegada do 4G promoveu uma mudança qualitativa como nova base habilitadora de diversas aplicações. Com o 5G, haverá outra mudança qualitativa, e o 4G coexistirá por muitos anos.

Neste espírito, podemos entender que apesar da tecnologia ter alcançado um pico com o 4G e desta ser uma tecnologia que ainda provê as necessidades diárias da sociedade, o 5G abre portas para mais uma rodada de inovações além do imaginado. E, definitivamente, esta jornada não se encerra por aqui.

A Inovação do 5G

Apesar do lançamento do chamado 5G “puro”, ou standalone, ser recente, serviços de 5G DSS, ou non-standalone, já eram oferecidos no Brasil. O 5G DSS agrega frequências reaproveitadas do 3G e 4G para tentar aumentar o throughput (quantidade de dados transmitidos por uma rede), porém a capacidade de banda é limitada a 10~20 Mhz.

Visto a restrição dessa modalidade, o Leilão do 5G, realizado em novembro de 2021, abre as portas para uma tecnologia de ponta. A faixa de 3,5 GhZ, leiloada como a faixa nobre do 5G standalone, possui 100 Mhz de largura de banda e uma capacidade de throughput superior ao DSS.

O 5G se destaca pelo ganho de performance significativo, seja em velocidade, latência, capacidade ou número de aparelhos que podem se conectar simultaneamente. Segundo a UIT (União Internacional de Telecomunicações), órgão ligado às Nações Unidas e responsável por criar as diretrizes mundiais de telecom, define uma norma para o 5G: a rede deve prover velocidade de 10 Gbps por segundo, latência de 1 milisegundo e até 1.000 conexões simultâneas por km².

Essa última característica viabilizará o Massive IoT, ou seja, a conexão de milhares de devices com uma nuvem central, capaz de receber constantes bits de informação e processar dados. A Internet das Coisas (IoT) representa uma mudança contínua de paradigma nas comunicações: tudo o que se beneficia de uma conexão pode e será conectado.

Diversos testes envolvendo redes 5G têm sido realizados para comprovar os benefícios da nova tecnologia. Na agricultura, pode-se destacar a pesquisa da Avant Agro na implementação de drones munidos com 5G e Inteligência Artificial para monitoramento de lavouras.

Segundo a Embrapa, estima-se que a dificuldade em detectar ervas daninhas em plantações de soja, possa gerar prejuízos de R$ 9 bilhões anuais no país em decorrência da perda de produtividade. O 4G já possibilita o uso de drones para mapeamento do campo, porém de forma offline. Isso significa que a informação coletada pelo drone fica armazenada em um cartão de memória, sendo necessário que o operador as transfira do cartão para uma máquina, de forma que os dados sejam processados. De acordo com a Avant Agro, o mapeamento offline leva aproximadamente 12h e 4,5 GB para uma área de 25 hectares.

Ao implementar a tecnologia 5G aos drones, permitindo uma conexão online, onde os dados são importados para um cloud e tratados por algoritmos em tempo real, o tempo do processo cai para 3h43min. O reconhecimento das ervas daninhas por meio de drone conectado à rede 5G, reduz custos e propensões a erro, além de reduzir substancialmente o tempo do processo.

As aplicações do Massive IoT poderão também ser implementadas em diversos setores, como na saúde, através de wearables que acompanham sinais vitais e mudanças de comportamento, facilitando a triagem e o encaminhamento de pacientes à unidade de saúde. Esta função pode gerar redução de custos de atendimento e munir profissionais da saúde com amplo histórico sobre os pacientes.

No setor de logística, os processos aduaneiros (smart ports) também devem se beneficiar por smart tags, por exemplo, que permitem o acompanhamento do transporte de mercadorias do produtor ao consumidor final em tempo real, inclusive para fins de fiscalização e tributários.

Na contramão de aplicações de Massive IoT que requerem a conexão de milhares de endpoints com trocas de pequeno volume de dados, o 5G promoverá o Critical IoT. Estas aplicações são caracterizadas por um volume de dispositivos significativamente menor e maior demanda por confiabilidade. Aplicativos como esses exigem densa cobertura de conexão, latência ultrabaixa e alta taxa de transferência de dados.

Setores de segurança, tráfego, energia e saúde serão alguns dos setores servidos pela baixa latência, ultra velocidade e confiabilidade do 5G. Um dos casos mais clássicos quando pensamos em automatização é o do carro autônomo. Os sistemas de veículos autônomos geram enormes quantidades de dados para medir e navegar externamente. Esses aplicativos contam com a transmissão de informações em tempo real para atender às demandas de direção segura. A confiabilidade do sistema e o rápido poder de resposta são essenciais para a existência deste sistema. A tecnologia 5G será habilitadora deste novo mercado.

Outras inovações como as cirurgias à distância, gerenciamento de tráfego de rodovias e sensoriamento de caldeiras de termoelétricas são atividades que dependem exclusivamente de uma rede de conexão de altíssima confiabilidade para serem operadas online. Elas devem funcionar sem lapsos, visto que o risco de falhas de conexão torna-se sensível no Critical IoT.

Apesar de já existir um hall de aplicações sendo discutidas e muitas delas implementadas, conforme mencionado, não temos ao certo ainda quais serão as aplicações que de fato revolucionarão o mercado. E o mais importante, talvez ainda não seja possível visualizar as futuras demandas por aplicações. Esse processo ocorre desde os primórdios da telefonia móvel, a tecnologia avança e a sociedade a adapta em torno de suas necessidades.

É inegável, contudo, que existe uma premissa para que a tecnologia prospere: infraestrutura. A infraestrutura possibilita o surgimento das inovações e tecnologias que vão direcionar o nosso futuro. Faz-se necessária a criação de um ambiente frutífero para que desenvolvedores e empresas possam criar tudo aquilo que um dia será indispensável. Para isso, além de garantir uma conexão veloz e de baixa latência, é preciso conectar o país. Instalar infraestrutura nas cidades, promover um ambiente de negócios frutífero e seguro, além de garantir a conectividade das pessoas.

Dificuldades de Implementação

Em um estudo sobre os impeditivos institucionais da destruição criativa, Caballero (2008) argumenta que, para efeitos práticos, as inovações ocorrem continuamente e que na ausência de obstáculos à sua implementação, teríamos um cenário de infinita reestruturação da economia. O incessante ciclo de reestruturação, porém, seria freado por dois obstáculos: limitação de recursos a serem dispendidos no ajuste ao novo paradigma e os impedimentos institucionais criados pelo homem.

O setor de telecom mundial é amplamente conhecido por estar na ponta de P&D, redefinindo fronteiras de conhecimento e tendo liderado, inclusive, a última onda de inovação (mídias digitais, softwares e redes). Apesar disso, imputa-se ainda sobre o setor alguns obstáculos institucionais de regulamentação.

Pouco se fala no assunto, mas para que seja possível atingir a cobertura nacional com o 5G, a nova geração de internet móvel vai exigir uma quantidade de antenas de 5 a 10 vezes maior que a atual. A necessidade de ampliação da infraestrutura de telecom traz consigo a problemática da instalação de antenas nas cidades. Arcabouços ultrapassados impedem a rápida adaptação das cidades ao 5G.

Dentre o universo de 5.570 municípios brasileiros, apenas 106 estão com uma legislação plenamente adequada para as necessidades do 5G. Entre as capitais, apenas 48% apresentam convergência.

Apesar de a regulamentação de telecomunicações ser federal, as leis que determinam as regras para instalação de antenas são municipais, gerando gargalos em cidades que ainda têm leis de antenas desatualizadas e em desacordo com a Lei Geral de Antenas.

Muitos são os entraves para a obtenção de licenças que permitam a instalação de antenas. Certos municípios impedem a fixação de antenas em perímetros escolares ou hospitalares, impondo restrições à conexão de estudantes; outros impossibilitam a instalação de infra em local sem regularização fundiária, afetando diretamente as populações mais carentes; ainda existem questões arquitetônicas que travam a obtenção de licenças. É importante ressaltar que estas legislações geram incongruência entre as legislações municipais e a necessidade para avanço pleno do 5G.

Além de entraves legais, o tempo médio para o licenciamento de uma antena também gera atrito. De acordo com a Lei Geral de Antenas (Nº 13.116/2015), o prazo para emissão de qualquer licença referida à instalação de infraestrutura de suporte em área urbana não poderá ser superior a 60 dias. Entretanto, o tempo médio efetivo tem sido de seis meses, chegando até a 1 ano em algumas cidades, o que não é compatível com a nova tecnologia.

A vitória conquistada pelo setor no Senado Federal em julho de 2022 com a aprovação do PL 1885/2022 é muito oportuna para facilitar a instalação da infraestrutura. O projeto chamado “Silêncio Positivo” autoriza operadoras a instalarem equipamentos de infraestrutura de telecomunicações nos municípios caso as autoridades locais não se manifestem no prazo determinado pela LGA. O projeto aguarda agora sanção presidencial.

As revoluções tecnológicas do setor de telecomunicações têm impacto direto na contínua expansão da economia, através da promoção de inovações ou adequação de cadeias para modelos mais produtivos e eficientes. A vertente do novo institucionalismo de Douglas North expõe que as tecnologias apenas surgiram e se desenvolveram em países com ambiente institucional propicio. É imperativo que o arcabouço jurídico que envolve o setor no Brasil reflita a vanguarda e rapidez como o mundo digital avança. Essas mudanças visam acomodar o progresso tecnológico na estrutura brasileira de modo a promover impactos positivos nos mais diversos campos.

 

Referências

Caballero, R. 2008. Creative Destruction. The New Palgrave Dictionary of Economics, Second Edition.

Dosi, G. (1988). The Nature of the Innovation Process. In G. Dosi, C. Freeman, R. Nelson, G. Silverberg, & L. Soete (Eds.), Technical Change and Economic Theory (pp. 221-238).

Ferrari, Marcos. 2006. A economia evolucionária/neoschumpeteriana e o novo institucionalismo: em busca de explicações para a mudança tecnológica e institucional. Vitória: XI Encontro Nacional de Economia Política.

Ferrari, Marcos & Lopes, Amanda. 2022. The 5G Agenda and its Impact on the Economy. São Paulo: The Winners n° 46.

Paudel, P. & Bhattarai, A. 2018. 5G Telecommunication Technology: History, Overview, Requirements and Use Case Scenario in Context of Nepal.

Schumpeter, J. 1942. Capitalism, Socialism, and Democracy. New York: Harper & Bros.

UIT. 2018. Key features and requirements of 5G/IMT-2020. Algeria: ITU Arab Forum.

 

 * Marcos Ferrari é doutor em Economia pela UFRJ e Presidente-Executivo da Conexis Brasil Digital, também foi Diretor de Infraestrutura e Governo do BNDES, Secretário de Assuntos Econômicos do Ministério do Planejamento e Secretário Adjunto de Política Econômica do Ministério da Fazenda. 

** Amanda Lopes é mestranda em Políticas Econômicas pela Erasmus University of Rotterdam e Analista de Estudos Econômicos na Conexis Brasil Digital.

 

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Um retrocesso no transporte rodoviário de passageiros https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=3548&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=um-retrocesso-no-transporte-rodoviario-de-passageiros Fri, 24 Dec 2021 11:58:22 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=3548 Um retrocesso no transporte rodoviário de passageiros

Por Felipe Freire da Costa*

Raras vezes se presenciou um retrocesso tão grande em matéria de Direito Administrativo Econômico e direito dos usuários quanto se viu recentemente com o Projeto de Lei 3819/2020, aprovado no dia 16/12/2021 no Senado Federal, nos exatos termos em que fora aprovado pela Câmara dos Deputados no dia anterior.

Refiro-me especificamente ao art. 2º do PL 3819, que traz consigo um enorme conjunto de equívocos, de natureza técnica, econômica e política.

Desde a intervenção na autonomia técnica da autoridade reguladora, até o estabelecimento de uma chancela legal para criação de uma reserva de mercado em favor dos atuais operadores do serviço de transporte rodoviário coletivo interestadual e internacional de passageiros, TRIP, a hipótese de que o art. 2º do PL 3819 seja sancionado se revelaria em um completo contrassenso aos avanços recentemente positivados em setores como o transporte ferroviário e por cabotagem, ou em marcos regulatórios comemorados, como o Marco do Saneamento e a Nova Lei do Gás.

A incompreensão cresce na medida em que o texto do PL 3819 teria contado com a chancela do Ministério da Infraestrutura, mesma pasta responsável pela aprovação do Marco Legal das Ferrovias e da BR do Mar, iniciativas que contaram com o voto do Congresso Nacional na mesma semana do projeto que favorece as tradicionais oligarquias do setor de transporte rodoviário de passageiros.

Independentemente do regime – civil ou militar – e da orientação política – de esquerda ou de direita, liberal ou conservadora –, as oligarquias empresariais que controlam o setor de TRIP nunca deixaram de contar com a chancela estatal para manter o status quo na exploração da rede de mobilidade interestadual de transporte rodoviário de passageiros.

A aprovação do PL 3819 comprova essa tese. A mesma pasta ministerial que defende que duas ferrovias que ligam o mesmo par O/D (origem/destino) podem concorrer entre si, vê óbice na concorrência entre duas empresas de ônibus por uma mesma ligação, ao arrepio de qualquer bom senso intelectivo.

Muito embora o texto tenha sido desidratado na tramitação na Câmara dos Deputados, ele foi aprovado nos exatos termos que interessavam aos grupos econômicos que controlam o setor de TRIP há mais de 50 anos, sempre em parceria com o Estado.

O exame das emendas do relator da Comissão Mista da Medida Provisória 906/ 2019 não deixa dúvida quanto a esse aspecto. Àquela ocasião, o relator da comissão mista – não coincidentemente o mesmo autor do substitutivo do PL 3819 aprovado no Senado Federal no final de 2020 – tentou se aproveitar da tramitação da medida provisória da Política Nacional de Mobilidade Urbana para positivar na Lei 10.233/2001 os conceitos de inviabilidade técnica e econômica para as outorgas de TRIP.

O comando do art. 2º do PL 3819 vem sendo perseguido desde o fim de 2019, momento em que a agência reguladora reconhecera sua incompetência para impor óbices concorrenciais em desacordo com a legislação de regência.

Muito embora a apresentação do parecer do deputado Hugo Motta tenha sido comemorada por eliminar aspectos negativos da proposta oriunda do Senado Federal, o fato é que esses aspectos – vedação à intermediação, anistia e redução do valor máximo das multas, fixação de um valor percentual de frota própria, exigência de estudo de viabilidade econômica e revogação de mais de 16 mil novas ligações outorgadas posteriormente à edição da Deliberação 955/2019 – dificilmente seriam aprovados na Câmara dos Deputados.

Ou seja, não é desarrazoado supor que esses elementos acessórios do PL 3819 constavam do projeto para serem suprimidos na tramitação da matéria, criando uma falsa sensação de avanço legislativo, quando o que de fato interessava aos grupos econômicos que controlam o setor seria mantido no texto final – inviabilidade técnica e econômica –, como de fato ocorreu.

Idealmente, deve-se vetar o inteiro teor do art. 2º do PL 3819, posto que ele nada acrescenta de positivo à realidade setorial, pelo contrário. De forma resumida, o mencionado art. 2º equivaleria à seguinte alteração na Lei de Liberdade Econômica, LLE:

Art. 2º A Lei nº 13.874, de 20 de setembro de 2019, passa a vigorar com as seguintes alterações:

“Art. 4º …………………………………………

I – criar reserva de mercado ao favorecer, na regulação, grupo econômico, ou profissional, em prejuízo dos demais concorrentes, salvo no transporte rodoviário coletivo regular interestadual e internacional de passageiros;

II – redigir enunciados que impeçam a entrada de novos competidores nacionais ou estrangeiros no mercado, exceto no transporte rodoviário coletivo regular interestadual e internacional de passageiros;

……………………………………….”(NR)

Em outros termos, o Congresso Nacional aprovou, com a anuência do Ministério da Infraestrutura, registre-se, e, tudo indica, sem oposição formal do restante do governo, a possibilidade de se criar – em verdade, que se continue a criar, o que nunca deixou de ser feito – reserva de mercado para favorecer grupo econômico em detrimento dos demais concorrentes, bem como que continuem a ser redigidos enunciados que impeçam a entrada de novos competidores no mercado de transporte rodoviário coletivo regular interestadual e internacional de passageiros.

Simbolicamente, é como se a LLE deixasse de ser aplicável ao setor de TRIP.

Não se trata de demonizar a narrativa política, que é válida e legítima, mas apenas de constatar que essa não pode se distanciar da realidade setorial, incluído aí o substrato técnico que dá suporte à concretização dessa realidade.

A qualidade do debate legislativo depende, pois, da diminuição das assimetrias informacionais entre o que se diz defender e o que está sendo efetivamente defendido.

Uma das formas de estimular isso – diminuição de assimetrias – é dar publicidade às análises de resultado legislativo das iniciativas aprovadas pelo Congresso Nacional.

Por essa razão, caso o texto seja sancionado da forma com que foi aprovado, buscarei jogar luz sobre os efeitos da alteração promovida no caput do art. 47-B da Lei 10.233/2001, tanto sobre o setor como um todo, como sobre as realidades regionais que serão afetadas pela imposição de óbices concorrenciais chanceladas pelas casas legislativas.

Isso posto, passa-se ao exame das necessidades de veto de dispositivos do art. 2º do PL 3819/2020:

Art. 2º A Lei nº 10.233, de 5 de junho de 2001, passa a vigorar com as seguintes alterações:“

Art. 13. ……………………………………………………………………

V – ………………………………….

1.a) prestação não regular de serviços de transporte terrestre coletivo de passageiros, vedada a venda de bilhete de passagem;

……………………………………….”(NR)

“Art. 47-B. Não haverá limite para o número de autorizações para o serviço regular de transporte rodoviário interestadual e internacional de passageiros, salvo no caso de inviabilidade técnica, operacional e econômica.

Parágrafo único. (Revogado)

O Poder Executivo definirá os critérios de inviabilidade de que trata o caput deste artigo, que servirão de subsídio para estabelecer critérios objetivos para a autorização dos serviços de transporte rodoviário interestadual e internacional de passageiros.

2º A ANTT poderá realizar processo seletivo público para outorga da autorização, observados os princípios da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da publicidade e da eficiência, na forma do regulamento.

3º A outorga de autorização deverá considerar, sem prejuízo dos demais requisitos estabelecidos em lei, a exigência de comprovação, por parte do operador de:

I – requisitos relacionados à acessibilidade, à segurança e à capacidade técnica, operacional e econômica da empresa, de forma proporcional à especificação do serviço, conforme regulamentação do Poder Executivo;

II – capital social mínimo de R$ 2.000.000,00 (dois milhões de reais).”(NR) [grifos acrescidos]

O art. 2º como um todo se notabiliza pela técnica legislativa inadequada, sobretudo quanto à topografia dos comandos que busca inserir no texto da Lei 10.233/2001.

Cito como exemplo o § 3º da nova redação do art. 47-B, que não possui relação com o caput do comando normativo, seja como aspecto complementar ou como exceção à regra por este estabelecida, conforme preconiza a Lei Complementar 95/1998.

Na medida em que o § 3º da nova redação do art. 47-B trata de requisitos da outorga de autorização, o comando deveria constar como parágrafo único do art. 44 da Lei 10.233/2001, que disciplina o termo de autorização.

A disciplina em si é desnecessária, vez que as exigências trazidas no corpo do PL 3819 já constam do art. 29 da própria Lei 10.233/2001, a saber:

Art. 29. Somente poderão obter autorização, concessão ou permissão para prestação de serviços e para exploração das infraestruturas de transporte doméstico pelos meios aquaviário e terrestre as empresas ou entidades constituídas sob as leis brasileiras, com sede e administração no País, e que atendam aos requisitos técnicos, econômicos e jurídicos estabelecidos pela respectiva Agência. [grifos acrescidos]

Como se nota, além de reproduzir uma norma já existente, a redação proposta ao § 3º ainda consta equivocadamente do art. 47-B, em vez do art. 44 da Lei 10.233/2001.

O mesmo ocorre com a expressão “vedada a venda de bilhete de passagem” da nova redação do art. 13, V, “a” da Lei 10.233/2001. O acréscimo redacional, desnecessário, só geraria os efeitos esperados se constasse como parágrafo do art. 26 da Lei 10.233/2001.

Na intenção de inviabilizar os modelos de fretamento colaborativo o autor do substitutivo do PL 3819 aprovado no Senado inseriu a vedação à intermediação e à venda de bilhete de passagens no art. 13, V, “a”, sem se dar conta que a prestação não regular de serviços de transporte terrestre coletivo de passageiros não se confunde com o transporte por fretamento.

Por não se tratar de atividade econômica titularizada pelo Estado, a prestação de serviço de transporte por fretamento não é outorgada pela ANTT. Não estamos a falar de uma autorização regulatória do art. 21, XII, “e” da Lei Maior, mas de mera autorização administrativa de polícia, de que trata o parágrafo único do art. 170 da Constituição Federal.

Por se tratar de medida inócua, vez que inexistem outorgas de prestação não regular de serviços de transporte terrestre coletivo no âmbito da ANTT, a alteração proposta ao art. 13, V, “a” deveria ser vetada.

Continuando com as necessidades de veto, refiro-me ao § 1º e ao inciso I do § 3º da nova redação proposta ao art. 47-B da Lei 10.233/2001. Conforme grifado no texto, ambos os comandos fazem referência ao Poder Executivo, em vez de a agência reguladora, ou a ANTT, como já faz a redação vigente dos arts. 47-A, 47-B e 47-C da lei.

Como não existem expressões inúteis na lei e a própria nova redação do art. 47-B faz menção à ANTT e ao Poder Executivo, inexiste dúvida que não se trata de um recurso estilístico de sinonímia, recurso que inclusive deve ser evitado, conforme a alínea “b” do inciso II do art. 11 da Lei Complementar 95/1998.

Ou seja, segundo o texto aprovado – § 1º e inciso I do § 3º da nova redação proposta ao art. 47-B da Lei 10.233/2001 –, e para o qual defendo o veto, caberia ao Poder Executivo, por meio de decreto, definir os critérios de inviabilidade e os requisitos relacionados à acessibilidade, segurança e capacidade técnica, operacional e econômica das empresas.

Tal proposição representaria uma intervenção na autonomia da autoridade reguladora para disciplinar o setor de transportes rodoviário interestadual e internacional de passageiros, expressamente prevista no corpo da Lei 10.233/2001:

Art. 14.  Ressalvado o disposto em legislação específica, o disposto no art. 13 aplica-se conforme as seguintes diretrizes:…

III – depende de autorização:…

1. j) transporte rodoviário coletivo regular interestadual e internacional de passageiros, que terá regulamentação específica expedida pela ANTT;

[…]

Art. 26. Cabe à ANTT, como atribuições específicas pertinentes ao Transporte Rodoviário:

VIII – autorizar a prestação de serviços regulares de transporte rodoviário interestadual e internacional de passageiros.

IX – dispor sobre os requisitos mínimos a serem observados pelos terminais rodoviários de passageiros e pontos de parada dos veículos para a prestação dos serviços disciplinados por esta Lei. […]

[grifos acrescidos]

Conforme comando expresso da Lei 10.233/2001, cabe à ANTT a competência para editar a regulamentação específica para disciplinar as outorgas autorizativas de transporte rodoviário interestadual e internacional de passageiros, atribuição essa que prescinde da edição de um decreto regulamentador.

Aos trechos em destaque reproduzidos acima, soma-se o já referido art. 29 da Lei 10.233/2001, que atribui à ANTT a competência para estabelecer os requisitos técnicos, econômicos e jurídicos necessários à obtenção das outorgas autorizativas para prestação de serviço de TRIP.

Do que aparenta ser uma antinomia jurídica entre a redação proposta ao art. 47-B e outros comandos da Lei 10.233/2001 sobressai a seguinte questão: a quem interessa fragilizar as atribuições de regulação técnica – de segurança, de qualidade – e econômica da ANTT?

Por esse conjunto de razões, que envolve a fragilização da autonomia técnica da agência reguladora, um caminho que pode não ter volta, defendo a proposição de veto ao § 1º e ao inciso I do § 3º da nova redação do art. 47-B da Lei 10.233/2001, conforme trazidos pelo art. 2º do PL 3819.

O inciso II do § 3º da nova redação do art. 47-B da Lei 10.233/2001, que traz a exigência de capital social mínimo, e especifica esse valor, também deveria ser objeto de veto.

O legislador ordinário já havia conferido a competência para a ANTT fixar requisitos necessários às outorgas autorizativas no corpo do art. 29 da Lei 10.233/2001, não havendo razão para replicar essa obrigação no texto acrescido e muito menos para limitar o espaço de atuação normativa da agência reguladora dispondo em lei sobre esse valor.

Engessa-se desnecessariamente a regulação setorial, em sentido oposto ao modelo de atuação estatal em outros mercados regulados, nos quais a legislação setorial possui baixa densidade normativa, de forma a propiciar que as agências reguladoras possam tentar fazer frente à dinamicidade dos mercados por elas regulados.

Note-se que o Marco Legal das Ferrovias e a BR do Mar não trazem qualquer exigência de capital social, quiçá um valor definido em lei, razão pela qual a exigência trazida pelo inciso II do § 3º da nova redação do art. 47-B da Lei 10.233/2001 deveria ser vetada.

Não somente cria-se uma exigência inexistente em outros marcos legais, como positiva-se em lei uma matéria de natureza regulatória, a ser definida em âmbito técnico e não político.

Chega-se, enfim, à nova redação do “caput” do art. 47-B, com a inserção dos conceitos de inviabilidade técnica e econômica. Existem duas leituras possíveis ao novo texto proposto, e ambas são negativas, principalmente aos usuários do setor, notadamente de baixo poder aquisitivo.

A primeira delas se daria no sentido de que o acréscimo de uma nova outorga poderia inviabilizar técnica ou economicamente a competição no setor, ensejando a realização de um processo seletivo público.

A inviabilidade técnica à competição ocorreria em casos de monopólio natural, o que de pronto afastaria sua incidência sobre o setor de TRIP. Seria estranho admitir a existência de inviabilidade técnica à competição no setor de TRIP ao mesmo tempo em que o parlamento decidiu que o transporte ferroviário não se constituiria em um monopólio natural clássico.

A inviabilidade econômica à concorrência não somente conflita com o ambiente de livre e aberta competição, como carece de fundamentação matemática. Parte-se de uma lógica de que as receitas oriundas da exploração de uma outorga em específico deveriam ser suficientes à remuneração do capital da empresa operadora daquela ligação.

Essa lógica, que é válida em disciplinas contratuais – outorgas de concessão ou permissão –, é inaplicável no setor de TRIP. O conceito é falho por desconsiderar que as receitas das autorizatárias não advêm de uma única ligação (mercado), mas do conjunto delas. Soma-se a isso a exploração de receitas acessórias, não contabilizadas nesse fictício cálculo de viabilidade.

Adicionalmente, trata-se de uma outorga sem prazo de vigência e com liberdade tarifária, inviabilizando eventuais cálculos de viabilidade de negócio, os quais teriam que ser feitos sob premissas incompatíveis com os contornos legais da outorga autorizativa.

Como se nota, a leitura no sentido de uma inviabilidade técnica ou econômica à competição não se sustenta, e levá-la à cabo implicaria em estabelecer uma reserva de mercado em favor dos atuais operadores, criando um monopólio empresarial com chancela estatal, em que essas empresas poderiam operar com liberdade tarifária, estabelecendo preços em patamares bem superiores aos seus custos marginais de produção, em prejuízo dos usuários do setor.

A outra leitura possível se daria no sentido que os conceitos de inviabilidade técnica e econômica se prestariam ao estabelecimento de requisitos mínimos ao ingresso de novos entrantes.

Essas exigências, contudo, já são requeridas pela autoridade reguladora previamente à outorga de novos mercados, por meio da verificação de 35 requisitos de ordem jurídica, financeiro, trabalhista, técnico e operacional.

Ao reforçar essa exigência – já prevista no art. 29 da Lei 10.233/2001 –, contudo, o legislador ordinário transparece a intenção de que sejam impostos ônus adicionais ao ingresso de novos entrantes, medida injustificável, mormente ante os efeitos positivos que o incremento da concorrência vem trazendo ao setor e seus usuários.

Como se percebe, de forma muito evidente, o art. 2º do PL 3819 deveria ser objeto de veto pelo Presidente da República, seja por fragilizar a atuação da ANTT na regulação setorial, limitando o espaço de atuação normativa da agência e positivando em lei aspectos de regulação técnica, seja por criar reserva de mercado em favor dos grupos econômicos que ditam os rumos do setor de TRIP por décadas a fio, sempre sob o beneplácito estatal.

Sancionar o PL 3819 como ele foi aprovado se constitui em um duro golpe à rede de mobilidade interestadual, que retomará a trajetória de perda de atratividade e, sobretudo, aos usuários do setor de TRIP, cada vez mais cativos, reféns das oligarquias empresariais que comandam o transporte rodoviário de passageiros.

 

* Felipe Freire da Costa é especialista em Regulação de Serviços de Transportes Terrestres e assessor na Diretoria da Agência Nacional de Transportes Terrestres.

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Avanços recentes na Governança da Infraestrutura Brasileira https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=3545&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=avancos-recentes-na-governanca-da-infraestrutura-brasileira https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=3545#comments Tue, 21 Dec 2021 15:25:59 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=3545 Avanços recentes na Governança da Infraestrutura Brasileira

Por Gabriel Fiuza de Bragança[1], Rodolfo Gomes Benevenuto[2], Diego Camargo Botassio[3], Fabiano Mezadre Pompermayer[4] e Rafael Ribeiro Silveira[5]

Investimentos em infraestrutura são essenciais para o desenvolvimento socioeconômico de um país. Entende-se por infraestrutura, estruturas e ações que servem de sustentação para o desempenho de diversas atividades econômicas, conferindo efeito multiplicador por toda a cadeia produtiva do país.

É importante frisar que as políticas de investimento em infraestrutura são estratégicas e, constantemente, os recursos para sua execução são escassos. Os desafios fiscais e a busca pela maior efetividade nas ações de interesse público exigem uma priorização daqueles empreendimentos que maximizem os retornos econômicos e sociais para cada real investido. Para isso, é necessário um processo de governança bem definido, envolvendo a estruturação, avaliação e monitoramento de projetos de investimento em infraestrutura. Todo esse conjunto traz transparência, racionalidade e eficiência para os investimentos de interesse público.

Diversas iniciativas têm sido desenvolvidas para propor modelos de governança nesse contexto. Destaca-se, para infraestrutura, o Grupo de Trabalho de Investimentos em Infraestrutura, instituído no âmbito do Comitê Interministerial de Governança (CIG) pela Resolução CIG nº 01/2019, que contou com a participação, enquanto convidados, de representantes dos ministérios setoriais de infraestrutura. Este grupo de trabalho propôs um Modelo de Governança dos Investimentos Públicos, baseado em avaliação sistemática dos projetos de investimento público, portões de aprovações por meio de comitês interministeriais, conforme o nível de maturidade dos projetos, e uma entidade independente para emitir pareceres sobre os projetos propostos (https://www.gov.br/casacivil/pt-br/assuntos/governanca/comite-interministerial-de-governanca/arquivos/relatorio_final.pdf).

Passos importantes para a implementação de boas propostas de governança também foram dados com a criação do Comitê Interministerial de Planejamento da Infraestrutura (CIP-Infra) e o Plano Integrado de Longo Prazo da Infraestrutura (Pilpi), ambos instituídos pelo Decreto 10.526/2020. Nesse plano, os novos projetos de infraestrutura já devem ter sua viabilidade socioeconômica estimada.

Nessa direção, considerando a ausência de metodologias padronizadas para estruturação, avaliação e monitoramento dos resultados alcançados para projetos de infraestrutura que estabeleça uma boa governança dos recursos, a Secretaria de Desenvolvimento da Infraestrutura (SDI), da Secretaria Especial de Produtividade e Competitividade (SEPEC) do Ministério da Economia (ME), tem desenvolvido, desde 2019, uma série de iniciativas com o objetivo de  sistematizar e disseminar as melhores práticas nacionais, internacionais e acadêmicas para estruturação, avaliação e monitoramento de projetos de infraestrutura.

Uma dessas iniciativas foi a publicação do Guia Geral de Análise Socioeconômica de Custo-Benefício de Projetos de Investimento em Infraestrutura (Guia ACB) publicado em 2021. A metodologia abordada no Guia ACB consiste em avaliar, de uma perspectiva ex ante, o valor socioeconômico dos projetos de infraestrutura para a sociedade. Para isso, o método se baseia na projeção dos efeitos comparativos (incrementais) do projeto ao longo do seu ciclo de vida (custos e benefícios) em relação a um cenário sem o projeto.

Para efeito de comparação, o processo é convertido em indicadores que possibilitam avaliar a viabilidade socioeconômica do projeto. Essa prática também é adotada em diversos países referência no gerenciamento de investimentos públicos, como o Chile (Chile, 2013), Reino Unido (H.M. Treasury, 2018), Austrália (Australia, 2018) e Coreia do Sul, e está em linha com recomendações de organismos multilaterais (Banco Mundial, 2017; FMI, 2018).

Além disso, vale ressaltar o papel fundamental do Guia ACB na implementação das estimativas de viabilidade socioeconômica previstas no Pilpi 2021-2050, publicado em dezembro de 2021. De igual maneira, ressalta-se o Decreto nº 10.411, de 30 de junho de 2020, que regulamentou a Análise de Impacto Regulatório (AIR), que estabeleceu a ACB como uma das metodologias recomendadas, no âmbito da AIR, para aferição do impacto econômico. Ainda, o documento “Diretrizes Gerais e Guia Orientativo para Elaboração de Análise de Impacto Regulatório – AIR” da Casa Civil da Presidência da República, publicado em junho de 2018, ressaltou que “segundo as práticas dos países mais avançados no uso da AIR, a análise que oferece mais informações e dados para a tomada de decisão é a análise de custo-benefício. Isso mostra o alinhamento das ações governamentais a caminho da adoção sistemática de análise socioeconômica como critério de decisão.

Tão importante quanto padronizar as metodologias de avaliação é disseminá-las. Por isso, junto à padronização das metodologias, foi criado em parceria com a Escola Nacional de Administração Pública (Enap) em programas de capacitação para servidores públicos. Essa ação endereça uma das principais barreiras para a consolidação de um modelo mais robusto e efetivo de planejamento da infraestrutura.

Até o momento, 300 pessoas já foram capacitadas nas metodologias do Guia Geral de Análise de Custo-Benefício (ACB) e M5D em turmas-piloto organizadas pela SDI com apoio da Enap e do governo britânico. Essas turmas incluem servidores da Casa Civil da Presidência da República; dos Ministérios Setoriais (MDR, MINFRA, MME, MCOM, MCTI), empresas de planejamento (EPE, EPL), bancos de desenvolvimento (BNDES, Caixa, BDMG), instituições de desenvolvimento (ABDI, SUDENE), órgãos de controle (CGU, TCU), instituições setoriais (Dnit, Codevasf, Dnocs); além de integrantes dos governos dos estados do Ceará, Paraíba, Pernambuco, Rio Grande do Norte, Bahia, São Paulo, Minas Gerais, Mato Grosso do Sul, Pará e Santa Catarina.

As capacitações já estruturadas têm sido realizadas de maneira remota possibilitando ganho de escala e maior participação dos servidores das esferas estadual e municipal. A articulação e disseminação das entregas produzidas por essa política já foram reconhecidas por outros órgãos do governo. São exemplos: relatório anual sobre as fiscalizações de obras públicas (Fiscobras) do TCU, o Guia de Planejamento Setorial do Ministério da Infraestrutura, relatórios do Comitê Interministerial de Planejamento da Infraestrutura (CIP-Infra) e etc.

No relatório Fiscobras 2021, é relatado que um dos problemas chaves para alavancar a infraestrutura nacional é a estruturação, priorização e seleção de projetos, tanto para ações de desestatizações quanto para a execução de ações com recursos públicos. Conforme mostra o parágrafo 32: 

“32. A partir dos principais diagnósticos sobre os problemas-chave para alavancar a infraestrutura nacional, realizados pelo Banco Mundial, Fundo Monetário Internacional, OCDE, Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República e pelo Instituto de Pesquisas Aplicadas, pode-se concluir por problemas estruturais e crônicos em dois segmentos principais: 32.1. Planejamento de longo prazo, avaliação, estruturação e priorização de projetos, tanto para ações de desestatizações quanto para execução de ações com recursos públicos; e 32.2. Governança do processo de planejamento orçamentário, especialmente da alocação de recursos por meio de emendas orçamentárias, nesse último caso específico para obras públicas.”

E no parágrafo 74, o guia ACB é mencionado explicitamente:

“74. É digno de nota que, nessa linha, o Ministério da Economia lançou em 2021 o guia de Avaliação Custo-Benefício (ACB) de projetos de investimentos. Tal guia é um importante referencial para se examinar o grau de maturidade dos projetos utilizando-se do método dos cinco casos (5 case model), utilizado pelo Tesouro Britânico no exame da maturidade de projetos no Reino Unido.”

Em resumo, essa iniciativa é mais um avanço no aprimoramento do planejamento da infraestrutura nacional, em conformidade com as melhores práticas internacionais utilizadas há décadas em países como Reino Unido, União Europeia, Austrália, Estados Unidos, Canadá, Coreia do Sul e Chile. A experiência bem-sucedida nesses países assola a importância da seleção robusta e sistemática de projetos de infraestrutura para garantir uma economia produtiva, competitiva, sustentável e socialmente mais justa a longo prazo.

Retroalimentando a avaliação dos projetos de infraestrutura, a SDI também está comprometida em disseminar métodos de avaliação de resultados da implantação de investimentos em infraestruturas. Os estudos que avaliam os impactos causados por esses investimentos são essenciais para que sejam avaliadas as lições aprendidas, e assim sejam aplicadas em novos investimentos.

E para isso, a literatura em avaliação ex post apresenta metodologias para relações causais sobre impactos decorrentes do projeto. Nesse caminho, a SDI, no âmbito da cooperação internacional do governo brasileiro com o Programa das Nações para o Desenvolvimento (PNUD), contratou a consultoria Pezco Economics para o desenvolvimento de sete estudos de caso paradigmáticos visando a disseminação de melhores práticas de avaliações ex post nos setores de: logística, energia, segurança hídrica, mobilidade urbana, telecomunicações, saneamento básico e habitação social. Mais do que avaliar os projetos em si, tal iniciativa irá consolidar e disseminar metodologias que facilitem avaliações ex post de projetos de infraestrutura em todos os níveis de governo no país.

 

 

Referências

Transport and Infrastructure Council. Transport Assessments and Planning Guidelines (ATAP) – T2 Cost Benefit Analysis.

Banco Mundial [Martin Raiser, Roland N. Clarke, Paul Procee, Cecilia M. Briceño-Garmendia, Edith Kikoni, Joseph E. Kizito e Lorena Viñuela]. 2017. Back to planning: how to close Brazil’s infrastructure gap in times of austerity. Washington, D.C: World Bank Group.

Banco Mundial [Jay-Hyung dim, Jonas Arp Fallov e Simon Groom]. 2020a. Public Investment Management Reference Guide. International Development in Practice. Washington, D.C: World Bank. Disponível em https://openknowledge.worldbank.org/handle/10986/33368.

Banco Mundial. 2020b. Infratech Value Drivers. World Bank, Washington, DC. Disponível em https://openknowledge.worldbank.org/handle/10986/34320.

Banco Mundial. 2020c. Infratech Policy Toolkit. World Bank, Washington, DC. Disponível em https://openknowledge.worldbank.org/handle/10986/34326.

Banco Mundial [Stephane Hallegatte. Rubaina Anjum, Paolo Avner, Ammara Shariq, Michelle Winglee, Camilla Knudsen]. 2021. Integrating Climate Change and Natural Disasters in the Economic Analysis of Projects: A Disaster and Climate Risk Stress Test Methodology. Washington, D.C.: World Bank. Disponível em https://openknowledge.worldbank.org/handle/10986/35751.

Chile, Gobierno del. 2013. Ministério de Desarollo Social. Metodología General de Preparación y Evaluación Social de Proyectos. División de Evaluación Socialde Inversiones. Santiago.

  1. M. Treasury. 2018. Green book: appraisal and evaluation in central government. London. Disponível em https://www.pempal.org/sites/pempal/files/attachments/uk-green-book_eng.pdf.

[1] Gabriel Fiuza de Bragança é secretário adjunto de Desenvolvimento da Infraestrutura do Ministério da Economia.

[2] Rodolfo Gomes Benevenuto é subsecretário de Inteligência Econômica e Monitoramento de Resultados da Secretaria do Desenvolvimento da Infraestrutura do Ministério da Economia.

[3] Diego Camargo Botassio é coordenador-geral de Inteligência Econômica da Secretaria do Desenvolvimento da Infraestrutura do Ministério da Economia.

[4] Fabiano Mezadre Pompermayer é subsecretário de Planejamento Nacional da Secretaria do Desenvolvimento da Infraestrutura do Ministério da Economia.

5] Rafael Ribeiro Silveira é coordenador de Monitoramento e Resultados da Secretaria do Desenvolvimento da Infraestrutura do Ministério da Economia.

 

 

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Desafios da energia eólica https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=3503&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=desafios-da-energia-eolica https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=3503#comments Tue, 28 Sep 2021 15:29:50 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=3503 O futuro dos ventos brasileiros:

desafios regulatórios da energia eólica

Por Elbia Gannoum*

O setor eólico brasileiro tem experimentado um crescimento virtuoso, fruto de um esforço dedicado de empresas, governos e da ótima qualidade dos nossos ventos, um dos melhores do mundo para a produção de energia. Em 2010, tínhamos menos de 1 GW de capacidade instalada. Vamos terminar o ano de 2021 com 20 GW, mais de 740 parques eólicos e cerca de 8.700 aerogeradores em operação. Estes dados mostram uma indústria sólida, empregando milhares de pessoas e promovendo desenvolvimento econômico e social. A evolução da energia eólica no Brasil tem sido caracterizada por aperfeiçoamentos regulatórios, técnicos, ambientais e financeiros diante de um setor elétrico nacional e mundial em evolução.

De uma participação incipiente na matriz de geração até boa parte da década de 2000, a fonte se tornou em 2019 a segunda principal fonte de eletricidade do país em capacidade instalada, uma posição que deverá ser reforçada ao longo das próximas décadas diante de um potencial promissor em terra e no mar e com a possibilidade de o hidrogênio verde ganhar espaço no Brasil e mundo, tornando-se uma importante fonte de demanda por energia elétrica renovável.

Este sucesso pode ser explicado tanto pela abundância e qualidade dos recursos eólicos, quanto pelas políticas energéticas que impulsionaram a construção de parques eólicos e incentivaram o desenvolvimento da indústria de equipamentos. Todo este desenvolvimento virtuoso da eólica foi sustentado, ao longo dos anos, por evoluções regulatórias que foram acompanhando o crescimento da fonte.

O futuro da eólica é promissor. Até 2024, por exemplo, teremos pelo menos 30 GWs de capacidade instalada, considerando apenas os contratos já assinados. Com novos leilões e contratos no mercado livre este número pode ser ainda maior. E as fronteiras tecnológicas também prometem uma grande expansão para a energia dos ventos. Refiro-me, por exemplo, às usinas offshore, hidrogênio para geração de energia e parques híbridos. E todo esse desenvolvimento exigirá, também, avanços regulatórios.

Primeiro, vamos analisar as usinas híbridas, que mesclam, por exemplo, energia eólica e solar em um mesmo local. A combinar duas fontes de energia complementares, a hibridização pode ser usada para otimizar a utilização da rede de transmissão, trazendo ganhos na infraestrutura, logística dos projetos e na questão dos encargos, além de estar sendo incentivada por novo mecanismo de precificação.

Os parques híbridos ainda surgem em cenário de esgotamento da transmissão, principalmente no Nordeste, e no avanço das fontes solares e eólicas, que têm complementariedade entre si, além de ganhos de eficiência se tratadas conjuntamente. Ao contar com energia solar e eólica em um mesmo local, o investidor poderá ter economia de escala e de escopo, mas a regulação dos parques híbridos ainda contém incertezas.

No segundo semestre de 2020, a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) lançou a primeira fase da Consulta Pública nº 061/2020 para debater a normatização para o estabelecimento de usinas híbridas e associadas. Nessa etapa, se colocou em discussão a Análise de Impacto Regulatório (AIR) elaborada pelas áreas técnicas da Agência. O Relatório de AIR em análise na consulta pública trata, entre outros, de possíveis alterações na emissão das outorgas de geração, na aplicação dos descontos na Tarifa de Uso do Sistema de Distribuição (TUSD) e na Tarifa de Uso do Sistema de Transmissão (TUST).

Em 17 de agosto de 2021, foi aberta a segunda etapa da Consulta Pública pela Aneel. Há dois tipos de projetos, usinas híbridas e usinas associadas. Ambas são formadas por diferentes tecnologias de geração, compartilhando fisicamente a mesma estrutura de rede. A diferença é que, nas híbridas, pode haver uma única outorga e uma única medição. Nas usinas associadas, pode haver duas outorgas distintas e, necessariamente, duas medições.

Até julho de 2021, não há tratamento regulatório específico para as usinas associadas e/ou híbridas. Na prática, os empreendedores estão ‘anexando’ painéis solares (fotovoltaicos) os parques eólicos com objetivo de auferir os benefícios em relação à implantação da nova usina com o compartilhamento de algumas instalações e compartilhamento da operação de ambas[1]. Neste processo, as usinas são tratadas individualmente segundo regulação específica para cada fonte. Não existe, portanto, um tratamento diferenciado focado no conjunto. Para os investidores, existe necessidade regulatória de se definir um enquadramento específico para usinas do tipo associadas e híbridas, de modo a contemplar as características destas tipologias e dar tratamento específico, diante das economias de escala e escopo que estes projetos são capazes de auferir.

Sem regulação específica, embora haja uma otimização do uso das linhas de transmissão, ainda não há possibilidade de contratação e pagamento pela tarifa otimizada, o chamado Montante do Uso do Sistema de Transmissão ou Distribuição (MUST/MUSD) O tratamento regulatório vigente, dado pelas Resoluções Normativas nº 666/2015 e nº 506/2012 da Aneel, indica a contratação de um MUST e MUSD, respectivamente, equivalente a 100% da Potência Nominal Líquida da fonte Solar FV/Eólica (Potência Injetada = Potência Nominal – Consumo Interno –Perdas até Ponto de Entrega). Dessa forma, em usinas híbridas/associadas isso implicaria, estrito senso, a contratação da soma da potência nominal líquida das fontes. Esta contratação agregada não contribui com o (quase) frequente “gargalo” caracterizado pela necessidade de implantação de projetos em pontos com rede de conexão, muitas vezes já esgotada em termos de potência contratada.

Não faz sentido econômico, e tampouco técnico a contratação de um MUST equivalente a 100% da Potência Nominal Líquida da fonte Solar FV/Eólica, mas sim em um valor que corresponda à expectativa de injeção ótima do conjunto de fontes. Se o investidor tem um parque eólico de 100 MW que só gera grande parte de sua energia à noite, o empreendedor precisa contratar e pagar para utilizar o montante de 100 MW, mesmo que a rede fique ociosa durante o dia, quando o vento é mais fraco. Se decidir acrescentar um parque solar fotovoltaico de 50 MW, precisará contratar um total de 150 MW, o que encarece o empreendimento.

Uma vez que um dos interesses de se viabilizar projetos híbridos reside no compartilhamento da rede, em razão dos benefícios técnicos-financeiros gerados, ou seja, há necessidade de aprimoramento das Resoluções Normativas vigentes de forma a permitir contratação do montante de uso do sistema de forma diferenciada para os casos de usinas híbridas e associadas.

O futuro da energia eólica também está na exploração das usinas offshore, cujo potencial no Brasil é muito promissor. O Brasil possui um potencial de geração de energia eólica em alto-mar de aproximadamente 1000 gigawatts (1TW) em locais com profundidade de até 50 metros, de acordo com estudos do Banco Mundial e da Empresa de Pesquisa Energética (EPE). Há incertezas em relação ao meio ambiente, já que as questões jurídicas atreladas a esse tipo de empreendimento são diferentes dos parques eólicos terrestres. Enquanto os parques eólicos onshore são estruturados majoritariamente em terrenos privados, os parques eólicos offshore são implantados necessariamente em áreas de propriedade da União (mar territorial, plataforma continental e a zona econômica exclusiva).

Do ponto de vista regulatório, as incertezas se referem, por exemplo, à forma que ocorrerá a utilização do espaço marinho, como a definição do regime de uso do espaço público para  seleção   de   interessados; a necessidade   de   cláusulas   específicas   no instrumento de outorga  do  uso  do  espaço  marítimo  quanto  ao  objeto,  prazo, do inadimplemento,  desmobilização  etc.;  e  a  adoção  de  critérios  para  o  cálculo  do preço para o uso do espaço marítimo.

Outra incerteza jurídica sobre esses empreendimentos se refere à questão ambiental. A Resolução Conama nº 462/2014 estabelece procedimentos para o licenciamento ambiental de empreendimentos de geração de energia elétrica a partir de fonte eólica somente em superfície terrestre. Já há mais de vinte projetos de usinas eólicas, no total de 46 GW, sob licenciamento ambiental no Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama), cuja competência é determinada pelo Decreto Federal nº 8.437/2015, que concedeu ao órgão a competência para licenciar usinas eólicas offshore e em zona de transição terra-mar. Para assegurar maior segurança jurídica para a instalação de eólicas offshore no Brasil, seria válido refletir sobre uma regulamentação ambiental específica com base na Resolução Conama 462/2014 que estabeleça critérios objetivos para definir quais os estudos de impactos ambientais a serem realizados na instalação de usinas eólicas em alto mar.

Uma outra fronteira importante onde a eólica se insere é a utilização de hidrogênio para geração de energia. Com 85% de sua matriz de geração de energia elétrica baseada em fontes renováveis, o Brasil tem potencial para liderar a transição para uma economia de baixo carbono nos próximos anos, seja incorporando novos projetos de eólicas, biomassa e solares, seja com inovações como o hidrogênio verde.

O trunfo brasileiro é a complementariedade entre suas fontes renováveis. Quando ocorre o período seco, de maio a novembro, as hidrelétricas perdem água, mas a biomassa de cana pode compensar parte dessa perda. Os ventos que fazem girar as turbinas das eólicas sopram mais de madrugada, enquanto o sol brilha no horário de maior consumo. Essa possibilidade de produzir energia renovável 24 horas sete dias da semana cria uma oportunidade em um mercado nascente: o hidrogênio verde, nicho que o país poderá se tornar um player global em um momento em que países como Alemanha e Portugal já começam a discutir leilões de contratação de importação de hidrogênio verde.

A descarbonização total de certos setores, como transporte, indústria e usos que são intensivos em calor, pode ser difícil apenas por meio da eletrificação a partir de renováveis. Esse desafio poderia ser enfrentado pelo hidrogênio a partir de renováveis, que permite que grandes quantidades de energia renovável sejam canalizadas do setor elétrico para os setores de uso final, tendo papel relevante na transição energética. A tecnologia é vista como eficiente para ajudar a descarbonizar principalmente o setor de transporte.

O hidrogênio é utilizado pela indústria química há mais de um século, produzindo fertilizantes e metanol. A partir do crescimento das fontes renováveis de energia foi possível obter o chamado hidrogênio verde, produzido com a energia de hidrelétricas, solar, eólica ou biomassa a partir de eletrólise (carga de energia para separação do hidrogênio). O Brasil, além do potencial de energia renovável, tem liderança mundial em agronegócio, mas é importador de fertilizantes, o que gera oportunidades para a agroenergia.

Com a publicação da Resolução nº 6/2021 do Conselho Nacional de Política Energética (CNPE), o governo federal propôs a elaboração de diretrizes para o Programa Nacional do Hidrogênio. Segundo o governo federal, para a consolidação da economia do hidrogênio, pressupõe-se o desenvolvimento de uma infraestrutura de produção, armazenamento, transporte e distribuição do hidrogênio, pelo lado da oferta, bem como a inserção do energético na matriz de consumo em setores-chaves, como transportes, siderurgia e de fertilizantes.

No aspecto tecnológico, há inúmeros desafios a serem superados, embora sua produção e utilização já seja realidade em alguns nichos. O armazenamento do hidrogênio é um deles, pois exige elevadas pressões para armazenamento no estado gasoso, ou criogenia para armazenamento no estado líquido. A Resolução do CNPE abre caminho para a proposição de diretrizes para o Programa Nacional do Hidrogênio, em cooperação com os Ministérios de Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) e Desenvolvimento Regional (MDR), com apoio da Empresa de Pesquisa Energética (EPE). “Para fazer frente a esse desafio, são necessárias novas normas de segurança, novos desenhos regulatórios e todo um arcabouço que permita ao hidrogênio alcançar níveis de competitividade que abram caminho para o uso em grande escala”, informou o governo ao propor diretrizes para o segmento.

Um dos pontos que terão de ser resolvidos é quem regulará seu desenvolvimento da inovação. Em nota técnica de fevereiro de 2021, a EPE cita oito formas de produção do insumo a partir de diferentes matérias-primas como carvão, urânio, petróleo, gás natural, biomassa, metano e água, fontes renováveis. “Olhando-se o desenho de competências apenas das Agências Reguladoras com possível projeção sobre o tema, notadamente ANP, ANEEL e Agência Nacional de Águas (ANA), tem-se que as competências atualmente vigentes na regulação não são claras sobre sua incidência ou não ao caso do hidrogênio e não há uma previsão transversal que alcance etapas da cadeia que possam compreender o hidrogênio obtido a partir de diferentes fontes – a exemplo de seu transporte, regulação de qualidade e comercialização. hidrogênio obtido de combustíveis fósseis como petróleo e gás natural entra no escopo de regulação da ANP, vez que tais recursos minerais são bens da União e que a atividade de refino de petróleo é monopólio deste ente federativo. Essa competência é evidenciada também na Lei nº 9.478/97, que expõe que a Agência é o órgão regulador da indústria do petróleo, gás natural, seus derivados.

O futuro energético do Brasil é bastante promissor. Com recursos naturais abundantes, como sol, vento, água, o país poderá liderar a transição para uma economia de baixo carbono. O setor eólico poderá desempenhar um papel ainda mais relevante dentro dessa agenda. Para que isso ocorra, serão necessários aperfeiçoamentos regulatórios para que o potencial do país possa ser uma realidade. Outro desafio será colocar em prática a regulação de modernização do setor de energia, lançada pela CP nº 33, em 2017. Em julho de 2021, vários pontos da agenda estão em discussão na Câmara dos Deputados pelo Projeto de Lei nº 414, que discute a ampliação da abertura do mercado livre para a baixa tensão. Em julho de 2021, o projeto aguardava despacho do Presidente da casa legislativa para seguir em tramitação. Um tópico do PL 414/2021, que merece atenção, encontra-se na separação entre lastro e energia elétrica. De acordo com a definição do novo art. 3°, §5°, I, da Lei n° 10.848/2004, lastro é a contribuição de cada empreendimento ao provimento de confiabilidade e adequabilidade sistêmica. Trata-se de uma garantia exigida pelo Ministério de Minas e Energia, a ser paga por geradores, distribuidores e consumidores de energia. Tais lastros, além de dar mais confiança ao consumidor, poderão facilitar a obtenção de financiamentos no setor financeiro privado. Pelas regras atualmente vigentes, o lastro e a energia elétrica são negociados como um produto unificado. Os consumidores cativos, atendidos pelas distribuidoras, arcam com a maior parcela dos custos do lastro. O projeto busca promover alterações legislativas que visam ao reequilíbrio desse encargo entre os consumidores dos mercados livre e regulado.

Com um histórico sólido de avanços regulatórios, entendo que os desafios aqui mencionados fazem parte do caminho e que serão superados, após as regulares discussões técnicas. O futuro da energia eólica, como gosto de repetir sempre que posso, é muito promissor e os avanços regulatórios sustentarão essa expansão.

 

[1] Ao instalar numa planta de energia eólica já em operação os painéis solares, ou fazer o projeto envolvendo ao mesmo tempo painéis solares e turbinas eólicas há um significativo ganho de economia de escala e de escopo, tendo em vista que a energia solar e produzida durante o dia e as turbinas produzem mais durante a noite, podendo desta forma maximizar a produção de energia e utilizar a mesma rede de transmissão.

 

* Elbia Gannoum é economista, Phd pela Universidade Federal de Santa Catarina.  É presidente executiva da ABEEólica – Associação Brasileira de Energia Eólica. Vice-chair do GWEC (Global Wind Energy Council). Foi eleita em 2020 embaixadora global do – Global Women’s Network for the Energy Transition, GWNET, and Global Wind Energy Council, GWEC.

 

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Energia dos ventos vai ajudar na crise das hidrelétricas https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=3489&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=energia-dos-ventos-vai-ajudar-na-crise-das-hidreletricas Wed, 18 Aug 2021 22:30:40 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=3489 Energia dos ventos vai ajudar na crise das hidrelétricas

Por Roberto Macedo

No meio de um noticiário marcado por notícias ruins, veio uma boa, objeto de matéria publicada no Estadão no último dia 14 de agosto (p. B12). A bondade está espelhada no próprio título da matéria: “Safra de ventos dá alívio à crise hídrica”, e ela começa dizendo algo que pouca gente conhece: “Entre junho e novembro, uma média de 20% do abastecimento elétrico nacional será suprido com a geração eólica”, nome dado à energia que vem daqueles aerogeradores gigantes com três pás.

Esse período é conhecido como a “safra dos ventos”, pois é nele que a ventania se torna mais forte e constante. E coincide com um período em que as chuvas são muito fracas e só no final dele, a partir de setembro, começam a melhorar. Portanto, a energia eólica vem em boa hora.

A primeira vez que tomei contato com um aerogerador foi há uns 20 anos. quando, numa praia do Nordeste, vi um no horizonte algo enorme, girando três pás, e até perguntei do que se tratava. Nessa época, a geração desse tipo estava no seu começo, mas avançou muito após 2010, conforme dados que apresentarei mais à frente. Notei também que ao longo do tempo o tamanho das pás e das torres que os suportam foram crescendo. E tudo sem poluição ambiental.

No Nordeste, as costas do Ceará e do Rio Grande do Norte se destacam nessa ventania, e o Rio Grande do Sul também é mencionado como fonte importante. Vejamos agora alguns números dessa evolução, obtidos da mesma reportagem.

Ela mostra um gráfico do potencial de geração em megawatts, praticamente nula em 2005, mas com uma forte tendência de aumento cerca de uma década depois, o que levou esse potencial a 18.998 megawatts em 2021, até agosto. Atualmente, há 738 usinas eólicas em operação, abrangendo 6.950 aerogeradores em funcionamento e 183 usinas em construção, a qual levará a 5.445 megawatts adicionais de geração.

Sempre conforme a mesma reportagem, em 2020 o Brasil foi o país do mundo que mais ampliou a sua capacidade de geração, só atrás da China e dos Estados Unidos. Considerado o período de 2010 a 2020, os investimentos no setor foram de 37,3 bilhões de dólares, ou perto de 200 bilhões de reais a uma taxa de câmbio próxima da atual.

Não é pouca coisa e é, inegavelmente, uma bênção que veio com ajuda do céu.

 

Roberto Macedo é economista (UFMG, USP e Harvard), professor sênior da USP e membro do Instituto Fernand Braudel.

 

Artigo publicado no site do Espaço Democrático em 17 de agosto de 2021.

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Concessões de Infraestrutura do Governo Federal https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=3481&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=concessoes-de-infraestrutura-do-governo-federal Thu, 22 Jul 2021 20:24:24 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=3481 Concessões de Infraestrutura do Governo Federal:

planejamento e entregas em 2021

 Por Martha Seillier* e Thiago Caldeira**

O programa de concessões e a atração de investimentos privados para a infraestrutura no Brasil vem se desenvolvendo com velocidade nos últimos anos, apoiado pela mobilização de elevada parcela do corpo técnico do governo federal, contratação de consultores privados, ampla consulta à sociedade e contínuo diálogo com os potenciais investidores.

Avançar com a agenda de infraestrutura envolve muita resiliência, planejamento, boa governança dos projetos, transparência e capacidade técnica. Em média, gasta-se em torno de 2 anos entre a decisão de fazer e a assinatura de um contrato de concessão de serviços públicos ou de uso de bem público. Tal prazo varia consideravelmente entre os setores, a depender do grau de maturidade e capacidade de execução.

A assinatura de um contrato de concessão exige a execução de uma série de procedimentos: estudos de viabilidade técnica, econômica e ambiental; consulta pública; discussão com órgãos de controle; realização do certame licitatório; adjudicação e constituição de sociedade para assinatura do contrato. No meio do caminho, muitos desafios: contestações judiciais, disputas políticas, novos atores no curso do processo, revisões e modificações de projetos, etc.

Tendo em conta o desafio de elevar a qualidade da infraestrutura no Brasil, uma grande lista de projetos (greenfield e brownfield) foi iniciada nos últimos anos, especialmente impulsionados com a criação do Programa de Parcerias de Investimentos – PPI, em 2016. A carteira de projetos incluídos no Programa recebe deliberação pelo Conselho do PPI, liderado pelo ministro da Economia Paulo Guedes, e formado por mais seis ministros de Estado e os presidentes do Banco do Brasil, Caixa Econômica e BNDES.

Com recomendação do Conselho, o presidente da República decide pela inclusão dos projetos no PPI, para fins de tratamento prioritário e estratégico por todos os órgãos do poder público. A lista atual contempla 185 projetos (imagem a seguir), além de 46 projetos de titularidade de estados e municípios que recebem o apoio para estruturação pelo Governo Federal.

A colheita do que foi plantado em termos de estruturação de projetos tem seu clímax nos leilões, os quais vêm se intensificando e gerando grande volume de contratação de investimentos, que serão executados nos anos próximos.

Nos sete primeiros meses de 2021 foram realizados 42 leilões, entre aeroportos, portos, ferrovia, rodovias, terminal pesqueiro, florestas nacionais para visitação, geração e transmissão de energia elétrica, mineração e concessão de serviços de saneamento no Rio de Janeiro, este último com apoio para estruturação pelo BNDES. Contabiliza-se a contratação de R$ 55,4 bilhões de investimentos, a serem executados ao longo dos prazos dos contratos, e R$ 26,8 bilhões em outorgas.

Em janeiro de 2021 foi licitado o primeiro Terminal Pesqueiro Público, localizado em Cabedelo, na Paraíba. Após estar fechado desde 2012, quando os investimentos públicos foram feitos, a concessão permitirá que o setor privado execute os investimentos necessários para colocar em disponibilidade infraestrutura para os pescadores artesanais, com ganhos na qualidade fitossanitária e de acesso a mercados. Estima-se aumento de renda e de qualidade de vida para mais de 1.000 famílias da região, de forma direta e indireta. Outros sete terminais pesqueiros públicos estão em estruturação para licitação ainda no ano de 2021.

O mês de abril de 2021 se mostrou especialmente interessante em licitações, e ficou conhecido como “Infra Month”. No dia 7 de abril, a ANAC realizou o leilão de 22 aeroportos, processo que vai gerar arrecadação de R$ 3,3 bilhões à vista para o Governo Federal, além de outorga variável ao longo do período de contrato. Apesar dos desafios e incertezas trazidos pela pandemia ao setor, a 6ª Rodada de Concessões de Aeroportos contou com a concorrência de sete grupos habilitados – quatro deles estrangeiros – o que demonstra o interesse dos agentes privados pelo mercado de aviação brasileiro. Esses contratos vão injetar investimentos de R$ 6,1 bilhões ao longo da concessão, o que vai transformar esses aeroportos e melhorar a nossa competitividade.

Como evidência do crescimento no ritmo de execução dos projetos, apenas a 6ª rodada de aeroportos inclui quantitativo de aeroportos igual ao número total de aeroportos que já foi leiloado pela União desde a primeira rodada de concessões (22 aeroportos).

No dia seguinte, em 08 de abril, foi realizado o leilão para concessão do Trecho I da Ferrovia de Integração Oeste-Leste (FIOL), na Bahia, projeto decisivo para escoar a produção de minério de ferro e grãos do interior do estado para o Porto de Ilhéus e Porto Sul. A vencedora, Bahia Mineração S/A, deverá investir cerca de R$ 3,3 bilhões para a entrada em operação da ferrovia, além de realizar pagamentos variáveis e outros investimentos durante o contrato, que tem duração prevista de 35 anos.

Para efeito de comparação, nos últimos 25 anos foram licitados 3 contratos de concessão de ferrovias, sendo um em março de 2019 (Ferrovia Norte Sul – Tramo Central) e agora a FIOL em 2021. Em estágios adiantados, há o projeto da Ferrogrão, ferrovia totalmente greenfield, a ser construída no trecho entre Sinop (MT) e Mirituba (PA), como importante elo para o escoamento da produção agrícola do país.

No dia 9 de abril, cinco terminais portuários foram leiloados, quatro deles localizados no Porto de Itaqui, no Maranhão, e um no Porto de Pelotas, no Rio Grande do Sul. Os investimentos nos cinco terminais totalizam mais de R$ 610 milhões, com estimativa de geração de mais de nove mil empregos.

O ritmo no setor de portos destoa totalmente do histórico, conforme se depreende da quantidade de licitações de arredamentos e das desestatizações em curso. Entre 2019 e maio de 2021 foram licitados 31 arrendamentos portuários, número igual ao que se executou na soma dos 15 anos anteriores. Em paralelo, estão sendo executadas as etapas para as primeiras desestatizações de portos públicos, inicialmente com a Companhia Docas do Espírito Santo, responsável pelos Portos de Vitória e Barra do Riacho, e já na sequência o Porto de Santos e São Sebastião, no Estado de São Paulo. Também está em fase de estruturação a licitação do Porto de Itajaí (SC) e os portos operados pela Companhia Docas da Bahia: portos de Salvador, Aratu e Ilhéus.

No dia 29 de abril, o Governo Federal realizou o primeiro leilão de uma rodovia no modelo híbrido, que combina a menor tarifa de pedágio com o maior valor de outorga e teve como vencedor o Consórcio liderado pela Ecorodovias. Mais de R$ 14 bilhões deverão ser investidos nos trechos da BR-153/080/414/GO/TO ao longo do prazo de concessão, trazendo melhorias que incluem a duplicação de parte da via.

O critério híbrido de julgamento de melhor proposta foi adotado com o objetivo de evitar que o investidor, em uma percepção excessivamente otimista a respeito do projeto, apresente lance que inviabiliza a prestação futura do serviço (overbidding), como pode ocorrer no caso de disputas exclusivas pelo critério de menor tarifa. Assim, o critério híbrido, ao estabelecer um limite para a redução na tarifa e exigência de pagamento de outorga upfront (prévio à assinatura do contrato e, portanto, um custo afundado), é uma forma de proteger o fluxo de caixa das concessões e assegurar incentivos econômicos alinhados para a prestação adequada do serviço e cumprimento das obrigações contratuais.

Cabe aqui detalhar especial esforço em preparar um projeto que fosse viável e resiliente. Foram incorporadas diversas inovações para fins de mitigação de riscos cambiais e de receita tarifária. Visando incentivar a realização dos investimentos em duplicação, o contrato prevê tarifas diferenciadas para pista simples e pista dupla e o procedimento de reclassificação tarifária, a ser acionado quando a concessionária concluir a duplicação de trechos da rodovia.

O contrato da BR-153/080/414/GO/TO também prevê 2 tipos de desconto para os usuários da rodovia. O desconto para usuários de TAG consiste em um desconto de 5% na tarifa de pedágio para usuários que utilizem meios de pagamento eletrônico e identificação automática de veículos, o que reduz o custo da cobrança ao mesmo tempo que desafoga o tráfego nas praças de pedágio. Já o desconto de usuário frequente consiste na redução progressiva da tarifa de pedágio cobrada do usuário frequente até a trigésima viagem realizada dentro do mesmo mês.

Para proteger o fluxo de caixa da concessão nos ciclos de investimento e mitigar o risco de demanda foi criado o mecanismo de compartilhamento de risco de receita. Para cada ano dos ciclos de investimento, foram estabelecidos valores mínimos e máximos da receita acumulada até o ano anterior de concessão. Se a receita real for inferior à receita mínima prevista, os valores acumulados na conta de ajuste são transferidos para a concessionária. Por outro lado, se a receita real for superior à receita máxima prevista, a concessionária transfere o valor correspondente para a conta de ajuste. O mecanismo só pode ser acionado caso a concessionária tenha concluído pelo menos 90% das obras de ampliação de capacidade e melhorias até o ano em avaliação.

A discussão sobre compartilhamento de risco de demanda em projetos no setor de transporte vem ganhando atenção entre gestores e estudiosos do assunto. As recomendações de boas práticas para alocação de riscos apontam que o risco deve ser alocado a quem tem melhor condição de: i) controlar a sua ocorrência, ii) controlar o impacto do evento, caso aconteça e iii) absorver o impacto ao menor custo. A experiência recente de concessões de transportes no Brasil aponta que alocar todo o risco de demanda ao concessionário pode ser inviável, dada a dificuldade financeira de absorção total do impacto de eventos negativos nos projetos. É o que se verifica em diversos projetos no setor de rodovias e aeroportos licitados pouco antes da crise econômica do biênio 2015/2016. Nesse sentido, há mecanismos sendo construídos para operar adequadamente o compartilhamento de tal risco, como o mecanismo de contas vinculadas, a seguir explicado, e o ajuste automático do prazo do contrato em concessões no Chile .

A volatilidade cambial no Brasil tornou importante introduzir mecanismo de proteção cambial que permitisse atrair recursos externos para investimento em infraestrutura no país. Introduziu-se, portanto, um sistema de compartilhamento de risco cambial no caso da utilização de instrumentos de financiamento em moeda estrangeira firmados nos primeiros cinco anos de concessão, sendo aplicável apenas ao financiamento de investimentos em bens reversíveis. O mecanismo é aplicável sobre o principal do financiamento, não cobrindo os juros. A concessionária tem 12 meses, a partir do início do contrato, para ativá-lo.

Para permitir a compensação de eventos relacionados a esses riscos, é previsto o “mecanismo de contas” que é um conjunto de contas relacionadas ao contrato, incluindo a “conta centralizadora”, as “contas da concessão” (“conta de ajuste” e “conta de retenção”), a “conta de livre movimentação”, além da “conta de aporte”. Esse mecanismo de contas permite o acúmulo de valores a serem depositados pela concessionária em contas bancárias específicas, formando uma reserva de contingência destinada a possíveis eventos de compensação. A mitigação de riscos reduz o espaço para a tentativa de renegociações do contrato durante o longo prazo da concessão.

O contrato da rodovia BR-153/080/414/GO/TO também prevê a possibilidade de assinatura de Acordo Tripartite entre concessionária, financiadores e ANTT, com vistas a tornar o projeto mais atrativo para os agentes financiadores. Foram incorporadas, também, melhorias nas cláusulas de resolução de controvérsias (possibilitando o emprego de autocomposição de conflitos, arbitragem ou dispute board) e nas cláusulas relativas à extinção antecipada da concessão, dando mais segurança e previsibilidade ao investidor.

As inovações trazidas para o contrato da BR-153/080/414/GO/TO buscam trazer maior segurança no fluxo de caixa da concessão e garantir a prestação adequada do serviço, evitando frustrações já verificadas no passado. Elas são uma demonstração não só do esforço de se estruturar uma carteira desafiadora de projetos de desestatização, mas também de se evoluir com a adoção de melhores práticas regulatórias, atraindo mais competidores para os leilões.

Ainda no “inframonth” de abril de 2021, no dia 30, os resultados vieram em dose dupla em outros setores: por um lado, o mais importante leilão de saneamento do Brasil foi realizado, com a concessão dos serviços de distribuição de água e esgotamento sanitário no estado do Rio de Janeiro. Estruturada pelo BNDES, a iniciativa recebeu apoio do Governo Federal e vai beneficiar 12 milhões de pessoas, gerar mais de 40 mil empregos e investimentos de mais de R$ 27 bilhões durante os 35 anos de contrato.

Por outro lado, foi realizado leilão de energia para os chamados “Sistemas Isolados”, visando contratar energia para 23 localidades na região Norte do país, envolvendo investimentos de mais de R$ 355 milhões. Essa iniciativa permitirá à Aneel melhorar a confiabilidade do fornecimento de energia elétrica, um bem fundamental para a vida das pessoas e a economia do país. Um aspecto muito positivo foi o fato de que mais da metade dos projetos vencedores utilizarão biocombustíveis como fonte, contribuindo para que a matriz energética brasileira continue a ser uma das mais ambientalmente responsáveis em todo o mundo.

O primeiro semestre de 2021 encerrou com leilões exitosos no setor elétrico (transmissão de energia e contratação de energia existente), setor de rodovias, com o segundo projeto licitado em 2021: BR-163/230/MT/PA, com cerca de R$2 bilhões de investimentos contratados, e no setor de parques com a concorrência para a flona de Canela no Rio Grande do Sul.

A estruturação de parcerias com o setor privado está se expandindo para diversos setores antes nunca explorados. Com o bom andamento dos contratos já leiloados, gera-se o otimismo de que os investimentos estão acelerados e será possível entregar serviços de melhor qualidade aos usuários. Dessa forma, os líderes públicos estão buscando apoio para a estruturação de projetos para concessões em ampla gama de setores, como para gestão de imóveis de valor histórico e cultural (concessões de uso de bem público), projetos de irrigação e produção agrícola, gestão de armazéns, parques nacionais para visitação, florestas para exploração sustentável, terminais pesqueiros, creches, hospitais, presídios, dentre outros.

Na esfera de serviços de titularidade de estados e municípios, o potencial a ser explorado é gigantesco, com espaço para ganhos de eficiência e melhor prestação dos serviços ou gestão do bem público, o que demanda vontade de fazer e capacidade de execução.

São enormes os desafios, mas também as oportunidades de estruturação de concessões no Brasil. Os avanços até aqui verificados são a prova de que apostar na atração de investimentos privados para a ampliação da oferta e da qualidade da infraestrutura é o caminho correto para o País.

 

* Martha Seillier é secretária especial do Programa de Parcerias de Investimentos do Ministério da Economia

** Thiago Caldeira é consultor legislativo da Câmara dos Deputados e professor do mestrado em Economia do IDP-DF.

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O “BR do Mar” ruma para o desenvolvimento da cabotagem https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=3427&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=o-br-do-mar-ruma-para-o-desenvolvimento-da-cabotagem https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=3427#comments Sun, 28 Mar 2021 14:54:41 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=3427 O “BR do Mar” ruma para o desenvolvimento da cabotagem

Por Diogo Piloni e Silva*, Dino Antunes Dias Batista** e Cléber Martinez***

A navegação marítima é, desde sua origem, considerada uma aventura. Se nos primórdios era a natureza que representava os grandes desafios, hoje são as ondas do mercado que podem afundar empresas e empreendedores. Com efeito, a volatilidade dos custos e fretes marítimos internacionais é mar revolto, que deve ser considerado quando na elaboração de políticas públicas que busquem o desenvolvimento deste modo de transporte. Por outro lado, sabe-se que mar calmo nunca fez um bom marinheiro. Assim, a política deve também trazer novos incentivos, que ampliem a contestabilidade do mercado da cabotagem brasileira.

O BR do Mar é um programa que busca desenvolver a navegação marítima de cabotagem, ampliando a concorrência, mas considerando a necessidade de mitigação dos efeitos negativos da abertura para o mercado internacional. O BR do Mar será implementado com base no Projeto de Lei nº 4.199/2020 que já foi aprovado na Câmara dos Deputados e que se encontra em discussão no Senado Federal.

Existem muitas controvérsias relacionadas ao transporte marítimo. Entretanto, pairam poucas dúvidas quanto a sua relação direta com o desenvolvimento econômico da grande maioria dos países, entendimento corroborado por estudo realizado entre os países membros da OCDE¹. O caráter estratégico que é dado ao transporte aquaviário está relacionado com diversos fatores, como: menores custos de transporte; menores índices de acidentes; menores níveis de emissões de poluentes; e menor dependência de recursos públicos para seu desenvolvimento. Tais fatores correspondem a externalidades positivas proporcionadas pela navegação para toda a sociedade.

Tais externalidades já justificariam políticas públicas voltadas ao setor, como a adoção, pela maioria dos países mais desenvolvidos, de regramentos específicos para o transporte marítimo, em especial para a cabotagem. Entretanto, para uma completa e precisa avaliação é fundamental compreender que, até o momento, não se chegou a um entendimento no âmbito da OMC² para que as práticas concorrenciais deste mercado pudessem ser analisadas pela organização.

Entre os diversos e importantes desdobramentos da desregulamentação das questões concorrenciais para o transporte marítimo internacional, estariam práticas que resultam na já citada volatilidade em termos de disponibilidade de navios e valores de frete, que caracterizam o ciclo econômico específico para o transporte marítimo.

Tal ambiente traz diversos riscos para usuários, impactados diretamente pelas incertezas dos valores de frete, e para os armadores, principalmente na tomada de decisão de investir na constituição de frota, em razão do elevado montante de capital exigido e os longos prazos para amortização. Este contexto leva grandes embarcadores a constituírem frota própria ou, quando possível, firmarem contratos de longo prazo, assegurando previsibilidade de embarque e condições de frete.

Já os pequenos e médios embarcadores, que não possuem demanda suficiente para mobilizar um navio completo, são direcionados para o mercado de contêiner. Esta dinâmica demonstra a relevância deste segmento do mercado para determinadas atividades e justificam o seu histórico de crescimento.

O transporte marítimo de contêineres é tão relevante para o desenvolvimento econômico que muitos países estabelecem regras concorrenciais específicas para o setor. Denominadas imunidades concorrenciais, tais regras possibilitam que empresas do setor atuem de forma coordenada. Entre as razões apontadas para essa tratativa diferenciada estaria a redução dos valores de frete e melhora da qualidade dos serviços, conforme justificado pela Comissão Europeia³ para estender a imunidade concorrencial até 2024.

Por outro lado, a possibilidade de atuação em conjunto das empresas de transporte marítimo de contêiner no mercado internacional estaria relacionada diretamente com a tendência de concentração do mercado, distribuídos atualmente em 3 grandes grupos operacionais, e valores de frete spot que dobram ou triplicam em curto espaço de tempo. A esse respeito, o mercado nacional foi particularmente impactado pelos efeitos da pandemia, sendo que os fretes da China para o Brasil passaram de US$ 2.500/TEU no início de 2020, para quase US$ 10.000/TEU no fim do ano.

Negligenciar estas características pode trazer relevantes consequências negativas, como depreende-se da experiência australiana de flexibilização da cabotagem. No final da década de 90, o governo australiano permitiu a atuação de navios estrangeiros por meio de concessão de licenças de operação, buscando o desenvolvimento da cabotagem. Sem alcançar os objetivos almejados, as restrições para a navegação costeira foram reimplementados em 2012, em uma tentativa de restabelecer o ambiente necessário para o desenvolvimento de frota nacional. O retorno à situação pré-abertura não ocorreu até o momento.

De forma geral, os argumentos relativos à manutenção de solução logística adequada justificam a resistência da maioria dos países em flexibilizar o acesso de embarcações estrangeiras aos seus mercados de cabotagem. Tais resistências permanecem mesmo com os potenciais benefícios econômicos identificados por diversas entidades e estudos, dentre os quais mencionamos o  Rethinking Maritime Cabotage for Improved Connectivity⁴.

O referenciado estudo apresentou experiências de liberalização da navegação, dentre as quais a liberalização da cabotagem entre os países da União Europeia, com a edição do Regulamento nº 3.577/1992, e a liberalização da carga incidental para o mercado de contêineres na Nova Zelândia, que é a possibilidade de reposicionamento de contêineres vazios por navios que atuam no trade internacional. Ressalta-se que o regulamento europeu possibilitou a maior integração marítima entre os países do bloco, mas não evitou a consolidação entre as empresas do setor.

O mesmo estudo apresenta algumas considerações a respeito da cabotagem brasileira, indicando que a regulamentação nacional é comparável à grande maioria dos países avaliados, sendo responsável pela estruturação de serviços de transporte regionais que atenderiam a outros países da região. Cabe destaque sobre a iniciativa de flexibilização da cabotagem chinesa, que passou a permitir que navios de bandeira estrangeira, controlados por empresas chinesas, pudessem operar na cabotagem.

A experiência chinesa corrobora a tendência de internacionalização das frotas, entretanto permanecendo sob controle das empresas sediadas nos países desenvolvidos, conforme demonstrado por publicação da ITF-OCDE/2019⁵.

O referido estudo relata a redução de aproximadamente 50% da frota de navios registrados nos países desenvolvidos, apesar de todas as políticas de subsídios e incentivos tributários existentes. Entretanto, as empresas sediadas nos países desenvolvidos continuam controlando a maior parte da frota mundial, mesmo arvorando a bandeira de outros países.

Diante de toda a complexidade inerente ao mercado de transporte marítimo, agravado pela impossibilidade de implementação de medidas de incentivo utilizadas por outros países, o governo federal estruturou medidas que potencializarão o desenvolvimento da cabotagem, consolidadas no programa BR do Mar. Este objetivo se mostra extremamente desafiador se considerados os dados históricos de redução dos valores de frete da cabotagem, divulgados pela EPL⁶, e de crescimento das atividades publicados pela ANTAQ⁷, neste caso merecendo destaque o crescimento superior a dois dígitos na cabotagem de contêineres nos últimos 10 anos.

Como coração da proposta está um novo regramento para afretamento de embarcações estrangeiras que, se por um lado flexibiliza a navegação de cabotagem brasileira para a utilização de embarcações estrangeiras, reduzindo custos de operação e barreiras a novos competidores no mercado, por outro mantém uma estrutura de incentivos à formação de frota pelas empresas brasileiras de navegação.

Merece destaque, portanto, a possibilidade de navios estrangeiros, com menores custos operacionais, afretados por empresas brasileiras de navegação de uma subsidiaria integral no exterior, operarem na cabotagem brasileira. Esta estruturação pode parecer complexa à primeira vista, mas é uma prática de mercado, conforme apontado pelos estudos da UNCTAD e da ITF/OCDE, supracitados.

O grande diferencial desta proposta é que os navios estrangeiros operados por empresas brasileiras de navegação estariam comprometidos com o atendimento do mercado nacional, “isolados” da dinâmica de volatilidade do mercado externo, e sob regras brasileiras que não permitem as práticas concorrenciais percebidas no mercado internacional, conforme apresentado por estudo publicado pelo CADE⁸.

A operação de navios com menores custos operacionais seria permitida em determinadas operações, ou para empresas que mantenham investimento em frota própria no país, demonstrando vínculo de longo prazo. Assim, busca-se assegurar o ambiente para o investimento em frota e perenidade da disponibilidade das operações de transporte. E mais do que isso: a regularidade de custos de frete, sendo esta a maior demanda apontada pelos usuários do serviço.

Também foi contemplada medida voltada para mitigar as barreiras de entrada no setor, relacionadas aos investimentos necessários para constituição de frota, sendo permitido que empresas de navegação possam iniciar suas operações somente com embarcações afretadas e registradas no Brasil.

Outras medidas que merecem destaque são aquelas voltadas para proporcionar maior efetividade para o uso do AFRMM, assim como a instituição da figura da empresa brasileira de investimento na navegação. Esta atuará de forma semelhante ao que ocorre em outros setores da infraestrutura no Brasil, bem como no mercado de navegação em outros países, viabilizando o investimento em ativos no setor de navegação por instituições gestoras de capital.

A necessidade de simplificação das questões burocráticas é outro ponto de consenso destacado durante as discussões que precederam a estruturação do programa. Neste sentido, a possibilidade de comprovação eletrônica do recebimento de mercadoria é uma importante medida de desburocratização que integra o projeto de lei original. Além disso, a dispensa da livre prática da ANVISA para a navegação doméstica traz mais racionalidade e competitividade para a cabotagem frente a alternativa concorrente, que é o transporte rodoviário, onde não há este tipo de exigência.

A maturidade e equilíbrio das propostas contidas no BR do Mar, implementado pelo Projeto de Lei nº 4.199/2020, foi demonstrada pelo texto aprovado pela Câmara dos Deputados, que contou com diversos aprimoramentos, mas manteve a integridade da estrutura do programa que tramita agora no Senado Federal. E a expectativa é grande para que entre em vigência este novo marco para a navegação entre portos do país, parte relevante de uma revolução em curso na matriz logística brasileira, conduzida pelo Ministério de Infraestrutura.

 

¹The Impacts of Globalisation on International Maritime Transport Activity. Disponível em: https://www.oecd.org/greengrowth/greening-transport/41380820.pdf.

²Decision on Maritime Transport Services S/L/24 (WTO/1996). Disponível em: https://docs.wto.org/dol2fe/Pages/SS/directdoc.aspx?filename=q:/S/L/24.pdf.

³Antitrust: Commission prolongs the validity of block exemption for liner shipping consortia. Disponível em: https://ec.europa.eu/commission/presscorner/detail/pt/ip_20_518.

Rethinking Maritime Cabotage for Improved Connectivity. Disponível em: <https://unctad.org/en/pages/PublicationWebflyer.aspx?publicationid=1965>. 

Maritime Subsidies Do They Provide Value for Money? Disponível em: https://www.itf-oecd.org/sites/default/files/docs/maritime-subsidies-value-for-money.pdf.

⁶Boletim de Logística 1° Semestre 2019. Disponível em: https://ontl.epl.gov.br/wp-content/uploads/2020/09/boletim-logistico-1semestre2019.pdf.

⁷Estatístico Aquaviário. Disponível em: < http://web.antaq.gov.br/anuario/.

⁸Cadernos do Cade: Mercado de transporte marítimo de contêineres. Disponível em: http://antigo.cade.gov.br/acesso-a-informacao/publicacoes-institucionais/publicacoes-dee/caderno-mercado-de-transporte-maritimo-de-conteineres-versao-final.pdf.

 

*Diogo Piloni e Silva é especialista em Engenharia e Gestão Portuária e secretário da Secretaria Nacional de Portos e Transporte Aquaviário (Ministério de Infraestrutura).

**Dino Antunes Dias Batista é mestre em Transportes e diretor do Departamento de Navegação e Hidrovias (Ministério de Infraestrutura).

***Cléber Martinez tem MBA em Administração e Finanças e coordenador no Departamento de Navegação e Hidrovias (Ministério da Infraestrutura).

 

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O Gás Natural como Protagonista https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=3328&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=o-gas-natural-como-protagonista Wed, 16 Sep 2020 15:45:48 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=3328 A Lei do Gás permite a expansão do gás natural na matriz energética

 

O Projeto de Lei do Gás, PL 6.407/2013, possui uma grande virtude de mudar o marco regulatório do gás natural, que atualmente, não é suficiente para atrair investimento para o setor e aumentar a participação do gás na matriz energética brasileira. Há cerca de 15, 20 anos, o gás natural mantém uma participação muito pequena na matriz energética brasileira, de 13%.

 

No mundo inteiro, o gás natural é considerado a energia da transição energética. Com a pandemia, essa transição, de fontes sujas para fontes limpas, deve acelerar, e o gás natural vai ser o último ciclo de combustível fóssil. 

 

Na Revolução Industrial inglesa, o carvão foi a grande fonte de energia, nos 30 anos gloriosos da economia mundial, de 1945 a 1975, foi o petróleo, e agora, será o gás natural. O Brasil está atrasado e precisa se preparar para isso. O atual marco legal do gás não incentiva uma maior participação do gás na matriz energética brasileira. 

 

Aumento global da oferta e produção de gás

 

O momento que estamos vivendo é excelente para o desenvolvimento do mercado de gás. Além de ser a energia da transição, o gás natural está com uma oferta muito grande no mercado internacional que começou quando foram introduzidas tecnologias capazes de liquefazer o gás.

 

No mundo todo havia diversas reservas de gás, como na África, por exemplo, nas quais não era economicamente viável explorar o gás, pois você não conseguia transportá-lo por gasoduto. No entanto, com a liquefação, foi possível colocar o gás em um navio e levá-lo para o mercado consumidor, onde ele é regaseficado ou mesmo utilizado de forma líquida.

 

O grande aumento da oferta continuou a partir do ano 2000, em particular 2005, que foi a enorme entrada de produção de shale gas no mercado americano. Isso provocou uma queda no preço do gás natural nos últimos anos. 

 

No Brasil, a região do pré-sal possui uma imensa reserva de gás. Antes da pandemia se falava em dobrar a produção do pré-sal nos próximos 10 anos. No entanto, com a pandemia houve uma desaceleração de investimento pelas empresas petrolíferas. Ainda assim, se esse aumento de oferta não ocorrer em 10 anos, ele deve ocorrer em 12 ou 13 anos.

 

Petrobras abandona o monopólio no Brasil

 

No caso do Brasil, um ponto importante é o fim do monopólio de gás da Petrobras. Até então, a Petrobras tinha um monopólio vertical e horizontal. Vertical porque era a única importadora, produtora, e transportadora de gás no Brasil. Além disso, tinha ainda participação em 19 das 27 empresas de distribuição de gás estadual. E horizontal porque os produtos substitutos ao gás, como gasolina, óleo combustível, diesel, GLP, e botijão, também, eram monopólio da Petrobras. 

 

Atualmente, no mercado de botijão a Petrobras vendeu a Liquigás, dessa forma, não será mais distribuidora de GLP. No mercado de gás natural, vendeu as duas grandes transportadoras, a TAG, gasodutos do Norte e Nordeste, e a NTS, gasodutos do Sudeste. Ademais, está vendendo, sua participação na TBG, que é a transportadora que traz gás da Bolívia. 

 

Também está vendendo campos de petróleo e campos de gás. Além disso, a Petrobras assinou um termo de compromisso com o CADE que obriga a vender diversos ativos, como a sua distribuidora, a Gaspetro. A saída da Petrobras como monopolista nesse setor, em particular no fornecimento de gás, é muito importante.

 

A indústria de gás é uma indústria de rede, que funciona com escala. Neste tipo de indústria, na produção você tem concorrência. A Petrobras, por exemplo, concorre com a Shell, a Repsol, a BP, entre outras. No entanto, no transporte e distribuição, existem monopólios naturais, onde funciona o conceito de tarifa. A primeira coisa necessária para ter um gás mais barato e dinamizar o mercado, é estabelecer essa concorrência no fornecimento. Com a concorrência na produção do gás, haverá o aumento no número de comercializadores que é outro elo da cadeia onde existe a concorrência.

 

Pandemia faz necessária a releitura da Lei do Gás

 

O PL 6.407, não é uma proposição ruim, mas é uma proposta tímida. Ela foi também concebida antes da pandemia. No entanto, depois da pandemia, todas as mudanças precisam de uma releitura, não só no setor de gás. Qualquer projeto que traga reformas no setor, na economia, e no Brasil, tem que ter outro olhar, em função da pandemia. Nas questões de infraestrutura, a dificuldade de atrair investimento vai ser maior. Diversos países sairão prejudicados, gerando uma disputa maior por capitais e investidores.

 

Além disso, o PL 6.407 é uma proposta tímida porque, basicamente, só traz 3 novidades em relação ao marco legal atual. O primeiro ponto, de transformar o modelo jurídico de concessão em autorização, o mercado todo está de acordo. A autorização, apesar de juridicamente não ser tão forte, facilita e desburocratiza a construção de infraestrutura. No momento, há um projeto de ferrovia no Congresso que também está tentando mudar o sistema de concessão para autorização. A indústria de ferrovias é muito parecida com a indústria de gás, pois também é uma indústria de rede.

 

Outro aspecto que a nova lei muda é dar acesso não discriminatório nas infraestruturas, ou seja, aos gasodutos de escoamento, nas UPGNs, e no gasoduto de transporte, o que também é necessário. Outro ponto que o PL muda é o funcionamento do transporte, que passa a ter um critério de entradas e saídas de gasoduto, também é um ponto positivo. 

 

A Lei do Gás não consegue conter a judicialização

 

É necessário fazer uma revisão dos artigos e evitar a judicialização. No mercado de gás, diferentemente da energia elétrica, existem atribuições para o Estado e atribuições de governo federal a nível regulatório. Na energia elétrica, a regulação é feita pela ANEEL ao longo de toda a cadeia. No entanto, no gás natural, o governo federal só regula da produção até o city gate. Nos estados, cada um tem sua própria regulação para o segmento de distribuição/comercialização. Essa fronteira entre a regulação Federal e Estadual tem causado judicializações. No artigo 7 da 6.407, inciso 6º, por exemplo, não está clara a questão de distinção de conceito entre gasoduto de transporte e distribuição. Hoje, já existe judicialização em relação a isso. Caso este artigo seja mantido, haverá um aumento da judicialização, o que poderá afastar o investidor de qualidade.

 

A Lei do Gás não garante a desverticalização da cadeia

 

Outro conceito importante é a questão da desverticalização, também conhecida como unbundling, ou seja, não permitir que o produtor seja proprietário de transporte, e vice-versa. No entanto, como o objetivo do Brasil, hoje, é atrair capital, não há sentido em escolher quem poderá investir em cada segmento. O ideal é que seja feito algo similar ao setor elétrico. Deve haver uma preocupação do governo de evitar a construção de novos monopólios e até do self dealing, como havia no setor elétrico, e que foi corrigido. Contudo, nas atividades reguladas, como distribuição e transporte, as empresas deveriam ser impedidas de comprar outros ativos, mas as suas holdings deveriam ter permissão de comprar ativos em outros segmentos da cadeia, assim como é feito no setor elétrico.

 

No setor elétrico, por exemplo, o grupo espanhol Neoenergia possui a distribuidora de energia elétrica Coelba, na Bahia, e investimentos em transmissão de energia elétrica e em geração, através da sua holding. Assim, há um unbundling contábil, em vez de fazer um unbundling mais profundo, o que reduz as barreiras para a entrada de mais investimentos. 

 

A vantagem da térmica a gás na base do sistema

 

O terceiro ponto é o conceito de térmica a gás na base do sistema elétrico. É necessário que este conceito esteja bem definido. Isto é importante, pois o gás do pré-sal, hoje, está sendo reinjetado acima das capacidades técnicas, e quando é reinjetado, não gera royalties. O gás só gera royalties quando é consumido. Há dois tipos de gás natural, o gás associado ao petróleo, que é o gás do pré-sal, e o gás não associado, como por exemplo, o que é produzido na Bolívia. 

 

Quando o gás é associado, a exploração é mais complicada, pois quando uma empresa compra um campo do pré-sal, o retorno para o investimento é o óleo, e não o gás. Assim, para dar pressão no campo, as empresas reinjetam parte do gás para tirar óleo. No entanto, uma outra parte, ela não precisaria reinjetar. Mas, para não reinjetar, é preciso que haja alguém que compre esse gás de maneira efetiva e regularmente. Pois caso pare de comprar, compromete a produção de óleo no campo. É necessário criar uma demanda efetiva para esse gás. 

 

As térmicas na base do setor elétrico seriam o consumidor ideal para este gás. Com esse conceito bem definido, seria possível implementar térmicas inflexíveis, que funcionariam o tempo todo. Dessa forma viabilizaria o gás do pré-sal, e a construção de novos dutos de escoamento da produção. Isso também viabilizaria a exploração de gás na Amazônia, onde há uma grande oferta. 

 

As térmicas na base também são positivas para o setor elétrico. Hoje, a matriz elétrica brasileira está muito baseada em fontes intermitentes, ou seja, usinas hidroelétricas a fio d’agua, que só geram energia quando chove, e fontes eólica e solar, que só geram energia quando venta ou quando está sol. A implementação destas térmicas vai dar resiliência e garantia de abastecimento. Vai funcionar como uma espécie de bateria virtual, permitindo que o governo gerencie melhor o nível de reservatório e a expansão das eólicas e solares.

 

Ao permitir o gerenciamento dos reservatórios, haverá uma redução de tarifa. No modelo atual, o ONS despacha primeiro a hidroelétrica, que é a energia mais barata. Quando o reservatório fica baixo, começa a despachar as térmicas. Assim, a volatilidade do Preço de Liquidação das Diferenças (PLD), que é o preço da energia fica com uma grande volatilidade. Isso ocorre, pois quando o ONS opta por despachar a térmica, o nível dos reservatórios está baixo demais e ele é forçado a despachar imediatamente as térmicas mais caras e mais poluentes. 

 

A importância da térmica a gás na base para a retomada da economia

 

Outro risco que existe, hoje, é que caso a economia brasileira volte a crescer, poderá ter um racionamento, um apagão, porque essas energias intermitentes não vão segurar um crescimento de demanda. Isso só não aconteceu até agora, porque a economia não cresce, e consequentemente, o consumo de energia também não. Hoje, falamos de uma sobre oferta de energia muito grande. No entanto, basta vir o crescimento econômico para que esta sobre oferta acabe, já que a oferta de energia não vem rapidamente e a construção de novas usinas demora. A economia pode não crescer muito no ano que vem, mas pode ser que daqui a dois anos comece a crescer e é preciso decidir o planejamento do setor agora.

 

É muito importante que esse conceito de térmica na base conste na lei, porque assim, as próprias resoluções futuras da ANEEL e ANP, serão capazes de olhar o conceito na Lei. Para que haja investimento, é preciso que o conceito esteja na lei, e não apenas no decreto, para gerar segurança jurídica suficiente para grandes aportes de capital.  

As térmicas na base também permitirão a interiorização do consumo de gás. A ideia é realizar leilões regionais. A perda de energia em gasoduto é próxima de zero, enquanto em linha de transmissão é de cerca de 15% a 17%. Com isso, há também o desenvolvimento regional já que o gasoduto pode ser seccionado, enquanto uma linha de transmissão, não. Ou seja, ao longo do percurso do gasoduto, é possível seccionar nas cidades, onde ele vai passando. Assim, ele vai poder colocar gás em carro, GNV, colocar gás em uma indústria local, e inclusive, levar gás até as residências e comércio, substituindo o botijão de gás.

 

A criação de uma única agência de energia

 

Há também outras mudanças necessárias. O setor de gás é um setor parecido com o elétrico, por se tratar de indústrias de rede. O setor elétrico brasileiro é um setor de sucesso. 98% dos brasileiros tem acesso à energia elétrica. Não tem nenhum serviço público que tenha tanto acesso, que seja universalizado, como a energia elétrica no Brasil. Desde a época do governo Fernando Henrique, as privatizações no setor elétrico têm tido sucesso. A última privatização que precisa ser feita é a da Eletrobras, que está atualmente tramitando no Congresso Nacional.

 

O setor de gás atual é o setor elétrico de 30 anos atrás. É necessária a criação de um operador nacional de gás natural, como o ONS no caso da energia elétrica. É preciso também criar uma câmara de compensação de liquidação de contratos como a Câmara de Compensação da Energia Elétrica (CCEE). Uma opção ainda melhor é juntar tudo na ONS e na CCEE, que já existem hoje, criando um Operador Nacional do Sistema de Energia e uma Câmara de compensação e liquidação de contratos de energia. Isso seria um primeiro passo para criar no Brasil uma agência de energia. 

 

No Brasil, não faz mais sentido, atualmente, ter uma agência de energia elétrica e uma agência nacional do petróleo. A ANP foi criada em 1997, porque era preciso ter uma agência para ser uma espécie de fiador para atrair investidores para o setor de petróleo, porque havia um monopólio gigantesco da Petrobras. No entanto, não tem mais isso. Não faz sentido ter uma agência reguladora que trata de gasolina e diesel. Gasolina, diesel e petróleo, por se tratarem de commodities, têm seus valores estabelecidos em preço. Uma agência reguladora só faz sentido quando o setor tem tarifa. Assim, o gás natural deveria ir para essa agência de energia. 

 

 

Adriano Pires é sócio-fundador e diretor do Centro Brasileiro de Infra Estrutura (CBIE). Doutor em Economia Industrial pela Universidade Paris XIII (1987), mestre em Planejamento Energético pela COPPE/UFRJ (1983) e graduado em Economia formado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (1980).

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Retomada econômica no pós-COVID: o investimento em infraestrutura como indutor de prosperidade https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=3274&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=retomada-economica-no-pos-covid-o-investimento-em-infraestrutura-como-indutor-de-prosperidade Mon, 13 Jul 2020 14:36:56 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=3274

Por Martha Seillier, Secretária Especial do Programa de Parcerias de Investimentos (PPI), & Bertha Gadelha, diplomata de carreira e assessora internacional do Programa de Parcerias de Investimentos (PPI).

As consequências da pandemia COVID 19 no Brasil são avassaladoras: grande número de mortes, economia em queda e mudanças radicais no modo como nos relacionamos com os outros. Os efeitos sobre a economia brasileira a médio e longo prazo, no entanto, são ainda difíceis de antecipar completamente. Há várias hipóteses na mesa, como depressão prolongada, recuperação em “U” e ou em “V”.

Apesar de toda incerteza relacionada ao futuro do Brasil, há algumas deficiências permanentes, cuja solução torna-se ainda mais relevante para a estratégia de recuperação, como, por exemplo, a necessidade de investimentos na infraestrutura nacional. O déficit de infraestrutura brasileiro é expressivo. Estimativas do Banco Mundial[1] apontam para a necessidade de investimentos anuais da ordem de 4,25% do PIB para aprimorar a qualidade de vida dos brasileiros, em comparação com os menos de 2% atuais.

A deterioração das contas públicas brasileiras, com déficits fiscais crescentes nos últimos anos, torna ainda mais desafiadora a busca pela redução do gap em infraestrutura.  A Emenda Constitucional nº 341, mais conhecida com o “teto de gastos”, instituiu um novo regime fiscal que limitou o crescimento das despesas do governo brasileiro por 20 anos. No novo regime, as despesas e investimentos públicos ficam limitados aos valores gastos no ano anterior, corrigidos pela inflação.

Como mais de 90% da despesa primária do orçamento federal derivam de despesas obrigatórias, que, via de regra, não podem ser alteradas, os recursos discricionários, dentre aqueles destinados a investimentos, configuram a principal variável de ajuste no orçamento da União.

Por catalisar empregos e renda e impactar diretamente a redução do chamado “Custo Brasil”, o investimento em infraestrutura e a busca de parcerias com o setor privado para a realização de empreendimentos públicos são essenciais para a retomada econômica do País. O Programa de Parcerias de Investimentos (PPI), criado por meio da Medida Provisória nº 727/2016, convertida na Lei nº 13.334/2016, e atualmente subordinado ao Ministério da Economia, tem por mandato reforçar a coordenação das políticas de investimentos em infraestrutura mediante parcerias com o setor privado, estabelecer um novo fluxo de governança, ao determinar a priorização e o acompanhamento dos projetos que serão executados mediante desestatizações, a exemplo de concessões, parcerias público-privadas (PPPs) e privatizações. Ao aprimorar a governança, o que impulsiona a competitividade e diversidade de players, definem-se os três principais objetivos do PPI: ampliar a transparência dos processos, oferecer mais previsibilidade ao cronograma de execução da carteira de projetos e conferir maior segurança jurídica aos investidores privados.

De forma prática, são realizadas pelo PPI ações que envolvem (i) a prospecção de projetos para qualificação no PPI; (ii) a participação técnica nas diversas fases de estruturação dos projetos, que podem incluir avaliações de viabilidade técnica, econômica e ambiental, inclusive modelagem regulatória; (iii) a análise e aprimoramento dos editais e contratos; (iv) a promoção do diálogo com o setor privado, seja por meio de apoio em consultas e audiências públicas, seja por meio da realização de roadshows e rodadas de reuniões bilaterais com potenciais investidores; (vi) acompanhamento das etapas “pós-venda”, com a contratação e a execução dos projetos pelos parceiros privados, para fins de garantia da segurança jurídica e respeito aos contratos qualificados no PPI; (vii) ações para o aprimoramento do arcabouço legal e regulatório setorial, em vista de fragilidades previamente identificadas ao longo da execução dos projetos qualificados no PPI; (viii) articulação institucional com distintos atores governamentais e privados, como as equipes setoriais dos ministérios, das agências reguladoras, das entidades de controle e fiscalização, dos poderes legislativo e judiciário, operadores, financiadores, entre outros.

No setor rodoviário, a carteira de projetos em desenvolvimento alcança a extensão de mais de 18 mil km de novos contratos de concessão e investimentos da ordem de R$ 151 bilhões, com capacidade de gerar 2,1 milhões de empregos durante os contratos de concessão. Entre os projetos mais adiantados, com previsão de leilão ainda em 2020, estão a BR-153/080/414, que liga Anápolis (GO) a Palmas (TO) e a BR-163/230, entre Sinop (MT) e Miritituba (PA), importantes vias de escoamento de produtos agrícolas e outras cargas nas regiões Centro-Oeste e Norte do país. Também em fase avançada, com leilão previsto para o 1º trimestre de 2021, podemos citar a BR-381/262, via que conecta Belo Horizonte (MG) à região do Vale do Aço/Governador Valadares (MG) a Vitória (ES), além da Via Dutra (BR 116), nos estados de RJ e SP, que inclui trecho da BR 101, o maior projeto de concessão de rodovias do país.

Outro importante projeto na carteira, em condução pela Empresa de Planejamento Logístico (EPL) em parceria com a International Finance Corporation (IFC), com previsão de leilão em 2021, é a concessão das rodovias federais no estado do Paraná, com extensão total de mais de 4 mil km, incluindo rodovias federais e estaduais. Cabe ainda destacar que estão com estudos contratados, no âmbito do BNDES, conjunto de cerca de 7200 km de rodovias distribuídas em 14 estados brasileiros, com previsão de leilãoem 2022.

Já no setor ferroviário, o PPI tem atuado para a reativação do setor com as novas concessões de ferrovias e as prorrogações antecipadas dos contratos de concessão existentes, com a devida modernização dos atuais instrumentos e a criação de incentivos para novos aportes de investimentos. Destaca-se nesse segmento a EF-170, também chamada de Ferrogrão, que busca consolidar o novo corredor ferroviário de exportação do Brasil pelo Arco Norte. A ferrovia contará com uma extensão de 933 km, conectando a região produtora de grãos do Centro-Oeste ao Estado do Pará, desembocando no Porto de Miritituba, produzindo benefícios socioeconômicos de alto impacto para as referidas regiões. Prevê-se que, já em seu primeiro ano de operação, a demanda total de carga alocada da ferrovia alcance 25 milhões de toneladas, número que poderá chegar a mais de 42 milhões de toneladas em 2050. Os investimentos a serem realizados pela concessionária estão estimados em R$ 8,4 bilhões, em empreendimento com prazo de 65 anos e estimativas de geração de 13 mil empregos na fase de obras.

Além da Ferrogrão, a EF-334, conhecida como FIOL – Ferrovia de Integração Oeste-Leste, com extensão de 537 km entre Ilhéus e Caetité, constitui relevante corredor de escoamento de minérios do sul do estado da Bahia (Caetité e Tanhaçu) e de grãos do oeste baiano. Há, ainda, a possibilidade de integração futura com a Ferrovia Norte-Sul, indo ao encontro do objetivo de integração das malhas ferroviárias e melhoria das condições logísticas do país. O volume a ser transportado foi estimado em 18 milhões de toneladas em 2025, atingindo 55 milhões de toneladas em 2040. Os investimentos foram calculados em R$ 3,3 bilhões, e o prazo da concessão será de 35 anos.

Em relação às atuais concessões, foi assinado em maio último o Termo Aditivo ao contrato de concessão da Rumo Malha Paulista, que a prorrogou por mais 30 anos após 2029. Os investimentos ao longo da concessão estão estimados em R$ 5,78 bilhões, compreendendo obras de construção e ampliação de pátios de cruzamento, duplicação de trechos, modernização do controle de tráfego e aquisição de locomotivas e vagões. Também estão em processo de prorrogação antecipada os contratos de concessão da Estrada de Ferro Vitória a Minas, Estrada de Ferro Carajás e MRS Logística. Estas três concessionárias juntas farão investimentos estimados em R$ 33,8 bilhões.

Ressalte-se ainda a atuação nas discussões referentes à mudança legal quanto à forma de exploração das ferrovias, de concessão para o regime de autorização, em debate no âmbito do Projeto de Lei do Senado 261/2018. A mudança poderá impulsionar diversos projetos de novos trechos ferroviários, principalmente aqueles voltados para destinações econômicas específicas, em que o espírito de empreendedorismo do setor privado não consegue ser atendido, de forma célere e dinâmica, pelo setor público.

No que tange a portos, em que o modelo de autorização já é vigente, está prevista a realização de certames licitatórios de pelo menos 11 terminais portuários em 2020: STS14, STS14A, localizados no Porto de Santos; PAR12, localizado no Porto de Paranaguá/PR; IQI 03, IQI 11, IQI12, IQI 13, localizados no Porto do Itaqui/MA, ATU 12 e ATU18, localizados no Porto de Aratu/BA; MCP02, localizado no Porto de Santana/AP; e MAC10, localizado no Porto de Maceió/AL. Somados, os investimentos mínimos previstos se aproximam de R$1,5 bilhão, além dos benefícios diretos aportados em melhoria e modernização da infraestrutura portuária, regularização de contratos e geração de mais de 25 mil empregos diretos e indiretos. Cabe destacar que dois deles (STS14 e STS14A) já estão com os editais publicados, e a sessão de leilão foi marcada para 28/8. Localizados no Porto de Santos/SP, as áreas destinam-se à movimentação e armazenagem de carga geral, especialmente celulose. São previstos investimentos da ordem de R$ 420 milhões em infraestrutura dos terminais, reforço de cais e acesso ferroviário.

Para os anos de 2021 e 2022, além de se manter a linha de produção de licitações de terminais portuários aquecida, de forma inédita, realizar-se-á o primeiro processo de desestatização de uma Autoridade Portuária, a Companhia Docas do Espírito Santo (CODESA), que é responsável pela gestão e exploração dos Portos de Vitória, Vila Velha e Barra do Riacho. Na sequência, estão previstas as desestatizações do maior porto da América Latina, Portos de Santos, e também de São Sebastião, em São Paulo, e Itajaí, em Santa Catarina. Estima-se que os referidos processos trarão investimentos de, no mínimo, R$ 13 bilhões e geração de mais de 200 mil empregos diretos e indiretos. Além de desonerar o Erário, objetiva-se a modernização da infraestrutura, maior flexibilidade e melhoria da eficiência na gestão e exploração dos portos públicos brasileiros, com consequente ganho de produtividade para toda a economia brasileira.

Em relação ao setor aeroportuário, o principal projeto em execução é a 6ª Rodada de Concessões, que consiste na concessão para a iniciativa privada de 22 aeroportos, distribuídos em três blocos (três contratos diferentes): Blocos Sul, Norte I e Central. Em decorrência do grande impacto causado no setor aéreo no Brasil e em todo mundo pela pandemia, a realização do leilão foi alterada para o início de 2021. Estão em andamento ajustes na previsão de demanda dos estudos de viabilidade, considerando os efeitos da COVID 19 na renda e na produção nacional, nas restrições de movimentação de pessoas e de mudanças comportamentais.

Nessa rodada de concessões aeroportuárias são estimados R$ 2,9 bilhões de investimento para o Bloco Sul, liderado por Curitiba, com fluxo de 12,4 milhões de passageiros em 2019; R$ 1,6 bilhão para o Bloco Norte I, capitaneado por Manaus, com 4,6 milhões de passageiros em 2019; e R$ 2,1 bilhões para o Bloco Central, impulsionado por Goiânia, com volume de 7,3 milhões de passageiros em 2019. Juntos os investimentos previstos são de R$ 6,6 bilhões e têm potencial de geração de 111 mil empregos.

Além disso, avalia-se a possibilidade de nova licitação dos aeroportos de Viracopos, em Campinas (SP), e do aeroporto São Gonçalo do Amarante, no Rio Grande do Norte, que atende à região de Natal (RN). São ações voltadas para preservar e assegurar a melhoria da infraestrutura disponível e a devida prestação de serviços com qualidade. Busca-se, ao mesmo tempo, trazer maior segurança jurídica para o setor, com tratamento isonômico, transparente, sério e respeitoso aos parceiros privados.

Por fim, no que se atine ao segmento logístico, os Terminais Pesqueiros Públicos (TPP) entraram na carteira do PPI no corrente ano de 2020. Existem cerca de vinte TPPs no Brasil, a sua maioria em situação não operacional, com parte da infraestrutura disponível, em vista de obras públicas realizadas em anos passados, mas com necessidades de investimentos pontuais, reformas e aquisição de equipamentos. São infraestruturas que, embora não representem investimentos vultosos, quando comparados a outras infraestruturas da carteira do PPI, cumprem papel muito relevante por conta do seu impacto social. Assim, procura-se o estabelecimento de parcerias com o setor privado para a reativação dessas infraestruturas, o que pode ensejar a segurança sanitária necessária para alavancar a produção pesqueira brasileira, com benefícios para a economia regional, atração de investimentos e geração de empregos. Estudos recentes (SANTOS, 2018) indicam que o setor pesqueiro, em conjunto com o pecuário, são os maiores geradores de emprego sob a ótica de investimentos realizados.

Atualmente, na carteira do PPI, encontram-se oito TPPs: Manaus (AM); Belém (PA); Cabedelo (PB); Natal (RN); Vitória (ES); Santos e Cananéia (SP). Ainda em 2020 está previsto o leilão do TPP Cabedelo (PB), projeto piloto no setor, que será também o primeiro TPP a ser concedido à iniciativa privada no Brasil. Estima-se aumento de renda e de qualidade de vida para mais de 1.000 famílias da região, de forma direta e indireta. No seu auge, poderá impulsionar a produção de mais de 12 mil toneladas/ano de pescado, o equivalente a 2% de toda a produção realizada no Brasil do setor de aquicultura em 2019. Para 2021 e 2022, em conjunto com o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA), pasta setorial responsável por esses terminais, o PPI trabalha para a realização do leilão dos outros sete TPPs qualificados. Em uma avaliação preliminar do PPI para esses terminais, espera-se investimentos na ordem de R$ 45 milhões e que tendem a beneficiar mais de 5 mil famílias, direta e indiretamente, com a geração de emprego e renda local e regional.

Ainda na vertente de infraestrutura econômica, o PPI também atua nos setores de energia elétrica, petróleo & gás e mineração. Apesar de os dois primeiros terem sido mais duramente afetados pela pandemia, cabe destacar o normal andamento ou a reprogramação, baseada em criteriosas avaliações de cenários e diálogos com os segmentos de mercado, dos seguintes projetos ou atividades integrantes do PPI:

I – Energia Elétrica

I.1 Leilão de Transmissão n° 01/2020-ANEEL, que teve a sua consulta pública reaberta e sessão pública reprogramada para dez/2020, ampliando-se, porém, o número de lotes de empreendimentos (de 6 para 15 lotes,distribuídos em 11 Estados da federação), com investimentos estimados em R$ 10,2 bilhões e geração de cerca de 21.300 empregos diretos.

I.2 Leilões de Geração de Energia Existente A-4 e A-5/2020, submetidos a consulta pública e com resultados já consolidados, cuja realização, já sinalizada para o 1º sem/2021,  aguarda apenas a conclusão de avaliações do MME sobre declarações das distribuidoras quanto à substituição de contratos de suprimento oriundo de fontes caras e ineficientes (óleo combustível e diesel), com vencimento em 2023 e 2024, representando importante contribuição para a modicidade tarifária e a sustentabilidade ambiental.

I.3 Aprovação do relatório do Comitê Interministerial que sugere um modelo jurídico e operacional para a continuidade das obras da UTN Angra 3, a ser implementado no âmbito do CNPE, tendo como próximas etapas a contratação de estudos de “due diligence”, com vistas a confirmar o custo de finalização das obras e aprovar a estruturação final para a retomada do projeto, com entrada em operação prevista para 2026.

II.4 Desestatização da ELETROBRAS, mediante aumento do capital social com subscrição pública de ações ordinárias, nos termos do Projeto de Lei nº 5.877/2019, enviado ao Congresso Nacional em 05/11/2019, cuja celeridade, em face do agravamento da crise internacional  decorrente do coronavírus e da necessidade de blindagem da economia brasileira, foi solicitada ao Presidente daquela Instituição por meio do Ofício SEI nº 84/2020/ME. Tal PL constitui a prioridade nº 1 do Governo Federal no plano das privatizações e vem sendo acompanhado por uma força-tarefa interministerial, da qual a SPPI é um dos integrantes.

II – Petróleo & Gás

II.1 O 2o Ciclo da Oferta Permanente de Áreas da Agência Nacional do Petróleo (ANP), cujo cronograma original foi mantido, tem previsão de abertura em julho/2020 e de realização da sessão pública até dez/2020. Serão ofertadas 708 áreas de exploração e 3 campos de produção, totalizando R$ 2,9 bilhões em bônus de assinatura, caso todas sejam arrematadas, o que representa importante sinalização para a continuidade de investimentos nesse setor, especialmente por parte de pequenas e médias empresas.

II.2 O Leilão dos Blocos de Atapu e Sépia, remanescentes dos Volumes Excedentes da Cessão Onerosa, com cronograma indicativo apresentado na reunião do CNPE de 10/6/2020, a partir das diretrizes da Portaria MME 23/2020, tem publicação do edital prevista para o 2º tri/2021 e realização da sessão pública do certame no 3º tri/2021.

II.3 A 17ª Rodada de Concessões de Blocos, com publicação do pré-edital e da minuta de contrato temporariamente suspensas, tem cronograma em fase de reavaliação pelo CNPE, com expectativa de realização do leilão no 1º trim/2021.

II.4 O Projeto de Poço Transparente em reservatório de baixa permeabilidade de petróleo e gás natural, que consiste em piloto para a execução de fraturamento hidráulico visando à exploração & produção de recursos não convencionais (shale gas), com monitoramento ambiental e ampla publicação de todos os dados adquiridos, prossegue em desenvolvimento mediante reuniões periódicas entre o MME, a ANP e a SPPI, com convites ao Ibama e ao Ministério Público Federal para participação da gênese do projeto.

II.5 O Programa BidSIM, destinado a aumentar a competitividade e a atratividade das áreas a serem ofertadas nas rodadas de licitações para exploração e produção de petróleo e gás natural, desenvolve seus trabalhos mediante Comitê Interministerial  instituído pelo Decreto nº 10.320/2020 e integrado por representantes do MME, da ANP, da Casa Civil e do Ministério da Economia, devendo apresentar, no prazo de 180 dias, propostas de: (i) regime de contratação de áreas, com base em análise de impacto regulatório; (ii) metodologia de parâmetros técnicos e econômicos das licitações, sustentada por sistema de modelagem econômica (simulador); e (iii) metodologia de classificação de áreas estratégicas.

II.6 Participação da SPPI no Comitê de Gerenciamento do Novo Mercado de Gás e no Comitê Técnico Integrado para o Desenvolvimento do Mercado de Combustíveis, demais Derivados de Petróleo e Biocombustíveis (CT-CB/MME), coordenados pelo MME e com trabalhos em desenvolvimento, cujas agendas visam à formação de mercados abertos, dinâmicos e competitivos, que promoverão condições para o decréscimo de preços e o desenvolvimento desta infraestrutura no país.

III – Mineração

III.1 Os Leilões de Cessão de Direitos Minerários da CPRM nos Projetos de Bom Jardim/GO (Cobre) e de Miriri/PB/PE (Fosfato), com investimentos estimados em R$ 346 milhões (CAPEX + OPEX)  e R$ 191 milhões (CAPEX), respectivamente, e bônus mínimo de aproximadamente R$ 2,6 milhões e R$ 2,5 milhões, têm previsão de publicação dos editais correspondentes no 3º tri/2020 e realização das sessões públicas no 4º tri/2020, o que dará continuidade à retomada de investimentos neste segmento, iniciada com o Leilão de Palmeirópolis/TO, em 2019, após décadas de estagnação.

III.2   O Procedimento de Disponibilidade de Áreas para Pesquisa e Lavra, mediante oferta prévia, seguida de leilão eletrônico, pela ANM, caso haja mais de um interessado por lote, já conta com edital da 1ª rodada em consulta pública e tem previsão de realização da sessão pública no 3º tri/2020. Na sequência, passarão a ser realizadas rodadas regulares. O volume total de áreas aguardando publicação de edital de disponibilidade, acumulado após cerca de 4 anos de suspensão, alcança mais de 56.000 poligonais e representava enorme represamento de investimentos privados, nacionais ou estrangeiros, no setor.

III.3 Política de Apoio ao Licenciamento Ambiental de Projetos de Investimentos para Produção de Minerais Estratégicos – “Pró-Minerais Estratégicos”, recomendada na reunião do CPPI de 10/06/2020, cuja definição dos projetos deverá ficar a cargo de Comitê Interministerial. Entende-se por mineral estratégico aquele que: (i) o país precisa importar em alto percentual para atender a atividades fundamentais da economia; (ii) que tem importância por sua aplicação em produtos e processos de alta tecnologia; e (iii) que apresentam vantagens comparativas e que são essenciais para a economia pela geração de superávit da balança comercial do País.

No setor de telecomunicações, o Brasil se prepara para o maior leilão de radiofrequências já realizado no Brasil, tanto pela quantidade de espectro a ser ofertado (quatro vezes o total de espectro atualmente disponível para redes móveis no país) quanto pela diversidade de opções (espectro em quatro faixas de frequências distintas). A maior oferta pública de capacidade para a tecnologia móvel de quinta geração no mundo – o leilão do 5G, a ser realizado pela ANATEL em 2021, trará investimentos bilionários ao setor, permitindo caminhar em direção à universalização dos serviços de internet no país. Ademais, trata-se de importante mudança de patamar de tecnologia, proporcionando um salto de digitalização ao Brasil, que transformará a indústria, a medicina, a agricultura, e tantos outros setores que se beneficiarão com tecnologia de elevada precisão.

A agenda de privatizações também enriquece a carteira do PPI com oportunidades de empresas que permitirão elevar o valor dos investimentos e o nível dos serviços prestados à população, modernizando as administrações estatais por meio da gestão privada. A capitalização da Eletrobrás está no topo das prioridades do Governo Federal. O PL 5.877/2019 foi encaminhado ao Congresso Nacional e aguarda votação na Câmara dos Deputados. A empresa detém hoje 125 usinas de geração de energia e mais de 71 mil km de linhas de transmissão de energia. A expectativa é que sua privatização atraia investidores do mundo todo, proporcionando uma gestão mais eficiente para o aumento da segurança energética, expansão da oferta de energia, novos investimentos em geração e transmissão, além de contribuir com a redução do déficit fiscal. Outras importantes empresas públicas estão em etapa de estudos no PPI para avaliar possíveis modelagens de desestatizações. É o caso da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos, da Telebrás, da Empresa Brasil de Comunicação – EBC, das empresas de tecnologia da informação SERPRO e DATAPREV, das empresas de mobilidade urbana CBTU e Trensurb, dentre outras.

Desde 2019, o PPI tem diversificado seu escopo de setores e projetos estratégicos para a Nação e ampliou sua atuação para incorporar em seu pipeline projetos denominados de infraestrutura social, a saber: creches, hospitais, presídios, parques nacionais, patrimônios históricos e concessões florestais.

A estruturação de projetos de parcerias é um processo complexo em suas várias dimensões, pois, em geral, deve atender ao interesse público sem descurar da atratividade do projeto para o investidor privado, em busca do balanço ideal de compartilhamento de riscos. Ao menos em âmbito federal, as parcerias no setor de infraestrutura social ainda carecem de aprimoramento e alavancagem para que possam amparar-se no mesmo arcabouço técnico e institucional dos setores de energia e transporte. Neste contexto, o setor de meio ambiente e turismo tem muito a beneficiar-se do investimento privado, e o PPI tem papel fundamental no apoio aos órgãos responsáveis pelas concessões, transferindo conhecimento ou emprestando suporte técnico e político. A efetivação dos projetos já existentes na carteira do PPI pode potencializar o turismo no Brasil, ao inseri-lo em rotas internacionais de visitação, e gerar emprego e renda, sobretudo para regiões desfavorecidas.

As concessões de Unidades de Conservação já têm longa história no Brasil, pois começaram em 1998 com a PPP no Parque Nacional de Foz do Iguaçu. Todavia, o país ainda está longe de atingir o potencial de investimento privado neste setor, que tem 468 parques (nacionais, estaduais e municipais). Atualmente, o Instituto Chico Mendes – ICMBio – tem 7 parques sob concessão.

Há hoje na carteira do PPI 8 projetos para concessão de Unidades de Conservação com foco em visitação, quais sejam: Parque Nacional de Aparados da Serra e Serra Geral (RS); Parque Nacional de Jericoacoara (CE); Parque Nacional de Lençóis Maranhenses (MA); Parque Nacional de Foz do Iguaçu (PR); Parque Nacional de Brasília (DF); Parque Nacional de São Joaquim (SC); Floresta Nacional de Canela e Floresta Nacional de São Francisco de Paula (RS).

Os primeiros projetos foram qualificados no programa em setembro de 2019, e todos têm potencial de serem leiloados até o final de 2022. Caso isso ocorra, com o apoio do PPI, o número de parques concedidos do Brasil será dobrado em apenas 3 anos. Outro exemplo é o projeto da concessão do Parque Nacional de Aparados da Serra e Serra Geral que prevê dobrar a demanda turística na região durante o período de concessão.

A concessão da Unidade de Conservação permite que o investidor privado se responsabilize pela gestão e manutenção das áreas de uso público, ao passo que os órgãos públicos são liberados para concentrar-se em sua atividade precípua, a conservação per se. O concessionário pode então realizar investimentos em atrações que, via de regra, aumentam a visitação e não seriam feitos pelo poder público, em razão das já citadas dificuldades orçamentárias.

O potencial indutor do desenvolvimento regional de investimentos em parques pode ser visto em sua plenitude na concessão de Foz do Iguaçu, que, até hoje, é modelo de como o investimento privado pode, ao mesmo tempo, ajudar na conservação do meio ambiente e influenciar no desenvolvimento econômico. Em 2018, o parque teve mais de 1,8 milhão de turistas e é referência internacional. A concessão de unidades de conservação pode contribuir para o fortalecimento do turismo nacional e internacional do Brasil, que tem belezas exuberantes, mas muitas vezes, pouca infraestrutura para receber tais visitantes.

Em outras searas da infraestrutura social, nota-se, igualmente como os investimentos em estruturação para atendimento a serviços públicos de qualidade têm sido, há décadas, insuficientes no país. Basta ver o déficit em setores como saneamento, escolas, hospitais e até presídios. Setores como o da saúde, neste momento de epidemia, deixaram isso ainda mais evidente. A falta de investimento não é proposital, não é direcionada a esses setores fundamentais para a sociedade, ocorre porque governos estaduais e municipais, bem como o federal, não dispõem de verbas para tanto, e os modelos de contratação e operação de serviços públicos não otimizam a eficiência.

É nessa lacuna que entram alguns dos projetos do PPI mais importantes para a sociedade, como o apoio aos investimentos e gestão de serviços públicos essenciais como saneamento básico, creches, Unidades Básicas de Saúde, gerenciamento de resíduos sólidos urbanos, iluminação pública e até extensos projetos de irrigação em regiões desde sempre afetadas pela seca.  Uma vez que grande parte dos estados e municípios encontra dificuldades técnicas e restrições fiscais e de acesso a crédito para estruturar, realizar e operar projetos, os investimentos em infraestrutura local são chave para a retomada das economias dos municípios, e o apoio da União é primordial para a maioria desses entes.

A primeira e mais óbvia forma de beneficiar estados e municípios é o aporte de recursos para determinada obra por investidor privado. Logo em seguida vem a geração de empregos para atender às demandas da construção civil e seus reflexos no setor de material de construção, entre outros. E, finalmente, o fim específico a que se destina aquele investimento, com a devida prestação do serviço à população. O Brasil tem hoje milhares de obras inacabadas, entre elas cerca de 2.500 creches e outras cerca de 2200 UBSs. O poder multiplicador de obras deste setor é indescritível. Para tanto o PPI está estruturando PPPs com investidores privados para que construam ou finalizem as obras e operem o maior número possível de unidades, prestando serviços regulados pelo poder público, com qualidade e eficiência.

A título de exemplo, apenas os dois presídios industriais projetados no Rio Grande do Sul e em Santa Catarina têm o potencial de gerar 2.965 empregos diretos e indiretos. Se acrescentarmos os empregos induzidos esse número sobe a 6.275. No setor de creches, pode-se mencionar um estado como modelo, Alagoas, no qual serão construídas 200 creches. Isso significa investimentos imediatos da iniciativa privada de cerca de R$ 400 milhões. Com a geração de 4560 empregos apenas na fase de construção. E muitas centenas na fase de operação.

O apoio federal às parcerias centra-se na estruturação qualificada de projetos, alicerçada em três principais eixos: Assistência Técnica e Financeira; Capacitação de Agentes Públicos e Aperfeiçoamento Regulatório. Avalia-se que, para a política pública de apoio às concessões por entes federados tornar-se efetiva, é necessária a construção de capacidade técnica de monitoramento pelos entes concedentes e um robusto aparato regulatório para a implantação e acompanhamento posterior dos contratos de concessão. O principal instrumento criado para esta agenda foi o Fundo de Apoio à Estruturação e ao Desenvolvimento de Projetos de Concessão e Parcerias Público-privadas da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios (FEP), criado pela Lei 13.529/2017 e gerido pela Caixa Econômica Federal.

Por meio do FEP, os entes recebem assistência técnica e financeira durante toda a estruturação dos projetos, com foco na qualidade técnica, na atratividade do negócio e, principalmente, na entrega de melhores serviços à população. O PPI coordena as ações de capacitação dos gestores públicos envolvidos nos projetos FEP e implementa medidas de aperfeiçoamento regulatório, visando à prestação dos serviços à população com qualidade e eficiência. Em regime de cooperação internacional com o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), a International Finance Corporation (IFC), o Banco Mundial e a Agência Francesa de Desenvolvimento (AFD), o Governo Federal apoia a estruturação de 25 projetos de concessão e PPPs, que beneficiam 41 municípios em todas as regiões do país, nos setores de resíduos sólidos urbanos (RSU), esgotamento sanitário (ES) e iluminação pública (IP). A previsão é de que esses projetos, com estimativa total de realização de R$ 1,9 bilhão em investimentos e aplicação de R$ 5,7 bilhões durante a operação dos serviços, possam ter seus contratos com as futuras concessionárias assinados entre 2020 e 2021.

Adicionalmente, novos projetos estão sendo selecionados. Este ano ocorreu o 2º chamamento público no setor de IP, com 46 municípios e 9 consórcios habilitados. Há seleção aberta até julho para concessão de serviços de RSU; e será publicada seleção para abastecimento de água e esgoto no 2º semestre deste ano. O FEP também promove a realização de dois projetos-piloto em drenagem e dois em unidades socioeducativas. Ao todo, são mais de uma dezena de projetos desta natureza qualificados na carteira do PPI, que permitirão apoiar 5.000 obras em todos os estados, com PPPs de creches, presídios, unidades socioeducativas, tratamento de resíduos sólidos, iluminação pública, irrigação, hospitais e Unidades Básicas de Saúde. Ademais, há diversas políticas públicas sendo formuladas no âmbito do PPI, como a de universalização do saneamento básico por meio de parcerias com a iniciativa privada, e duas PPPs voltadas para segurança e defesa, a saber: Gestão da Rede de Comunicação da Aeronáutica e Rádio Comunicação para Segurança Pública e Defesa Nacional.

Ainda em relação ao saneamento básico, importa destacar a aprovação pelo Congresso Nacional do PL 4.162/2019, que moderniza o marco legal do setor e fortalece as parcerias com o setor privado para a universalização dos serviços à população. O novo marco traz segurança jurídica para as concessões, PPPs e privatizações no setor. Certamente, com a nova legislação, a tão sonhada universalização dos serviços de saneamento básico no Brasil se tornará realidade, com investimentos estimados que superam R$ 600 bilhões. Dois projetos em estágio avançado, estruturados pelo BNES, se beneficiarão do novo marco legal para trazer grandes investidores para os estados de Alagoas e Rio de Janeiro. De fato, o leilão da concessão dos serviços de água e esgoto na Região Metropolitana de Maceió já está com edital publicado e data marcada, em setembro. O projeto deve atender 1 milhão e 400 mil pessoas e prevê investimentos de mais de R$ 2,5 bilhões. Já o projeto da Região Metropolitana do Rio de Janeiro está em etapa de consulta pública e também deve ter seu leilão realizado ainda em 2020. O projeto chama atenção pelos seus números: quase 14 milhões de pessoas atendidas e mais de R$ 33 bilhões de investimentos.

Recorde-se, ainda, que o PPI está atento aos requisitos de desenvolvimento socioeconômico com preservação ambiental, por isso mantém em sua estrutura organizacional uma secretaria específica de apoio ao Licenciamento Ambiental e à Desapropriação. Enfocada em minimizar os impactos negativos e os prejuízos da crise atual às políticas de infraestrutura, emprega seus esforços para aprimorar o arcabouço legal que regulamenta os temas de licenciamento ambiental e desapropriação no Brasil e manter a capacidade de diálogo com todos os stakeholders.

A articulação com os atores estratégicos é acentuada na fase de planejamento dos projetos, a qual deve ser pautada pela aplicação de ferramentas modernas dotadas de análises mais abrangentes que considerem a variável ambiental nos estudos de viabilidade. A maior abrangência dos projetos permite justamente a priorização mais embasada, à medida que surjam os sinais de recuperação econômica. Diante da oportunidade de atração de investimentos neste período, serão pautados parâmetros de sustentabilidade amplamente reconhecidos, no intuito de estruturar uma carteira mais verde.

O aprimoramento das normas está sendo construído em conjunto com os responsáveis pelas temáticas, com foco na revisão e modernização do leque normativo vigente. A atuação do PPI nesta vertente busca auxiliar a resolução dos conflitos existentes para possibilitar a aplicação mais harmônica e segura do processo de licenciamento ambiental, com reflexos diretos sobre o desenvolvimento de projetos de infraestrutura. Essas ações resultarão, inevitavelmente, em projetos mais consistentes a longo prazo, em termos de previsibilidade e segurança jurídica com relação à continuidade das políticas de infraestrutura e de meio ambiente, em perfeito alinhamento também com as estratégias atuais de saúde pública.

Com essa rica carteira de projetos no PPI, bem como com a continuidade da agenda de reformas no Congresso Nacional, acredita-se que os investimentos privados em infraestrutura no Brasil contribuirão enormemente para a retomada do crescimento pós-pandemia, levando o Brasil para outro patamar de “normalidade”.


[1] http://documents.worldbank.org/curated/en/386151499876913758/pdf/117392-REVISED-PUBLIC-Back-to-Planning-How-to-Close-Brazil-s-Infrastructure-Gap-in-Times-of-Austerity-with-cover-page.pdf

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A solução para o problema dos caminhoneiros está na agenda liberal https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=3206&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=a-solucao-para-o-problema-dos-caminhoneiros-esta-na-agenda-liberal https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=3206#comments Tue, 16 Apr 2019 14:58:43 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=3206 De 21 a 31 de maio de 2018 os caminhoneiros autônomos pararam o país. O governo, tomado de surpresa pela situação explosiva, aceitou as principais exigências dos grevistas: uma subvenção para conter o preço do diesel e o tabelamento do frete. Ambas as medidas representam perdas para toda a sociedade brasileira, gerando consequências negativas para  os próprios caminhoneiros no médio prazo.

A solução correta está em medidas de abertura de mercado, regulação pró-competição, melhoria das condições de trabalho para os caminhoneiros e treinamento com suporte social àqueles que desejem mudar de profissão. A solução, portanto, está na agenda liberal e não no intervencionismo sobre preços de fretes e de combustíveis.

O Ministério da Fazenda se esforçou para que o inevitável subsídio ao diesel provocasse o mínimo possível de distorções. Nesse sentido, criou um mecanismo temporário, que expirou em dezembro, e estabeleceu um custo fiscal máximo. Também buscou financiar esse custo reduzindo outros subsídios distorcivos preexistentes que mereciam acabar. Deu a maior transparência possível ao custo da medida, buscando evitar que a perda fosse imposta à Petrobras e aos importadores, o que ocorreria se houvesse congelamento de preços, optando por deixar preços livres e subvencionar aqueles que comercializassem o litro do combustível por valor igual ou menor que um preço de referência.

Não obstante esse esforço para mitigar distorções, foram grandes os custos econômicos e fiscais. Subsidiar um combustível poluente não é a mais indicada das políticas quando a preocupação ambiental é crescente em todo mundo. Ainda mais quando esse subsídio pode acabar beneficiando pessoas de alta renda, proprietárias de caminhonetes de luxo. Ademais, sendo os caminhoneiros autônomos a parte mais fraca na cadeia de transportes, é provável que uma parte do ganho tenha ido para as empresas de transportes que os contratam, em vez de ficar no bolso dos caminhoneiros.

Subsídios aos combustíveis estimulam uso ineficiente de um recurso escasso e mantêm a pressão para baixo no preço do frete, pois impedem que o mercado se ajuste. Sem o subsídio, os transportadores menos competitivos sairiam do mercado, em busca de outra profissão, e diminuiriam a oferta de frete, permitindo que seus preços melhorassem, sem a necessidade de tabelamento do frete.

Por mais que se esforce, o governo não consegue copiar o mercado. Ao interferir em preços, são inevitáveis as distorções e perdas. Inúmeras situações inesperadas surgiram na gestão da subvenção. Para começar, não há apenas um preço do diesel em todo o país. Petrobras e importadores trabalhavam com mais de 70 preços, dependendo do modo de transporte do combustível (oleoduto ou por caminhões), do tipo de contrato (inclui seguro e frete ou não), da região do país, da qualidade do diesel, do tamanho da encomenda, etc. Ao fixar apenas 5 preços, o sistema criou distorções: alguns mercados se tornaram não atrativos, outros excessivamente lucrativos.

O que devem fazer as empresas: vender com prejuízo para preservar contratos ou cancelar vendas? E como explicar uma ou outra opção aos acionistas? Cadeias de fornecimento se desestruturam. O ambiente de negócios do Brasil se torna pior, investidores saem em busca de locais mais estáveis, investimentos e empregos são perdidos.

Outra distorção vem do fato de que não existe um único tipo de diesel. Há, por exemplo, o diesel marítimo. Quando criado, o mecanismo do subsídio não previa a exclusão desse diesel. Empresas que operam exclusivamente com esse combustível e que não entraram no programa de subvenção ficaram sob o risco de perder todo seu mercado para a Petrobras. Foi necessário mudar rapidamente a legislação para minorar esse problema, mas passaram-se meses antes da mudança, com as empresas sofrendo com a perda de rentabilidade e com o aumento da incerteza quanto ao futuro.

Diferentes modalidades de importação acabaram tendo tratamento distinto na subvenção. As importações feitas por distribuidoras por meio de traders foram, inicialmente, excluídas do programa de subvenção, o que também precisou ser corrigido. Mais incertezas e distorções para o ambiente de negócios. Houve longos atrasos no pagamento da subvenção, um grande aparato burocrático precisou ser montado para conferir notas fiscais e realizar os pagamentos da subvenção.

Houve diversas complicações relacionadas a tributos: cada estado da federação tem sua legislação de ICMS incidente sobre o diesel, e foi preciso conhecer cada uma delas para avaliar qual o preço do diesel antes da tributação, para que se pudesse calcular adequadamente a subvenção devida a cada participante. Também na área tributária foi necessário criar um mecanismo para restituir às empresas a tributação que incide sobre subvenções recebidas. Afinal, não fazia sentido subsidiar o diesel com uma mão e tirar parte do subsídio com a outra.

Em suma, ainda que tenha sido feito esforço para que o programa de subvenção causasse o menor impacto negativo possível, ficou evidente que o modelo é ruim. Sua maior virtude foi a de ser temporário, e o seu retorno é indesejável e prejudicial ao País.

Menos sorte tivemos com o tabelamento do frete, criado sem data para acabar e que igualmente gera perdas e estimula empresas a tomar decisões que diminuirão a produtividade da economia e a capacidade de crescimento do País.

A principal virtude do capitalismo é a divisão do trabalho. Desde Adam Smith sabemos que o que gera crescimento é o fato de que cada um se especializa em um trabalho, fazendo-o cada vez melhor, e vendendo-o no mercado, em troca do trabalho especializado de outros. O tabelamento do frete estimulou muitas empresas a parar de comprar o serviço de transporte no mercado, formando frota própria. Se não tinham frota antes, é porque preferiam se especializar na produção de seus próprios produtos. Ao incorporar um departamento de transporte a suas empresas, vão dispersar esforços e investimentos, e passarão a ser menos eficientes nas suas atividades principais.  Perde o País, que crescerá menos. E perdem os caminhoneiros, que terão menos demanda por seus serviços autônomos.

Interferência nos preços da economia, seja no diesel, seja no frete, é sem dúvida uma péssima saída para lidar com a ameaça de greves de caminhoneiros. Para buscarmos as soluções corretas, é preciso entender as causas do problema.

A primeira pergunta a fazer é: por que existe tanto espaço para que políticos interfiram no preço dos combustíveis? E a resposta está no fato de a Petrobrás ser responsável por mais de 90% da produção nacional, sendo dona de quase todas as refinarias. Com tal poder de mercado, a empresa se torna alvo de seu controlador, o Estado, e dos políticos que transitoriamente estão no comando do Estado.

A privatização das refinarias, acompanhada de uma adequada regulação da competição entre os novos produtores privados, reduziria o espaço para a manipulação de preços. A Petrobras se beneficiaria não só pela redução da pressão política sobre a sua gestão, mas também por poder centrar seus esforços naquilo que faz melhor: prospectar e extrair petróleo. A empresa ganharia valor, e o Brasil cresceria mais. Os consumidores de combustível ganhariam com a maior previsibilidade nos preços: deixaria de haver a volatilidade entre períodos de populismo e preço baixo alternando-se com períodos de recuperação acelerada dos preços, para compensar as perdas da fase populista. E a concorrência adequadamente regulada se encarregaria de conter as margens de lucro das refinarias.

A segunda questão é: por que os caminhoneiros e empresas de transporte de carga têm o poder de paralisar o País? A resposta está no fato de que mais de 60% do transporte de cargas do Brasil ocorre por rodovias. Fosse o transporte mais equilibrado com os modais ferroviário e marítimo, o poder de pressão seria muito menor.

São diversas e antigas as causas para a predominância do transporte rodoviário. Mas certamente poderemos reequilibrar a distribuição de cargas por outros modais se houver mais segurança jurídica para a entrada de capitais privados na construção e operação de ferrovias, e se houver uma abertura do mercado de transporte marítimo de cabotagem, hoje totalmente fechado para proteger as empresas nacionais.

Uma empresa estrangeira que desembarque carga no Recife e esteja a caminho de Buenos Aires, por exemplo, é proibida por lei de aproveitar seu espaço vazio para fazer fretes do Recife para outras cidades do litoral brasileiro. Quase todos os grandes centros produtores e consumidores do Brasil estão em cidades litorâneas. A expansão do transporte marítimo de cabotagem seria uma injeção de produtividade na economia. Mas para que se torne realidade, é preciso não apenas enfrentar o interesse das empresas de transporte atualmente protegidas, mas também privatizar e modernizar a administração dos portos.

Estas são soluções estruturais que, mais uma vez, melhoram o crescimento e a vida de toda a população. Perdem os caminhoneiros? Provavelmente sim. Mas não faz sentido manter um país no atraso para proteger uma categoria de profissionais. Devemos lembrar que a luz elétrica tirou o emprego do acendedor de lampiões, os caixas eletrônicos acabaram com muitos empregos de bancários, e que até mesmo os caminhoneiros se beneficiam do progresso, afinal organizaram uma greve a partir do Whatsapp em seus modernos smartphones. A forma de lidar com essas perdas é a oferta de programas de reciclagem profissional e assistência social no período de transição de uma profissão para outra.

Enquanto não se obtém o desejado reequilíbrio entre os modais de transporte, qualquer sinal de locaute deve ser firmemente reprimido dentro da legislação existente. Certamente a greve de maio de 2018 teria sido menos abrangente se não houvesse o estímulo e o suporte de algumas empresas do setor à ação dos caminhoneiros.

A terceira questão a enfrentar é: por que os caminhoneiros autônomos são os mais prejudicados pela crise? Em uma situação normal, o aumento do preço dos combustíveis seria repassado ao preço final dos bens, batendo no bolso dos consumidores. Se os caminhoneiros não estão conseguindo repassar os custos maiores para o preço do frete, é porque algum fenômeno está afastando esse mercado dos padrões da livre concorrência.

Aqui a resposta se divide em dois pontos. O primeiro está no fato de que empresas de transportes, que contratam os serviços dos autônomos, têm mais poder de mercado que os caminhoneiros. Por isso, garantem para si margens maiores e impõem preços menores aos autônomos. Quando os custos sobem, os caminhoneiros não conseguem repassá-los às transportadoras.

A solução para isso é o tabelamento do frete? Certamente não. O correto é investigar se as empresas estão adotando práticas anticompetitivas ou ilegais, tais como formação de cartel ou imposição aos caminhoneiros de itens contratuais abusivos, tais como seguros sem opção de escolha de seguradora ou aluguel de equipamentos diretamente junto à transportadora. A solução é “mais CADE e menos SUNAB” (para os mais novos, SUNAB era o órgão de tabelamento e controle de preços dos anos 1980, famoso por sua ineficácia). Essa é uma pauta de interesse direto dos caminhoneiros, e o governo deveria insistir nela, tirando proveito da força dos grevistas para enfrentar o poder econômico das transportadoras.

O segundo motivo pelo qual os caminhoneiros não conseguem repassar o aumento de custos para os fretes é o excesso de oferta de fretes. Há gente em excesso trabalhando como caminhoneiro autônomo no País. E isso vem do fato de que o BNDES, ao longo de anos, ofereceu crédito com juros reais negativos para a compra de caminhões. Supostamente essa “doação” financeira seria um benefício para os caminhoneiros. Na prática, aumentou artificialmente a oferta de fretes, diminuindo a margem de lucro dos profissionais. De 2003 a 2013 a frota de caminhões no Brasil cresceu, em média, 5% ao ano, enquanto a economia cresceu 2% ao ano[1]. Quando a recessão de 2014 chegou, derrubando a demanda por transporte de cargas, uma multidão de caminhoneiros, ainda pagando o carnê do caminhão novo, foi surpreendida pela falta de serviços.

Fica a lição de que políticas setoriais intervencionistas cedo ou tarde cobram seu preço. Mas o que fazer com milhares de profissionais que investiram na compra de um ativo fixo que não está dando a rentabilidade esperada? Esse problema só será superado definitivamente quando a economia voltar a crescer. Greves e tabelamentos de preços retardam a retomada e prolongam a agonia dos próprios caminhoneiros. Um dos principais fatores que derrubaram o crescimento em 2018, que em maio daquele ano estava estimado em 2,5%, e encolheu para 1%, foi justamente a deterioração das expectativas decorrente da greve dos caminhoneiros.

O melhor que o governo pode fazer é organizar uma política de treinamento para aqueles que desejarem mudar de ramo, acoplada a algum tipo de ajuda financeira temporária. Para os que preferirem se manter no ramo, o governo poderia acenar com melhorias das condições de trabalho: pontos de descanso, recuperação de rodovias, desburocratização na regulamentação da profissão (sem comprometimento da segurança).

A solução definitiva para a crise dos caminhoneiros passa por tornar os mecanismos de mercado mais eficientes e reduzir a influência política sobre os mercados de combustíveis e frete: privatização, boa regulação, abertura econômica, defesa da concorrência e assistência social aos perdedores de curto prazo. Interferência no sistema de preços, seja do combustível, seja do frete, é a receita do fracasso e de crises futuras. Fosse esta a solução correta, não estaríamos sob nova ameaça de greve menos de um ano depois de encerrada a primeira.

Como toda solução populista, a interferência nos preços ataca os sintomas sem cuidar das causas. O correto seria corrigir as causas sem descuidar de aliviar os sintomas, o que deve ser feito com a assistência social e melhoria das condições de trabalho dos caminhoneiros.

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[1] Fontes: Confederação Nacional dos Transportes e IBGE.

 

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Transporte público pode ser transporte privado? https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=3186&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=transporte-publico-pode-ser-transporte-privado Thu, 28 Jun 2018 20:48:01 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=3186 São comuns os entendimentos de que o mercado privado é ineficiente no provimento de bens públicos e que o Estado tem o dever de prover transporte público não somente a fim de maximizar suas as externalidades positivas na economia, mas também garantir a maior inclusão social dos segmentos que não possuem meios próprios de locomoção1. Embora verdadeiras as premissas, elas não conduzem à conclusão de que apenas o Estado deve prover o transporte público, muito pelo contrário.

Inicialmente é preciso reconhecer que transporte público não é necessariamente um bem público. Bem público é aquele que tem de ser fornecido na mesma quantidade para todos os consumidores envolvidos. Uma vez ofertado um bem público, não é possível restringir o consumo, nem o consumir em diferentes quantidades. Exemplos clássicos de bens públicos são o meio ambiente e a defesa nacional. Não é possível a um determinado cidadão obter mais ou menos defesa nacional. Independentemente de sua propensão a pagar mais ou menos tributos para evitar uma invasão estrangeira, todo cidadão recebe a mesma quantidade de defesa nacional. Da mesma forma, o ar puro, o mar limpo são bens que não podem ser consumidos de forma individualizada, independentemente da utilidade que os consumidores precificam esses bens2,3.

Algumas infraestruturas de transportes como calçadas, ruas, estradas e rodovias podem ter comportamento de bens públicos. Entretanto, há exceções. Quando a demanda é muito maior que a oferta ou quando os sistemas são fechados desaparece o comportamento de bens públicos em sistemas de transportes. Estradas congestionadas e sistemas metroferroviários, em geral, não têm comportamento de bens públicos. Essas infraestruturas são aptas a serem providas pelo mercado privado, pois têm efeito carona negligenciável. Aliás, esse é um fenômeno econômico antigo que vem se tornando cada vez mais contemporâneo nos países desenvolvidos.

A Inglaterra foi a nação precursora dos investimentos privados na provisão de infraestrutura de transportes terrestres. Em 1695, o mercado obteve segurança jurídica para investir na construção e manutenção de estradas pavimentadas, por meio de Acts of Parliament, que autorizavam a cobrança privada de tarifas sobre o tráfego ao longo de certa extensão das estradas. No século XVIII, os Turnpike Acts, do Parlamento inglês, revolucionaram a provisão de infraestrutura rodoviária. Naquele século, cresceu a malha e reduziram-se, substancialmente, os tempos de viagem, pois o interesse econômico era predominante na definição dos traçados das novas estradas pavimentadas4.

A partir dos anos 1820, com o desenvolvimento da ferrovia e da locomotiva a vapor, diversas firmas privadas prosperaram na provisão de infraestruturas ferroviárias de transportes, tanto no transporte de cargas – que até hoje vigora nos Estados Unidos da América –, quanto no transporte de passageiros. Em 1933, seis firmas privadas distintas operavam em Londres no que hoje é conhecido como Underground ou Tube.

Naquela época – e ainda hoje – o transporte ferroviário privado se viabilizava em função de dois motivos: a alternativa mais econômica para o usuário e a alternativa mais rentável para o investidor.

O primeiro motivo vem do fato de o usuário em geral pagar o preço mais barato pelo transporte. Em São Paulo, por exemplo, o transporte de café por ferrovias privadas poderia ser seis vezes mais barato que o transporte convencional por estradas carroçáveis no fim do século XIX5. Nos EUA, a ausência de barreiras a entradas e vantajosidade da ferrovia em relação as alternativas fomentaram a construção de uma rede de mais de 400 mil km de trilhos. A rede ferroviária américa reduziu-se ao longo dos últimos cem anos, paulatinamente, à medida que o preço do frete ferroviário foi se tornando mais caro que sua alternativa: o aquaviário a partir de 1914, com a abertura do canal do Panamá; o rodoviário a partir dos anos 1930, com a construção de rodovias pavimentadas pelo poder público; e o aéreo a partir dos anos 1950, com a entrada da aviação civil comercial. Mesmo assim, ainda hoje, as firmas ferroviárias privadas que exploram mais de 200 mil km de trilhos sobrevivem sem subsídios no competitivo mercado de transporte americano porque têm o preço mais barato na longa distância no interior do país.

O segundo motivo tem relação com a primeira lição de Manheim em seu clássico Fundamentals of Transportation Systems Analysis (1979). “O sistema de transporte de uma região interage com o sistema socioeconômico alterando a demanda de origens, destinos, rotas, volumes de bens e de pessoas transportadas no sistema”6. Sempre que a firma de transporte pode se aproveitar dos ganhos econômicos dessa interação acumulando receitas não apenas de tarifas de transportes, mas de atividades socioeconômicas afetadas pelo transporte que provê, então são criados fortes incentivos para que o sistema de transporte se expanda naturalmente. Este foi exatamente o caso das ferrovias americanas e inglesas que promoveram os primeiros metrôs em Nova Iorque e em Londres. As firmas agiram nesses territórios como firmas de desenvolvimento urbanístico, comprando terras a preços mais baixos na periferia, provendo infraestruturas de transportes a partir do centro, e depois revendendo e alugando imóveis a preços competitivos, suficientes para gerar lucros, e, ainda assim, a preços menores que os praticados nos centros da cidade. Um negócio em que todos ganham.

O mesmo expediente ainda hoje é praticado na Ásia. No Japão, somente no entorno de Tóquio cerca de 50 firmas privadas construíram e operam trens de passageiros, além de, também, hotéis, residenciais, escritórios e shopping centers. Na Ásia, as empresas metroferroviárias arrecadam aproximadamente entre 30% e 60% de seu faturamento das receitas advindas das atividades socioeconômicas afetadas pelo transporte que oferecem7.

Aliás, essa prática foi recentemente retomada nos EUA, especificamente na Flórida, onde um grupo privado de exploração imobiliária8 construiu e está operando desde maio deste ano um trem de média velocidade, entre Miami, Fort Lauderdale e West Palm Beach, ao custo de U$ 20 (vinte dólares americanos) por pessoa, por uma viagem de cerca de 112 km em um tempo de 1h e 15min. Novamente, o negócio se viabiliza para o usuário pelo custo de oportunidade, mais conveniente que as alternativas, e, para o investidor, pelos ganhos com receitas assessórias vinculadas ao negócio de transportes, como os imóveis de escritório, lojas e residenciais sobre a estação central em Miami e no entorno nas demais estações em Fort Lauderdale e West Palm Beach.

O caso da Brightline9 é um exemplo concreto e atual de que o transporte público pode ser integralmente idealizado, financiado, construído e operado pelo mercado privado, sem a necessidade de subsídios, burocracia, ou despesas do contribuinte. Ao custo de U$ 3,6 bi esse projeto não foi planejado em Washington-DC, nem licitado pela agência reguladora, nem teve o preço das tarifas fixado pelo poder público. É integralmente privado10.

Se as barreiras jurídicas a entradas e saídas no mercado de transportes são baixas, firmas privadas terão interesse em investir por diferentes abordagens, desde aquelas com baixa criação de infraestruturas, como, por exemplo, o Uber, 99, Cabify, até aquelas com intensiva criação de infraestruturas e custos afundados, como Brightline, Keio11, MTR12.

Todas essas firmas atuam onde a demanda, a rentabilidade e os riscos são compatíveis com seus modelos de negócio. A diferença entre elas está nos efeitos socioeconômicos que provocam nas cidades. Enquanto as primeiras contribuem para a diminuição da demanda pelo transporte coletivo e de forma indireta fomentam o espraiamento do tecido urbano, as últimas contribuem para o aumento da demanda pelo transporte coletivo e de forma direta fomentam a densificação do tecido urbano, pois, são remuneradas não apenas pelo preço da viagem, mas pelas receitas assessórias do maior fluxo de passageiros que transitam a pé pelo entorno das estações, frequentando suas lojas, escritórios e residenciais.

Com a introdução das firmas metroferroviárias privadas no mercado, o Estado ganha de três maneiras: arrecada mais tributos, deixa de gastar com a provisão direta dos serviços, e, além disso, também economiza na provisão otimizada de bens públicos, como vias, escolas, delegacias, prontos-socorros, etc que podem ser localizados em posições mais eficientes do tecido urbano.

Toda essa economia pública poderá ser aplicada em transporte de cunho social, aquele em que o mercado não tem interesse de prover por ser antieconômico, mas que o Estado tem dever de garantir aos mais pobres. Novamente, todos ganham.

A discussão sobre o modelo de ferrovias privadas autorizadas é necessária não apenas no transporte de passageiros, mas também no mercado de cargas, em complementação ao atual modelo brasileiro de concessões. Nos Estados Unidos o modelo de ferrovias autorizadas tem sido bastante exitoso. Lá, por exemplo, existem 546 ferrovias locais (short lines) administrando uma rede de 52.800 km, i.e., com extensão média de 96,7 km por ferrovia.13 Somente essas ferrovias locais têm uma extensão superior a toda malha ferroviária brasileira de 29.075 km de ferrovias em concessão.

Essa discussão é crucial para o futuro do desenvolvimento econômico e social do Brasil, não apenas porque a realidade fiscal do Estado não permitirá a concretização dos investimentos públicos necessários em transportes, mas porque em países desenvolvidos não se discute mais se a iniciativa privada pode ou não pode prover infraestruturas de transportes, o que se discute lá é qual será a tecnologia que a iniciativa privada irá construir e operar, se a tradicional ferrovia ou a disruptiva tecnologia hyperloop.

Hyperloop é uma modalidade conceitual de transporte em que pessoas ou cargas são transportadas em um tubo de baixa pressão impulsionadas por um trilho eletromagnético. Devido à redução do atrito com o ar rarefeito dentro do tubo o veículo poderia, em teoria, alcançar velocidades de cruzeiro superiores a 1.000km/h, tornando-se mais competitivo que o transporte aéreo. Atualmente diversas firmas privadas competem internacionalmente no desenvolvimento dessa nova tecnologia já tendo sido autorizadas a prospectar soluções em Chicago14, Pittsburg15, Dubai16, entre outras.

Firmas privadas sempre realizaram transporte aberto ao público. Entretanto, no Brasil, o transporte mormente o ferroviário é de forma equivocada compreendido pela legislação ordinária como um serviço público, outorgado apenas pelo Estado, após morosos processos de licitação, que às vezes sequer ocorrem, às vezes resultam desertos, como foi o já esquecido trem-bala entre o Rio de Janeiro e Campinas.

As evidências da história, no entanto, ensinam que não existe razão econômica suficiente a recomendar que todos os ovos do transporte sejam colocados exclusivamente na cesta do Estado, muito pelo contrário. Quanto mais aberto o País e as cidades estiverem para o livre interesse do mercado em construir por sua conta e risco infraestruturas de transportes, melhor para a sociedade, para os contribuintes, e, principalmente, para os mais pobres.

____________

1 Justificação PEC nº 74, de 2013 (Emenda Constitucional nº90, de 2015)

2 VARIAN, H. (1947) Microeconomia: conceitos básicos. Rio de Janeiro: Elsevier, 2006 – 6ª reimpressão.

3 FELIX, M. K. R (2018) Exploração de infraestrutura ferroviária: lições de extremos para o Brasil.

4 BLANNING, T. C. (2007) The pursuit of glory: Europe, 1648-1815. Penguin.

5 SILVA, C. P. (1904). Política e Legislação de Estradas de Ferro. Volume I. São Paulo. Typ. Laemmert & Comp.

6 Tradução livre.

7 SUZUKI, H., MURAKAMI, J., HONG, Y. H., & TAMAYOSE, B. (2015) Financing transit–oriented development with land values: Adapting land value capture in developing countries. World Bank Publications

8 Florida East Coast Industries. http://www.feci.com/companies.html

9 https://gobrightline.com/

10 KENTON, M. M., & GIFFORD, J. (2015). Comparing Financing Models for US Intercity Passenger Rail Development. http://malcolmkenton.info/wp–content/uploads/2017/08/Kenton_PUBP–714_TermPaper.pdf

11 https://www.keio.co.jp/english/

12 http://www.mtr.com.hk/en/customer/tourist/index.php

13 Federal Railroad Administration (2014) Summary of Class II and Class III Railroad Capital Needs and Funding Sources.

14 https://www.bloomberg.com/news/articles/2018-06-14/how-musk-s-hyperloop-became-just-a-loop-in-chicago-quicktake

15 https://www.daytondailynews.com/news/hyperloop-ohio-two-firms-study-feasibility/BlZkziMTFoZsZ4cySOxxWJ/

16 https://www.economist.com/special-report/2018/06/23/how-dubai-became-a-model-for-free-trade-openness-and-ambition

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Aperte os cintos: a passagem aérea subiu https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=3091&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=aperte-os-cintos-a-passagem-aerea-subiu https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=3091#comments Wed, 08 Nov 2017 13:33:56 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=3091 Desde junho deste ano, as empresas de aviação estão cobrando pela primeira bagagem despachada nos voos nacionais, conforme autorização concedida pela Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC). Além disso, as passagens sem direito a bagagem despachada não dão direito a qualquer reembolso, em caso de não utilização. Assim, quem opta por não pagar a bagagem, abre mão de eventual restituição.

Considerando o modelo de cobrança da tarifa de despacho adotado pelas empresas aéreas e a extinção do reembolso, tudo indica que a medida resulta em aumento da receita média por passageiros e não, como alega a ANAC, a extinção do subsídio cruzado que existiria dos passageiros que não despacham bagagem em benefício dos que despacham.

Segundo a Associação Brasileira das Empresas Aéreas (ABEAR), a média mensal de passageiros pagantes em 2017 está em 7,4 milhões, até setembro, e dois terços desses passageiros estão adquirindo bilhetes sem direito a bagagem despachada, após a vigência da cobrança. As empresas estão cobrando um valor fixo de R$ 30 por bagagem. A receita anual decorrente desta cobrança será, portanto, de aproximadamente R$ 900 milhões, valor pouco maior que o prejuízo operacional de R$ 700 milhões absorvido pelas companhias nacionais em 2016.

As empresas argumentam que a cobrança não significa um aumento de preços médios, mas apenas a eliminação do subsídio cruzado, em que os passageiros que não despachavam bagagem arcavam com parte dos custos dos que utilizavam o serviço. A ABEAR assim se pronunciou oficialmente: “Defendemos justiça tarifária. (…) A bagagem nunca foi gratuita – sempre esteve diluída no preço dos bilhetes. Não concordamos que esses custos tenham que ser divididos entre todos os passageiros”.

Os preços de passagens são voláteis. Há variações incríveis de preço de acordo com a data do voo, o período do dia, a antecedência da compra, os custos do combustível, a cotação do dólar e a intensidade da atividade econômica. É muito difícil, apenas 4 meses depois da mudança, estimar com grau aceitável de confiança se o valor médio das passagens sem direito a bagagem realmente teve queda suficiente para compensar a cobrança da tarifa nos demais bilhetes. Como alertou Maurício Schwartsman neste blog, o próprio aumento dos preços médios das passagens nacionais apurados nos índices do IBGE e da FGV (de 36% e 17%) entre junho e setembro não pode levar automaticamente à conclusão de que tenha havido elevação sistemática dos ganhos das empresas: o aumento da média pode ter ocorrido por variação sazonal, aumento da atividade econômica ou elevação do preço do combustível – ou uma combinação das três hipóteses.

Há ainda dúvidas sobre se as mudanças no critério de apuração do preço das passagens – que passou a incorporar o custo da remessa de bagagem – não estariam superestimando a elevação de preços médios.

De fato, estudos mais robustos e confiáveis só poderão ser feitos dentro de alguns meses, quando haverá dados suficientes para se avaliar se as variações nos preços das passagens não são decorrentes de outros fatores de oferta e demanda. A expectativa é que, isolados outros efeitos, seja possível estimar com precisão se a nova regra terá efetivamente baixado os preços das passagens sem direito à franquia de bagagem.

Por outro lado, já é possível julgar se o modelo de tarifação da bagagem despachada adotado pelas empresas é consistente com a argumentação de que a medida não tem por finalidade expandir seu lucro, mas apenas eliminar o subsídio cruzado do serviço, imputando os custos incorridos com o serviço apenas aos usuários que o utilizam.

Nessa perspectiva, o que se espera é que o modelo de cobrança de tarifas onere os usuários que despacham bagagens em montante equivalente ao custo do serviço. Isso não está ocorrendo. As maiores empresas estão cobrando uma tarifa fixa de R$ 30, que independe dos custos variáveis, como a distância do voo, o peso da bagagem e o número de conexões previstas. O passageiro que despacha uma mala de 10 quilos de Brasília a Goiânia em um voo direto está pagando o mesmo que um passageiro que despache 23 quilos de Manaus a Porto Alegre, em voo com uma conexão.

Talvez a explicação esteja então nos custos fixos? Também não. Os custos fixos são aqueles necessários à construção e à manutenção da estrutura física de despacho de bagagens (guichês de recepção, balanças, esteiras, espaço na aeronave, estrutura de desembarque e entrega no aeroporto de destino) e à manutenção de uma equipe mínima de funcionários.

Os custos fixos são decorrentes da escala prevista de operação. Se a escala adotada é suficiente para atender, digamos, 60% dos passageiros, o custo dessa infraestrutura irá se manter durante toda a sua vida útil, ainda que nem metade desse percentual demande o serviço após a cobrança. É como o caso do Estádio Mané Garrincha, em Brasília: ainda que não haja um só espectador, as despesas anuais de manutenção e de pagamento do custo financeiro da obra continuarão a ser pagos. Nem se o estádio fosse implodido, os custos do endividamento desapareceriam. Na verdade, é possível demonstrar que, para uma empresa, é racional, no curto prazo, não cobrar ou cobrar apenas parcialmente os custos fixos, se essa for a condição necessária para obter alguma receita líquida de custos variáveis.

Assim, ainda que haja redução imediata do número de bagagens, isso não reduzirá os custos fixos de operação e, portanto, não haverá benefícios para os que não despacham ou deixarem de despachar bagagens.

Se, segundo o modelo adotado, os custos variáveis não estão afetando a tarifa e se os custos fixos não podem afetá-la no curto e no médio prazo, pode-se afirmar com certeza que o modelo de cobrança adotado não se presta a eliminar o subsídio cruzado – o motivo alegado pela ANAC e pela ABEAR para introdução da cobrança.

Aperte os cintos: a passagem aérea subiu.

 

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Como a imprensa desinformou sobre a nova taxa de bagagem https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=3083&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=como-a-imprensa-desinformou-sobre-a-nova-taxa-de-bagagem https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=3083#comments Wed, 01 Nov 2017 20:05:18 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=3083 Recentemente a Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC) autorizou empresas aéreas a cobrarem dos consumidores pelo despacho de bagagem, sob o argumento de que a separação das cobranças levaria a passagens aéreas mais baratas. A reação foi previsivelmente negativa. A revolta só cresceu desde que o IBRE e o IBGE relataram um aumento nas tarifas aéreas de junho a setembro, como podemos ver aqui. Boa parte da imprensa nacional correu para relatar o fato.

De fato, a julgar pelo que se lê, parece que cobrar bagagem à parte ou não teve impacto sobre as tarifas ou, pior, as fez aumentar. Entretanto, as conclusões são precipitadas.

Por que permitir a cobrança da franquia de bagagens?

Antes de entrar no aspecto empírico, vale entender o que fundamentou a decisão da ANAC. Seria ingênuo acreditar que empresas aéreas oferecem serviços acessórios, como comida e transporte de bagagem, gratuitamente. Como não podiam cobrar por estes serviços à parte, esses custos eram incorporados aos preços das passagens, tivesse o cliente malas consigo ou não. Assim, temos o que economistas chamam de subsídio cruzado: todos pagam pelo serviço, mas apenas alguns usufruem dele.

Agora suponha que as empresas recebam autorização para discriminar o transporte de bagagem. É tentador dizer que cobrarão mais de seus clientes para aumentarem seus lucros, mas faz sentido? Afinal, se empresas aéreas buscam o maior lucro possível e incluem o transporte de bagagem na tarifa, elas já estão cobrando o máximo que podem de seus passageiros. Portanto, se passarem a cobrar uma franquia e as tarifas não caírem, tudo o mais constante, as empresas perderiam demanda e lucro. Conclui-se que, tudo o mais constante, as tarifas diminuirão.

Essa é a ideia por trás da medida, algo razoavelmente consensual entre economistas.

O que aconteceu quando a mesma medida foi tomada no exterior?

Por mais bem fundamentado que seja o argumento teórico, é sempre necessário averiguar se ele tem aderência à realidade. Ou seja, checar se os dados confirmam a intuição.

Ainda é cedo para saber o que ocorreu no Brasil. Nenhum estudo sólido pode ser realizado com tão pouco tempo desde a mudança. Por outro lado, há muitos dados de outros países. Antes da mudança, apenas Brasil, Venezuela, Rússia, México e China regulavam a franquia de bagagem. Não faltam dados, portanto, para checar o impacto da regra no preço, em outros países.

Os economistas Jan Brueckner, Darin Lee, Pierre Picard e Ethan Singer realizaram um profundo estudo sobre a regra, nos EUA. A conclusão confirma a intuição: a cobrança da franquia de bagagem tende, de fato, a diminuir o preço das passagens.

A imprensa brasileira sequer checou o significado dos dados antes de divulga-los

Algum leitor mais cético apontará (com razão) que os resultados não necessariamente se aplicam ao Brasil. Afinal, segundo os dados citados por reportagens da grande imprensa, as tarifas subiram após a autorização da franquia. No entanto, ainda não podemos inferir nada.

Os dados usados pelas reportagens, tanto do IBRE quanto do IBGE, não se prestam a avaliar o impacto da medida sobre as tarifas. São apenas uma parte dos índices de inflação que essas instituições produzem.

O primeiro problema é que a cobrança de franquia vigora desde o final de junho. IBRE e IBGE colhem os preços de passagens compradas 30 dias antes do mês em que ocorre a viagem, no caso do IBRE, e 60 dias antes, no caso do IBGE. Assim, a variação de junho a parte de julho relatada pelo IBRE e a registrada de junho a parte de agosto pelo IBGE antecedem a mudança e não lhe podem ser atribuídas.

Ainda mais grave, vale notar que o IBGE passou a incluir as despesas com taxa de bagagem ao preço da passagem a partir de setembro, de modo que os dados do IPCA incluem o preço cheio. Não são úteis a esta análise, portanto.

Por fim, como algumas oferecem os dois tipos de passagem (com e sem taxa de bagagem) e os dados são agregados, i.e., fazem uma média das tarifas de todas as empresas nas regiões estudadas, não conseguimos observar o que aconteceu em cada caso.

Em suma, os dados do IBRE e do IBGE não podem ser usados para avaliar o efeito da cobrança de franquia sobre as tarifas.

A imprensa brasileira cometeu erros infantis de análise

Esclarecidos os defeitos dos dados, há ainda falha metodológicas graves. Há outros fatores que influem nas tarifas – o preço do combustível, a atividade econômica, a sazonalidade, etc., e variam ao longo do tempo. Se essas variáveis são relevantes e estão mudando, pelo menos parte da variação dos preços decorre delas. Desta forma, um estudo muito mais complexo seria necessário para identificar o efeito de cada variável para isolar o impacto da franquia de bagagem.

Tomemos como exemplo a sazonalidade: tarifas tendem a subir em certas épocas do ano e cair em outras por motivos diversos – períodos de férias, feriados e outros eventos com frequência anual ou maior influenciam a demanda por transporte aéreo. Alunos de economia aprendem, desde a graduação, os problemas em analisar uma série sazonal sem o devido cuidado.

Desenhamos o padrão sazonal no gráfico abaixo com a variação mensal mediana da tarifa média por mês , conforme os dados do IPCA de 2009 até setembro de 2017.

Não escapará ao leitor que a sazonalidade favorece o aumento das tarifas de voos realizados de junho a setembro – e, portanto, é razoável supor que ela explique em parte os aumentos observados. Ademais, nota-se também que a variância da taxa de crescimento mensal das tarifas é tamanha que poderia ofuscar o impacto da cobrança da franquia.

Em suma, é perfeitamente possível que os opositores da cobrança da franquia de bagagem estejam certos. No entanto, para sustentarem sua tese é necessário que: a) entendam e usem os dados adequados; e b) controlem os efeitos de outros fatores com métodos adequados.

Este texto foi original publicado na página do Instituto Mercado Popular, em 20 de outubro de 2017.

 

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https://www.brasil-economia-governo.com.br/?feed=rss2&p=3083 3
Quanto custa uma empresa estatal administrando aeroportos? https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=3053&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=quanto-custa-uma-empresa-estatal-administrando-aeroportos Mon, 02 Oct 2017 20:21:01 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=3053 A administração de aeroportos públicos no Brasil é atualmente compartilhada entre uma estatal federal (a Infraero com 56 aeroportos e 49% do tráfego), concessões federais à iniciativa privada (6 aeroportos e 46% do tráfego) e demais aeroportos sob responsabilidade de Estados e Municípios (508 aeroportos e 5% do tráfego), mediante convênio de delegação da União.

As concessões federais tiveram início no ano de 2011, com o leilão do aeroporto de Natal. Após o sucesso da licitação, nos anos seguintes foram concedidos cinco dos maiores aeroportos do país: Guarulhos, Brasília, Viracopos, Galeão e Confins.

Os números de investimentos realizados e de satisfação da qualidade do serviço denotam que as concessões trouxeram novo padrão ao transporte aéreo no país.

De 2012 a 2015, foram investidos pelos concessionários privados nas 6 concessões federais o montante de R$ 12 bilhões, a preços de janeiro de 2016. Além dos ganhos para o setor, esses investimentos aliviaram o orçamento da União, permitindo que mais recursos fossem utilizados para atender outras necessidades da população. Para efeito de comparação, de 2003 a 2011, o montante investido pela Infraero em todos os aeroportos federais totalizou R$ 9,1 bilhões (também a preços de janeiro de 2016). São ganhos significativos e apontam para um elevado interesse público na continuação do processo de concessões aeroportuárias.

Todavia, se de um lado tais investimentos se mostram muito significativos, tanto do ponto de vista econômico como do ponto de vista social, por outro são limitados (apenas nos aeroportos concedidos) e não endereçam apropriadamente duas importantes questões em aberto do sistema aeroportuário brasileiro: (i) ainda há uma flagrante necessidade de realização de investimentos em expansão de capacidade dessas infraestruturas em diversas outras localidades e (ii) existe uma urgência de desenvolvimento de uma solução integrada e sustentável para os aeroportos de médio porte (abaixo de 1 milhão de passageiros), que, muitas vezes, não conseguem gerar recursos financeiros suficientes para pagar os investimentos necessários a sua expansão e modernização, e de pequeno porte (abaixo de 100 mil passageiros), que apresentam déficits operacionais estruturais.

Assim, considerando as características sistêmicas do problema, e tendo em vista a dificuldade de disponibilidade de recurso e de execução de investimentos diretamente pelo poder público, realizamos estudo a fim de analisar a viabilidade econômica de se conceder toda a rede de 56 aeroportos atualmente sob administração da Infraero, incluindo tanto aeroportos com tráfego acima de 1 milhão de passageiros por ano, como aeroportos muito pequenos, como Ponta Porã (3.100 pax/ano) e Bagé (1.700 pax/ano).

Em vista do baixo potencial de geração de valor de aeroportos de médio e pequeno porte, adotamos um modelo de concessões em blocos, em que grandes aeroportos são agrupados com aeroportos menores, realizando um subsídio cruzado entre ativos.

A alternativa de conceder em blocos apresenta-se mais conveniente e oportuna que a alternativa de conceder cada aeroporto individualmente, sobretudo em razão de menores riscos e custos de execução dos processos licitatórios e de regulação de contratos. As concessões patrocinadas, com contrapartidas financeiras pelo poder público (as chamadas Parcerias Público Privadas – PPP), se aplicariam para a concessão individual de dezenas de aeroportos menores, ensejando maiores riscos para o setor privado e custos de execução e planejamento para o setor público, motivo pelo qual se defende o modelo de concessão em blocos.

Ressalta-se que a escolha por um subsídio cruzado interno ao contrato (concessão em blocos) não é algo novo no país, podendo-se citar as concessões de distribuição de energia elétrica e saneamento básico (rede de água e esgoto): o custo da prestação do serviço em uma área rural ou afastada do núcleo urbano é subsidiado pelo consumidor de baixo custo de atendimento, por exemplo, a residência em um prédio de muitos andares.

Para além das fronteiras internas, é possível citar concessões para a iniciativa privada de aeroportos em blocos em países como Colômbia, Argentina, México, Portugal, Inglaterra, com diferentes modelagens e resultados.

Assim, além das premissas acima descritas, adotamos a formação de blocos de aeroportos que tenham áreas contíguas, a fim de facilitar a gestão por um administrador central1, e que em cada concessão haja pelo menos um grande aeroporto (acima de 3 milhões de passageiros ao ano), de forma a garantir atratividade para investidores e geração de valor suficiente para suportar o déficit operacional de aeroportos menores, assim como pagar os investimentos estimados para todos os aeroportos do bloco.

Para estimativa de investimentos, adotamos para os aeroportos de capitais os parâmetros de capacidade de infraestrutura adotados nos estudos de viabilidade econômica, técnica e ambiental (EVTEA) das concessões federais já realizadas, amplamente disponíveis no endereço eletrônico da Agência Nacional de Aviação Civil – ANAC.

Por exemplo, um dos parâmetros para tamanho de terminal de passageiros é a referência de nível ótimo de área e tempo de filas adotados Airport Development Reference Manual – ADRM da International Air Transport Association2. Com base na comparação entre a infraestrutura necessária (para a demanda projetada) e a infraestrutura existente, alcança-se a infraestrutura a ser ampliada (em metros quadrados de terminal de passageiros, por exemplo) e, com base nos preços utilizados nas concessões anteriores, estimamos o valor dos investimentos ao longo da concessão de 30 anos de cada aeroporto do bloco.

Além da previsão de investimentos para cada aeroporto, consideramos referências de custos operacionais e receitas comerciais levantadas para os estudos de viabilidade das 6 concessões federais existentes, de operadores privados regionais e a carga tributária aplicada a aeroportos sob administração privada3. Ressalta-se que as tarifas aeroportuárias são definidas pela Agência Reguladora, constam em tabela fixada nos contratos de concessão e não são influenciadas pela oferta apresentada no leilão da concessão (diferentemente das concessões de rodovias). Portanto, a estimativa de receitas aeroportuárias (que não incluem as receitas comerciais) decorrem diretamente da projeção de crescimento da demanda de passageiros, aeronaves e cargas.

Para a projeção de demanda de passageiros, aeronaves e cargas, adotamos como premissa, e por simplificação, um crescimento igual para todos os blocos, a partir de 2018, equivalente à expectativa média do Brasil de 4% ao ano considerada nos EVTEAs apresentados pela Secretaria de Aviação Civil do Ministério dos Transportes, Portos e Aviação Civil – SAC/MTPA para a concessão dos aeroportos de Salvador, Porto Alegre, Fortaleza e Florianópolis4.

Tendo em mãos o fluxo de receitas, despesas operacionais, investimentos e tributos, a modelagem financeira adotada calcula o valor de outorga necessário para que o Valor Presente Líquido do fluxo do projeto seja igual a zero5. Para o desconto do fluxo, utilizamos a taxa de 9% ao ano, líquido de tributos e em termos reais, que se mostra acima da taxa de 8,5% considerada nos EVTEAs dos aeroportos da União em processo de concessão e em linha com a taxa utilizada em outros setores em leilões recentes.

O mapa dos blocos para concessão desenhados conforme os parâmetros acima descritos teria a seguinte configuração:

Nessa perspectiva, estimamos que os 56 aeroportos atualmente sob administração da Infraero necessitam de R$ 17,6 bilhões em investimentos pelos próximos 30 anos para que seja possível atender à demanda esperada a um nível compatível com a qualidade de serviço hoje ofertada nos aeroportos concedidos.

Nesse cenário, encontramos farta viabilidade econômica na concessão dos blocos que contemplam todos os 56 aeroportos. Além dos R$ 17,6 bilhões em investimentos, que teria o efeito de desonerar o orçamento da União, o concessionário privado pagaria um outorga mínima de R$ 14 bilhões (R$ 2 bilhões à vista) ao longo do período da concessão (30 anos).

Ademais, há tributos que, ao contrário do concessionário privado, a Infraero não recolhe, em razão da imunidade tributária atualmente reconhecida pelo Poder Judiciário. Tais tributos somariam pelo período da concessão o montante de R$ 16,5 bilhões, sendo R$ 3,4 bilhões recolhidos diretamente pelos municípios onde se localizam o aeroporto, e R$ 13,1 bi à União.

Assim, quando consideramos o total de recursos que a União deixaria de gastar (investimentos), juntamente com o montante que passaria a receber (outorga e tributos), o valor chega R$ 48 bilhões em um período de 30 anos, a preços de 2016. Esse valor representa a diferença entre conceder para a iniciativa privada ou manter os 56 aeroportos atualmente em operação com a Infraero, sem levar em consideração, ainda, o ganho de bem-estar a ser experimentado diretamente pelos usuários e os novos negócios que poderão surgir nas localidades atendidas.

Além disso, o montante de R$ 48 bilhões considera, como cenário contrafactual, que a Infraero estaria em situação de equilíbrio financeiro pelos próximos 30 anos caso não houvesse a concessão dos aeroportos, ou seja, com lucro/prejuízo operacional igual a zero, antes de depreciação e resultado financeiro. Tendo em vista que essa linha da demonstração financeira se encontra negativa desde 2012, com a estatal acumulando centenas de milhões de reais de prejuízo, é possível afirmar que o montante envolvido na decisão de conceder a rede de aeroporto (R$ 48 bilhões) seja conservador.

Em que pese as incertezas naturalmente envolvidas em um estudo que busque estimar a evolução do setor nos próximos 30 anos, não nos parece haver dúvidas de que a concessão em blocos dos aeroportos da Infraero é uma alternativa socialmente e economicamente superior à operação desses ativos por uma empresa pública.

Numa época em que o Estado enfrenta dificuldades fiscais consideráveis e a população reclama serviços de melhor qualidade, é necessário avançar em soluções que promovam a melhoria das condições de desenvolvimento do país e gerem recursos para o enfrentamento dos grandes desafios que temos pela frente.

 

________________

1 Por conservadorismo, não foi considerado na modelagem financeira dos blocos ganhos de escala de custos administrativos com a concessão conjunta de aeroportos. No entanto, a modelagem captura ganhos tributários da apuração agregada de impostos sobre a renda.

2 Disponível em: http://www.iata.org/publications/store/Pages/airport-development-reference-manual.aspx

3 Por conservadorismo, não foram considerados possíveis benefícios tributários, como isenções em impostos sobre a renda reconhecidas pela SUDENE e SUDAM, e tampouco isenções relativas ao PIS e Cofins concedidos no âmbito do REIDI.

4 Aeroportos em processo de concessão, com leilão agendado para dia 16 de março de 2017. Estudos de Viabilidade disponíveis em: http://www.aviacao.gov.br/assuntos/concessoes-de-aeroportos/novas-concessoes/pmi

5 Cabe destacar que a forma como a outorga será paga influencia no montante da própria outorga. Caso se pague 100% à vista, a outorga será equivalente ao próprio VPL do projeto. Na modelagem de blocos simulada, adotamos o perfil de pagamento semelhante ao utilizado na concessão dos aeroportos de Salvador, Porto Alegre, Fortaleza e Florianópolis: 25% à vista, 5 anos de carência e outorga e pagamentos anuais até o final da concessão.

 

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Quem ganha com a proibição dos aplicativos de transporte? https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=3050&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=quem-ganha-com-a-proibicao-dos-aplicativos-de-transporte https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=3050#comments Fri, 29 Sep 2017 13:57:38 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=3050 Economistas que defendem o mercado costumam argumentar que o mesmo é capaz de maximizar o bem-estar quando este é dito competitivo. Todavia, para que se atinja tal objetivo é necessário que o mercado possua algumas características que nem sempre são encontradas na realidade. A primeira característica é que devem existir um número grande de consumidores e produtores tal que estes não sejam capazes de influenciar sozinhos o preço do produto. A segunda é que o produto deva ser homogêneo de forma que seja impossível distinguir o produto de um produtor ou outro. E por último, mas, não menos importante, deve haver livre entrada de consumidores e produtores. Poucos mercados conseguem satisfazer estas três condições, no entanto, a tecnologia e suas plataformas com dois lados estão nos aproximando do que chamamos de um verdadeiro mercado competitivo. Este é o caso dos aplicativos de transporte por veículos.

Durante muito tempo para ter acesso a um serviço de transporte seguro foi necessário a intervenção estatal selecionando veículos e motoristas aptos a prestar o serviço de transporte que convencionamos chamar de táxi. A chancela estatal era a garantia de que o serviço era prestado com segurança e por um preço capaz de garantir a sustentabilidade econômica do serviço, ou seja, capaz de atender a todas exigências impostas pela regulação do serviço e ainda capaz de remunerar o motorista de forma satisfatória. Entretanto, na prática o que se observou é que este modelo apresenta vários problemas. Em primeiro lugar, a remuneração satisfatória foi garantida através de restrições à entrada de novos veículos. Isto fez com que surgisse um mercado de licenças e os “empresários ” do setor, isto porque estas licenças passaram a valer fortunas de forma que seus proprietários não mais precisassem trabalhar no transporte de passageiros. Os ganhos com o aluguel da licença eram o suficiente para garantir um negócio rentável. Em segundo lugar, como as licenças e a determinação de preços são um monopólio estatal que determina a lucratividade do setor e a existência dos tais empresários, se abriu a possibilidade de haver ganhos por parte do próprio regulador que passaram a ser cooptados. O resultado deste jogo de interesses é de conhecimento de todos: um serviço caro e insatisfatório para consumidores.

Até bem pouco tempo atrás pouco podia ser feito para mudar este cenário, uma vez que, a alternativa era um serviço desregulado cujos resultados são tão ou mais insatisfatórios do que o modelo regulado. Eis que surgiram os aplicativos de transporte como uma alternativa aos até então únicos modelos possíveis. Se engana quem acredita que os aplicativos sejam substitutos ao serviço de táxi. Na verdade, estes são os substitutos da regulação estatal e por esta razão não deveriam ser regulados, pois a sua regulação implica na eliminação das razões para a sua existência. A regulação proposta pelos aplicativos tem pelo menos duas vantagens evidentes com relação ao modelo de regulação estatal vigente.

A primeira vantagem é seu critério para entrada, muitas vezes criticado. Embora se diga que qualquer um possa ser um motorista e que isto pode gerar risco para passageiros, este argumento ignora o fato de que a entrada é o menos importante, pois na verdade o que importa é quem fica. E neste ponto os aplicativos mostram ser muito superiores a regulação estatal, uma vez que, o julgamento de quem irá permanecer oferecendo o serviço pelo aplicativo é feita pelos próprios consumidores, que atribuem notas a cada serviço prestado. Motoristas com notas persistentemente ruins são excluídos. Isto cria incentivos para que o serviço seja prestado com o maior esmero por parte dos motoristas. No modelo estatal, esta decisão é tomada por um burocrata que muito provavelmente nem utiliza o serviço e cuja ação depende de denúncias feitas por consumidores. Denúncias estas que não são feitas sem custos. É necessário saber a quem encaminhar uma reclamação. Não é necessário ir muito adiante neste argumento para mostra que o modelo estatal é completamente ineficiente este ponto. Basta imaginar como seria a situação de um estrangeiro cujo motorista de táxi resolveu estender a sua corrida por mais alguns quilômetros. Desta forma, motoristas amparados em uma quase inabalável estabilidade, não tem qualquer incentivo a prestar um bom serviço.

A segunda vantagem se dá na forma como os preços dos serviços são estabelecidos. No modelo estatal, os preços são estabelecidos de forma a acomodar os interesses dos grupos organizados (donos de licenças e reguladores) em detrimento aos não organizados (consumidores). Por sua vez, os aplicativos são capazes de estabelecer preços dinâmicos capazes de manter equilibrados a oferta e a demanda pelo serviço. Os preços devem ser satisfatórios tanto para motoristas quanto para consumidores. Eis aqui um ponto que merece um comentário. Motoristas de aplicativos costumam reclamar dos baixos valores recebidos por corridas, todavia estes ignoram os efeitos que um aumento de preços tem na entrada de novos motoristas. Preços mais altos implicam em mais motoristas dispostos a ofertar o serviço que implicam em menos corridas por motorista o que pode implicar em rendimentos totais menores para os motoristas. Ganhos maiores somente estariam garantidos com um número fixo de motoristas.

Estas duas características, livre entrada e saída de motoristas e consumidores e preços dinâmicos, somadas a um serviço homogêneo  (em que o veículo e o motoristas prestam um serviço com poucas diferenças observáveis) e a concorrência entre os próprios aplicativos  geram um mercado próximo ao mercado competitivo teórico proposto pelos economistas em que os aplicativos substituem a famosa mão invisível proposta por Adam Smith (mediante um custo, é claro), enquanto o modelo atual se aproxima a um monopólio regulado. Nesse sentido, o Projeto de Lei 28/2017 que deve ser votado nesta semana representa um retrocesso. O projeto estabelece a responsabilidade exclusiva os municípios de regulamentar e fiscalizar o serviço de transporte de passageiros e estabelece diretrizes para a habilitação de veículos e motoristas. De forma que retira o poder de fiscalização dos consumidores e retira a capacidade dos aplicativos selecionar motoristas de acordo com seus critérios. Ou seja, o projeto inviabiliza os aplicativos e estabelece diretrizes que restringem ainda mais a entrada de novos veículos e motoristas.

Em princípio poderia se imaginar que tal Lei protegerá os consumidores e garantirá os ganhos dos motoristas de táxi.  No entanto, isto não é verdade. Isto porque as evidencias empíricas disponíveis mostram que atualmente estes trabalham com consumidores e fatias de mercados distintas. Os táxis fornecem serviços para consumidores com maior renda e tem sua participação no mercado garantida pelos pontos de táxi, tais como, saídas de aeroportos, rodoviárias, etc… Enquanto os aplicativos trabalham com consumidores de menor renda, que substituem os outros tipos de transporte público, tais como trens e ônibus.  Portanto, ambos podem coexistir sem que haja prejuízo mutuo. Quem ganha com isto é o consumidor, que possui um poder de escolha.

Enfim, considerando os argumentos expostos é possível concluir que os aplicativos de transporte não podem ser regulados porque qualquer tentativa de cercear a liberdade dos mesmos em escolher seus motoristas e seus preços nos afasta do mercado competitivo e nos aproxima do monopólio que sempre existiu no setor, o que implica em perdas significativas de bem estar, tanto de consumidores, em especial os que possuem menor renda, quanto de potenciais motoristas, que perdem esta oportunidade de trabalho em um momento que a economia brasileira não fornece muitas opções. Todos perdem com a aprovação desta Lei, com a exceção dos fornecedores de licenças, fiscais e donos de licenças, que podem extrair rendas através de privilégios.

 

Textos recomendados:

OLIVEIRA, C. MACHADO, G. C. O impacto da entrada da Uber no mercado de trabalho de motoristas de taxi no Brasil: evidências a partir de dados longitudinais. Working paper, Junho de 2017.

 

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Devemos tirar a Petrobras da condição de operadora única no Pré-sal? https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=2632&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=devemos-tirar-a-petrobras-da-condicao-de-operadora-unica-no-pre-sal https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=2632#comments Tue, 06 Oct 2015 14:01:23 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=2632 Encontra-se em discussão no Senado Federal o Projeto de Lei nº 131/15, do Senador José Serra, que busca retirar a obrigatoriedade de que a Petrobras seja a única empresa com a função de operar as atividades de exploração e produção de petróleo no pré-sal. Essa foi uma imposição da Lei de Partilha de Produção (Lei nº 12.351/10, art. 4º), instituída em 2010 para normatizar as explorações e a produção de petróleo no pré-sal. No regime de Partilha vence uma licitação a empresa ou o consórcio de empresas que oferecer a maior parcela de excedente em óleo (lucro) à União. Ao vencer um leilão de área exploratória, a empresa deve, necessariamente, formar um consórcio com a Petrobras e com a empresa estatal Pré-Sal Petróleo S.A. (PPSA), de acordo com o artigo 20 da Lei de Partilha. No consórcio, a Petrobras assume a função de operadora das explorações de petróleo e gás (a empresa operadora é a encarregada, em um campo de petróleo, de contratar e executar todas as atividades econômicas e tecnológicas relacionadas às explorações e à produção; as demais empresas que com ela participam do consórcio atuam como investidoras, detendo pouco poder de decisão).

Observe-se que a própria Petrobras nunca foi completamente favorável ao dispositivo da lei que a obriga a ser a operadora do campo, pois se uma determinada área petrolífera não estiver entre suas prioridades, ou apresentar menor interesse geológico, ainda assim ela será obrigada a assumir a operação da área, tendo de alocar recursos financeiros, equipamentos e pessoal especializado nas explorações, que poderiam ser mais produtivamente aplicados em outras áreas de seu maior interesse. Além disso, eventualmente, terá de trabalhar com sócios que não escolheu e honrar e operar uma proposta econômica vencedora de uma licitação em que ela não participou de seu planejamento.

A exigência de operador único já havia, antes mesmo da atual crise que envolve a Petrobras, diminuído a atratividade para a participação de outras empresas petroleiras na exploração do pré-sal, em razão das limitações que encontram para compartilhar, com maior capacidade de decisão, dos diversos aspectos envolvidos na condução das explorações de um campo de petróleo. Isso é bem ilustrado pelo leilão do campo de Libra, em outubro de 2013, em que não houve competição, pois apenas um consórcio de empresas participou da licitação. Assim, o modelo de operador único, além de não atender aos interesses da própria Petrobras, não atrai número expressivo de empresas petroleiras para os leilões, situação que não potencializa maiores excedentes em óleo oferecido à União. Se for eliminada a obrigatoriedade de que a Petrobras atue como operadora única, como pretende o PLS nº 131/2015, maior número de petroleiras nacionais e estrangeiras, privadas ou estatais, serão incentivadas a participar das licitações, trazendo também suas tecnologias, recursos físicos e financeiros e novo impulso na produção de petróleo e na arrecadação de impostos. E a Petrobras poderá decidir, segundo seus próprios interesses, se participa ou não de uma determinada licitação.

A Lei de Partilha determina ainda que a Petrobras deve participar do consórcio vencedor de cada licitação com recursos financeiros equivalentes a, no mínimo, 30% do capital do consórcio. Sabendo-se das atuais dificuldades financeiras da Companhia – que em razão do alto grau de endividamento foi obrigada a reduzir seus investimentos, nos próximos cinco anos, de US$ 206,8 bilhões para US$ 130,3 bilhões, e diminuir seus campos de petróleo que receberão investimentos, de 30 campos inicialmente planejados para 22, entre 2015 e 2020 – dificilmente terá fôlego financeiro para assumir mais compromissos além dos que ela já tem no pré-sal e em outras áreas. Isso é mais verdadeiro depois que sua nota de crédito foi rebaixada pela Standard & Poor’s, ocasionando a perda do grau de investimento e dificultando o levantamento de novos empréstimos no mercado financeiro. Em razão das limitações financeiras e da necessidade de diminuir o elevado endividamento, a Petrobras decidiu concentrar seus investimentos no desenvolvimento de campos de petróleo já descobertos, visando ao aumento da produção, e reduzindo, ao mesmo tempo, os investimentos em explorações. Essa decisão da Petrobras é bastante coerente, uma vez que suas reservas de petróleo e gás, provadas ou estimadas, já alcançam o expressivo montante de cerca de 45 bilhões de barris, localizadas nos campos antigos e nos novos campos que descobriu no pré-sal. Esse volume de reservas é suficiente para a Petrobras produzir combustíveis e demais derivados em suas refinarias por mais de 40 anos.

Assim, novas licitações no pré-sal, no regime de operador único, ficam completamente dependentes da capacidade da Petrobras de mobilizar recursos para participar e arcar com todos os volumosos investimentos envolvidos nas explorações. Exceto pela crescente produção que já vem sendo obtida no pré-sal pela Petrobras e empresas a ela consorciadas, as demais reservas potenciais brasileiras permanecem ociosas, inexploradas, sem gerar renda e empregos. Isso ocorre num momento em que o Brasil precisa criar fatos novos na área econômica, para incentivar o aumento dos investimentos e colocar em produção novas reservas do pré-sal para a geração de impostos, a serem aplicados na educação e na saúde, como determinam as novas normas de aplicação dos royalties do petróleo (Lei nº 12.858/2013).

Enquanto isso, no mundo, as explorações avançam em novas fronteiras petrolíferas, pois as empresas petroleiras realizam seu planejamento olhando muitos anos à frente, na expectativa de que os preços do petróleo já terão se elevado quando novos campos descobertos estiveram em produção, daqui a cinco ou mais anos. Exemplos do prosseguimento das explorações mundiais, mesmo com os preços internacionais do petróleo abaixo de US$ 60, encontram-se no Golfo do México, onde foram realizadas ofertas, em agosto deste ano, para 33 blocos exploratórios localizados em águas profundas de até 3.340 metros na parte norte-americana do Golfo.

Também na seção do Golfo pertencente ao México foram realizadas este ano duas licitações de áreas exploratórias, após o recente processo de abertura da indústria do petróleo do país aos investidores privados, depois de 75 anos de monopólio da empresa estatal Pemex.

Na Inglaterra, a autoridade de petróleo do país anunciou, em julho, a concessão de 41 novas licenças de exploração no Mar do Norte, em um programa de explorações com gastos no valor total de 4 bilhões de euros para revitalizar a produção de petróleo naquela região. Outros países que realizaram licitações de áreas exploratórias este ano foram a Bulgária, para procurar gás natural no Mar Negro, como forma de se livrar da dependência do gás fornecido pela Rússia, e a Irlanda, entre muitos outros.

O Brasil, que somente descobriu petróleo em 1939 (em Lobato, na Bahia), com atraso de 80 anos após o início das explorações comerciais no mundo (na Pensilvânia, em 1859), deveria refletir sobre esta experiência da história: em 1871, o governo imperial de dom Pedro II, para incentivar as explorações de petróleo e outros minerais, expediu o Aviso nº 53, do Ministério da Agricultura, Comércio e Obras Públicas, definindo que os depósitos minerais localizados em terras particulares constituíam propriedade do Estado e, portanto, podiam ser explorados por aqueles que recebessem licenças de exploração do governo “uma vez que não era de conveniência pública que as riquezas do mencionado solo jazam sepultadas nas entranhas da terra, quando empreendedores ativos e capitais suficientes aparecem para as aproveitar eficazmente” (Mattos Dias e Quaglino, A Questão do Petróleo no Brasil – Uma História da Petrobras, 1993).

Da mesma forma, atualmente, segundo a Constituição Federal, e de acordo com a Lei de Partilha, as reservas de petróleo são de propriedade da União, e mesmo depois que jazidas de petróleo ou gás são descobertas pelas empresas, as reservas continuam de propriedade da União. As empresas exploradoras têm o direito de receber uma parte do petróleo que produzirem, correspondente aos custos incorridos, aos royalties pagos e a uma parcela dos lucros. Para garantir informações seguras sobre os volumes produzidos pelas empresas, as operações de produção de petróleo são supervisionadas pela estatal PPSA, encarregada da gestão dos contratos de exploração firmados pelas empresas com a União, e com poder de veto sobre as decisões das empresas relativas às explorações e à produção. Ou seja, os instrumentos regulatórios e o monitoramento da produção por órgãos do governo já atendem aos interesses do Brasil no pré-sal.

A alteração proposta pelo PLS 131/2015 pode contribuir para dinamizar o setor de petróleo, desde que haja continuidade nos leilões de áreas no pré-sal, e aumentar a participação de empresas de capital nacional nas explorações, em associação com empresas estrangeiras ou com a própria Petrobras, que poderia participar das licitações como uma decisão livre, sem a imposição de que atue como operador único. Novas áreas exploratórias elevam a demanda para os equipamentos submarinos e os diversos serviços de instalações submarinas que passaram a ser oferecidos no Brasil para atender à Política de Conteúdo Local, além dos novos estaleiros implantados para a construção de navios e plataformas de petróleo. Novas áreas em exploração aumentam ainda a procura pelos serviços de pesquisa fornecidos pelo grande número de centros de pesquisa e tecnologia que se instalaram na Ilha do Fundão, Rio de Janeiro, e em outros estados, especificamente para atender aos desafios tecnológicos do pré-sal.

Numa visão de longo prazo da indústria de petróleo no Brasil, observa-se que desde o primeiro leilão de áreas exploratórias, em 1999, empresas brasileiras e de vários países vêm investindo no setor, sejam como operadoras ou como investidoras. No período 1999/2013, nos 12 leilões realizados, as petroleiras estrangeiras venceram 129 vezes, e  as nacionais, 88 vezes. Como resultado, entre as atuais 10 maiores empresas produtoras operadoras de petróleo encontram-se a Petrobras, 6 empresas estrangeiras e 3 brasileiras de capital privado. Entre os motivos para a menor presença das empresas de capital nacional encontra-se o longo período do monopólio, que impediu o surgimento de petroleiras nacionais, pois somente após a abertura do setor de petróleo, em 1995, começaram a ser organizadas para atuar no setor. A própria Petrobras desenvolve parcerias com dezenas de empresas nacionais e estrangeiras e nem sempre ela é a operadora: de um total de 82 acordos de parceria que ela detém nas explorações, em 24 parcerias ela não é a operadora, participando apenas como investidora nos campos de petróleo; porém, sua hegemonia na indústria do petróleo é um fato inconteste, pois ela produz atualmente 92% de todo o petróleo extraído e 99% de todos os derivados de petróleo produzidos no País.

 

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O Plano de Produção da Petrobras é exequível? https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=2598&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=o-plano-de-producao-da-petrobras-e-exequivel https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=2598#comments Wed, 09 Sep 2015 14:25:01 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=2598 Introdução

A Petrobras divulgou seu Plano de Negócios e Gestão (PNG) 2015-20191 no final de junho deste ano. Na tentativa de superar a crise na qual mergulhou no último ano, o novo PNG traz alterações importantes em relação à versão anterior, o PNG 2014-20182, que apontam para o encolhimento da companhia.

A modificação mais significativa é a redução dos investimentos programados, que passaram de US$ 220,6 bilhões, no período 2014-2018, para US$ 130,3 bilhões no período 2015-2019,queda de US$ 90,3 bilhões. O investimento anual médio foi cortado em 41%, de US$ 44,12 bilhões para US$ 26,06 bilhões.

A comparação entre os investimentos programados nos PNGs 2014-2018 e 2015-2019 para as grandes áreas de negócio da Petrobras é mostrada na Figura 1.

O maior corte proporcional, de 69%, ocorreu nas áreas de Abastecimento e de Distribuição. A primeira engloba as atividades de refino.Os projetos das refinarias Premium I, no Maranhão, e Premium II, no Ceará, foram definitivamente cancelados; a construção da refinaria do Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro (Comperj) foi suspensa, sem data definida para seu reinício; apenas a conclusão da Refinaria Abreu e Lima (Rnest), em Pernambuco, foi contemplada no PNG 2015-2019. O impacto desses cortes na capacidade futura de refino da Petrobras é de 765 mil barris por dia (bbl/d)3,4. Sendo assim, o déficit da produção brasileira de derivados de petróleo, que foi de 299 mil bbl/dem 20145, deverá crescer para mais de 500 mil bbl/d na década de 20206, o que, a preços atuais, representaria importações acima de US$ 13 bilhões por ano.

Figura 1 – Comparação entre os investimentos programados nos PNGs 2014-2018 e 2015-2019, por grandes áreas de negócios: Exploração & Produção e Internacional; Abastecimento e Distribuição; Gás & Energia; e demais áreas, que incluem Biocombustíveis e Engenharia.

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Nas áreas de Exploração & Produção7 e Internacional8, o corte nos investimentos foi de 34%, proporcionalmente menor que nas áreas de Abastecimento e de Distribuição, mas o impacto sobre a produção projetada de petróleo e gás natural foi substancial. De 5,3 milhões de barris de óleo equivalente por dia (boe/d)9, a meta de produção de 2020 foi reduzida em 30%, para 3,7 milhões de boe/d, dos quais 2,8 milhões de bbl/d de petróleo e o restante de gás natural. A queda da produção projetada atinge 1,6 milhão boe/d, uma vez e meia a produção que se espera obter no campo de Libra10, ou mais da metade da produção atual do Brasil11.

A comparação entre as curvas de produção projetadas nos PNGs 2014-2018 e 2015-2019 é apresentada na Figura 2.

Figura 2 – Comparação entre as curvas de produção de petróleo e gás natural projetadas até 2020 nos PNGs 2014-2018 e 2015-2019.

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Apenas no período 2015-2020,essa revisão na curva de crescimento da produção implicará deixar de produzir o total de 1,8 bilhão de boe, quase o dobro da produção brasileira de petróleo e gás natural em 201412. Mantida a cotação atual do petróleo, de US$ 50/bbl,a nova curva de produção até 2020 provocará perda de faturamento de US$ 90 bilhões para a Petrobras.

Tal perda se distribuirá entre a Petrobras, que terá sua capacidade de gerar receita reduzida; os acionistas, que receberão menos dividendos; e a União, estados e municípios, que recolherão menos tributos e receberão menor montante de participações governamentais13.

Como, em decorrência da Lei nº 12.858, de 9 de setembro de 2013, a maior parcela das participações governamentais na renda petrolífera é destinada às áreas de educação e saúde, no fim, serão os brasileiros de renda mais baixa os mais prejudicados, por dependerem exclusivamente do Estado para a prestação desses serviços.

Avaliação do PNG 2010-2014

Embora o corte de produção incluído no PNG 2015-2019, de 30%, seja muito significativo,ainda assim, não é garantido que a Petrobras será capaz de atingir as novas metas estabelecidas. Afinal, a companhia tem tradição de não cumprir suas metas de produção, e o ambiente econômico que a Petrobras enfrentará nos próximos anos será um dos mais desfavoráveis das últimas décadas.

Um indicativo da exequibilidade das metas de produção do PNG 2015-2019 pode ser depreendido da análise dos resultados alcançados pelo PNG 2010-2014. Esse último previa investimentos totais de US$ 224 bilhões, dos quais US$ 118,8 bilhões, ou US$ 23,76 bilhões por ano, seriam destinados à área de Exploração & Produção14. Como resultado dos investimentos, a Petrobras estimava que sua produção de hidrocarbonetos saltaria de 2,5 milhões de boe/d, alcançados em 2009, para 3,9 milhões de boe/d em 201415.

O PNG 2010-2014 atingiu a meta de desembolso financeiro, mas ficou longe da meta de produção. Ou seja, os investimentos foram muito menos eficientes do que se previa. Na Figura 3, é comparado o investimento em Exploração & Produção planejado com o realizado entre 2010 e 2014. Nesse período16, os investimentos da Petrobras na área de Exploração& Produção totalizaram US$ 123,2 bilhões, ou seja, alcançaram 104% do planejado pela companhia.

Figura 3 – Comparação do investimento em Exploração & Produção planejado com o realizado entre 2010 e 2014, assumindo-se distribuição anual uniforme dos investimentos planejados.

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Contudo, o aumento esperado da produção de petróleo e gás natural não se verificou, como mostra a Figura 4. Em 2014, a produção real foi de 2,7 milhões de boe/d, enquanto o planejado era de 3,9 milhões de boe/d. Entre 2009 e 2014, em vez do crescimento robusto de 1,4 milhão de boe/d,houve a quase estagnação, e apenas 143 mil boe/d foram adicionados à produção, configurando a realização de parcos 10,4% da meta física.

Figura 4 – Comparação da produção, planejada e realizada, entre 2010 e 2014.

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É absolutamente surpreendente e deveras intrigante tamanha discrepância entre a realização financeira e o cumprimento das metas físicas. Embora seja bem sabido que os investimentos em Exploração & Produção demoram cerca de dez anos para resultar em produção – e, portanto, nem todos os investimentos realizados foram direcionados para projetos que começariam a produzir no período considerado – a Petrobras, ao realizar seu planejamento em 2009 e estabelecer as metas de produção para 2010-2014, deveria possuir as informações necessárias para estimar com bom grau de acerto quais projetos em estágio de desenvolvimento mais avançado alcançariam a fase de produçãono decorrer desse quinquênio, em se concretizando os investimentos programados.

Entretanto, essa expectativa, baseada na lógica do que deve ser o planejamento empresarial, não se confirmou, e a consequência foi que a companhia investiu a quantia de US$ 861 mil para cada boe/d adicionado à produção. Considerando o lucro líquido por boe alcançado em 2011, de US$ 29,6817, o maior dos últimos anos, a capacidade de produção adicionada deveria se manter produtiva por mais de 79 anos para a Petrobras recuperar o equivalente ao investimento nominal realizado!

Contexto econômico do PNG 2010-2014

Diante do precedente negativo do PNG 2010-2014, a questão que se coloca é se a Petrobras conseguirá cumprir a meta anunciada no PNG 2015-2019 e adicionará à produção mais 831 mil boe/d entre 2014 e 2019,com investimentos em Exploração & Produção de US$ 108,6 bilhões, soma 12% inferior em termos nominais ao investimento realizado no período 2010-2014.

E as dúvidas quanto ao cumprimento das metas de produção da companhia aumentam ainda mais quando se compara o contexto econômico vivido no período 2010-2014 com o contexto que vai se delineando para o período 2015-2019.

Em 2009, a Petrobras recobrava-se rapidamente dos efeitos da crise global de 2008.A necessidade de realizar pesados investimentos para aproveitamento das reservas do pré-sal, descoberto em 2006, levou à realização de processo de capitalização em setembro de 2010. Na ocasião, foram vendidos 4,2 bilhões de ações e arrecadados R$ 120,2 bilhões (US$ 69,9 bilhões)18.Embora R$ 74,8 bilhões tenham sido destinados ao pagamento do petróleo dos campos da cessão onerosa e, por conseguinte, não ficaram disponíveis para investimentos, a companhia mostrou ser capaz de levantar recursos consideráveis junto aos acionistas para realizar sua expansão.

Além disso, as políticas econômicas adotadas pelos países desenvolvidos, principalmente os Estados Unidos, para superar a crise global de 2008, como juros reais negativos e quantitative easing19,inundaram o mercado financeiro internacional com dinheiro ávido por oportunidades de investimento nos países emergentes. Isso facilitou sobremaneira a captação de recursos pela companhia.

Após a capitalização, noticiou-se que a Petrobras chegou a ser a quarta maior empresa de capital aberto do mundo em valor de mercado, US$ 216,7 bilhões, à frente inclusive da Microsoft20. Em 2011, a companhia atingiu seu rating máximo junto à agência classificadora de riscos Moody’s: A3, quatro degraus acima do grau especulativo21.

Já quanto ao petróleo, a sua cotação no mercado internacional, ao longo de 2009 e 2010, recuperou-se do mínimo alcançado com a eclosão da crise global de 2008. O barril do petróleo manteve-se quase sempre na faixa de US$ 100 / US$ 120 entre 2011 e o primeiro semestre de 2014, e só após esse período passaram a prevalecer as condições de excesso de oferta que levaram à atual depressão das cotações.

Tudo parecia contribuir para o sucesso da Petrobras: a descoberta de gigantescas reservas de petróleo no pré-sal, a farta disponibilidade de recursos, próprios e de terceiros,para realização dos investimentos necessários para aproveitá-las, e a cotação elevada do petróleo. Todavia,decisões políticas equivocadas desperdiçaram a oportunidade que se apresentou e provocaram a crise que engolfa a companhia.

Curiosamente, o anúncio da capitalização da Petrobras inverteu a tendência de subida no valor das ações da companhia, que, após a baixa ocorrida em razão da crise global de 2008, recuperou-se ao longo de 2009 até o 1º trimestre de 2010. A insegurança dos investidores com relação às regras da capitalização penalizou o valor das ações, porque ficaram nítidas as intenções do Governo de aumentar sua participação acionária em detrimento dos acionistas minoritários, bem como a de retomar políticas de caráter monopolista para o aproveitamento do pré-sal, cristalizada na mudança do regime regulatório no final de 2010.

Adicionalmente, a política de controle artificial do preço dos combustíveis, com o intuito de diminuir a inflação, associada à cotação elevada do petróleo no mercado internacional, obrigou a Petrobras a vender derivados no mercado brasileiro por preços menores que o de compra no mercado externo. O preço barato dos combustíveis e o aumento de renda da população levaram à explosão do consumo e, consequentemente, ao agravamento do déficit da companhia na área de Abastecimento, que, entre 2011 e 2014, apresentou prejuízo líquido acumulado de US$ 41 bilhões.Ou seja, 58% dos US$ 69,9 bilhões obtidos na capitalização escorreram pelo ralo do prejuízo decorrente do congelamento do preço dos combustíveis.

Em paralelo, a trajetória do endividamento da companhia se mostrava insustentável, embora a mencionada liquidez excessiva do mercado internacional tenha permitido a manutenção do fluxo de recursos para a Petrobras. Infelizmente, parcela considerável desses recursos foi enterrada em investimentos com baixa perspectiva de retorno ou foi desviada em práticas sistemáticas de corrupção. No balanço anual de 2014, a Petrobras reduziu o valor recuperável dos ativos (impairment) em US$ 16,8 bilhões e deu baixa contábil de perdas com corrupção de US$ 2,5 bilhões22.

O escândalo de corrupção, descoberto em 2014 no âmbito da operação Lava-Jato, foi o golpe de misericórdia no valor da Petrobras e de suas ações, que hoje valem menos que 10% do valor máximo, alcançado em meados de 200823.

Como se viu, as condições de realização do PNG 2010-2014, que começaram alvissareiras, foram se deteriorando gradualmente. Em outubro de 2013, a Petrobras desceu um degrau na escala de avaliação de risco da Moody’s.Masa crise agudizou-se somente no final de 2014 e no início de 2015, nesses poucos meses o rating da companhia foi rebaixado pela Moody’s para o grau especulativo. A Tabela 1 retrata em números a deterioração econômica da Petrobras ocorrida nos últimos anos.

Tabela 1 – Situação econômica da Petrobras nos anos de 2009 a 201424.

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Apesar das dificuldades crescentes,o contexto econômico, no geral, foi favorável para a Petrobras para realizar seu plano de investimentos na maior parte do período 2010-2014. Se os resultados não foram os esperados, as causas foram a má seleção de projetos e os erros de governança na sua execução, e não a falta de recursos.

Riscos enfrentados pelo PNG 2015-2019

O contexto econômico em que será desenvolvido o PNG 2015-2019, porém, é totalmente diverso daquele do PNG 2010-2014. As condições em que a Petrobras se encontra hoje são muito mais débeis do que em 2010. Além de a companhia estar hoje em pior situação financeira que em 2010, conforme mostra a Tabela 1, a cotação do petróleo caiu e o mercado internacional de crédito será mais seletivo e cobrará juros mais altos25.

A própria companhia reconhece que as metas do PNG 2015-2019 podem não ser cumpridas como o planejado e aponta três riscos principais26:

    1. Mudanças de condições de mercado, como preço do petróleo e taxa de câmbio;
    2. Operações de desinvestimentos e outras reestruturações de negócios, sujeitas a condições de mercado vigentes à época das transações; e
    3. Alcance das metas de produção de petróleo e gás natural, em um cenário de dificuldades com fornecedores no Brasil.

Desafortunadamente, os riscos temidos pela Petrobras estão se tornando realidade e já corroem as bases do PNG 2015-2019, no qual se assumiu que a cotação do barril do petróleo seria US$ 60, em 2015, e US$ 70 entre 2016 e 2019; e a cotação do dólar seria de R$ 3,10, em 2015, e subiria gradualmente até R$ 3,56 em 2020.

A projeção da Petrobras sobre a evolução dos preços do petróleo não se mostra totalmente desfocada da realidade atual do mercado, mas parece um pouco otimista.

O excesso de oferta de petróleo no mercado internacional, resultado do forte crescimento da produção norte-americana originada da exploração de fontes não convencionais, frente a uma fraca demanda, provocada pela desaceleração da economia chinesa, foi deprimindo a cotação do petróleo ao longo do segundo semestre de 2014. No último trimestre desse ano, os membros da OPEP, principalmente a Arábia Saudita, decidiram manter ou elevar a produção para não perder fatias de mercado e pressionar os produtores americanos, cujo custo de produção é mais elevado.

Como resultado da superoferta gerada pela queda de braço entre os produtores, o preço do barril de petróleo despencou dos mais de US$ 100, em junho de 2014, para US$ 50/bblem agosto de 2015.Entretanto, o Banco Mundial projeta que a cotação do petróleo poderá se recuperar e aproximar-se lentamente dos US$ 70/bbl até 202027.

Mas o que não se avistaé a volta da cotação do petróleo à casa dos US$ 100/bbl, que prevaleceu em 2011-2014.As perspectivas são de que nos próximos anos a oferta continuará asuperar a demanda, tendo em vistaque, entre outras razões, o Irã brevemente aumentará sua oferta no mercado internacional, após o acordo para controle de suas atividades nucleares, e a economia da China, maior importadora de petróleo do mundo, parece entrar em fase duradoura de menor crescimento.

Com a depressão da cotação do petróleo, a rentabilidade dos projetos de Exploração & Produção é reduzida, e, consequentemente, aumenta a dificuldade para o pagamento da dívida da Petrobras.Até a produção no pré-sal, que a companhia informa possuir breakeven point28 de US$ 54/boe29, pode tornar-se desvantajosa.

O câmbio, contudo, parece ser um problema mais grave para a Petrobras. Empurrado pela crise política e econômica, o dólar atinge R$ 3,80 e pode chegar a R$ 4,50 se o Brasil perder o grau de investimento30. Como mais de 80% da dívida da empresa está denominada em dólar, a valorização da moeda americana tem sido um fardo pesado para a companhia. Calcula-se que para cada R$ 0,10 que o dólar se valoriza, a dívida da Petrobras cresce R$ 10 bilhões31.

Com relação ao crédito, aPetrobras também não terá a mesma facilidade de anos recentes para captar recursos no mercado externo, principalmente se o banco central americano aumentar os juros, e o Brasil e a companhia perderem o grau de investimento32, acontecimentos que a cada dia parecem estar mais próximos.

A captação de novos recursos e/ou a rolagem da dívida atual é fundamental para a concretização dos investimentos de US$ 130,3 bilhões,previstos no PNG 2015-2019. Nesse período, vencerão dívidas no valor de US$ 73,15 bilhões33, que somadas aos investimentos programados resultarão em necessidade de capital de US$ 203,45 bilhões ou US$ 40,7 bilhões por ano, quantia 63% maior que o EBITDA de 2014.

Alerta para as dificuldades de implementação de tal esforço financeiro, a Petrobras inseriu no PNG 2015-2019 a meta de venda de ativos de US$ 15,1 bilhões, em 2015-2016, e US$ 42,6 bilhões em 2017-2018, totalizando US$ 57,7 bilhões no quadriênio.

Os números apresentados nos parágrafos anteriores mostram o quanto essa venda de ativos é importante para o sucesso do PNG 2015-2019. Entretanto, diante das baixas cotações do petróleo e da crise que abate a economia brasileira, é pouco provável que se amealhe o valor esperado34, a não ser que os ativos colocados à venda sejam realmente excepcionais, como os grandes campos do pré-sal35 ou o controle da BR Distribuidora36.

Por fim, o cenário dos fornecedores da Petrobras não é nada animador. As maiores empreiteiras brasileiras estão sendo investigadas por corrupção em contratos com a petroleira na operação Lava-Jato, e sofrem bloqueio cautelar de seus contratos por parte da petroleira37. Algumas delas,como a OAS e a Galvão Engenharia, tiveram que pedir recuperação judicial38.

O arranjo industrial do parque fornecedor de sondas de perfuração offshore, constituído em torno da Sete Brasil, que deveria ser responsável pelo fornecimento de vinte e oito unidades, se desarticulou quando a empresa foi citada na operação Lava-Jato39. E só recentemente, a duras penas, a Petrobras e os sócios controladores da Sete Brasil chegaram a um acordo, no qual o número de sondas foi reduzido para dezenove40.No decorrer desse processo, estaleiros41, fornecedores de equipamentos42,43 e prestadores de serviço foram atingidos – seja pela retração das fontes de financiamento44, devido aos temores dos desdobramentos da operação Lava-Jato, seja pelo atraso de pagamento, cancelamento e/ou redução de encomendas45,46 –, e buscam alternativas à redução de investimentos da Petrobras47.

As opções incluem a consolidação do setor naval brasileiro48, o que demandará tempo e deverá provocar atrasos nas entregas de navios, plataformas e sondas de perfuração para a Petrobras. Além disso, o cumprimento dos compromissos de conteúdo local, que já é bastante desafiador, pode tornar-se ainda mais difícil49.

Conclusão

O PNG 2015-2019, ao propor cortes profundos nos investimentos anteriormente programados no PNG 2014-2018, causou a impressão de que a nova direção da Petrobras arquitetava seu planejamento com os pés solidamente apoiados no chão. Porém, no curto período decorrido desde seu anúncio no final de junho, diante dos desdobramentos das crises que assolam a companhia e o Brasil, a impressão que se tem é que o PNG 2015-2019 é mais um apanhado de desejos otimistas, como foram seus antecessores, que um plano realmente possível de ser concretizado.

Particularmente, as metas de aumento da produção de petróleo e de gás natural do PNG 2015-2019 mostram-se cada vez menos exequíveis, não pela falta de reservas, pois a Petrobras as tem em quantidade acima de sua capacidade de aproveitá-las, mas pela falta de recursos para realizar os investimentos necessários.

Diante desse quadro, é imperativo que o regime de exploração e produção de petróleo no Brasil seja revisto, com o intuito de torná-lo mais atrativo às empresas privadas, nacionais e estrangeiras, para que elas façam os investimentos que a Petrobras não poderá fazer por muitos anos.

__________________
1Disponível em:<http://www.investidorpetrobras.com.br/download/3013>. Acesso em 2 set. 2015.

2Disponível em: <http://www.investidorpetrobras.com.br/download/522>. Acesso em 2 set. 2015.

3Comperj: 165 mil bbl/d. Disponível em: <http://www.petrobras.com.br/pt/nossas-atividades/principais-operacoes/refinarias/complexo-petroquimico-do-rio-de-janeiro.htm>. Acesso em: 2 set. 2015.

4Premium I: 300 mil bbl/d; Premium II: 300 mil bbl/d. Disponível em: <http://www.petrobras.com.br/fatos-e-dados/nordeste-respondera-por-83-da-nova-capacidade-de-refino.htm>. Acesso em: 2 set. 2015.

5Cálculo do autor a partir das Tabelas 2.52 e 2.54 do Anuário Estatístico Brasileiro do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis 2015, publicado pela Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP). Disponível em: <http://www.anp.gov.br/?pg=76798>. Acesso em 2 set. 2015.

6A capacidade instalada de refino da Petrobras, chamada de carga de referência, é de 2,176 milhões de bbl/d. Se forem acrescentados mais 115 mil bbl/d, referentes ao 2º trem da Rnest, a capacidade de refino da Petrobras sobe para cerca 2,3 milhões de bbl/d. Como no PNG 2015-2019, a Petrobras estima que o consumo de derivados de petróleo no Brasil será de 2,85 milhões de bbl/d em 2020, o déficit na produção de derivados deverá superar 500 mil bbl/dnesse ano.

7Área responsável pela descoberta e desenvolvimento de campos petrolíferos bem como pela produção de petróleo e gás natural no Brasil.

8Na área Internacional, a quase totalidade dos investimentos concentra-se nas atividades de exploração e produção dos campos petrolíferos que a Petrobras possui no exterior.

9Essa unidade é utilizada para agregar a produção de petróleo e gás natural. É feita a equivalência energética entre o petróleo e o gás natural segundo a seguinte relação: 1.000 m3 de gás natural correspondem a 6,29 barris de petróleo. Alertamos que não se trata de uma equivalência econômica, pois a unidade de energia contida no petróleo alcança preço de mercado superior à unidade de energia contida no gás natural. De acordo com o balanço da Petrobras do segundo trimestre de 2015, essa diferença, para o mercado brasileiro, foi de US$ 7,73 por boe no primeiro semestre de 2015.  Esse aspecto será desconsiderado neste trabalho, porque não afetará significativamente as conclusões, já que a produção de gás natural representa menos de 20% da produção total de hidrocarbonetos da Petrobras. Disponível em: <http://www.investidorpetrobras.com.br/download/3220>. Acesso em 2 set. 2015.

10Segundo a Diretora-geral da ANP, o pico da produção do campo de Libra poderá atingir 1 milhão de bbl/d. Disponível em <http://www.valor.com.br/brasil/3196432/campo-do-pre-sal-tera-primeiro-oleo-apos-5>.  Acesso em 5 set. 2015.

11Em julho de 2015, foram produzidos 3,07 milhões de boe/d no Brasil. Disponível em <http://www.anp.gov.br/?dw=77430>. Acesso em 5 set. 2015.

12Em 2014, o Brasil produziu 822,9 milhões bbl de petróleo e 31,9 bilhões de m3 de gás natural, o que perfaz 1,02 bilhões de boe. Disponível em: <http://www.anp.gov.br/?dw=76545>. Acesso em 4 set. 2015.

13Royalties e participação especial, no regime de concessão; e royalties e excedente em óleo no regime de partilha.

14Disponível em<http://www.investidorpetrobras.com.br/download/1391>. Acesso em 2 set. 2015.

15Note-se que esse total é superior à produção projetada para 2020 no PNG 2015-2019, de 3,7 milhões de boe/d.

16Os dados para o período 201-2014 foram obtidos nas publicações de Resultados Financeiros disponibilizados pela Petrobras. Disponível em <http://www.investidorpetrobras.com.br/pt/resultados-financeiros#topo>.  Acesso em 2 set. 2015.

17Disponível em<www.investidorpetrobras.com.br/download/2972>. Acesso em 7 set. 2015.

18Disponível em <http://www.investidorpetrobras.com.br/download/1218>. Acesso em 2 set. 2015.

19Trata-se de uma política monetária para estimular a economia e combater a deflação, na qual o banco central compra títulos soberanos e outros papéis no mercado financeiro com intuito de aumentar a liquidez.

20Disponível em <http://economia.uol.com.br/ultimas-noticias/redacao/2010/09/24/petrobras-deve-ficar-entre-as-cinco-maiores-empresas-do-mundo.jhtm>. Acesso em 3 set. de 2015.

21Para maiores informações sobre o rating da Petrobras, ver: <http://www.brasil-economia-governo.org.br/2015/03/03/por-que-a-moodys-rebaixou-a-nota-de-credito-da-petrobras/>.

22Disponível em <http://www.investidorpetrobras.com.br/download/2914>. Acesso em 5 set. 2015.

23Disponível em <http://charting.nasdaq.com/ext/charts.dll?2-1-14-0-0-5120-03NA000000PBR-&SF:1|5-BG=FFFFFF-BT=0-WD=635-HT=395–XTBL->. Acesso em 6 set. 2015.

24Resultados financeiros da Petrobras. Disponíveis em <http://www.investidorpetrobras.com.br/pt/resultados-financeiros#topo>. Acesso em 5 set. 2015.

25Analistas calcularam que, entre outubro e dezembro de 2014, que o custo de captação para a Petrobras subiu 60%. Disponível em <http://www.valor.com.br/financas/3826354/custo-de-captacao-da-petrobras-sobe-60>. Acesso em 6 set. 2015.

26Disponível em <http://www.investidorpetrobras.com.br/download/3013>. Acesso em 3 set. 2015.

27Disponível em: <http://www.worldbank.org/content/dam/Worldbank/GEP/GEPcommodities/Price_Forecast_20150722.pdf>. Acesso em 6 set. 2015.

28Ponto no qual não há prejuízo nem lucro. A partir do breakevenpoint, a empresa passa a ter lucro.

29Disponível em <http://pt.slideshare.net/fullscreen/petrobrasri/visao-geral-da-petrobras/12>. Acesso em 7 set. 2015.

30Disponível em <http://www.financista.com.br/noticias/brasil-esta-proximo-de-viver-um-grande-estresse-economico>. Acesso em 5 set. 2015.

31Disponível em <http://www1.folha.uol.com.br/mercado/2015/09/1678204-alta-do-dolar-faz-divida-da-petrobras-aumentar-em-r-748-bilhoes.shtml>. Acesso em 5 set. 2015.

32A Petrobras ainda mantém o grau de investimento segundo a avaliação das agências de risco Fitch e Standard and Poor’s.

33Disponível em <http://www.investidorpetrobras.com.br/download/3220>.  Acesso em 5 set. 2015.

34A Petrobras não é a única petroleira que busca vender ativos para reforçar seu caixa. Estudo recente indica que as petroleiras colocaram a venda ativos avaliados em mais de US$ 110 bilhões. Essa oferta internacional de campos de petróleo coloca dificuldade adicional no plano de desinvestimentos da Petrobras. Disponível em <http://www.reuters.com/article/2015/01/30/us-oil-m-a-idUSKBN0L31MN20150130>. Acesso em 5 set. 2015.

35Na hipótese de a Petrobras decidir vender uma parcela de sua participação de 40% no campo de Libra, essa parcela não poderia ser superior a 10%, para manter a participação mínima de 30%, prevista na Lei nº 12.351, de 2010.

36 A venda da BR Distribuidora, independentemente da forma, deverá aguardar a melhora do mercado para conseguir maiores ofertas. Disponível em: <http://www.valor.com.br/empresas/4199730/cenario-ruim-e-divergencias-internas-adiam-oferta-da-br>. Acesso em 5 set. 2015.

37Disponível em <http://www.valor.com.br/empresas/3975960/menor-preco-do-petroleo-e-lava-jato-podem-impactar-pre-sal-diz-ppsa>. Acesso em 6 set. 2015.

38Disponível em <http://www.valor.com.br/brasil/3990160/sobem-pedidos-de-recuperacao-judicial-de-grandes-empresas>. Acesso em 6 set. 2015.

39Disponível em <http://www1.folha.uol.com.br/poder/2015/07/1657828-em-carta-ex-presidente-da-sete-brasil-admite-ter-recebido-propina.shtml>. Acesso em 6 set. 2015.

40Disponível em <http://www1.folha.uol.com.br/poder/2015/07/1657828-em-carta-ex-presidente-da-sete-brasil-admite-ter-recebido-propina.shtml>. Acesso em 6 set. 2015.

41Disponível em <http://www.valor.com.br/empresas/4057418/construcao-de-plataformas-em-xeque-no-rs>. Acesso em 6 set. 2015.

42Disponível em <http://www.valor.com.br/empresas/4114214/polo-do-vale-do-aco-vive-sua-maior-crise>. Acesso em 6 set. 2015.

43Disponível em <http://www.valor.com.br/empresas/4007506/fornecedores-de-petrobras-tem-contratos-ameacados>. Acesso em 6 set. 2015.

44Disponível em <http://www.valor.com.br/empresas/4122070/crise-no-eisa-petro-um-opoe-estaleiros-e-bancos-estatais>. Acesso em 6 set. 2015.

45Disponível em <http://www.valor.com.br/empresas/4038798/socios-aportam-capital-para-dar-folego-ao-estaleiro-atlantico-sul>. Acesso em 6 set. 2015.

46Disponível em <http://www.valor.com.br/empresas/4026650/estaleiros-demitem-10-mil-desde-dezembro-e-crise-pode-se-agravar>. Acesso em 6 set. 2015.

47Disponível em <http://www.valor.com.br/empresas/4107866/fornecedor-busca-eficiencia-para-enfrentar-crise-no-setor-petrolifero>. Acesso em 6 set. 2015.

48 Disponível em <http://www.valor.com.br/empresas/4166886/arrendamento-de-estaleiro-japoneses-vira-alternativa>. Acesso em 6 set. 2015.

49 Disponível em <http://www.valor.com.br/empresas/4028724/repsol-sinopec-se-prepara-para-desenvolver-projeto-gigante-de-gas>. Acesso em 6 set. 2015.

 

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Por que a Moody’s rebaixou a nota de crédito da Petrobras? https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=2412&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=por-que-a-moodys-rebaixou-a-nota-de-credito-da-petrobras https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=2412#comments Tue, 03 Mar 2015 16:20:03 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=2412 Introdução

No dia 24 de fevereiro de 2015, a agência de avaliação de risco Moody’s1 rebaixou todas as notas de crédito (rating2,3) da Petrobras, incluindo a da dívida em moeda estrangeira, cujo rating caiu dois níveis: de Baa3 para Ba24. Todos os ratings da estatal permanecem em observação pela agência e com viés de baixa, isto é, um novo rebaixamento pode ocorrer em curto prazo.

É o segundo rebaixamento generalizado de rating da Petrobras aplicado pela Moody’s em menos de um mês.No anterior, em 29 de janeiro, o rating da dívida em moeda estrangeira caiu de Baa2 para Baa35. Porém o mais recente rebaixamento foi especialmente impactante, pois, com esta nova queda, o rating da estatal perdeu o chamado grau de investimento. Assim, de acordo com a avaliação da Moody’s, a dívida da Petrobras agora possui grau especulativo6.

O rebaixamento do rating da Petrobras para o grau especulativo é uma sinalização forte para o mercado da deterioração financeira da empresa e do aumento do risco de atrasos ou não pagamentos de sua dívida. Os resultados práticos da perda do grau de investimento são: o aumento do custo incorrido pela Petrobras para emitir novos títulos, pois, agravado o risco, os credores exigirão maiores juros para comprar esses títulos7; e a redução da quantidade de potenciais credores, devido aos regulamentos de diversos fundos de investimentos, que vedam a aquisição ou manutenção de títulos com grau especulativo8. Duas consequências absolutamente inoportunas neste momento em que a Petrobras carrega uma das maiores dívidas empresariais do mundo e executa um plano de investimentos que exige recursos além de sua capacidade de geração de receita.

Como é possível a Petrobras – que alcançou o grau de investimento (Baa2) da Moody’s em 2005, descobriu o pré-sal em 2006 e atingiu seu rating máximo (A3) em 2011 – ter sofrido tamanha erosão de sua credibilidade perante o mercado, a ponto de sofrer rebaixamentos sucessivos de cinco níveis em seu rating em apenas dois anos e retroceder ao grau especulativo? Dois fatores foram decisivos no calvário da Petrobras: o endividamento e a corrupção, como se tentará mostrar neste trabalho.

 

O endividamento da Petrobras

A Petrobras,ao divulgar seu ambicioso Plano de Negócios e Gestão (PNG) 2014-20189, que inclui investimentos de US$ 220,6 bilhões –majoritariamente na área de Exploração e Produção, cuja meta principal é atingir a produção de 3,2 milhões de barris por dia de petróleo e líquido de gás natural em 201810 –,definiu os pressupostos de financiabilidade para a consecução desses investimentos, e o primeiro pressuposto era justamente a manutenção do grau de investimento.  Com esse objetivo foram estabelecidas três metas financeiras:

  1. Retorno dos indicadores de endividamento e alavancagem aos limites em até 24 meses;
  2. Alavancagem11 menor que 35%; e
  3. Dívida líquida/EBITDA12 menor que 2,5 vezes.

A preocupação da estatal com a possibilidade de perda do grau de investimento era pertinente. Em outubro de 2013, a Moody’s havia rebaixado o rating da dívida em moeda estrangeira da Petrobras de A3 para Baa113. Segundo a agência, o rebaixamento refletia a alta alavancagem financeira da Petrobras e a expectativa de que a empresa iria,à medida que prosseguia o seu programa de investimentos,continuar a ter fluxo de caixa líquido negativo nos anos seguintes.

Em outubro de 2014, a Moody’s voltou a rebaixar o rating da dívida em moeda estrangeira da Petrobras, desta vez,de Baa1 para Baa214. As razões foram semelhantes às do rebaixamento anterior: a alta alavancagem financeira e a possibilidade de postergação para depois de 2016 do declínio da mesma, contrariamente às expectativas originais da agência. Contribuíram para a deterioração dessas expectativas: o aumento do endividamento provocado pela desvalorização do real, as perdas na área de Abastecimento devido à defasagem entre preços internacionais e domésticos dos derivados de petróleo e o aumento da necessidade de financiamento. Preocupava também a queda da cotação do petróleo, que, em curto prazo, favorece a Petrobras pela diminuição das perdas na área de Abastecimento, porém, em médio e longo prazos, reduz a rentabilidade da área de Exploração e Produção.

O endividamento da Petrobras – medido por meio de dois índices: Dívida Líquida/Capitalização Líquida e Dívida Líquida/EBITDA- vem crescendo de forma significativa em razão do aumento da dívida líquida da empresa, como mostra a Figura 1.

Figura 1 – Histórico do Endividamento da Petrobras15.

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A dívida líquida da estatal, no terceiro trimestre de 2014, era de R$ 261,4 bilhões16, uma elevação de 321,1% em relação ao final de 2010. A Petrobras tornou-se a empresa mais endividada do mundo, segundo relatório do Bank of America Merril Lynch17.

Os resultados da Petrobras no terceiro trimestre de 2014 mostram que a dívida líquida, a alavancagem e a relação dívida líquida/EBITDA continuam a crescer, justificando a preocupação da Moody’s com o endividamento da estatal. De fato, no terceiro trimestre de 2014, o fluxo de caixa líquido da estatal foi negativo, situação que se repete desde 2007! Consequentemente a empresa precisa recorrer ao endividamento para continuar seu plano de investimentos, tendo em vista que uma emissão de ações é descartada pela diretoria da Petrobras18.

A evolução dos índices de endividamento da Petrobras no terceiro trimestre de 2014 – Dívida Líquida/Capitalização Líquida = 43% e Dívida Líquida/EBITDA = 4,63- mostram quão difícil será atingir já em 2015, e mesmo nos anos seguintes, os índices estabelecidos no PGN 2014-2018: 35% e 2,5, respectivamente.

Para aumentar o EBITDA da Petrobras é fundamental reverter com celeridade as perdas da área de Abastecimento e aumentar o resultado líquido da área de Exploração & Produção. A primeira condição está sendo alcançada.O resultado da área de Abastecimento da Petrobras deverá melhorar em 2015 devido a não ter sido repassada a redução do preço do petróleo para o preço dos derivados no mercado interno, embora parte desse ganho seja diminuída pela desvalorização do real.

Com relação ao resultado da área de Exploração & Produção, a redução do preço do petróleo é uma ameaça real. Não porque o novo preço do petróleo esteja abaixo do custo de produção no pré-sal, principal aposta da empresa, mas porque diminuirá a rentabilidade esperada pela Petrobras por barril de petróleo produzido.

Mesmo considerando todas as dificuldades técnicas e logísticas envolvidas, o custo de produção de petróleo no pré-sal é relativamente baixo. Nas palavras do ex-diretor da área de Exploração & Produção da Petrobras, José Formigli, a exploração nessa área já seria sustentável com o preço internacional de petróleo entre US$ 40 e US$ 4519.  Porém as dificuldades para alcançar a rentabilidade planejada ficam claras ao cotejar o preço atual do petróleo, cerca de US$ 50 o barril do tipo Brent, e as premissas assumidas pelo Plano Estratégico 2030 da Petrobras: o barril de petróleo do tipo Brent a US$ 100 entre 2015 e 2017, com uma leve queda para US$ 95 entre 2018 e 2030.

Evidentemente a queda da cotação do petróleo atinge todas as empresas petrolíferas, mas as consequências do novo cenário são potencialmente mais danosas para a Petrobras do que para a maioria das petroleiras devido à elevada alavancagem da empresa.  Ao optar por uma estratégia de rápido aumento da produção sustentada por maciços investimentos com recursos de terceiros, a estatal colocou-se em posição de acentuada vulnerabilidade em relação às oscilações do preço do petróleo, commodity sabidamente volátil.

Além disso, muitos dos investimentos da Petrobras estão sendo executados a custo mais elevado do que a média praticada no setor do petróleo20,21,seja em razão da política de conteúdo local, seja devido a práticas fraudulentas de contratação. Sendo assim, o retorno desses investimentos exigirá prazos mais longos e/ou preço do petróleo mais alto do que seria necessário se tivessem sido adotadas políticas de investimento com foco na rentabilidade e de governança corporativa eficaz.

Pesa negativamente também o fato da Petrobras não ter cumprido sua meta de aumento de produção em 2014. O PNG 2014-2018 previa crescimento da produção de 7,5%, com margem de erro de 1%, sobre 2013, mas o alcançado foi de somente 5,3%22. Embora essa frustração do aumento da produção possa ser considerada pequena, ela reaviva a desconfiança em relação às metas de produção ambiciosas dos planos da Petrobras, que, historicamente, não são cumpridas. Mormente agora que a estatal precisará reduzir substancialmente os investimentos inicialmente planejados23. O não cumprimento das metas de produção comprometerá a geração de receita para fazer frente ao vencimento das dívidas.

Outra fonte de preocupação para a estatal é a cotação do dólar. No PNG 2014-2018, estimava-se que a taxa de câmbio média seria de R$ 2,23 em 2014, valorizando para R$ 1,92 em longo prazo. Esses valores, evidentemente, não correspondem mais à realidade.  No entendimento da Petrobras, contudo, a desvalorização do real é benéfica para a empresa, porque, a partir de 2016, se tornará exportadora líquida de petróleo, e suas receitas em reais aumentarão com o dólar mais forte24.

Apenas não se pode esquecer que a dívida da estatal denominada em dólares, no terceiro trimestre de 2014, equivalia a R$ 233,6 bilhões. Ou seja, enquanto a Petrobras não for exportadora líquida de petróleo, a desvalorização cambial do real é mais uma fonte de perdas para a empresa.

A perspectiva de que a Petrobras se torne exportadora líquida de petróleo a partir de 2016, baseia-se em duas projeções: de crescimento da produção de petróleo e de crescimento da demanda interna de derivados. Já foi visto que a primeira projeção não será cumprida conforme inicialmente estabelecido. Com relação à segunda, provavelmente foi subdimensionada.

O PNG 2014-2018 prevê que o mercado interno de derivados cresça 2,7% ao ano até 2020. Entretanto, no quinquênio 2010-2014, o crescimento anual médio do consumo de derivados foi de 6,8%25. É provável que números tão elevados não se repitam nos anos vindouros, mas, de qualquer forma, a estimativa de aumento médio de 2,7% no consumo de derivados parece tímida.

A produção de petróleo abaixo do planejado combinada com a maior taxa de crescimento do consumo interno de derivados de petróleo implica o adiamento do momento em que a Petrobras se tornará exportadora líquida de petróleo e a redução dos saldos exportáveis futuros. Por conseguinte, a estatal terá menor capacidade de gerar receitas em dólares do que previsto no PNG 2014-2018 e, assim, ficará mais exposta à valorização do dólar26.

 

A corrupção na Petrobras

O escândalo de corrupção na Petrobras, investigado pelo Ministério Público e pela Polícia Federal no âmbito da “Operação Lava Jato”27, e os seus possíveis desdobramentos foram determinantes para as duas mais recentes reduções de rating da estatal pela Moody’s, ambas citadas na introdução.

Os bilionários desvios de recursos da Petrobras trazem dúvidas sobre a real situação da empresa, até mesmo para a sua diretoria28, de forma que a Petrobras ficou sem condições de publicar seu balanço do terceiro trimestre de 2014 assinado por auditores independentes29. Esse fato gerou dúvidas a respeito da capacidade da estatal de publicar tempestivamente seu balanço anual auditado30. Caso contrário, em razão de cláusulas contratuais constantes dos processos de emissão, chamadas decovenants, os credores podem exigir o vencimento antecipado dos títulos da Petrobras, que montam a mais de US$ 50 bilhões, quantia além das disponibilidades do caixa da empresa.

O último rebaixamento do rating da Petrobras pela Moody’s pode ser visto como uma moção de desconfiança em relação à nova diretoria da estatal, aprovada pelo Conselho de Administração em 6 de fevereiro último, apenas três semanas antes do rebaixamento. A agência de risco, na nota explicativa a respeito do rebaixamento do rating da Petrobras, chamou a atenção para a falta de medidas concretas para publicação tempestiva do balanço anual auditado, a dificuldade que terá a diretoria para compatibilizar o tratamento do escândalo de corrupção com a atenção demandada pelas atividades operacionais e as incertezas sobre a efetiva melhora da governança e do controle interno da empresa.

Agravando ainda mais a situação geral, a Petrobras é alvo de investigações do Departamento de Justiça dos Estados Unidos e da Security Exchange Comission (SEC), órgão fiscalizador do mercado acionário americano31, já que seus papéis também são negociados na Bolsa de Nova Iorque. As investigações objetivam descobrir se houve descumprimento do Foreign Corrupt Practices Act32.Caso a estatal venha ser declarada culpada,poderá vir a sofrer pesadas multas administrativas e penais33.

Por fim, investidores que se consideram lesados pela Petrobras acionam a estatal nas cortes americanas para receberam indenizações pelas perdas com os papéis da empresa. Essas indenizações podem superar os quinhentos milhões de dólares34.

 

Conclusão

A Petrobras passa pelo pior momento de sua história sexagenária. Problemas de gestão, intervencionismo estatal, corrupção e queda do preço do petróleo juntaram-se para formar a “tempestade perfeita” que assola a empresa e que deverá levar anos para ser completamente debelada.

A situação financeira da Petrobras é extremamente grave e entrou em loop perigoso.A empresa não será capaz de cumprir as metas de redução de endividamento a níveis seguros. Diante desse quadro, terá que cortar investimentos e, consequentemente, também não cumprirá as metas de aumento da produção de petróleo.O que, por sua vez, diminuirá a geração futura de receita e, portanto, reduzirá sua capacidade de pagar as dívidas a vencer.

Além disso, em razão da possibilidade de não publicação tempestiva do balanço anual auditado, a estatal corre o risco de se tornar ilíquida pelo vencimento antecipado de suas dívidas.

A combinação dos fatores apresentados acima resultou na perda do grau de investimento da Petrobras na avaliação da Moody’s.

A situação da Petrobras, contudo, não é irreversível. A recuperação da empresa poderá ocorrer – certamente de forma custosa para consumidores e/ou contribuintes, afinal alguém tem que pagar pelo descalabro – sustentada em quatro pontos fortes que a estatal possui: i) corpo técnico de excelência; ii) reservas de petróleo em expansão; iii) monopólio de fato no fornecimento de derivados para o mercado brasileiro, o sexto maior do mundo; e iv) possibilidade de ser socorrida pelo Tesouro. Entretanto esses pontos fortes, por si sós, serão insuficientes se não houver melhora da gestão da Petrobras – incluindo seleção de investimentos com base na rentabilidade e efetiva adoção de práticas modernas de governança – e repensamento do papel da empresa na execução de políticas públicas ou de Governo. Mas isso é tema para um próximo artigo.

_______________

1A Moody’s é uma das três principais agências internacionais de avaliação de risco. As outras duas agências são a Standard & Poor’s e a Fitch.

2O rating é uma medida que busca indicar a capacidade de empresas e governos honrarem os títulos de crédito que emitem, refletindo a possibilidade da ocorrência de atrasos ou mesmo de não pagamento, bem como a perda financeira esperada em caso de não pagamento. Trata-se de um importante instrumento de análise para os investidores – fundamental no mercado financeiro globalizado – que recebem uma opinião abalizada e independente sobre os riscos envolvidos nas transações com títulos de crédito.

3A Moody’s utiliza um sistema alfanumérico de classificação do risco de títulos. Esse sistema é dividido em duas faixas principais: grau de investimento e grau especulativo. A faixa grau de investimento é subdividida nos seguintes níveis, em ordem crescente de risco: Aaa; Aa1; Aa2; Aa3; A1, A2; A3; Baa1; Baa2; Baa3. A faixa grau especulativo é subdividida nos seguintes níveis, em ordem crescente de risco: Ba1; Ba2; Ba3; B1; B2; B3; Caa1; Caa2; Caa3; Ca; C.

<4PETROBRAS. Agência Moody’s revê nossa classificação de risco. Fatos e Dados. 25 fev. 2015. Disponível em: <http://www.petrobras.com.br/fatos-e-dados/moody-s-reve-nossa-classificacao-de-risco.htm>. Acesso em: 25 fev. 2015.

5PETROBRAS. Agência Moody’s revê nossa classificação de risco. Fatos e Dados. 30 jan. 2015. Disponível em: <http://www.petrobras.com.br/fatos-e-dados/agencia-moody-s-reve-nossa-classificacao-de-risco.htm>. Acesso em: 25 fev. 2015.

6De acordo com a avaliação da Standard & Poor’s, o rating dos títulos da Petrobras em moeda estrangeira é ‘BBB-‘, o nível mais baixo ainda no grau investimento na escala da agência, com perspectiva estável. Já para a Fitch, o rating para esses títulos é ‘BBB-‘, também o nível mais baixo ainda no grau investimento na escala da agência, com perspectiva negativa.

7O banco de investimentos UBS estima que os juros a serem pagos pela Petrobras aumentarão 2% em razão do rebaixamento do rating pela Moody’s. Isso representaria um gasto adicional de até R$ 1 bilhão na renovação da dívida de curto prazo da estatal. Fonte: Moreira, Talita; Oyamada, Aline; Moreira Assis. Sem grau de investimento, Petrobras perde acesso a mercado de US$ 15 trilhões. Valor Econômico. 26 fev. 2015. Disponível em: <http://www.valor.com.br/financas/3928064/sem-grau-de-investimento-petrobras-perde-acesso-mercado-de-us-15-tri>. Acesso em: 27 fev. 2015.

8Em caso de diferentes avaliações de risco por parte das principais agências, os fundos de investimento costumam utilizar métodos de composição dos ratings para chegar ao rating“médio” do título. O método de maior uso quando são três agências a classificar o título, como é o caso com os títulos da Petrobras, é utilizarorating mais repetido, ou, se todas as três agências avaliarem o risco de forma diferente, utilizaroratingintermediário. Assim, orating “médio” da Petrobras ainda está no último nível do grau de investimento, rating concedido pela Standard & Poor’s e pela Fitch. Para a Petrobras perder o grau de investimento “médio”, mais uma agência teria que rebaixar o rating da estatal. Contudo, a expectativa crescente de que isso possa ocorrer já provocou a perda de 3% no valor e aumento de mais de 150% no volume de transações dos títulos mais líquidos da Petrobras. Fonte: Id., Ibid.

9 PETROBRAS. Fato Relevante do Plano Estratégico 2030 e PNG 2014-2018. 25 fev. 2014. Disponível em: <http://investidorpetrobras.com.br/pt/plano-de-negocios-e-gestao/fato-relevante-do-plano-estrategico-2030-e-png-2014-2018.htm>. Acesso em: 26 fev. 2015.

10As metas de produção estabelecidas pela Petrobras são bastante ousadas. Em 2020, objetiva atingir 4,2 milhões de barris por dia de petróleo e líquido de gás natural. Considerando que em 2014 a produção diária de petróleo e líquido de gás natural foi de 2,031 milhões de barris, a Petrobras pretende mais que dobrar a produção em apenas seis anos. Ou seja, a Petrobras quer realizar nos próximos seis anos o equivalenteao que foi feito nos últimos sessenta anos.

11A alavancagem é calculada pela razão entre a dívida líquida e a soma do patrimônio líquido com a dívida líquida. É uma medida de quanto a empresa está se utilizando recursos de terceiros em relação aos recursos próprios, ou seja, de quanto a empresa prefere arriscar recursos de terceiros em vez de recursos próprios.

12EBITDA (earnings before interest, taxes, depreciation and amortization) é traduzido para o português como “lucro antes dos juros, impostos, depreciação e amortização”, conhecido também pela sigla LAJIDA. A relação Dívida Líquida/EBITDA indica se a empresa está gerando receitas suficientes para pagar suas dívidas.

13VIRI, Natalia. Moody’s rebaixa nota de crédito da Petrobras de ‘A3’ para ‘Baa1’. Valor Econômico. 3 out. 2013. Disponível em: <http://www.valor.com.br/empresas/3293396/moodys-rebaixa-nota-de-credito-da-petrobras-de-a3-para-baa1>. Acesso em: 26 fev. 2015.

14VIRI, Natalia. Moody’s rebaixa rating da Petrobras de ‘Baa1’ para ‘Baa2’. Valor Econômico. 21 out. 2014. Disponível em: <http://www.valor.com.br/financas/3743102/moodys-rebaixa-rating-da-petrobras-de-baa1-para-baa2>. Acesso em 26 fev. 2015.

15Cálculos do autor a partir de informações da Petrobras. Fonte: PETROBRAS. Central de Resultados. Disponível em: http://investidorpetrobras.com.br/pt/central-de-resultados/. Acesso em 26/02/2015.

16PETROBRAS. Resultado do terceiro trimestre 2014 não revisado pelos auditores independentes. 27 jan. 2015. Disponível em: <http://investidorpetrobras.com.br/lumis/portal/file/fileDownload.jsp?fileId=8AAF0C7348D11F37014B32059DF65A0B>. Acesso em: 26 fev. 2015.

17GUIMARÃES, Fernanda. Petrobras é a empresa com mais dívidas no mundo. Estadão. 19 out. 2013. Disponível em: <http://economia.estadao.com.br/noticias/geral,petrobras-e-a-empresa-com-mais-dividas-no-mundo-imp-,1087347>. Acesso em: 21/11/2014.

18PETROBRAS. Fato Relevante do Plano Estratégico 2030 e PNG 2014-2018. 25 fev. 2014. Disponível em: <http://investidorpetrobras.com.br/pt/plano-de-negocios-e-gestao/fato-relevante-do-plano-estrategico-2030-e-png-2014-2018.htm>. Acesso em: 26 fev. 2015.

19FICK, Jeff. Pre-salt production ‘sustainable’ with oil prices between $40-$45 – Formigli. World Oil. 8 dez. 2013. Disponível em: <http://www.worldoil.com/Pre-salt-production-sustainable-with-oil-prices-Formigli.html>. Acesso em: 28/10/2014.

20Por exemplo, o custo final da refinaria Abreu e Lima, em Pernambuco, deverá ser de US$ 18,5 bilhões, segundo a ex-presidente da Petrobras, Graça Foster. Considerando a capacidade de processamento da refinaria, de 230 mil barris por dia de petróleo, o custo de investimento será de US$ 80.345por barril. Fonte: BORGES, André. Refinaria Abreu e Lima deverá ter custo final de US$ 18,5 bilhões. Valor Econômico. 27 maio 2014. Disponível em: <http://www.valor.com.br/politica/3564228/refinaria-abreu-e-lima-devera-ter-custo-final-de-us-185-bilhoes>. Acesso em: 28 fev. 2015.

21A refinaria da Saudi Aramco Total Refinery & Petrochemicals Co. (Satorp) – situada na cidade de Jubail, na Arábia Saudita, inaugurada no segundo semestre de 2013 – com capacidade de processamento de 400 mil barris por dia de petróleo pesado, para conversão em petroquímicos e combustíveis de alta qualidade, custou US$ 14 bilhões. O custo de investimento por barril da Satorp foi de US$ 35.000. Ou seja, o custo de investimento por barril da refinaria Abreu e Lima foi 130% mais alto do que o da refinaria Satorp. Fonte: OGJ EDITORS. Satorp ships first products from Jubail refinery complex. Oil & Gas Journal. 26 set. 2013. Disponível em: <http://www.ogj.com/articles/2013/09/satorp-ships-first-products-from-jubail-refinery-complex.html>. Acesso em: 28 fev. 2015.

22PETROBRAS. Batemos em dezembro recordes diário, mensal e anual de produção de petróleo e gás. Fatos e Dados. 13 jan. 2015. Disponível em: <http://www.petrobras.com.br/fatos-e-dados/batemos-em-dezembro-recordes-diario-mensal-e-anual-de-producao-de-petroleo-e-gas-natural.htm>. Acesso em: 26 fev. 2015.

23Diante da crise que assola a Petrobras, a diretoria da empresa programa redução dos investimentos em 2015: de US$ 44 bilhões, inicialmente programados no PNG 2014-2018, para US$ 31 ou 33 bilhões. O corte atingirá inclusive a área de Exploração e Produção. Fonte: RAMALHO, André; POLITO, Rodrigo. Estatal atrasa plano de negócios e revê crescimento da produção. Valor Econômico. 30 jan. 2015. Disponível em http://www.valor.com.br/empresas/3885482/estatal-atrasa-plano-de-negocios-e-revecrescimento-da-producao. Acesso em 27fev. 2015.

24PETROBRAS. Plano de Negócios e Gestão: PNG 2014-2018. Disponível em: <http://www.agenciapetrobras.com.br/upload/documentos/apresentacao_j0Q04hFQXA.pdf>. Acesso em: 26/02/2015.

25Cálculos do autor a partir de estatísticas da ANP. Disponível em: <http://www.anp.gov.br/?dw=11029>. Acesso em: 26 fev. 2015.

26Mesmo a apreciação do real, dependendo do timing, pode ser prejudicial para a Petrobras.  Se o real voltar a se apreciar em médio prazo, a estatal viveria no “pior dos mundos”. Em curto prazo, enquanto importadora líquida de petróleo, a estatal teria que comprar dólar apreciado para pagar o serviço da dívida e parte do principal – e, assim, reduzir sua alavancagem –, bem comopara importar máquinas e equipamentos empregados no desenvolvimento dos campos de petróleo. Posteriormente, já como exportadora líquida, venderia o petróleo extraído a um dólar depreciado, enquanto arcaria com custos de produção majoritariamente em reais.

27FOLHA DE SÃO PAULO. Entenda a Operação Lava Jato, da Polícia Federal. 14 nov. 2014. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/poder/2014/11/1548049-entenda-a-operacao-lava-jato-da-policia-federal.shtml>. Acesso em: 27 fev. 2015.

28“A Companhia entende que será necessário realizar ajustes nas demonstrações contábeis para a correção dos valores dos ativos imobilizados que foram impactados por valores relacionados aos atos ilícitos perpetrados por empresas fornecedoras, agentes políticos, funcionários da Petrobras e outras pessoas no âmbito da “Operação Lava Jato”.

No entanto, em face da impraticabilidade de quantificar de forma correta, completa e definitiva tais valores que foram capitalizados em seu ativo imobilizado, a Companhia considerou a adoção de abordagens alternativas para correção desses valores: i) uso de um percentual médio de pagamentos indevidos, citados em depoimentos; ii) avaliação a valor justo dos ativos cuja constituição se deu por meio de contratos de fornecimento de bens e serviços firmados com empresas citadas na “Operação Lava Jato”. Essas alternativas se mostraram inapropriadas para substituir a impraticável determinação do sobrepreço relacionado a esses pagamentos indevidos.” Fonte: PETROBRAS. Resultado do terceiro trimestre 2014 não revisado pelos auditores independentes. 27 jan. 2015. Disponível em: <http://investidorpetrobras.com.br/lumis/portal/file/fileDownload.jsp?fileId=8AAF0C7348D11F37014B32059DF65A0B>. Acesso em: 26 fev. 2015.

29REUTERS BRASIL. PwC recusa-se a aprovar balanço da Petrobras, diz Estadão. 1º nov. 2014. Disponível em: <http://br.reuters.com/article/businessNews/idBRKBN0IL2W720141101>. Acesso em: 27 fev. 2015.

30A Petrobras tem 120 dias, a partir do fim do exercício, 31 de dezembro, para apresentar seu balanço anual auditado. São concedidos, ainda, 60 dias de tolerância.

31VEJA. EUA abrem investigação sobre a Petrobras, diz “FT”. 9 nov. 2014. Disponível em:<http://veja.abril.com.br/noticia/brasil/eua-abrem-investigacao-sobre-petrobras-diz-ft>. Acesso em: 27 fev. 2015.

32Lei americana anticorrupção que tornou ilegal o pagamento de suborno para funcionários estrangeiros com o intuito de obter vantagens em negócios.

33PITA, Antonio; NUNES, Fernanda; BORGES, Altamiro. Denúncias de corrupção na Petrobras podem gerar multa. Estadão. 10 nov. 2014. Disponível em: <http://politica.estadao.com.br/noticias/geral,denuncias-de-corrupcao-na-petrobras-podem-gerar-multa,1590900>. Acesso em: 27 fev. 2015.

34SETTI, Rennan. Investidores que processam Petrobras nos EUA alegam prejuízo de US$ 528 milhões, diz relatório. O Globo. 17 fev. 2015. Disponível em: <http://oglobo.globo.com/economia/petroleo-e-energia/investidores-que-processam-petrobras-nos-eua-alegam-prejuizo-de-us-528-milhoes-diz-relatorio-15360197>. Acesso em: 27 fev. 2015.

 

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Quem tem medo de reservatórios? https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=2374&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=quem-tem-medo-de-reservatorios https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=2374#comments Mon, 26 Jan 2015 10:46:39 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=2374 Na década de 1980, sob pressão de setores ambientalistas, o Banco Mundial deixou de apoiar a construção de hidrelétricas, que, para eles, não podiam ser consideradas fontes limpas, por causa dos seus reservatórios. Era, segundo Francisco Gomide, professor titular da Universidade Federal do Paraná e ex-Ministro de Minas e Energia, o início de um processo de “criminalização” das barragens, equívoco que durou bom tempo até que o Banco voltou a considerar as hidrelétricas como fontes renováveis de energia. Esse engano terrível contribuiu, segundo ele para que o século XX terminasse contabilizando 1,6 bilhão de pessoas sem energia elétrica e mais de 850 milhões sem acesso à água.

O Banco reviu sua posição, mas os radicais e os equivocados não! No Brasil, a cruzada contra as hidrelétricas continuou firme, a pretexto da intocabilidade da Floresta Amazônica, reforçada por celebridades como Sting e James Cameron. O principal símbolo dessa luta tem sido a Usina Belo Monte. Graças a essas pressões, o projeto de Belo Monte foi alterado na década de 90, e a usina está sendo construída “a fio d’água”, sem capacidade de gerar no período seco porque não tem o reservatório previsto no projeto original. Com isso, perdem-se mais de 5 mil MWmédios de energia, mais de 60% da energia de Itaipu, a maior geradora mundial de energia elétrica.

Neste ponto, é importante registrar que todos esses reservatórios construídos e a construir na Amazônia ocuparão apenas 10.500 km², ou seja, 0,16% desse bioma, que tem 6.500.000 km².

Mas essa foi a forma de “viabilização sociopolítica” encontrada pelo governo para Belo Monte e para outras hidrelétricas: construir usinas sem reservatório, renunciando à sua imensa capacidade de geração de energia firme, limpa e barata, rasgando a Lei nº 9.074, de 1995, que determina o aproveitamento ótimo dos recursos hídricos das bacias. Renunciando à reservação, haveria menos área alagada e a grita dos oponentes seria menor.

Com essa política, contudo, renunciamos em definitivo a uma insubstituível fonte de geração de energia limpa e barata, patrimônio de toda a população brasileira. Uma hidrelétrica construída sem obediência ao aproveitamento ótimo legal significa perda de capacidade de geração de energia por toda a sua vida útil, de até mais de 100 anos. Com isso, o Brasil perde competitividade no mercado internacional porque não dispõe de energia barata, o que seria uma de nossas vantagens comparativas, dado o nosso potencial hídrico, e a conta de luz do consumidor residencial aumenta.

Mas por que os reservatórios são importantes? As usinas podem continuar gerando no período seco, se houver água guardada. Se não, é preciso acionar térmicas a combustível fóssil, muito mais caras e mais poluentes. As hidrelétricas com reservatório oferecem energia limpa a, no máximo, R$ 160,00/MWh, além de proporcionar regularização de cheias, água para consumo e irrigação, piscicultura, pesca e turismo, entre outros benefícios. As térmicas geram apenas energia, calor e CO², a um preço que vai de R$ 340,00 a R$ 1.000,00/MWh. Mas elas não são as vilãs do filme. Na verdade, têm sido, em vista dos equívocos da política setorial, a única alternativa segura para garantir o abastecimento.

A fonte eólica, já economicamente viável, e a solar, ainda muito cara, ambas queridinhas dos radicais equivocados, são apenas complementares, porque dependem da ocorrência de sol e vento, não são fontes seguras. Além disso, podem apresentar efeitos ambientais altamente perversos. Uma usina solar moderna, por exemplo, esterilizaria uma área de 2.200 km² com os seus painéis para gerar a mesma quantidade de energia que será entregue por Belo Monte, cujo lago medirá apenas 516 km².

Vivemos uma grande crise hídrica no País. Os reservatórios das hidrelétricas do Sudeste/Centro-Oeste, responsáveis por cerca de 70% do abastecimento nacional, encerraram dezembro com apenas 19,36% de sua capacidade. Em 2001, ano em que o Brasil foi obrigado a racionar energia, esse percentual era de 32,27%!

Por sorte, temos hoje um parque térmico bem maior que o existente naquele ano, montando a quase 30% da capacidade instalada nacional. Essas térmicas têm sido acionadas praticamente a sua capacidade plena desde 18 de outubro de 2012, quando a escassez de chuvas começou a assustar o governo, a um custo que pode chegar até a R$ 50 bilhões, segundo alguns especialistas. Daí, também vêm as previsões sobre os aumentos da conta de luz que já estão sendo anunciados. Se teremos um racionamento este ano ainda é coisa difícil de prever, mas a situação é bastante ruim.

Em São Paulo há uma crise hídrica ainda pior. Lá falta água para o consumo humano. Como culpar São Pedro não resolve o problema, só nos resta fazer o que se faz desde a Antiguidade: armazenar e poupar água. A Grande Barragem de Marib, no atual Iêmen, construída no século VIII A.C., é considerada a barragem mais antiga do mundo e permitiu irrigação e a sobrevivência dos nabateus, que então viviam na região. Os Estados Unidos têm hoje 75.000 barragens, com idade média de 50 anos. Elas armazenam entre 800 e 1.000 km³ de água. Não há sinais, até aqui, de que construí-las tenha sido um erro. De resto, todos os países do mundo que têm a possibilidade de construir hidrelétricas já o fizeram, e os que ainda não o fizeram se apressam a fazê-lo, como os chineses.

O Brasil dispõe do 3º maior potencial hidrelétrico do mundo, que representa 10% da disponibilidade mundial. Estima-se que tenhamos ainda cerca de 120 mil MW de capacidade a aproveitar, quase 90% da nossa capacidade total de geração. Até quando vamos continuar desperdiçando essa riqueza? Até quando continuaremos cultivando uma aversão irracional contra hidrelétricas com reservatórios?

 

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