Categorias – Brasil, economia e governo https://www.brasil-economia-governo.com.br Fri, 21 Oct 2022 16:16:59 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=6.5.3 PIB brasileiro está mal internacionalmente, segundo o FMI https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=3682&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=pib-brasileiro-esta-mal-internacionalmente-segundo-o-fmi Fri, 21 Oct 2022 16:14:55 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=3682 PIB brasileiro está mal internacionalmente, segundo o FMI

 

Por Roberto Macedo* 

 

O Fundo Monetário Internacional (FMI) publicou recentemente, no dia 11, nova edição do seu World Economic Outlook (Perspectiva Econômica Mundial), que mais uma vez deixou o Brasil mal na foto. Como já apontei várias vezes neste espaço, desde 1980 o Brasil está numa fase de estagnação, que segundo meu dicionário, não significa crescimento econômico nulo, e sim abaixo do seu potencial. Creio que o leitor concordará que com uma boa arrumada nosso país poderia crescer muito mais.

Os dados abaixo mostram essa foto:

Dados do FMI de projeções do PIB por regiões e Brasil

Note-se que em 2022 taxa de crescimento prevista para o PIB do Brasil só é superior à das economias avançadas, que em geral avançam menos que o PIB mundial, que as economias emergentes e em desenvolvimento, e que a América Latina e o Caribe. E o Brasil fica abaixo da América Latina e Caribe, onde estão ele e seus vizinhos.

O governo federal vem alardeando a importância desse desempenho, mas ele veio principalmente da recuperação do setor de serviços, estimulado pelo alívio da Covid-19 e maior retorno da população às compras, bem como por maiores saques da caderneta e estímulos governamentais político-eleitorais.

Como na sua maioria são situações provisórias, a previsão para o PIB brasileiro em 2023 é bem menor, de apenas 1%, e fica abaixo do previsto para os grupos listados, o que indica que a estagnação continuará pesando, como vem fazendo há muito tempo.

Nos debates da eleição para presidente, os dois candidatos que restaram para o segundo turno vêm se esquivando sobre o que vão fazer na economia se vencerem. Eles devem ter seus planos, mas uma divulgação deles pode não agradar segmentos de seus próprios apoiadores, com o que preferem se omitir quanto à discussão do assunto.

Felizmente, falta pouco para determinar quem vai assumir a Presidência da República em 2023, num quadro agravado pelo custo fiscal das medidas eleitorais do atual incumbente. Mas quem assumir não terá como se omitir diante do assunto, e certamente teremos muita discussão em torno dos rumos que a política econômica governamental vai tomar.

 

*Roberto Macedo é economista (UFMG, USP e Harvard), professor sênior da USP e membro do Instituto Fernand Braudel.

 

Artigo publicado no site da Fundação Espaço Democrático, em 20 de outubro de 2022.

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Poupança cai e também estimula o PIB https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=3680&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=poupanca-cai-e-tambem-estimula-o-pib Fri, 07 Oct 2022 20:48:02 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=3680 Poupança cai e também estimula o PIB

Maiores saques das cadernetas tiveram efeito expansivo sobre o Produto Interno Bruto, principalmente em 2022.

 

Por Roberto Macedo*

 

No ano mais crítico da pandemia de Covid-19, 2020, a captação líquida (depósitos menos retiradas) das cadernetas de poupança, conforme dados do Banco Central, foi recorde, atingindo R$ 166 bilhões no ano, e pela primeira vez o saldo final das contas superou R$ 1 trilhão. Isso resultou de três fatores principais. A pandemia levou muitos consumidores à reclusão doméstica, indo menos às compras de bens e serviços e recorrendo também ao comércio eletrônico, mesmo que em menor escala. Atuou, ainda, o efeito precaução, que expande a poupança em face de incertezas quanto ao que virá à frente. E veio o auxílio que o governo passou a pagar, parte do qual foi poupado nas cadernetas.

Nesse contexto, em 2020 o Produto Interno Bruto (PIB) caiu 3,9%. Em 2021, passou à recuperação, crescendo 4,6%, os consumidores começaram a voltar às compras e a captação líquida da poupança foi negativa em R$ 35,5 bilhões. Em 2022 esse movimento se acentuou, e até agosto a captação líquida negativa foi de R$ 85,2 bilhões, em razão do que no mesmo mês o saldo final caiu abaixo de R$ 1 trilhão – e só não caiu mais em razão do crédito de rendimentos, que o Banco Central não inclui na avaliação da captação líquida. Em agosto, esse crédito alcançou um total de R$ 6,6 bilhões.

Com isso, o crescimento do PIB se ampliou e as previsões de sua taxa de crescimento anual, segundo o boletim Focus, do Banco Central, divulgado semanalmente com estimativas de analistas do mercado financeiro, passaram de 0,28%, na primeira edição de janeiro, para 2,75%, na última de setembro.

O governo Bolsonaro vem apregoando que esse resultado decorre de suas políticas econômica e social, mas parece-me que o maior efeito veio do retorno da população às compras de bens e serviços.

A mais recente ampliação dos benefícios sociais veio em setembro, mas os citados dados da poupança correspondem ao período até agosto, quando a recuperação já se evidenciava. Lembro, também, que o citado movimento de queda da poupança começou em 2021, quando a captação líquida negativa alcançou o citado valor de R$ 35,5 bilhões, e acrescento que isso ocorreu principalmente no segundo semestre, já trazendo um estímulo ao PIB que se consolidou em 2022, com o referido valor de R$ 85,2 bilhões.

Para fins de comparação, segundo o site economania.com.br, em 13 de julho passado, a partir de fontes governamentais, o valor total dos novos benefícios – aumento de R$ 200 no Auxílio Brasil, aumento do vale-gás, do auxílio-caminhoneiro, transporte gratuito para idosos com mais de 65 anos, subsídio para a produção do etanol e auxílio para taxistas – foi estimado em R$ 40,8 bilhões, sendo que o primeiro benefício citado é o maior deles (R$ 26 bilhões).

Contudo, a questão sob análise não pode parar aqui, porque a dúvida que emerge é se a despoupança que vem acontecendo nas cadernetas tem sido toda dirigida ao consumo, uma vez que pode ser também destinada a outras aplicações em renda fixa e em renda variável. Quanto a isso, meu amigo e ex-professor o economista Carlos Antonio Rocca vem realizando uma análise ímpar do chamado fluxo de fundos da economia, ou seja, de onde o dinheiro vem e para onde ele vai.

Rocca lidera o Centro de Estudos de Mercado de Capitais (Cemec), ligado à Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (www.cemecfipe.org.br). A nota Cemec 05/2022, publicada em maio, trata da poupança financeira da economia no primeiro trimestre deste ano. Mostra que houve queda dos depósitos de poupança, conforme já assinalado, dos fundos de investimento, das ações e dos depósitos à vista, que se destinaram à compra de títulos da dívida pública, de títulos corporativos, mais depósitos a prazo e maior captação bancária, como via Letras de Crédito Imobiliário (LCIs) e Letras de Crédito do Agronegócio (LCAs).

O resultado final foi negativo, totalizando R$ 32,4 bilhões, com destaque para os depósitos de poupança, que, como já dito, devem ter contribuído para a expansão do PIB.

O relatório do segundo trimestre ainda não foi publicado, mas Rocca teve a gentileza de adiantar dados de meu interesse, abrangendo o primeiro semestre como um todo. Desta vez, nos fluxos citados, do lado das saídas o maior destaque foi para os fundos de investimentos, com queda de R$ 109 bilhões, seguida pela da poupança, no valor de R$ 62 bilhões; e, do lado das entradas, o maior aumento foi na captação bancária, que cresceu R$ 91 bilhões. Soube que a alta de juros foi determinante do lado da captação, acrescida do fato de que papéis como LCIs e LCAs são isentos do Imposto de Renda.

Com os dados semestrais, o efeito da queda da poupança parece menor, porque foi de R$ 10,2 bilhões no segundo trimestre, o que contrasta com outros valores apresentados. Em retrospecto, creio ser claro o efeito do total das quedas ampliando o consumo, mas tenho mais a aprender com o professor Rocca, em particular como entra o aumento da renda em cálculos como os apresentados.

 

* Roberto Macedo é economista (UFMG, USP e Harvard), professor sênior da USP e membro do Instituto Fernand Braudel.

 

Artigo publicado no jornal O Estado de S. Paulo em 6 de outubro de 2022.

 

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PIB seguirá estimulado em 2022, mas 2023 é outra história https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=3678&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=pib-seguira-estimulado-em-2022-mas-2023-e-outra-historia Thu, 22 Sep 2022 22:46:52 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=3678 PIB seguirá estimulado em 2022, mas 2023 é outra história

 

O crescimento da economia deve continuar no segundo semestre, com os novos estímulos governamentais, como o aumento do Auxílio Brasil e o vale gás

 

Por Roberto Macedo

 

O IBGE divulgou no dia 1º deste mês um crescimento de 1,2% do PIB do segundo trimestre deste ano, relativamente ao trimestre anterior. Uma boa taxa e a melhoria decorreu de vários fatores. Do lado da demanda, seu maior componente, o consumo das famílias, aumentou 2,9% no período; os investimentos, 4,8%. Em contrapartida, caiu 0,9% o consumo do governo. As importações subiram 7,6%, também mostrando a força da demanda, ainda que neste caso atuando negativamente sobre o PIB brasileiro, embora com pequena participação no seu conjunto.

Influenciando a demanda estiveram estímulos como os decorrentes da busca de mais atividades fora do âmbito doméstico, busca essa que veio do alívio da pandemia da Covid-19. Houve também antecipação de metade do 13º aos aposentados e pensionistas do INSS e liberação de parte do FGTS, representando estímulos determinados pelo governo.

Setorialmente, a grande força esteve no setor de serviços, o mais amplo da economia, que avançou 1,3%, estimulado pelo referido aumento do consumo das famílias, mas o resultado mais forte foi na indústria, que avançou 2,2%. O maior peso no setor serviços fica evidente porque a sua taxa de crescimento, 1,3%, foi a que esteve mais perto da do PIB (1,2%).

O crescimento da economia deve continuar no segundo semestre, no qual já atuam novos estímulos governamentais, como o aumento do Auxílio Brasil e o vale gás, além de benefícios novos para caminhoneiros e motoristas de táxi. O mercado está prevendo, conforme o relatório Focus do Banco Central, de 2 de setembro, que o crescimento do PIB em 2022 alcançará a taxa de 2,26%, taxa essa que vem seguindo ininterruptamente há 10 semanas[1].

Já para 2023, a visão do mesmo relatório é de um crescimento próximo de apenas 0,47%. O que explica tamanho contraste relativamente à previsão para este ano? Antes de responder, vale lembrar que estimativas se baseiam em hipóteses quanto ao futuro. Essa do relatório Focus supõe que a força do alívio da pandemia se estabilizará e que o efeito da maior taxa de juros mostrará um impacto negativo maior. Há alguma incerteza quanto à manutenção do Auxílio Brasil no seu valor atual, mas se mantido poderá também aumentar a desconfiança quanto à situação fiscal do governo, inibindo investimentos privados. Em síntese, há maior incerteza quanto à taxa do PIB em 2023, o que também é típico de previsões, pois, quanto mais distantes do horizonte imediato, maior é essa incerteza.

A quem se interessar pela evolução semanal das previsões do PIB, da inflação e de outras variáveis por analistas do mercado financeiro, sugiro consultar o site do Banco Central, buscar a conexão Publicações e Pesquisa, e dentro dela o Focus – Relatório de Mercado. Na mesma conexão Publicações e Pesquisa, se houver interesse em receber esse relatório toda segunda-feira, há um local para essa finalidade, onde o e-mail do interessado deve ser colocado.

 

Roberto Macedo é economista (UFMG, USP e Harvard), professor sênior da USP e membro do Instituto Fernand Braudel.

 

Artigo publicado no site do Espaço Democrático em 5 de setembro de 2022.

 

[1] No relatório Focus de 19 de setembro, a expectativa de crescimento para este ano subiu para 2,65% e para 2023  subiu para 0,50%.

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Renovando o Meio Ambiente e a Segurança nas Rodovias: O Programa Renovar https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=3676&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=renovando-o-meio-ambiente-e-a-seguranca-nas-rodovias-o-programa-renovar Fri, 09 Sep 2022 15:04:11 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=3676    Da Vitória Qualificação [1]

A Medida Provisória (MPV) nº 1.112/22 instituiu o Programa de Aumento da Produtividade da Frota Rodoviária no País, o Renovar. O Programa funcionará como agregador de iniciativas e ações voltadas à retirada de circulação, de forma progressiva, dos veículos em fim de vida útil, à renovação de frota e à economia circular no sistema de mobilidade e logística do País. Tive a grande honra de ser relator desta MPV na Câmara dos Deputados, onde pude discuti-lo com os Ministérios da Economia, Infraestrutura, Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial (ABDI) e representantes do setor privado, especialmente da indústria automotiva. A MPV 1.112/22 foi aprovada em 02 de agosto de 2022 no plenário da Câmara dos Deputados como Projeto de Lei de Conversão (quando há mudanças na MPV) e no dia seguinte no plenário do Senado sem alterações de mérito, e aguarda sanção presidencial.

O mérito da proposta me convenceu principalmente por causa dos seus dois principais objetivos: contribuir para a urgente melhoria do meio ambiente e para o incremento da segurança nas estradas brasileiras. O Renovar ataca estes dois problemas que, infelizmente, não se resolvem espontaneamente sem uma intervenção inteligente do Estado.

O Renovar incentiva o desmonte ou destruição, como sucata, de caminhões, ônibus, vans e implementos rodoviários antigos, baseados em tecnologia bem mais poluidora, trocando-os por novos. De fato, o material particulado emitido por caminhões que atendem à atual fase do Programa de Controle de Emissões Veiculares – Proconve P-7- chega a ser 96% menor do que em caminhões que atendem aos requisitos da fase P-3, do início dos anos 2000. Essa menor emissão de partículas no ar pelos veículos automotores pode reduzir problemas de saúde que custaram ao Sistema único de Saúde – SUS –, em 2018, mais de R$ 1,3 bilhão, em função de internações devido a problemas respiratórios. E ainda há um dado muito preocupante: caminhões e ônibus respondem por 47% da poluição do ar por carbono negro na cidade de São Paulo, mesmo sendo apenas 5% da frota veicular. Estes valores tendem a ser ainda maiores se considerarmos também as vans e furgões, que fiz questão de acrescentar aos bens elegíveis da proposta, o que amplia bastante o seu alcance social.

Vale ressaltar que nossa matriz logística se concentra em mais de 60% no modal rodoviário, o que torna esse modo de transporte vital para a distribuição de produtos e serviços e, consequentemente, para o bom funcionamento de nossa economia. Tendo em vista que quase um quarto dos nossos caminhões têm mais de trinta anos de fabricação, e, portanto, consomem mais óleo diesel e têm manutenção mais custosa, sua substituição por veículos mais modernos tem o potencial de impactar substancialmente os custos de frete, que por sua vez têm influência direta nos índices de inflação.

Além disso, equipamentos muito antigos tendem a oferecer mais riscos de ocorrência de falhas mecânicas, o que pode causar acidentes. No caso de veículos pesados, sabemos que acidentes podem ter consequências particularmente desastrosas. De fato, a falha mecânica é apontada como causa de 3% a 5% dos acidentes de trânsito no mundo, segundo a Organização Mundial da Saúde. A ocorrência de acidentes com caminhões, bem como o dano ao ocupante, aumenta conforme avança a idade dos veículos, uma vez que caminhões mais novos trazem consigo novos itens e requisitos de segurança. De fato, os veículos novos, além de livres do desgaste ao qual os antigos foram submetidos, contam com tecnologia mais avançada e itens de segurança adicionais (não obrigatórios anos atrás) que nos fazem crer que a renovação da frota evitará acidentes e salvará vidas.

O Renovar constitui mecanismo baseado em parcerias negociais ou operacionais entre a instituição coordenadora das iniciativas e as instituições financiadoras ou parceiras públicas ou privadas. Por meio da Plataforma Renovar, operada pela ABDI, a qual coordenará a iniciativa de âmbito nacional, os proprietários de caminhões, ônibus, vans e implementos rodoviários antigos poderão vendê-los e adquirir novos veículos com os recursos recebidos dos financiadores, além de benefícios e condições especiais oferecidas pelos parceiros.

O mecanismo de financiamento que deverá ser mais utilizado no Programa se dará por meio das contratadas para exploração e produção de petróleo e gás natural. O incentivo será dado pelo fato de o projeto permitir que os recursos aplicados nas iniciativas sejam considerados no cálculo de adimplemento de obrigações contratuais de pesquisa, desenvolvimento e de inovação (PD&I) naquele setor.

Este foi um ponto que recebeu algumas críticas de que se estaria retirando recursos de investimento em PD&I para o Programa. Segundo o Ministério da Economia, no entanto, frequentemente este valor não é cumprido, ensejando multas às empresas. O investimento no Renovar seria uma forma de evitar este tipo de penalidade quando não houver demanda suficiente para aquela finalidade.

De qualquer forma, me sensibilizei pelo argumento que não é desejável reduzir o montante gastos nestes programas de ciência e tecnologia em um país tão carente deste tipo de atividade. Afinal, são estes dispêndios que sustentam o incremento da produtividade da atividade econômica do País que é o que permite incrementos sustentados na renda dos brasileiros.

Entendemos que a distribuição ideal de recursos ano a ano, no entanto, está longe de ser estática e, portanto, não faz sentido cravar um percentual pela via legislativa. Dessa forma, propus regra na qual o Poder Executivo deverá regulamentar a proporção entre recursos destinados a PD&I e ao Renovar. Quando houver interesse da empresa em financiar o Programa, o montante correspondente deverá ser limitado ao teto estabelecido. O Poder Executivo é o agente com melhores condições de definir ano a ano, de acordo com os avanços da PD&I e das necessidades de renovação da frota, qual montante de recursos adequado a cada iniciativa.

As empresas de desmontagem participantes do Renovar poderão comercializar os materiais decorrentes da desmontagem ou destruição como sucata. Tais empresas destinarão à iniciativa nacional ou às outras iniciativas credenciadas o montante correspondente ao valor, por elas definido no ato de adesão.

Espera-se, com isso, o fortalecimento do mercado de reciclagem de veículos, o que por si só contribuirá para a preservação ambiental, uma vez que promove destinação das peças de forma mais sustentável e adequada.

Com relação às recicladoras, observamos que o texto original da Medida Provisória não esclarece os critérios para a escolha de empresas para atuação no Renovar. A ABDI, em parceria com a Fundação Getúlio Vargas, desenvolveu estudo cujas conclusões apontam para o fato de que, no mundo[2] em geral, e também no Brasil, a atividade de reciclagem veicular é, via de regra, deficitária. Ou seja, a receita auferida com a venda de peças e do aço frutos da desmontagem não seria suficiente sequer para cobrir os custos dessa atividade. A Medida Provisória previa apenas pagamento, por parte das recicladoras, pelo veículo a ser reciclado. Assim, entendemos ser necessário propor texto que permita a remuneração da recicladora, no sentido de tornar o arranjo do programa viável no caso concreto.

Por se tratar de atividade remunerada, e também por envolver direito à incorporação dos valores obtidos com a venda das partes recicladas, entendemos que essa escolha deve se basear em elementos de direito público, especificamente nos princípios da impessoalidade e da economicidade. Assim, propomos diretrizes para a escolha das empresas parceiras a ser feita pelo Poder Executivo.

No sentido de reforçar os mecanismos em favor dos impactos positivos para o meio ambiente, e fazer com que esta certificação tenha consequências concretas em favor desses objetivos, propomos que, por meio da certificação, os benefícios para a aquisição de novos veículos no âmbito do Renovar sejam crescentes com os resultados alcançados. Essa seria típica regulação de incentivo que, a depender de como for concretizada, pode representar estímulo a veículos sempre mais seguros e ambientalmente adequados. Aqui a velha regulação por “comando e controle” perde espaço para uma abordagem mais moderna em que se conta com os incentivos aos esforços e ao uso da melhor informação pelos agentes privados para atingir os objetivos do regulador.

Cabe destacar aperfeiçoamentos adicionais da Medida Provisória, sugeridas por meio de emendas parlamentares e pelo diálogo com o setor produtivo.

O Deputado Jerônimo Goergen propôs a remissão de débitos não tributários dos veículos no Renovar e a criação de linha de crédito no BNDES para aquisição de novos veículos, proposta também pelo Senador Mecias de Jesus. Ambas medidas incrementam a atratividade do Renovar e podem ser determinantes para o sucesso da iniciativa.

O Deputado Hugo Leal sugeriu regras aperfeiçoando procedimentos relativos aos veículos em fim de vida útil ou transferidos por leilão, confisco, apreensão ou doação à Administração, permitindo a baixa do veículo independentemente da existência de débitos fiscais ou multas. Permitem, ainda, a remoção de veículo abandonado, deteriorado ou acidentado sem responsável no local do acidente, medida sugerida também pela Deputada Christiane Yared. Essas medidas conferem maior fluidez ao processo nos departamentos estaduais de trânsito.

Em parceria com o Ministério da Infraestrutura, por meio da Secretaria nacional de Trânsito, oferecemos diversas alterações no Código de Trânsito Brasileiro (CTB) que, em seu conjunto, contribuirão para o aumento da segurança e da fluidez do trânsito além de aumentar a eficiência dos processos relacionados à sua gestão. Profundamente discutidas com membros de câmaras temáticas do Conselho Nacional de Trânsito (Contran)[3] e com entidades representantes de transportadores, essas sugestões foram construídas visando a corrigir falhas conhecidas do CTB.

Dentre elas, destaco, por exemplo, alteração proposta ao art. 67-C. Esse dispositivo obriga os motoristas profissionais a observar descansos regulares durante o exercício de sua atividade, sob pena de multa no caso de inobservância desses intervalos. Em que pese a boa intenção do comando e a reconhecida importância do descanso para a preservação da atenção e reflexos do motorista, é atributo desejável do legislador que observe a realidade fática do País e a considere ao propor normas de tamanho impacto. Nosso País não oferece infraestrutura suficiente para que os intervalos impostos sejam cumpridos em todas as rotas possíveis. A despeito dos ditames da Lei do caminhoneiro[4], que incentiva a criação dos pontos de parada e descanso, são frequentes as rotas nas quais o motorista simplesmente não consegue cumprir a regra do descanso pela total ausência de local seguro e adequado para estacionar o veículo. Nossa decisão, revestida de bom senso e amparada pelas discussões desenvolvidas, foi no sentido de suspender a aplicação de multa nesses casos. Naturalmente, onde houver pontos de parada e for possível cumprir a norma, ela continuará sendo aplicada. Entendo que o Estado não pode impor ao cidadão obrigação sem, por outro lado, oferecer meios para que ela seja cumprida e, como se não bastasse, aplicar multas por seu não cumprimento. Nosso texto corrige essa insensata realidade hoje em vigor.

Em favor do transporte de cargas e do transportador autônomo (TAC), ajustei a Lei nº 10.833, de 2003, para promovera isonomia tributária entre o TAC e as empresas de transporte. Atualmente, a norma define que poderá haver crédito presumido de 75% sobre o percentual de PIS/Cofins de 9,25% apenas quando uma empresa de serviços de transporte rodoviário de carga subcontratar um transportador autônomo ou transportadora optante pelo Sistema Integrado de Pagamento de Impostos e Contribuições das Microempresas e das Empresas de Pequeno Porte – SIMPLES.

No entanto, se o usuário final do serviço contratar diretamente um transportador autônomo ou transportadora optante pelo SIMPLES, este crédito presumido não pode ocorrer. Ou seja, esse dispositivo, apesar de permitir que o crédito do PIS/Cofins seja efetivado com a operação de transporte realizada pelo autônomo, obriga a que haja a intermediação da empresa de serviços de transporte rodoviários. Nossa proposta promove isonomia fiscal e concorrencial entre as empresas e os caminhoneiros autônomos, oferecendo maior neutralidade ao sistema: o usuário escolherá diretamente um autônomo ou uma empresa conforme preços e confiabilidade/qualidade do transporte sejam mais vantajosos para si. A forma de incidência dos tributos deixa de afetar as decisões dos usuários, afastando os artificialismos competitivos.

Ainda sobre a tributação incidente na atividade de transporte rodoviário de cargas, objeto principal desta Medida Provisória, apresentamos dois ajustes adicionais à legislação do Pis/Pasep e Cofins. Na Lei nº 10.865/2004, propomos ajuste para permitir a restituição, ressarcimento ou compensação do estoque de créditos não consumido regularmente na sistemática da não-cumulatividade, nos casos de operações de importação e revenda de bens, não abarcadas por isenção, alíquota zero ou não incidência do Pis/Cofins.

Incluímos ainda os serviços associados às atividades com suspensão da Contribuição para o PIS/Pasep e da Cofins, da Contribuição para o PIS/Pasep-Importação e da Cofins-Importação, hoje vigente, no caso de regime de drawback suspensão, apenas para mercadorias. Embora muitas empresas façam uso de serviços prestados por terceiros na produção dos bens destinados à exportação, tais serviços não podem ser adquiridos sob amparo do regime de drawback suspensão, já que o mecanismo em questão, à luz da legislação atual, viabiliza a suspensão de tributos que recaem apenas sobre mercadorias importadas ou compradas localmente para a produção de itens destinados ao mercado externo.

Enfim, o Renovar constitui política pública que mitiga externalidades negativas relacionadas à poluição gerada por veículos automotores e à possibilidade de danos a terceiros ocasionados por acidentes, além da redução do custo de transporte nas rodovias, diminuindo o chamado “Custo Brasil”. Assim, os benefícios extrapolam o setor de transporte rodoviário e atingem toda a sociedade, com impactos positivos para a economia, a segurança viária e o meio ambiente. As outras modificações introduzidas racionalizam procedimentos de trânsito e tornam mais eficiente e isonômica a tributação de forma a beneficiar a concorrência no transporte de caminhões, especialmente desonerando a atuação dos autônomos.

___________

[1] Deputado Federal pelo Espírito Santo.

[2] Exceto nos Estados Unidos, onde a dinâmica do mercado automotivo é tal que, aliada ao desenvolvimento tecnológico, viabiliza o mercado de reciclagem de veículos e recertificação de peças.

[3] As Câmaras Temáticas, órgãos técnicos vinculados ao Contran, são integradas por especialistas e têm como objetivo estudar e oferecer sugestões e embasamento técnico sobre assuntos específicos para decisões daquele colegiado.

[4] Lei nº 13.103, de 2 de março de 2015.

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Limitações ao Ajuste Fiscal pelo Lado da Receita https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=3674&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=limitacoes-ao-ajuste-fiscal-pelo-lado-da-receita Wed, 31 Aug 2022 13:16:37 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=3674 Limitações ao Ajuste Fiscal
pelo Lado da Receita
[1]

Por Carlos Alexandre A. Rocha*

O teto de gastos integra o Novo Regime Fiscal (NRF), introduzido pela Emenda Constitucional 95/2016. Com duração prevista até 2036, o NRF prevê limites máximos para as despesas primárias de cada um dos Poderes e órgãos autônomos da União (a Defensoria Pública, o Executivo e as subdivisões do Judiciário, do Ministério Público e do Legislativo). Os tetos individualizados têm como base os montantes pagos em 2017 corrigidos, anualmente, pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA).

O NRF tem caráter anticíclico. Acumulam-se recursos (ou diminui-se a pressão por novos passivos) durante a fase favorável do ciclo econômico e preservam-se os gastos, em termos reais, durante a fase desfavorável.O seu pleno funcionamento permitiria que o atual déficit primário estrutural fosse substituído, futuramente, por um superávit capaz de estabilizar ou mesmo reduzir a razão entre a dívida pública e o produto interno bruto (PIB).

Trata-se, portanto, de uma estratégia de ajuste fiscal diferida ao longo do tempo centrada na contenção dos gastos primários. Ou seja, o teto de gastos precisa desempenhar, para que seja efetivo, o papel de uma poupança precaucional. Na ausência da poupança, porém, o teto perde a sua razão de ser. É o que apontam as sucessivas flexibilizações das suas regras aprovadas no último triênio (Emendas Constitucionais 102/2019, 109, 113 e 114/2021 e 123/2022), além de medidas similares implementadas ou tentadas pelo Governo Federal no mesmo período, como apontado pela Instituição Fiscal Independente (IFI) em seu relatório “Considerações sobre o Teto de Gastos da União”.[2]

Em face de tantas alterações, vários especialistas argumentam que o novo regime perdeu a capacidade de balizar as expectativas dos agentes econômicos sobre o comportamento do resultado primário e da dívida do Governo Federal nos próximos exercícios. O ex-ministro Delfim Netto, p. ex., sustentou, ainda em outubro de 2021, que o teto de gastos é um artefato de comprometimento com uma trajetória futura das finanças públicas federais. O seu esvaziamento implicava perder a baliza para avaliar a (in)sustentabilidade da dívida pública.[3]

Mais recentemente, Cecília Machado, professora da FGV-RJ, argumentou que o ativismo fiscal via emendas à Constituição representava o fim da possibilidade de suavizar e diferir temporalmente novos ajustes fiscais que se façam necessários.[4]

Samuel Pessôa, pesquisador da FGV-RJ, por sua vez, alerta que a flexibilização do teto dos gastos precisa ser precedida da construção de uma situação fiscal estruturalmente solvente. O caminho para isso, na falta de um ajuste pelo lado da despesa, seria convencer a sociedade a entregar mais imposto ao Estado.[5]

Com efeito,em termos de ajuste fiscal, observou-se, no passado recente, uma clara preferência por cortes nas despesas futuras, como demonstrado pela reforma da previdência,[6]e por uma corrosão inflacionária do valor nominal das obrigações do setor público. A contenção estrutural dos gastos públicos correntes foi evitada de forma reiterada. Tomando-se isso como um dado da realidade brasileira, é cabível o entendimento de que a reversão do alto nível de endividamento do Governo Federal passa por uma nova elevação da carga tributária, como antecipado por Pessôa.

No entanto, mesmo essa opção está longe de ser trivial, para além do desafio político inerente à construção de um consenso a esse respeito. Um aspecto que não tem recebido, s.m.j., a devida atenção é que eventual aumento na arrecadação precisaria proporcionar recursos líquidos de transferências e vinculações. De outra forma, o Governo Federal continuaria sem contar com os meios necessários para o gerenciamento da sua dívida.O quadro a seguir resume os usos predefinidos de um aumento de R$1.000,00 nos principais tributos ou cestas de receitas (contribuições sociais, impostos em geral e receita corrente líquida – RCL):

 Usos Predefinidos para uma Arrecadação de R$ 1.000,00,
por Tributo ou Cesta de Receitas

 

Vinculação Valor
Compartilhamento com os entes subnacionais1
Imposto sobre produtos industrializados (IPI) 600,00
Imposto sobre a renda (IR) 500,00
Contribuição de intervenção no domínio econômico (CIDE) 290,00
Com a revogação do NRF
Vinculação da receita de impostos à educação 180,00
Vinculação da RCL à saúde 150,00
Vinculação da RCL às emendas parlamentares individuais e de bancada 22,00
Na vigência da Desvinculação de Receitas da União (DRU)2
Vinculação à seguridade social das contribuições sociais 700,00
Vinculação ao objeto da CIDE (após o rateio federativo)
497,00
Fonte: elaboração própria.

Notas:

(1)inclui os programas de financiamento ao setor produtivo das regiões CO, N e NE;

(2)duração até 31/12/2023, conforme a Emenda Constitucional 93/2016.

O acréscimo de R$ 1.000,00, para que represente um ganho para as políticas setoriais favorecidas em relação à regra de correção pelo IPCA, contida no NRF, deve ser entendido como uma elevação da receita em termos reais (ou seja, descontada a variação do nível de preços). No quadro, cada linha representa um uso predefinido para o incremento ora tratado, por tributo ou cesta de receitas– de modo mais simples, dado um aumento real de R$ 1.000,00 na receita x, cada linha aponta quanto caberia ao uso y. Exceto no que tange à CIDE, cada vinculação é tratada isoladamente, sem efeitos cumulativos.

Ressalte-se, todavia, que as superposições entre as vinculações, como na CIDE, são recorrentes. No IR, p. ex., metade do montante arrecadado é repassado inicialmente para os entes subnacionais e os respectivos setores produtivos por meio dos Fundos de Participação dos Estados e do Distrito (FPE) e dos Municípios (FPM) e dos Fundos Constitucionais de Financiamento do Centro-Oeste (FCO), do Norte (FNO) e do Nordeste (FNE). O restante compõe a cesta geral de impostos e a RCL. Caso o NRF seja extinto, as vinculações em prol da educação, da saúde e das emendas parlamentares individuais e de bancada serão restabelecidas. Com isso, R$ 90,00 irão para a primeira, R$ 75,00 para a segunda e R$ 11,00 para as últimas. Sobrariam R$ 324,00 para usos diversos.

Um novo imposto, a seu tempo, repassaria 20% para os governos estaduais. Com o fim do NRF, o restante sofreria a incidência das três vinculações recém-discriminadas. Do total de R$ 1.000,00 arrecadados, sobrariam R$ 518,40 – eficiência de 51,8% na geração de receita desimpedida.

Eventual recriação da contribuição provisória sobre a movimentação ou transmissão de valores e de créditos e direitos de natureza financeira (CPMF) teria desempenho semelhante ao do IR, mas dependeria da contínua renovação da DRU. Trata-se de tributo vinculado à seguridade social, mas, com a DRU, 30% da arrecadação poderia ser usada livremente. Ou seja, cada R$ 1.000,00 arrecadado proporcionaria apenas R$ 300,00 para, p. ex., a gestão da dívida.

No entanto, na presença de déficit primário no orçamento da seguridade social, a recriação da CPMF também permitiria o uso do artifício conhecido como “substituição de fontes”. Atualmente, as receitas específicas da seguridade social são insuficientes para custear as despesas correspondentes. Com isso, o Tesouro Nacional emprega recursos ordinários na cobertura do déficit. No exercício em curso, p. ex., estima-se que a diferença entre despesas e receitas da seguridade alcançará R$ 170 bilhões[7](contra um déficit de R$ 292 bilhões, em 2017)[8]. São recursos que poderiam ser liberados para outros usos se a CPMF retornasse.[9]Isso, porém, requereria a persistência do quadro deficitário na ausência da nova contribuição, o que é incerto e até mesmo indesejável em face da recém-aprovada reforma da previdência.Não constitui, por essa razão, uma solução estrutural para a demanda por recursos livres.

Essa miríade de vinculações dificulta não só o gerenciamento do Orçamento Geral da União (OGU), mas também a formatação de qualquer programa de ajuste fiscal. Descartando-se o artifício da substituição de fontes e assumindo-se, à luz das competências e obrigações tributárias do Governo Federal, que a razão entre os seus potenciais de arrecadação livre e de arrecadação total seja igual a 50% (percentual similar ao obtido por um novo imposto),um programa que exigisse uma elevação da receita livre da ordem de R$ 226 bilhões (ou 2,6% do PIB de 2021)[10]requereria que a receita total aumentasse cerca de R$ 452 bilhões (ou 5,2% do PIB de 2021) – uma meta desafiadora mesmo diferida por um prazo longo.

O Brasil é um país complexo e carente, no qual os pleitos da sociedade se multiplicam quase ao infinito. Conciliar meios e fins é o desafio deste, do próximo e de qualquer governo. Este texto assinala que escolhas precisam ser feitas. Se a estratégia de conter os gastos públicos não foi bem-sucedida, será preciso rediscutir a contribuição da sociedade para o funcionamento do Estado. Mesmo isso, contudo, não está isento de problemas – políticos, naturalmente, mas também operacionais, o que é menos evidente. A presente análise permite entender por que um tributo como a CPMF é sempre lembrado quando se buscam alternativas para um ajuste fiscal rápido. A perspectiva de uma “troca de fontes” instantânea é por bastante sedutora. Trocam-se benefícios presentes por custos futuros, mantendo a economia em um nível de baixa eficiência. Resistiremos?

 

[1] Adaptado do documento “Teto de Gastos: Problemas e Alternativas”, disponível em:https://www12.senado.leg.br/publicacoes/estudos-legislativos/tipos-de-estudos/textos-para-discussao/td311.

[2] Disponível em: https://www2.senado.leg.br/bdsf/handle/id/575583.

[3] Videhttps://www1.folha.uol.com.br/colunas/antoniodelfim/2021/10/sem-teto-a-casa-cai.shtml.

[4] Videhttps://www1.folha.uol.com.br/colunas/cecilia-machado/2022/07/sem-mais-promessas.shtml.

[5] Videhttps://www1.folha.uol.com.br/colunas/samuelpessoa/2022/06/a-esquerda-e-o-teto-de-gastos.shtml.

[6]Emenda Constitucional 103/2019.

[7] Videhttps://www2.camara.leg.br/orcamento-da-uniao/raio-x-do-orcamento/2022/raio-x-do-orcamento-2022-ploa.

[8] Videhttps://www.gov.br/economia/pt-br/assuntos/planejamento-e-orcamento/orcamento/publicaoes-sobre-orcamento/informacoes-orcamentarias/arquivos/estatisticas-fiscais/2-resultado-primario-da-seguridade-social/2-resultado-da-seguridade-anual.xlsx/view.

[9] A análise dos problemas econômicos introduzidos pela CPMF extrapola os limites do presente trabalho. Discussão sobre esse tema consta do documento “Os Impactos Econômicos da CPMF: Teoria e Evidência”, disponível em: https://www.bcb.gov.br/pec/wps/port/wps21.pdf.

[10] Conforme simulação contida no documento “Evolução das Contas da União: Ajuste, Desajuste, Pandemia e Desafios”, disponível em: https://www12.senado.leg.br/publicacoes/estudos-legislativos/tipos-de-estudos/textos-para-discussao/td304/view.

 

* Carlos Alexandre A. Rocha é consultor legislativo do Senado Federal e especialista em finanças públicas. As opiniões contidas neste artigo são de inteira responsabilidade do autor.

 

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Uma leitura a respeito da gestão imobiliária da União: O caso dos Fundos de Investimentos Imobiliário com o patrimônio da União https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=3673&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=uma-leitura-a-respeito-da-gestao-imobiliaria-da-uniao-o-caso-dos-fundos-de-investimentos-imobiliario-com-o-patrimonio-da-uniao Tue, 30 Aug 2022 17:41:41 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=3673 Uma leitura a respeito da gestão imobiliária da União: O caso dos Fundos de Investimentos Imobiliário com o patrimônio da União

Por Felipe Tavares*

O caso brasileiro dos ativos imobiliários da União é repleto de peculiaridades para um microeconomista se debruçar e aplicar os seus conceitos teóricos sobre eficiência alocativa de recursos escassos. Segundo o Balanço Geral da União (BGU)[1], a União possui, aproximadamente 800 mil imóveis, com valor de R$ 1,34 trilhão, sendo este patrimônio dividido entre: “Bens de Uso Especial” (R$ 724 bilhões); “Bens de Uso Comum do Povo” (R$ 335 bilhões); “Bens Dominicais” (R$ 216 bilhões); “Bens Imóveis em Andamento” (R$ 56 bilhões); “Ativos de Concessão de Serviços” (R$ 12 bilhões); “Instalações” (R$ 5 bilhões); e “Outros” (R$ 3 bilhões).

Para se ter ideia do tamanho expressivo do patrimônio imobiliário da União, o valor do estoque imobiliário representa aproximadamente 18% do PIB do Brasil de 2020 (R$ 7,5 trilhões), ou 50% do PIB argentino, 660% do PIB paraguaio, 450% do PIB Uruguaio ou 620% do boliviano, considerando-se o mesmo ano. Os dados do BGU e a comparação com o PIB de diversos países da América do Sul evidencia que a União é o maior concentrador de terras do país.

O estoque expressivo de ativos imobilizados não é afrontoso somente pelo seu valor em si, mas também por demanda relevados esforços em termos orçamentários e de capital humano para ser administrado. A União gasta anualmente em torno de R$ 1,6 bilhão com a manutenção desses imóveis e aluguéis e a Secretaria do Patrimônio da União (SPU) possui um quadro de aproximadamente 1.200 funcionários mobilizados para a prestação desse serviço.Mesmo com elevados gastos e equipe numerosa, mais de 10 mil imóveis da União estão desocupados, situação que acentua a depreciação dos ativos, que hoje situa-se em torno de R$ 18 bilhões[2] por ano. Isto é, há um custo de oportunidade em manter os ativos imobiliários da União próximos de R$ 20 bilhões/ano, que representa 25% do orçamento executado da educação no Brasil em 2020.

Além dos elevados custos de manutenção, aluguéis e mão de obra, os imóveis desocupados da União normalmente encontram-se em situações de abandono, abrindo espaço, inclusive, para invasões e eventuais tragédias. Um exemplo foi o ocorrido em 2018, quando o antigo prédio da Polícia Federal no centro de São Paulo, que estava irregularmente invadido, incendiou e desabou, gerando um estado de alerta sobre a existência de imóveis de propriedade da União em situações críticas.[3]

É diante deste dilema que Políticas Públicas de desinvestimento se tornam tão importantes e urgentes para o bem-estar da sociedade. Dessa maneira, a alienação do patrimônio da União não representa desmonte do estado, mas sim uma reordenação das prioridades da Nação, contribuindo para a saúde financeira do Estado brasileiro que viabiliza o emprego em gastos prioritários como Saúde, Educação e Segurança.

Mas esse processo de desinvestimento não é tão simples quanto parece. No serviço público, tanto para comprar quanto para vender, é necessário que se utilizem procedimentos regulamentados e transparentes. Afinal, preservar o erário é fundamental para o bem-estar da sociedade.

A Lei nº 13.240 de 30 de dezembro de 2015 dispõe sobre a administração, a alienação, a transferência de gestão de imóveis da União e seu uso para a constituição de fundos de investimento imobiliário (FII). Os FIIs são instrumentos financeiros interessantes para o enfrentamento do problema do excesso de patrimônio imobiliário da União, pois possibilita uma alienação em escala e confere segurança de que o patrimônio da União terá o seu máximo valor de mercado obtido através da precificação das cotas do fundo. Deste modo, uma vez que a União integraliza os seus imóveis em troca de cotas do FII, o imóvel deixa de ser público, portanto, a União aliena o ativo em questão e se torna apenas cotista do fundo com um patrimônio equivalente aos valores de integralização dos imóveis.

Uma das grandes vantagens em utilizar o mecanismo de FIIs para destinar o seu patrimônio é contar com profissionais especializados na gestão dos seus ativos, pois o FII nada mais é do que um condomínio fechado onde os seus integrantes compartilham do interesse comum em investir no mercado imobiliário.O administrador do fundo é o proprietário fiduciário e responsável pelo fundo, mas além do administrador, o FII pode contratar prestadores de serviços especializados como gestores, consultores imobiliários etc. Assim, o FII funciona de forma que gestores especializados criam estratégias para a valorização dos ativos, incorporando capital e destinando os ativos para os seus melhores usos.

Além da gestão especializada, a União transfere ativos ilíquidos subutilizados que geram elevados custos de manutenção e gerenciamento, e potenciais tragédias, por ativos líquidos, de fácil gerenciamento e com baixo custo de carrego. É importante destacar que a integralização não ameaça o patrimônio público, pois, em termos comuns, a União está apenas trocando um ativo por outro e a decisão sobre a venda dessas cotas está a cargo, única e exclusivamente, da própria União.

A estratégia de utilizar FIIs para a alienação do patrimônio público não é novidade.No Brasil, o Estado de São Paulo foi o pioneiro nesta iniciativa, tendo criado o seu FII em 2018 com capital potencial estimado de R$ 1 bilhão e expectativa de monetização de R$ 360 milhões. Em 2021 foi a vez de Angra dos Reis aderir à política, sendo o primeiro município a criar um FII. Os casos de São Paulo e Angra mostram que os FIIs vêm ganhando bastante espaço nas administrações públicas brasileira, sendo um grande passo em direção ao aumento da eficiência da máquina pública, reordenando o senso de prioridade dos governos.

As iniciativas citadas tiveram um longo caminho legislativo para virarem realidade. No entanto, no caso da União, a Lei nº 13.240/15 expressa que não é necessária autorização legislativa específica para a alienação dos seus imóveis, ou seja, a autorização legislativa já foi concedida pela própria lei. Assim, a União não possui barreiras legais para iniciar uma Política Pública que é urgente para o aumento da eficiência do Estado brasileiro.

O projeto “Incorpora Brasil” foi iniciado com a missão de dar vida a essa política pública. O modelo de negócios do projeto passa pela seleção e um gestor profissional em formato competitivo, sendo esta contratação feita no ambiente da bolsa de valores. A seleção do gestor segue critérios específicos técnicos, onde somente os gestores que confirmarem tais requisitos estarão habilitados para concorrer.

Após a seleção do gestor, ele ainda possui um compromisso de integralizar recursos financeiros no fundo, de forma a dar a liquidez inicial necessária a ele. Então, com os imóveis e recursos financeiros integralizados, o capital social do fundo é dividido entre o gestor e a União, sendo as cotas partes dadas pelos valores monetários dos ativos. Em outras palavras, o instrumento constitui o compartilhamento do risco com o gestor, pois este possui seu capital alocado no fundo, o que chamamos de skin in the game.

Deste modo, a União passa a ter um ativo líquido, precificado a mercado, com capacidade de geração de benefício econômico e com elevado grau de governança. O instrumento foi desenhado prevendo uma meta de rentabilidade, ou benchmark, sendo esta a taxa mínima de rentabilidade que o gestor deve entregar à União. Caso o gestor supere a meta, então este passa a ser remunerado pela taxa de performance. Este desenho garante que a União terá um ativo bem gerido, caso contrário o próprio gestor não se remunera.

Diante do exposto, o Projeto Incorpora Brasil traz uma nova perspectiva para a gestão patrimonial da União, trazendo um modelo com elevado padrão de governança e maximização do valor gerado para a sociedade.[4]

 

[1]Publicado em 25/11/2020 (tesourotransparente.gov.br).

[2]A SRF n° 162/1998 da Receita Federal do Brasil determina que a taxa anual de depreciação de instalações e edificações são iguais a 10% e 4%, respectivamente. Para o patrimônio imobiliário da União foi utilizado 4% como referência na estimação. http://sijut2.receita.fazenda.gov.br/sijut2consulta/link.action?&visao=original&idAto=15004.

[3]https://g1.globo.com/sp/sao-paulo/noticia/2020/05/01/desabamento-do-predio-no-largo-do-paissandu-completa-dois-anos.ghtml.

[4] O projeto incorpora Brasil não necessita de nenhuma autorização legal ou infra legal para o seu lançamento, estando integralmente autorizado pela Lei nº 13.240/15. Deste modo, para o seu lançamento basta a publicação de uma portaria específica pela SPU com os imóveis específicos e que o edital de contratação do gestor seja publicado.

 

* Felipe Tavares é ex-diretor de Projetos da Secretaria Especial de Desestatização do Ministério da Economia

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Efeito Fim de Jogo nas Concessões de Eletricidade https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=3671&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=efeito-fim-de-jogo-nas-concessoes-de-eletricidade Mon, 22 Aug 2022 22:54:09 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=3671 Efeito Fim de Jogo nas Concessões de Eletricidade

 

Por Joisa Dutra* e Romário Batista**

 

O término dos contratos é objeto do livro “Concessões no Setor Elétrico Brasileiro – Evolução e Perspectivas”[1], recém-lançado[2]. Passadas quase três décadas desde o início da reestruturação do setor elétrico, os próximos 10 anos são palco do término de 129 contratos de concessão de distribuição(D), geração(G) [3] e transmissão (T)[4]. Representam cerca de 62,6% do mercado das distribuidoras[5], 20 GW de potência hidrelétrica e 9.000 km de linhas de transmissão. A obra é relevante e oportuna, principalmente com o avanço dos debates para aprovação no Legislativo da Modernização do Setor Elétrico (PL 414/21), que inclui propostas de tratamento às concessões vincendas.

As desestatizações ao final da década de 1990 garantiram a outorga de novos contratos por 30 anos. Isso viabilizou a expansão do sistema elétrico, através da implantação de novas instalações de geração e redes de transmissão e distribuição. Alcançamos também a universalização do acesso à energia elétrica, que hoje atende 99.9% da população. Tudo isso é fruto de uma bem-sucedida coexistência de capitais públicos e privados.

O setor elétrico tem papel crítico na transformação da sociedade, rumo à descarbonização, que é chave para enfrentar os desafios da deterioração do meio ambiente. O volume de investimentos previsto no horizonte do Plano Decenal de Energia PDE/2031, elaborado pela Empresa de Pesquisa Energética, é de R$ 3,2 trilhões. Segurança jurídica é fundamental para financiamento e investimentos em qualquer setor de infraestrutura, afetando diretamente o custo de capital.

O que chamamos aqui de as “regras do fim do jogo” fazem parte do que é considerado pelos agentes nas suas decisões de investimento por todo o período da concessão e, especialmente, quando vai chegando ao final, quando podem sobrar “menos anos” para recuperar o que foi investido. É essencial saber as condições que vão pautar a decisão do Poder Concedente sobre licitar ou prorrogar as concessões. Previsibilidade aqui requer o desenho e a implementação de uma política funcional de gestão de outorgas.

A decisão sobre o que fazer no término dos contratos vai além da uma simples dicotomia entre licitar ou prorrogar:  a possibilidade de renovar concessões do setor elétrico abre espaço para repactuar a relação contratual entre Poder Concedente e concessionários. A adaptação dos contratos a um mundo em transformação pode garantir melhores incentivos e ganhos de eficiência para a prestação dos serviços e expansão do sistema. Ganham usuários, empresas e o governo.

O contexto atual de transição energética amplia os desafios e dilemas em torno da renovação ou licitação das outorgas vigentes, sobretudo para o segmento de distribuição. Em um mundo descentralizado e digitalizado, a empresa de distribuição de eletricidade se converte em um Operador do Sistema de Distribuição – o DSO, da sigla em inglês.

Flexibilidade para adaptar contratos no advento de seu término é essencial quando a transição energética dá espaço ao DSO. Novos serviços são necessários para o adequado gerenciamento de um ambiente que combina recursos energéticos distribuídos (DER, da sigla em inglês), conceito que inclui a geração distribuída, a resposta da demanda, o armazenamento e  veículos elétricos. As redes elétricas são grandes facilitadores dessa transformação. Como isso tudo custa caro, a renovação permite amoldar os contratos a essa nova realidade, que demanda ainda resiliência a eventos como extremos climáticos e ataques cibernéticos em um adequado compartilhamento de risco entre concessionários e poder concedente. 

Os investimentos para adaptar as redes de distribuição ao conceito DSO são vultosos e não meramente incrementais. Isso é ilustrado em artigo recente de Anna Brockway e coautores [6], que foca na companhia PG&E, uma das três grandes utilities que operam na Califórnia. A análise mostra que a penetração dos veículos automotores elétricos em patamar coerente com os compromissos climáticos para aquele estado demandaria aumentar muito os investimentos nos sistemas de distribuição. Para ilustrar, os investimentos requeridos para aquele fim até 2025 correspondem ao triplo do projetado pela empresa no período.  Análises semelhantes ainda não estão disponíveis por aqui. Mas são essenciais para pactuar as condições entre Poder Concedente e concessionário para viabilizar investimentos consistentes com a almejada “transição energética” para fontes limpas nas próximas décadas.

O livro oferece ainda contribuições metodológicas para subsidiar a decisão quanto à renovação ou licitação das outorgas, como os modelos de: (i) avaliação das condições de prestação serviços – se adequada ou não –, mensurável através de índices de sustentabilidade; e (ii) análise financeira de valuation para usinas hidrelétricas, que daria pistas da duração ótima da concessão.

O livro apresenta, ainda, proposta de instrumento normativo infralegal, destinado a reduzir incertezas e assegurar um procedimento mais estruturado, previsível e transparente para regulamentar a prorrogação, bem como o pagamento de indenizações por investimentos não amortizados em bens reversíveis.

Na síntese de Ricardo Brandão[7], que escreve na contracapa, “O estudo oferece as balizas para o Poder Concedente em seu processo de tomada de decisão, posto que traz a ótica do regulador, a visão dos órgãos de controle externo e a jurisprudência dos tribunais; mas é também um guia para concessionários, investidores e consumidores, para melhor compreender todas as camadas que envolvem esta discussão. Sem dúvidas, esta obra já nasce como referência obrigatória para os que desejam se debruçar sobre o tema das concessões e das prorrogações de seus contratos”.

 

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Resultado de pesquisa (P&D ANEEL), o livro  visa lançar sólido alicerce para que floresçam as discussões sobre as transformações em curso no contexto da transição energética e o desafio de refleti-las em direitos e obrigações nos instrumentos de outorga. Isso reforça e se coaduna com as novas práticas adotadas a partir dos “Princípios para Atuação Governamental no Setor Elétrico” (Portaria do Ministério de Minas e Energia (MME) 86/18), em especial os da “transparência e participação da sociedade nos atos praticados”, autorizando, desse modo, a legítima aspiração dos agentes, consumidores, entidades representativas e demais segmentos interessados, de participarem desse debate, de forma estruturada e tempestiva.

É preciso, no entanto, vigilância quanto a possíveis recaídas ou compromissos com o passado de improvisações e arranjos de última hora. Circularam na mídia, nos últimos meses, notícias de iminente edição de (i) Medida Provisória para dispor sobre a renovação antecipada de concessões de geração e (ii) Decreto para regulamentar a renovação de concessões de distribuidoras privatizadas, prescindindo de qualquer debate com os atores envolvidos e efetivamente comprometidos com soluções estruturais e harmônicas[8]. Setembro próximo “comemoramos” 10 anos da edição da Medida Provisória 579/2012, o 11 de setembro do setor elétrico, que tentou – e falhou – aproveitar a oportunidade de renovação de concessões para alcançar redução de tarifas e preços de eletricidade tão somente por motivações eleitorais.

A despeito desses ruídos, há sinalizações do MME para uma regulamentação, até dezembro de 2022, de diretrizes e metas para eventual renovação dos contratos de concessão de distribuição, alinhadas com a modernização e com os novos paradigmas do setor, e que tragam benefícios efetivos ao consumidor. Tal processo estaria sendo desenvolvido com base em estudos e avaliações específicas, em observância às determinações e recomendações constantes do Acórdão TCU nº 2.253/2015-Plenário e dos relatórios técnicos que o subsidiaram[9].

Embora possa representar um avanço em relação a práticas anteriores, é preciso ainda assegurar o diálogo e a participação nesse processo dos diversos atores envolvidos e/ou afetados, de forma estruturada e transparente. Esse é, sem dúvida, o melhor caminho para que as “regras do fim do jogo” possam ser consideradas desde o princípio, em prol da segurança jurídica e da viabilidade de vultosos investimentos na adaptação e modernização das redes e demais instalações de energia elétrica no ambiente digitalizado e descentralizado da transição energética!

 

 

 

[1] Synergia Editora (Parceria entre FGV/CERI-FGV/Direito SP e a EDP Energias do Brasil, no âmbito do Programa de P&D da ANEEL).

[2] Webinar do FGV CERI e FGV Direito SP, realizado em 20/7/22, com o apoio e participação da EDP, da ANEEL e do MME.

[3] Inclui as UHEs Tucuruí e Mascarenhas de Moraes, com 8,8 GW de potência, cujas concessões foram renovadas antecipadamente nas condições da Lei nº 14.182/21 (Desestatização da Eletrobras).

[4] Mais de uma centena dessas concessões decorrem de privatizações de empresas federais ou estaduais ao final da década de 1990, bem como de licitações de novas outorgas de geração e transmissão realizadas a partir de 1995.

[5] Relatório de Indicadores de Sustentabilidade Econômico-Financeira das Distribuidoras: ANEEL- Base Set/21; 14ª Edição – Dez/21.

[6] Anna Brockway (2022) et al.. “Can Distribution Grid Infrastructure Accommodate Residential Electrification and Electric Vehicle Adoption in Northern California?” Energy Institute at Haas Business School Working Paper 327.

[7] Diretor Executivo de Regulação da Associação Brasileira de Distribuidores de Energia Elétrica (ABRADEE). Foi Procurador Geral na Agência Nacional de Energia Elétrica.

[8] Mudanças nos regramentos e nos contratos aplicáveis produziram um arcabouço heterogêneo no tempo (diferentes “safras” de contratos) e mesmo dentro de um mesmo segmento (G/T/D). Defendem os autores do livro o estabelecimento de um procedimento estável e funcional, com anterioridade e previsibilidade, para tomada de decisão pelo Poder Concedente quanto ao futuro das concessões, de modo a alterar o cenário atual de incertezas institucionais e regulatórias.

[9] No julgamento do TC 003.379/2015-9[9], o Plenário da Corte de Contas considerou constitucional a prorrogação de todas as concessões de distribuição de energia elétrica pelo prazo de 30 anos, desde que as empresas concessionárias aceitassem as novas metas de qualidade e de gestão econômico-financeira definidas pela ANEEL. Entendeu, ainda, que estava caracterizada uma situação de excepcionalidade suficiente para afastar a necessidade de realização de nova licitação pública.

O posicionamento dos Ministros contrariou o entendimento das instâncias técnicas no Tribunal de Contas da União, que propugnavam pela inconstitucionalidade da Lei nº 12.783/2013 e insistiam na necessidade de realização de novas licitações.

Para a SeinfraEnergia, unidade do TCU< o poder concedente não teria caracterizado, por meio de estudos técnicos, a situação excepcional capaz de justificar a necessidade de prorrogação. Também não teria sido demonstrada a vantagem da prorrogação, em relação à alternativa de relicitação de todos ou alguns contratos de concessão. De outro lado, o modelo de prorrogação proposto violava a Lei nº 8.987/1995 e a Lei nº 12.783/2013, na medida em que teria caráter gratuito. A definição de novas metas de qualidade e de gestão econômico-financeira para as atuais concessionárias não caracterizava a onerosidade da prorrogação. A prestação de serviço público adequado, segundo os parâmetros estabelecidos pelo poder concedente, constitui a obrigação básica de toda e qualquer concessionária. Tampouco havia previsão de novos investimentos por parte das atuais concessionárias para o cumprimento das metas impostas. O caráter generalizado da prorrogação abrangeria indistintamente as concessionárias que não vinham prestando serviço adequado aos usuários. A sanção de caducidade não constituía mecanismo eficaz para garantir o cumprimento das novas metas de qualidade definidas pela ANEEL.

 

 

* Joisa Dutra é diretora do FGV CERI e doutora em economia pela FGV EPGE.

 

** Romário Batista é pesquisador do FGV CERI e ex-secretário de Parcerias em Energia, Petróleo, Gás e Mineração do PPI.

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Emenda Constitucional nº 123, de 14.7.2022: Aspectos Fiscais e Orçamentários¹ https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=3659&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=emenda-constitucional-no-123-de-14-7-2022-aspectos-fiscais-e-orcamentarios%25c2%25b9 Tue, 26 Jul 2022 14:50:29 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=3659 Emenda Constitucional nº 123, de 14.7.2022: Aspectos Fiscais e Orçamentários [1]

 

Por Eugênio Greggianin*, José Fernando Cosentino Tavares** e Marcia Rodrigues Moura***

 

1   Considerações Iniciais: Descrição do Conteúdo das PEC

1.1 A Emenda Constitucional  nº 123/2022

A EC nº 123/2022 é oriunda da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) nº 15/2022, à qual foi apensada a PEC nº 1/2022. O trabalho, além de descrever o conteúdo das proposições, teve o propósito de verificar os pressupostos fáticos do estado de emergência reconhecido em 2022, bem como o impacto decorrente da fragilização dos princípios fiscais ao se prever, para o fim almejado (concessão de benefícios), o afastamento de praticamente todas as regras, limites e mecanismos de compensação fiscal atinentes à preservação do equilíbrio das contas públicas.

1.2 PEC nº 1/2022

A PEC nº 1/2022, de autoria do Senado Federal, tem por objetivo “reconhecer o estado de emergência, decorrente da elevação extraordinária e imprevisível dos preços do petróleo, combustíveis e seus derivados e dos impactos sociais deles decorrentes”. Para enfrentamento ou mitigação dos impactos decorrentes do estado de emergência, a PEC autoriza o pagamento, até 31.12.2022, de uma série de benefícios.

A tabela a seguir apresenta os benefícios previstos na PEC, acompanhados dos limites de gastos nela também previstos.

Dentre os benefícios, apenas três já existem: o Programa Auxílio Brasil, o Programa Alimenta Brasil – ambos criados pela Medida Provisória (MPV) nº 1.061, de 09.08.2021, convertida na Lei 14.284, de 29.12.2021 – e o Auxílio Gás dos Brasileiros – criado pela Lei nº 14.237, de 19.11.2021.

O Programa Auxílio Brasil é o que possui maior representatividade nos dispêndios totais previstos na PEC, de 63% (R$ 26 bilhões). A PEC assegura a extensão dos benefícios às famílias que ainda não fazem parte do Programa, mas que são elegíveis. Estima-se que o quantitativo de novas famílias seja em torno de 2,6 milhões. Considerando que atualmente o programa já atende 18,2 milhões de famílias[2], o quantitativo mensal de famílias atendidas poderá atingir 21 milhões.

Além disso, a PEC assegura um acréscimo extraordinário do benefício para todas as famílias, no valor de R$ 200,00, durante 5 meses. Atualmente o Programa Auxílio Brasil é composto pelos benefícios ordinários previstos nos incisos I a IV do art. 4º da Lei nº 14.284/2021, e pelo benefício extraordinário previsto na Lei nº 14.342, de 18.05.2022, originária da MPV 1.076, de 07.12.2021. Somados os benefícios, estes alcançam um valor médio mensal por família em torno de R$ 400,00[3]. Com a PEC, esse valor alcançará pouco mais de R$ 600,00.

Como previsto na PEC, o impacto da entrada de novas famílias no programa e o pagamento do acréscimo extraordinário de R$ 200,00 para todas as famílias implicará em um gasto adicional de R$ 26 bilhões, que, somados aos valores já previstos no orçamento para 2022, de R$ 89,1 bilhões, farão com que o dispêndio total com o Programa alcance a cifra de R$ 115,1 bilhões.

Apesar de a PEC limitar o pagamento dos benefícios nela previstos até 31.12.2022, a entrada das novas famílias no programa será sentida também nos próximos exercícios. Excluído o pagamento do acréscimo extraordinário de R$ 200,00, cujo pagamento está limitado a 31.12.2022, estima-se que o impacto da entrada das 2,6 milhões de famílias no programa pode atingir o montante de R$ 12,5 bilhões em 2023.

O Alimenta Brasil é um programa de aquisição de alimentos de pequenos produtores rurais e posterior distribuição a famílias carentes. O valor previsto na PEC é de R$ 500 milhões.

O Auxilio Gás dos Brasileiros é um programa de auxílio à compra do gás de cozinha, pago bimestralmente às famílias de baixa renda. O valor do benefício corresponde a 50% da média, verificada nos últimos 6 meses, do preço nacional de referência do botijão de 13 Kg[4]. No mês de junho do corrente ano, 5,7 milhões de famílias[5] receberam o benefício, no valor de R$ 53,00. A PEC prevê um dispêndio de R$ 1,05 bilhão, pago em 3 meses. O valor previsto na PEC e aquele já previsto no orçamento para 2022, de R$ 1,8 bilhão, farão com que o dispêndio total com o Programa alcance a cifra de R$ 2,85 bilhões.

Além do incremento financeiro de benefícios já existentes, a PEC prevê o pagamento de quatro outros benefícios que ainda não fazem parte do rol de despesas da União. São eles: auxílio aos Transportadores Autônomos de Cargas; auxílio financeiro a Estados e DF que outorgarem créditos tributários de ICMS aos produtores ou distribuidores de etanol hidratado; assistência financeira à União, Estados, DF e Municípios para concessão de transporte gratuito a idosos e auxílio a motoristas de táxis.

O auxílio aos Transportadores Autônomos de Cargas será pago durante 6 meses, com valor mensal por beneficiário de R$ 1.000,00 e dispêndio total de R$ 5,4 bilhões. Estima-se um atendimento mensal em torno de 900 mil transportadores autônomos de carga.

O auxílio financeiro a Estados e DF que outorgarem créditos tributários de ICMS aos produtores ou distribuidores de etanol hidratado será pago durante 5 meses, com um dispêndio total de R$ 3,8 bilhões. O benefício será proporcional à participação dos Estados e do DF em relação ao consumo total do etanol hidratado em todos os Estados e no DF no ano de 2021 sendo que o valor máximo mensal é de R$ 760 milhões por ente.

A assistência financeira à União, Estados, DF e Municípios para concessão de transporte gratuito a idosos tem um dispêndio total previsto na PEC de R$ 2,5 bilhões. A PEC não dispôs sobre a periodicidade de pagamento. O valor pago por ente dependerá de uma série de requisitos previstos no § 4º do art. 3º da PEC.

O auxílio a motoristas de táxi será pago a todos aqueles registrados até 31.05.2022, em 6 parcelas, com um dispêndio total de R$ 2 bilhões. O quantitativo de beneficiários dependerá da formação do cadastro para operacionalização do benefício (§ 7º do art. 3º da PEC). O valor por beneficiário também está sujeito a regulamentação posterior.

Destaca-se que o Substitutivo aprovado pela Comissão Especial não promoveu alterações de mérito na PEC, mantendo assim todos os benefícios e valores originalmente previstos.

1.3 PEC nº 15/2022

A PEC nº 15/2022, de autoria do Senado Federal, tem por objetivo assegurar ao setor de biocombustíveis destinados ao consumo final, na forma de lei complementar, tributação inferior à incidente sobre os combustíveis fósseis – com relação, especialmente, ao PIS/PASEP, Cofins e ICMS – capaz de garantir diferencial competitivo para os biocombustíveis. No Brasil, atualmente, o biocombustível destinado ao consumo final é o etanol hidratado.

A PEC não apresenta implicação sobre a receita, tendo em vista que a regra transitória nele prevista dispõe que deverá ser mantida a estrutura tributária vigente em 15.05.2022, em patamar igual ou superior. Alternativamente, quando o diferencial competitivo não for determinado pelas alíquotas, este será garantido pela manutenção do diferencial da carga tributária efetiva entre os combustíveis.

2       Aspectos Fiscais

2.1. Fragilização das regras fiscais

Do ponto de vista econômico, a fragilização continuada dos princípios fiscais talvez seja o aspecto mais preocupante decorrente da aprovação da PEC nº 1/2022 em análise. Regras fiscais servem para nortear o comportamento dos agentes políticos e refrear o desequilíbrio orçamentário. O ciclo político, na ausência de restrições, seria profundamente marcado pela concessão de mais e mais benefícios quanto mais próxima a data das eleições.

A meta de resultado primário foi a principal regra fiscal ao longo de quase 20 anos. Na medida em que passou a ser fixada com ampla folga, revista com frequência, e também a comportar número crescente de exceções, perdeu a credibilidade como instrumento de controle das finanças públicas. Para 2022 é previsto déficit primário de R$ 65,5 bilhões, enquanto a LDO do exercício admite saldo negativo de até R$ 170 bilhões.

Destaque-se, principalmente, a regra que se considerava a última e mais eficaz âncora fiscal no arsenal brasileiro, o teto de gastos. O teto foi criado em 2016, mediante Emenda Constitucional (EC nº 95/2016), para reverter o ritmo descontrolado das finanças públicas que levou à crise de 2015/2016. A regra deu alguma previsibilidade à política fiscal, permitiu a redução sustentável da taxa de juros, até a pandemia, e induziu reformas, como a previdenciária. Principalmente, tinha subjacente a obrigação de o governante escolher entre usos alternativos do dinheiro público.

Limites quantitativos, por poder e órgão, para a despesa primária tiveram o intuito de impor regras mais fortes, além de mais estáveis, visto que só poderiam ser alteradas com quórum qualificado. No entanto, desde então já houve seis alterações constitucionais e caminha-se para a sétima revisão[6].

2.2. Estado de Emergência

Com relação à decretação de estado de emergência como pressuposto para descumprimento de regras fiscais, há significativas objeções. Em primeiro lugar, regras fiscais costumam ter cláusulas de escape que permitem sua flexibilização em casos excepcionais. A regra do teto de gastos, por exemplo, prevê que créditos extraordinários abertos em razão de urgência e imprevisibilidade não precisam se submeter ao limite. A meta de resultado primário pode ser alterada durante o exercício com a modificação da Lei de Diretrizes Orçamentárias. A chamada regra de ouro, que impede o endividamento para atender despesas correntes, também pode ser excetuada mediante aprovação de crédito específico pelo Congresso Nacional, por maioria absoluta.

Ainda há que se considerar quais condições estariam dadas para a decretação de um estado de emergência ou de calamidade pública. Eventos climáticos extremos ou uma pandemia que inviabilizasse o funcionamento dos processos produtivos por um período considerável de tempo seriam os exemplos típicos. Crises econômicas por si só seriam um argumento bem mais frágil, visto que recorrentes e muitas vezes reforçadas por ações inadequadas ou intempestivas dos próprios agentes públicos.

Flutuação de preços de commodities e em especial do barril de petróleo não é novidade, como mostra gráfico a seguir. Tais variações não podem ser consideradas necessariamente imprevisíveis. Nem mesmo quando decorrem de guerra em outros países.

Processos inflacionários também não representam fator atípico na história recente do País. Para 2022, o prognóstico para o IPCA é de 7,67%, não muito distante da inflação apurada em 1996, 1999, 2001, 2002, 2003, 2004, 2015 e 2021.

Crises econômicas podem exigir medidas excepcionais de gastos, mas devem vir acompanhadas de estratégia robusta e crível de retorno à normalidade e de ajustes necessários para evitar ou mitigar eventos posteriores. A falta de um planejamento sobre a saída da situação de emergência e a fragilização do teto fiscal deixam o País sem uma âncora fiscal capaz de sinalizar retomada econômica consistente adiante.

2.3. Custo da renúncia fiscal

O custo da PEC nº 1/2022, já descrito no item 2, não pode ser analisado isoladamente. Outras tantas medidas vêm sendo tomadas nos últimos meses com impacto considerável e que não se restringe ao exercício de 2022.

O teto de gastos trouxe restrições à elevação de despesas. A redução de receitas, por outro lado, passou a apresentar-se como caminho mais curto para conceder benefícios. Assim reduções de alíquotas de impostos e desonerações tendem a alcançar R$ 130 bilhões em 2023, conforme Tabela 2.

Outros R$ 34,6 bilhões em impostos federais sobre combustíveis foram perdidos com a redução a zero das alíquotas até dezembro de 2022. Caso os preços de combustíveis sigam elevados, haverá pressão por prorrogação da renúncia em 2023, com impacto em doze meses de cerca de R$ 70 bilhões, o que elevaria a perda de arrecadação de quase R$ 200 bilhões, ou 2% do PIB. Antes das concessões mencionadas, os gastos tributários da União para 2023 estão estimados na LDO em R$ 368,9 bilhões ou 3,97% do PIB.

2.4. Propensão ao gasto

Às despesas criadas pela PEC acrescentem-se as postergadas pela Emenda Constitucional nº 114, de dezembro de 2021. Os precatórios devidos e não pagos em 2022 aproximam-se de R$ 30 bilhões, montante similar ao que não deve ser pago também em 2023. As sentenças devidas e não pagas entre 2022 e 2026, com correção monetária, possivelmente na casa de centenas de bilhões de reais, representam esqueleto a ser desembolsado em 2027 e salto significativo na dívida pública federal.

No auge da pandemia, as medidas de maior impacto, tais como o Auxílio Emergencial, deram-se por iniciativa do Congresso. Nos anos subsequentes, outros benefícios concedidos ou em análise, tais como pisos salariais e auxílios para categorias profissionais, pelo seu impacto nas contas públicas também elevam o risco fiscal a curto e médio prazo.

2.5. Indicadores econômicos

Os indicadores econômicos se deterioram, refletindo em particular a percepção de um maior risco fiscal no horizonte. Veio se elevando em torno da emergência do preço dos combustíveis um risco fiscal com consequências previsíveis para 2023. A administração subsequente enfrentará quedas de receitas, já contratadas ou decorrentes do arrefecimento da atividade econômica, e aumentos variados de despesas, além de um grau mais elevado de engessamento orçamentário, e terá que decidir entre retirar benefícios ou continuar a se endividar. Diante da necessidade do corte de despesas, o investimento público em obras e equipamentos será o primeiro a perder, afetando as perspectivas de crescimento.

O novo governo terá dificuldade de retirar ou reduzir benefícios, mesmo aqueles com vigência apenas até dezembro deste ano, em particular o Auxílio Brasil. Os Estados, desfalcados recentemente de R$ 90 bilhões de suas receitas sobre derivados de petróleo, por sua vez, poderão precisar do auxílio do governo federal.

Isso se dá, é bom lembrar, dentro de um cenário mundial que ruma agora em direção ao aperto monetário e talvez à recessão. Câmbio em alta, volatilidade dos preços de commodities, bolsas em queda, aumento do risco Brasil, todos esses indicadores se movem em desfavor do crescimento.

A contrario sensu do que se apresenta nas motivações que afastaram a incidência das regras fiscais durante o “estado de emergência”, a percepção do mercado quanto ao aumento do risco fiscal poderá levar o dólar para patamares de oscilação ainda mais elevados, o que influencia a precificação interna do petróleo. Adotam-se na PEC a compensação de gastos, sobretudo em relação ao Auxílio Brasil, a pressão sobre o câmbio e os prêmios de juros da dívida pública cobrados pelo mercado seriam menores. Ademais, as pressões inflacionárias, não apenas em relação ao petróleo, mas de todos os bens e serviços sensíveis ao câmbio tenderiam a apresentar melhor comportamento. Paralelamente, a menor pressão sobre a trajetória da dívida pública permitiria maiores espaços fiscais em um futuro próximo.

2.6. Juros

Juros aqui e no exterior aumentaram significativamente, e no Brasil a inflação persistente começa a indicar que a Selic poderá elevar-se acima dos 13,25% ao ano por conta do aumento do prêmio de risco. Os juros vão ficar por mais tempo em patamar de dois dígitos no Brasil.

O mercado financeiro está exigindo juros mais altos para adquirir títulos de longo prazo do governo. O Tesouro Nacional já aceita pagar juros reais de 6,17% para vender seus papéis atrelados ao IPCA, as NTN-B, com vencimento em 40 anos, o mais longo da dívida pública doméstica. Em janeiro de 2019, as taxas eram de 4,76%.  As NTN-F, com vencimento em 10 anos, alcançaram 13,21%.

2.7. Inflação

O Banco Central alerta, em seu último Relatório de Inflação (30 de junho), “que as medidas tributárias em tramitação e discussão podem reduzir sensivelmente a inflação no ano corrente, embora elevem, em menor magnitude, a inflação no horizonte relevante de política monetária. Contudo, políticas fiscais que impliquem sustentação da demanda agregada no curto prazo, mas que piorem a trajetória fiscal do país – assim como a incerteza sobre o futuro do arcabouço fiscal – podem pressionar os prêmios de risco e a confiança dos agentes, com impactos negativos, possivelmente defasados, sobre a atividade econômica e os investimentos em particular.”

O IPCA previsto no relatório Focus para 2023 já está em 5,1% e tem subido. As empresas, que estão trabalhando com alta de insumos e margem apertada, vão buscar reajustar os preços, sustentados pelo aumento da demanda.

2.8. Crescimento

A expectativa de um crescimento baixo da economia tem sido apenas adiada. Os analistas têm melhorado suas previsões para o terceiro trimestre e para o PIB em 2022 graças às reduções de impostos e aos aumentos de despesas públicas, com novas transferências como o aumento do Auxílio Brasil e de outros benefícios previstos na PEC. A reversão dessas medidas, no todo ou em parte, poderá fazer o PIB encolher adiante.

3          Aspectos Normativos e Orçamentários

3.1. A caracterização do Estado de Emergência da PEC nº 1/2022

A PEC 1/2022 cria e amplia benefícios sociais aproveitando-se da dispensa de várias regras fiscais voltadas ao equilíbrio fiscal – teto para as despesas primárias, resultados fiscais, regra de ouro e necessidade de compensação do aumento de gastos obrigatórios. Como fundamento, é reconhecida no País a existência de um “estado de emergência” decorrente de elevação extraordinária e imprevisível dos preços do petróleo, combustíveis e seus derivados e dos impactos sociais deles decorrentes.

A distinção entre estado de emergência e estado de calamidade pública pode ser encontrada no âmbito da política de defesa civil. Depende da intensidade da situação e do alcance dos danos provocados. No estado de emergência a capacidade de resposta do Poder Público é parcialmente comprometida, sendo que os danos são suportáveis e superáveis. No estado de calamidade pública o comprometimento é substancial (desastres).

De acordo com o Decreto nº 10.593/2020:

Art. 2º Para fins do disposto neste Decreto, considera-se:

(…)

VIII – estado de calamidade pública – situação anormal provocada por desastre que causa danos e prejuízos que impliquem o comprometimento substancial da capacidade de resposta do Poder Público do ente federativo atingido ou que demande a adoção de medidas administrativas excepcionais para resposta e recuperação;

(…)

XIV – situação de emergência – situação anormal provocada por desastre que causa danos e prejuízos que impliquem o comprometimento parcial da capacidade de resposta do Poder Público do ente federativo atingido ou que demande a adoção de medidas administrativas excepcionais para resposta e recuperação.

A autorização para que governos deixem de cumprir, de forma temporária, o conjunto de normas legais ou fiscais, sempre foi tratada como procedimento de exceção que exige fundamento fático e cautelas especiais.

O atendimento de situações excepcionais que exigem proteção especial já conta, no caso da calamidade pública, com um arsenal de medidas de enfrentamento. O art. 65 da LRF, além de suspender prazos de retorno aos limites de pessoal e dívida, dispensa o atingimento de metas fiscais e a adoção de medidas de compensação. Aplica-se, no entanto, exclusivamente aos atos de gestão orçamentária e financeira necessários ao atendimento das respectivas despesas.

De acordo com a Constituição, a abertura de crédito extraordinário pode ser feita por medida provisória quando se tratar de despesas imprevisíveis e urgentes, tais como as decorrentes de guerra, comoção interna ou calamidade pública. Sobre o tema, o STF esclarece que as despesas devem ser apenas aquelas necessárias para o atendimento de “realidades ou situações fáticas de extrema gravidade e de consequências imprevisíveis para a ordem pública e a paz social, e que dessa forma requerem, com a devida urgência, adoção de medidas singulares e extraordinárias”[7]. Assim, não deve haver dúvidas em relação às situações que ensejam a excepcionalidade.

Exemplo disso foi a situação vivenciada em função da pandemia da COVID-19 no exercício de 2020. Naquele ano foram editadas regras fiscais extraordinárias (EC nº 106/20, LC nº 173/2020 e LDO 2020) que dispensaram ou afastaram exigências do regime fiscal ordinário. De outra parte, as dispensas foram acompanhadas de várias ressalvas e cautelas, o que já refletia a preocupação do próprio Legislativo quanto ao impacto futuro no endividamento público e à necessidade de recuperação fiscal no período pós-pandemia.

Delimitou-se o regime extraordinário somente para 2020 e apenas naquilo em que a urgência viesse a se mostrar incompatível com o regime regular, e desde que não viesse implicar despesa permanente, prevenindo-se assim abusos e desvios na utilização das normas excepcionais. Ao mesmo tempo, a lei complementar estabeleceu proibições específicas para aumentos, criação de cargos, benefícios, concursos, reajustes, progressões etc., com algumas exceções, como forma de compensar, ao menos em parte, o aumento imprevisto de despesas.

Nem mesmo a continuidade dos efeitos da pandemia em 2021 foi motivo para a prorrogação do estado de calamidade pública, visto que já se contava então com a expectativa de recuperação a partir dos efeitos da vacinação.

Como visto, encontra-se implícito no regime de exceção, além da existência de um fundamento fático, a dispensa de requisitos sempre de forma restrita às medidas necessárias e suficientes[8].

De acordo com a redação da PEC nº 1/2022, o estado de emergência, reconhecido no ano de 2022, decorre da “elevação extraordinária e imprevisível dos preços do petróleo, combustíveis e seus derivados e dos impactos sociais deles decorrentes”.

Durante o estado de emergência assim definido, permitir-se-á atender as despesas criadas por crédito extraordinário, independentemente do atendimento do requisito de imprevisibilidade previsto no art. 167, § 3º da CF. Ademais, os novos gastos não serão considerados para fins de cumprimento da meta fiscal prevista na LDO, no limite de despesas primárias (teto), no limite estabelecido pela regra de ouro e serão dispensadas da necessidade de compensação.

Ou seja, ainda que a situação de “emergência” seja menos grave, adota-se na PEC praticamente as mesmas dispensas e privilégios concedidos para situações mais críticas que caracterizam o estado de calamidade pública, o que não parece razoável. Abre-se mão de praticamente todo mecanismo de defesa fiscal de forma desproporcional à situação que se vislumbra.

Segue-se ao caput do art. 2º da PEC o parágrafo único, o qual determina que os limites dos montantes devem constar de uma “única e exclusiva norma constitucional”. O texto, aparentemente, procura mitigar a falta de pressupostos fáticos dessa iniciativa pelo fato de não poder haver outra norma constitucional que amplie os limites, o que parece ser inócuo, porque nada impede que outra emenda constitucional altere o próprio parágrafo único.

 3.2. A compensação das despesas continuadas como princípio fiscal

Como comentado, o impacto da entrada de novas famílias no programa e o pagamento do acréscimo extraordinário de R$ 200,00 para todas as famílias implicará um gasto adicional de R$ 26 bilhões, que, somados aos valores já previstos no orçamento para 2022, de R$ 89,1 bilhões, farão com que o dispêndio total com o Programa alcance a cifra de R$ 115,1 bilhões.

Apesar de a PEC limitar o pagamento dos benefícios nela previstos até 31.12.2022, a entrada das novas famílias no programa será sentida também nos próximos exercícios. Excluído o pagamento do acréscimo extraordinário de R$ 200,00, cujo pagamento está limitado a 31.12.2022, estima-se que o impacto da entrada das 2,6 milhões de famílias no programa pode atingir o montante de R$ 12,5 bilhões em 2023.

Considerada a atual situação de déficit fiscal, a PEC, da forma como se encontra, em especial quanto ao fato de não prever compensação de despesas com caráter nitidamente continuado (Auxílio Brasil), atinge princípios basilares de equilíbrio das contas públicas e aumenta o risco fiscal, precedente que aparenta ser excessivo.

É sabido que crescentes demandas sociais tendem sempre a superar a capacidade tributária e as disponibilidades do Estado, razão pela qual princípios e regras[9] estabilizadores são formulados para conter a tendência de endividamento público crescente. De fato, a percepção quanto à falta de capacidade de solvência das contas públicas induz a elevação das taxas de juros e provoca o aumento dessas despesas, um círculo vicioso bastante conhecido.

No âmbito das finanças públicas existem diversas normas diretamente relacionadas à necessidade de se impor limites financeiros ao governo e aos agentes políticos, em especial no final de mandato.

A existência de um conjunto funcional e harmonizado de preceitos reduz a discricionariedade e o excesso de poder dos governantes, aumenta a transparência e, em especial, a segurança e a credibilidade da política fiscal. Neste desiderato, hipóteses de afastamento e dispensas podem até existir no sistema normativo, mas sempre como exceção amparada por elementos fáticos e jurídicos bem determinados e que devem ser interpretados de forma restritiva.

A relevância e o alcance dos princípios no conjunto normativo justificam o cuidado pela sua preservação, razão pela qual costumam ser inseridos de forma permanente dentro da própria Constituição, o que não impede normas de elevada densidade valorativa enunciadas em textos infraconstitucionais, como é o caso do equilíbrio orçamentário.

Um dos princípios fiscais mais conhecidos é o da busca do equilíbrio temporal das finanças públicas, que, em última análise, visa à justiça intergeracional na divisão dos benefícios e ônus do endividamento público. Nesse sentido, estabelece o art. 1º da LRF que ação fiscal responsável “pressupõe a ação planejada e transparente, em que se previnem riscos e corrigem desvios capazes de afetar o equilíbrio das contas públicas”. (grifo nosso).

Novas despesas que tendem a ser perpetuar somente podem ser aprovadas se indicada a fonte de financiamento, uma forma de mitigar o aumento da rigidez orçamentária e do déficit. De acordo com a legislação complementar (art. 16 e 17 da LRF), alterações que impliquem aumento de despesas obrigatórias de duração continuada devem ser compensadas[10], mantendo-se o equilíbrio implícito na lei orçamentária.

Essa regra de neutralidade orçamentária permite o controle difuso e prévio de proposições e demais atos que criam despesas obrigatórias. A restrição se justifica pelo fato de que, aprovada a legislação, cria-se um fato consumado, de difícil reversão.

Despesas obrigatórias, uma vez aprovadas, não se submetem aos limites do orçamento, como ocorre com as discricionárias. Ao contrário, é o orçamento que fica submetido às despesas obrigatórias. A necessidade de maior cuidado com a aprovação de despesas obrigatórias encontra-se expressa na Constituição que, ao tempo que cria tetos para as despesas primárias (ADCT, art. 107), estabelece mecanismo de controle dessas despesas quando seu montante ultrapassa 95% da despesa primária total (ADCT, art. 109). Adicionalmente, o art. 113 do ADCT exige a estimativa do impacto orçamentário e financeiro de toda proposição legislativa que crie ou altere despesa obrigatória (ou renúncia de receita).

Não há dúvida acerca da importância do objetivo de atenuar o impacto do aumento dos preços dos combustíveis e dos preços em geral sobre a renda dos cidadãos.

Ainda que se admita tratar-se de despesa extraordinária – o que implicaria a dispensa automática do cumprimento da regra do teto (ADCT, art. 107, § 6º, III) – não se vislumbra, por outro lado, razão ou necessidade para afastamento da regra de compensação, em detrimento da preservação do princípio do equilíbrio temporal.

A compensação, ao atuar como freio e contrapeso político ao desejo dos governos de expansão orçamentária, em especial no final de mandato, preserva o nível atual de equilíbrio (já deficitário[11]) para, pelo menos, não agravar ainda mais a situação fiscal.

Não se justifica, portanto, a falta de indicação de fontes permanentes para o atendimento das despesas correntes continuadas criadas pela PEC (art. 2º, parágrafo único, III), em especial quanto ao Programa Auxílio Brasil, implantada aos moldes do Bolsa Família[12]. Tratando-se de benefícios sociais com natureza de despesa corrente continuada, é grande a dificuldade de sua posterior redução, seja do ponto de vista político ou mesmo jurídico (princípio do não retrocesso dos direitos sociais).

Por esse motivo, a extensão de tais benefícios deveria ter sido compensada, para que possa ser mantida, garantindo-se a neutralidade fiscal da medida e a preservação do princípio do equilíbrio temporal do orçamento.

3.3. Limitação das despesas em final de mandato

As regras que limitam despesas de final de mandato, ainda que em legislação infraconstitucional (LRF, arts. 21, 31, 42 e lei eleitoral), dão concretude, em seu conjunto, ao princípio que impõe aos agentes políticos, nos períodos de transição, disciplina fiscal ainda mais rigorosa do que aquela comumente adotada. O bem jurídico protegido é a igualdade da disputa eleitoral, reduzindo-se assimetria no exercício de direitos políticos em benefício de candidatura própria ou de terceiros.

Dentre outras condutas proibidas pela lei eleitoral, veda-se nos três meses que antecedem o pleito, “realizar transferência voluntária de recursos da União aos Estados e Municípios, sob pena de nulidade de pleno direito, ressalvados os recursos destinados a cumprir obrigação formal preexistente para execução de obra ou serviço em andamento e com cronograma prefixado, e os destinados a atender situações de emergência e de calamidade pública” (CF. art. 73, inciso VI, alínea “a”, da Lei nº 9.504, de 1997, grifo nosso). O § 10[13] do mesmo artigo proíbe, no ano de eleição, a distribuição gratuita de bens, valores ou benefícios por parte da Administração Pública, exceto nos casos de calamidade pública, de estado de emergência ou de programas sociais autorizados em lei e já em execução orçamentária.

Entretanto, entende-se que o estado de emergência reconhecido pela PEC em análise é peculiar, com aplicação restrita tão somente aos benefícios nela elencados. Desta forma, não deve ter o condão de afastar, de forma genérica, as vedações referidas na lei eleitoral.

 

____________________________________________________

[1] Este texto se baseia em Nota Técnica da Consultoria da Câmara dos Deputados elaborada pelos mesmos Autores (Subsídios à apreciação das PECs nº 1 e 15, de 2022).

[2] Disponível em https://aplicacoes.mds.gov.br/sagi/ri/relatorios/cidadania/index.php; Último acesso em 11/07/2022.

[3] Idem.

[4] Decreto nº 10.881, de 02.12.2021.

[5] Disponível em https://aplicacoes.mds.gov.br/sagi/vis/data3/data-explorer.php.

Último acesso em 11.07.2022.

[6] EC 102/2019, EC 108/2020, EC 109/2021, EC 113/2021, EC 114/2021 e EC 119/2022.

[7] https://www.stf.jus.br/portal/constituicao/artigo.asp?item=1634&tipo=CJ&termo=3#:~:text=Al%C3%A9m%20dos%20requisitos%20de%20relev%C3%A2ncia,de%20relev%C3%A2ncia%20e%20urg%C3%AAncia%20(art.

[8] É exemplo, no caso das despesas com pessoal durante o estado de calamidade pública de 2020, a viabilização da contratação de pessoal apenas nas áreas voltadas ao enfrentamento à pandemia, sendo que, de outra parte, houve restrições à contratação nas demais áreas.

[9] Consideram-se aqui como “regras”, fiscais ou orçamentárias, aquelas normas ou preceitos com maior grau de determinação, vinculantes e objetivas. E, como “princípios”, aqueles enunciados que fundamentam um conjunto de regras e o próprio regime jurídico. Apesar de mais genéricos, têm importância vital, pois estruturam valores que derivam da razão e do conhecimento normalmente aceito e consolidado, estabelecendo substrato que justifica, no caso, o conjunto específico de regras orçamentárias e fiscais criadas para desestimular déficits e atenuar ou reduzir o endividamento público.

[10]  De acordo com o art. 17 da LRF, o aumento de despesa obrigatória continuada exige a redução de outra despesa, ou o aumento de receita.

[11] A meta de resultado primário para 2022, conforme LDO, é de déficit.

[12] De acordo com a PEC, a extensão do programa é assegurada a todas as famílias elegíveis na data de promulgação da Emenda Constitucional.

[13] Em relação à legislação eleitoral, a lei nº 14.352 de 2022, alterou a LDO 2022, inserindo novo dispositivo no seu texto: Art. 81-A. A doação de bens, valores ou benefícios por parte da Administração Pública a entidades privadas, desde que com encargo para o donatário, anterior a três meses que antecedem o pleito eleitoral, não se configura em descumprimento do § 10 do art. 73 da Lei nº 9.504, de 30 de setembro de 1997.

 

* Eugênio Greggianin é consultor de Orçamento e Fiscalização Financeira da Câmara dos Deputados

 

** José Fernando Cosentino Tavares é consultor de Orçamento e Fiscalização Financeira da Câmara dos Deputados

 

*** Marcia Rodrigues Moura é consultora de Orçamento e Fiscalização Financeira da Câmara dos Deputados

 

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5G: Conectando o Brasil com o Futuro https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=3655&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=5g-conectando-o-brasil-com-o-futuro Sun, 24 Jul 2022 04:33:47 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=3655 5G: Conectando o Brasil com o Futuro

 

Por Marcos Ferrari* e Amanda Lopes**

 

O Paradigma da Telefonia Móvel

Recém-lançada no Brasil, a 5ª geração de banda larga móvel (standalone) nasce com o propósito de revolucionar as telecomunicações e promover um ambiente produtivo totalmente digital. Neste cenário, o setor de telecom desponta como o agente central do crescimento brasileiro.

Entender as razões que tornam o 5G o habilitador do desenvolvimento econômico requer a compreensão da evolução dos padrões da tecnologia móvel e a importância da tecnologia na economia. No passado, o objetivo primordial das telecomunicações era facilitar a comunicação entre pessoas, através de serviços de áudio e texto. A evolução da tecnologia, entretanto, abarcou os anseios do passado e superou o objetivo inicial.

A popularização do telefone celular ocorre na década de 80, quando a primeira geração de tecnologia (1G) possibilita a transmissão wireless de voz através de sinais analógicos. Apesar do avanço, o 1G apresenta falhas severas de segurança de dados e a transmissão sofria com interferências.

Uma década depois, o 2G surge com um novo paradigma: transmissão do sinal digital em vez do analógico. A mudança solucionou as questões de ruídos e possibilitou a criptografia dos dados, de forma a promover o primeiro passo em direção à cybersegurança móvel. As evoluções do 2G também possibilitaram a comunicação via SMS e a criação do sistema de internet móvel.

A telefonia já se encontrava no patamar de oferecer aos clientes comunicação via voz, mensagem e dados em um só equipamento. Contudo, à medida que o 2G era disseminado, aumentavam as demandas por mais largura de banda e velocidade. Neste cenário, o 3G foi lançando nos 2000 com o intuito de estabelecer um novo patamar de capacidade de transmissão de dados e potencial de conexão nos mais diversos lugares.

A facilidade promovida pela telefonia móvel alterou gradativamente a forma de comunicação da sociedade, impondo novas necessidades. Conversar com a família, participar de reuniões, fazer negócios, digitalizar empresas, todas são atividades que sofreram sensíveis mudanças em 20 anos. As  necessidades crescentes nos levaram ao 4G (LTE), tecnologia que habilitou diversas aplicações móveis relacionadas a serviços bancários, mobilidade, delivery, popularizando smartphones e tablets. A conexão enfim alcançou a maioria das pessoas de forma inegável. Em junho de 2022, a Lei Complementar nº 194 alterou a Lei Kandir de forma a considerar telecomunicação um serviço essencial à sociedade.

A natureza das telecomunicações, inicialmente com enfoque na mera comunicação entre agentes, ganha contorno transversal na economia, habilitando o desenvolvimento de diversos setores.

A evolução das telecomunicações pode ser muito bem compreendida pelo processo schumpeteriano de destruição criativa (Schumpeter, 1942): a incessante inovação e os processos de substituição de produtos obsoletos por paradigmas tecnológicos modernos permeiam o desempenho econômico de longo prazo e as constantes flutuações econômicas. A concorrência, dentro desta abordagem, exerce papel fundamental sobre a mudança tecnológica. No sistema capitalista, a competição endogeniza o progresso tecnológico (Dosi, 1988). Firmas buscam aprimorar o capital produtivo na busca por lucro potencial e diferenciação no mercado. 

Gráfico 1 – Acessos de Telefonia Móvel por Tecnologia

Fonte: Anatel. Elaboração: Conexis.

A destruição criativa e a acumulação das inovações tecnológicas, propiciadas pelas telecomunicações, guiaram a evolução entre um cenário produtivo restrito e manual, para um mundo conectado e digital. Apesar de uma tecnologia não findar com a chegada de uma nova, a mudança de paradigmas é visível. Até os dias atuais, o 2G e 3G continuam a atender algumas das necessidades de áreas mais remotas ou conectar máquinas de cartão de crédito, por exemplo, mas a chegada do 4G promoveu uma mudança qualitativa como nova base habilitadora de diversas aplicações. Com o 5G, haverá outra mudança qualitativa, e o 4G coexistirá por muitos anos.

Neste espírito, podemos entender que apesar da tecnologia ter alcançado um pico com o 4G e desta ser uma tecnologia que ainda provê as necessidades diárias da sociedade, o 5G abre portas para mais uma rodada de inovações além do imaginado. E, definitivamente, esta jornada não se encerra por aqui.

A Inovação do 5G

Apesar do lançamento do chamado 5G “puro”, ou standalone, ser recente, serviços de 5G DSS, ou non-standalone, já eram oferecidos no Brasil. O 5G DSS agrega frequências reaproveitadas do 3G e 4G para tentar aumentar o throughput (quantidade de dados transmitidos por uma rede), porém a capacidade de banda é limitada a 10~20 Mhz.

Visto a restrição dessa modalidade, o Leilão do 5G, realizado em novembro de 2021, abre as portas para uma tecnologia de ponta. A faixa de 3,5 GhZ, leiloada como a faixa nobre do 5G standalone, possui 100 Mhz de largura de banda e uma capacidade de throughput superior ao DSS.

O 5G se destaca pelo ganho de performance significativo, seja em velocidade, latência, capacidade ou número de aparelhos que podem se conectar simultaneamente. Segundo a UIT (União Internacional de Telecomunicações), órgão ligado às Nações Unidas e responsável por criar as diretrizes mundiais de telecom, define uma norma para o 5G: a rede deve prover velocidade de 10 Gbps por segundo, latência de 1 milisegundo e até 1.000 conexões simultâneas por km².

Essa última característica viabilizará o Massive IoT, ou seja, a conexão de milhares de devices com uma nuvem central, capaz de receber constantes bits de informação e processar dados. A Internet das Coisas (IoT) representa uma mudança contínua de paradigma nas comunicações: tudo o que se beneficia de uma conexão pode e será conectado.

Diversos testes envolvendo redes 5G têm sido realizados para comprovar os benefícios da nova tecnologia. Na agricultura, pode-se destacar a pesquisa da Avant Agro na implementação de drones munidos com 5G e Inteligência Artificial para monitoramento de lavouras.

Segundo a Embrapa, estima-se que a dificuldade em detectar ervas daninhas em plantações de soja, possa gerar prejuízos de R$ 9 bilhões anuais no país em decorrência da perda de produtividade. O 4G já possibilita o uso de drones para mapeamento do campo, porém de forma offline. Isso significa que a informação coletada pelo drone fica armazenada em um cartão de memória, sendo necessário que o operador as transfira do cartão para uma máquina, de forma que os dados sejam processados. De acordo com a Avant Agro, o mapeamento offline leva aproximadamente 12h e 4,5 GB para uma área de 25 hectares.

Ao implementar a tecnologia 5G aos drones, permitindo uma conexão online, onde os dados são importados para um cloud e tratados por algoritmos em tempo real, o tempo do processo cai para 3h43min. O reconhecimento das ervas daninhas por meio de drone conectado à rede 5G, reduz custos e propensões a erro, além de reduzir substancialmente o tempo do processo.

As aplicações do Massive IoT poderão também ser implementadas em diversos setores, como na saúde, através de wearables que acompanham sinais vitais e mudanças de comportamento, facilitando a triagem e o encaminhamento de pacientes à unidade de saúde. Esta função pode gerar redução de custos de atendimento e munir profissionais da saúde com amplo histórico sobre os pacientes.

No setor de logística, os processos aduaneiros (smart ports) também devem se beneficiar por smart tags, por exemplo, que permitem o acompanhamento do transporte de mercadorias do produtor ao consumidor final em tempo real, inclusive para fins de fiscalização e tributários.

Na contramão de aplicações de Massive IoT que requerem a conexão de milhares de endpoints com trocas de pequeno volume de dados, o 5G promoverá o Critical IoT. Estas aplicações são caracterizadas por um volume de dispositivos significativamente menor e maior demanda por confiabilidade. Aplicativos como esses exigem densa cobertura de conexão, latência ultrabaixa e alta taxa de transferência de dados.

Setores de segurança, tráfego, energia e saúde serão alguns dos setores servidos pela baixa latência, ultra velocidade e confiabilidade do 5G. Um dos casos mais clássicos quando pensamos em automatização é o do carro autônomo. Os sistemas de veículos autônomos geram enormes quantidades de dados para medir e navegar externamente. Esses aplicativos contam com a transmissão de informações em tempo real para atender às demandas de direção segura. A confiabilidade do sistema e o rápido poder de resposta são essenciais para a existência deste sistema. A tecnologia 5G será habilitadora deste novo mercado.

Outras inovações como as cirurgias à distância, gerenciamento de tráfego de rodovias e sensoriamento de caldeiras de termoelétricas são atividades que dependem exclusivamente de uma rede de conexão de altíssima confiabilidade para serem operadas online. Elas devem funcionar sem lapsos, visto que o risco de falhas de conexão torna-se sensível no Critical IoT.

Apesar de já existir um hall de aplicações sendo discutidas e muitas delas implementadas, conforme mencionado, não temos ao certo ainda quais serão as aplicações que de fato revolucionarão o mercado. E o mais importante, talvez ainda não seja possível visualizar as futuras demandas por aplicações. Esse processo ocorre desde os primórdios da telefonia móvel, a tecnologia avança e a sociedade a adapta em torno de suas necessidades.

É inegável, contudo, que existe uma premissa para que a tecnologia prospere: infraestrutura. A infraestrutura possibilita o surgimento das inovações e tecnologias que vão direcionar o nosso futuro. Faz-se necessária a criação de um ambiente frutífero para que desenvolvedores e empresas possam criar tudo aquilo que um dia será indispensável. Para isso, além de garantir uma conexão veloz e de baixa latência, é preciso conectar o país. Instalar infraestrutura nas cidades, promover um ambiente de negócios frutífero e seguro, além de garantir a conectividade das pessoas.

Dificuldades de Implementação

Em um estudo sobre os impeditivos institucionais da destruição criativa, Caballero (2008) argumenta que, para efeitos práticos, as inovações ocorrem continuamente e que na ausência de obstáculos à sua implementação, teríamos um cenário de infinita reestruturação da economia. O incessante ciclo de reestruturação, porém, seria freado por dois obstáculos: limitação de recursos a serem dispendidos no ajuste ao novo paradigma e os impedimentos institucionais criados pelo homem.

O setor de telecom mundial é amplamente conhecido por estar na ponta de P&D, redefinindo fronteiras de conhecimento e tendo liderado, inclusive, a última onda de inovação (mídias digitais, softwares e redes). Apesar disso, imputa-se ainda sobre o setor alguns obstáculos institucionais de regulamentação.

Pouco se fala no assunto, mas para que seja possível atingir a cobertura nacional com o 5G, a nova geração de internet móvel vai exigir uma quantidade de antenas de 5 a 10 vezes maior que a atual. A necessidade de ampliação da infraestrutura de telecom traz consigo a problemática da instalação de antenas nas cidades. Arcabouços ultrapassados impedem a rápida adaptação das cidades ao 5G.

Dentre o universo de 5.570 municípios brasileiros, apenas 106 estão com uma legislação plenamente adequada para as necessidades do 5G. Entre as capitais, apenas 48% apresentam convergência.

Apesar de a regulamentação de telecomunicações ser federal, as leis que determinam as regras para instalação de antenas são municipais, gerando gargalos em cidades que ainda têm leis de antenas desatualizadas e em desacordo com a Lei Geral de Antenas.

Muitos são os entraves para a obtenção de licenças que permitam a instalação de antenas. Certos municípios impedem a fixação de antenas em perímetros escolares ou hospitalares, impondo restrições à conexão de estudantes; outros impossibilitam a instalação de infra em local sem regularização fundiária, afetando diretamente as populações mais carentes; ainda existem questões arquitetônicas que travam a obtenção de licenças. É importante ressaltar que estas legislações geram incongruência entre as legislações municipais e a necessidade para avanço pleno do 5G.

Além de entraves legais, o tempo médio para o licenciamento de uma antena também gera atrito. De acordo com a Lei Geral de Antenas (Nº 13.116/2015), o prazo para emissão de qualquer licença referida à instalação de infraestrutura de suporte em área urbana não poderá ser superior a 60 dias. Entretanto, o tempo médio efetivo tem sido de seis meses, chegando até a 1 ano em algumas cidades, o que não é compatível com a nova tecnologia.

A vitória conquistada pelo setor no Senado Federal em julho de 2022 com a aprovação do PL 1885/2022 é muito oportuna para facilitar a instalação da infraestrutura. O projeto chamado “Silêncio Positivo” autoriza operadoras a instalarem equipamentos de infraestrutura de telecomunicações nos municípios caso as autoridades locais não se manifestem no prazo determinado pela LGA. O projeto aguarda agora sanção presidencial.

As revoluções tecnológicas do setor de telecomunicações têm impacto direto na contínua expansão da economia, através da promoção de inovações ou adequação de cadeias para modelos mais produtivos e eficientes. A vertente do novo institucionalismo de Douglas North expõe que as tecnologias apenas surgiram e se desenvolveram em países com ambiente institucional propicio. É imperativo que o arcabouço jurídico que envolve o setor no Brasil reflita a vanguarda e rapidez como o mundo digital avança. Essas mudanças visam acomodar o progresso tecnológico na estrutura brasileira de modo a promover impactos positivos nos mais diversos campos.

 

Referências

Caballero, R. 2008. Creative Destruction. The New Palgrave Dictionary of Economics, Second Edition.

Dosi, G. (1988). The Nature of the Innovation Process. In G. Dosi, C. Freeman, R. Nelson, G. Silverberg, & L. Soete (Eds.), Technical Change and Economic Theory (pp. 221-238).

Ferrari, Marcos. 2006. A economia evolucionária/neoschumpeteriana e o novo institucionalismo: em busca de explicações para a mudança tecnológica e institucional. Vitória: XI Encontro Nacional de Economia Política.

Ferrari, Marcos & Lopes, Amanda. 2022. The 5G Agenda and its Impact on the Economy. São Paulo: The Winners n° 46.

Paudel, P. & Bhattarai, A. 2018. 5G Telecommunication Technology: History, Overview, Requirements and Use Case Scenario in Context of Nepal.

Schumpeter, J. 1942. Capitalism, Socialism, and Democracy. New York: Harper & Bros.

UIT. 2018. Key features and requirements of 5G/IMT-2020. Algeria: ITU Arab Forum.

 

 * Marcos Ferrari é doutor em Economia pela UFRJ e Presidente-Executivo da Conexis Brasil Digital, também foi Diretor de Infraestrutura e Governo do BNDES, Secretário de Assuntos Econômicos do Ministério do Planejamento e Secretário Adjunto de Política Econômica do Ministério da Fazenda. 

** Amanda Lopes é mestranda em Políticas Econômicas pela Erasmus University of Rotterdam e Analista de Estudos Econômicos na Conexis Brasil Digital.

 

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A queda da poupança em 2022 https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=3648&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=a-queda-da-poupanca-em-2022 Tue, 12 Jul 2022 23:22:46 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=3648 A queda da poupança em 2022

 

Por Roberto Macedo* 

 

O Banco Central acabou de publicar seu relatório mensal sobre a caderneta de poupança, com dados mensais até junho de 2022. Na publicação, esses dados aparecem junto com os dados mensais de 2019, 2020 e 2021, cobrindo assim os três últimos anos e o primeiro semestre de 2022.

Este último semestre mostrou um comportamento atípico, pois se comparado com os primeiros semestres do período 2019-2021, foi o que mostrou mais meses (cinco) de capitalização líquida (depósitos menos retiradas) negativa, mesmo com o aumento dos rendimentos creditados que subiram. Estes voltaram a ser 0,5% ao mês mais o valor da taxa referencial, que voltou a ser positivo, depois de muito tempo com o valor zero. Especificamente, a última remuneração mensal total, divulgada pelo Banco Central em 7 de julho, foi de 0,7008.

O comportamento da poupança no primeiro semestre de 2022 contrastou mais fortemente com o que aconteceu com ela em 2020, que teve apenas dois meses de captação líquida durante todo o ano, e o saldo final de todas as contas passou de R$ 845 bilhões em dezembro de 2019 para R$ 1,035 trilhão no mesmo mês de 2020, resultado do auxílio emergencial de R$ 600 que o governo federal pagou em 2020, que muitos depositantes preferiram poupar.

Olhando à frente, a perspectiva é de um auxílio adicional de R$ 200, mas em cima dos R$ 400 do Auxílio Brasil. Talvez muita gente optará por poupá-lo no todo ou em parte, mas sem o maior impacto do auxílio emergencial de 2020.

Outro dado interessante é que o saldo final de todas as contas no mês de junho de 2022 foi de R$ 1,013 trilhão, abaixo do valor de R$ 1,030 trilhão em 2021. Ou seja, uma queda de R$ 17 bilhões. Isso apesar de as contas de poupança terem recebido rendimentos de R$ 30,5 bilhões durante do ano 2021 e R$ 33,5 bilhões no primeiro trimestre de 2022. Ou seja, sem esses R$ 64 bilhões o saldo final de todas as contas teria caído muito mais.

Noutra visão, no seu todo e de um modo geral, os depositantes da caderneta de poupança passaram a usá-la para suprir suas carências de renda em 2021 e 2022, na sua média mantendo os seus saldos finais, mas consumindo o que veio de rendimentos mensais. Mas essa é uma das finalidades da poupança, enfrentar tempos de dificuldades. E esses movimentos da poupança sinalizam que elas existem e estão sendo enfrentadas.

 

* Roberto Macedo é economista (UFMG, USP e Harvard), professor sênior da USP e membro do Instituto Fernand Braudel.

 

Artigo publicado no site da Fundação Espaço Democrático, em 12 de julho de 2022.

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Mais e graves pecados fiscais e eleitorais https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=3646&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=mais-e-graves-pecados-fiscais-e-eleitorais Thu, 07 Jul 2022 15:36:57 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=3646 Mais e graves pecados fiscais e eleitorais

 

PEC do ‘estado de emergência’ descumpre mandamentos de uma adequada política fiscal e de regras eleitorais sem privilégio.

 

Por Roberto Macedo*

 

Tendo como pretexto o forte aumento do preço dos combustíveis, o desgoverno Bolsonaro se excedeu imaginando um “estado de emergência” com sua Proposta de Emenda Constitucional (PEC) recém-aprovada no Senado, com apenas um voto em contrário, do senador José Serra, que honrou o seu mandato.

Entre outros gastos, ela contempla ampliação do Auxílio Brasil, aumento do vale-gás e bolsa-caminhoneiro e para motoristas de taxi. Quando eu escrevia este texto, essa PEC estava na Câmara dos Deputados e a previsão é de que ali será também aprovada por larga margem, pois a dita oposição não quer ir contra um pacote de benesses na proximidade de eleições, ainda que muito defeituoso, populista, oportunista e favorável ao seu adversário. Segundo o jornal O Globo de 1/7/2022, “parlamentares fizeram duras críticas, mas não tiveram coragem de figurar em lista contra a proposta que aumenta verbas públicas para programas sociais, mesmo dando vantagem eleitoral ao presidente”.

Esta “emergência” da referida PEC só existe, mesmo, é nas hostes governistas, pois seu candidato presidencial à reeleição corre alto risco de perdê-la, conforme as pesquisas de intenção de voto. E, assim, ele partiu para a violência fiscal e eleitoral. Só não digo que partiu para a ignorância porque sabe muito bem o que está fazendo.

As instituições fiscais e eleitorais são como mandamentos que regem um Estado Democrático de Direito, e a PEC atua contra um desses mandamentos ao promover a gastança num momento em que o governo não dispõe de recursos, o que aumenta a desconfiança de agentes econômicos na gestão fiscal do governo. Isso traz consequências que não foram ponderadas pelos senadores, como o fato de que as incertezas desses agentes pressionam a taxa de câmbio, um dos ingredientes da alta dos preços dos combustíveis.

Manchete deste jornal ontem mostrou, também, outro efeito: Risco fiscal eleva juro pago pela União. A inflação, que já é alta, será pressionada para cima por essa expansão de gastos, o que vai contra a política anti-inflacionária do Banco Central, que será pressionada por juros altos, prejudiciais aos gastos dos consumidores e aos investimentos em geral.

No plano eleitoral, um mandamento moral e ético é o de que as leis não podem favorecer este ou aquele candidato, e a PEC em questão viola esse mandamento ao beneficiar claramente o presidente e candidato Jair Bolsonaro num período eleitoral. É como uma compra de votos. Espero que os eleitores brasileiros não caiam nessa.

Diante do quadro social, alguém poderia perguntar: mas você não está se mostrando insensível ao sofrimento dos mais pobres? Ora, sempre defendi uma política social em favor deles e desde que nasceu o Bolsa Família sempre o elogiei, mas o desgoverno atual andou mexendo no programa. Entre outras coisas, passou a oferecer um valor mínimo por família, o que estimula a separação delas para receber benefícios em dobro.

Soube que o número de famílias “de um só integrante” beneficiárias do Auxílio Brasil saltou de 2,2 milhões para 3,7 milhões entre novembro de 2021 e abril de 2022. Segundo o economista Marcelo Neri, reconhecido especialista em políticas sociais, o “valor de R$ 600 é bom de divulgação, mas não de desenho” (Folha de S.Paulo, 3/7/2022). É esse valor que virá com a citada PEC.

Sigo vários especialistas em políticas sociais que apontam que o conjunto de políticas sociais do governo, alegadamente em benefício dos mais pobres, precisa de uma revisão quanto ao cumprimento de seus objetivos e ao desenho de seus cadastros. Também sou favorável a uma expansão seletiva dessas políticas, financiada a partir de impostos diretos mais altos e mais progressivos. Mas isso não se faz às pressas e caberia fixar um prazo suficiente para que um projeto a respeito fosse subsidiado por estudos de especialistas quanto ao seu desenho e impacto distributivo de renda.

Acrescento que esta PEC também pode prejudicar o crescimento econômico. Embora aumente os gastos no período de sua duração, isso, como já dito, poderá ter impactos desfavoráveis nas finanças públicas, ampliando incertezas quanto à obediência do mandamento de uma gestão fiscal equilibrada, com efeito desfavorável nas taxas de câmbio e de juros.

Outro problema é que os R$ 200 a mais do Auxílio Brasil cessariam em dezembro deste ano, ou seja, é um “estado de emergência” com duração definida. Haverá pressão para a manutenção deste e de outros benefícios em 2023, ano para o qual as previsões de crescimento são desanimadoras, em particular porque o governo vindouro se verá diante de um cenário econômico altamente complicado para a sua gestão.

Cabe destacar o voto isolado do senador José Serra. Entre outras justificativas, ele disse que “esta PEC viola a Lei de Responsabilidade Fiscal e fura o teto de gastos”. Estes são, também, mandamentos da boa gestão fiscal, que eticamente deveria ser em prol do bem comum. Mas a maioria dos congressistas não se revela preocupada com isso nem com o crescimento econômico do País.

 

* Roberto Macedo é economista (UFMG, USP e Harvard), consultor econômico e de ensino superior e membro do Instituto Fernand Braudel.

 

Artigo publicado no jornal O Estado de S. Paulo, em 7 de julho de 2022.

 

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Internet, Árvores e a Floresta https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=3644&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=internet-arvores-e-a-floresta Tue, 05 Jul 2022 12:06:21 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=3644 Internet, Árvores e a Floresta

 

Por Carlos Baigorri*, Fabio Lucio Koleski** e Mozart Tenorio Rocha Junior***

 

Os resultados da pesquisa TIC Domicílios 2021, divulgados em junho de 2022 pelo Centro Regional de Estudos, para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação (Cetic.br) trazem, ao menos, duas constatações para quem analisa a regulação dos serviços de telecomunicações no Brasil.

A primeira, mais óbvia, é que nossa população está cada vez mais conectada e que as disparidades regionais e sociais no acesso à Internet têm diminuído ao longo dos anos, o que aponta para um acerto das políticas regulatórias.

A segunda, menos óbvia, aponta para o atual paradoxo de nossa regulação: as atividades mais usadas na Internet hoje em dia são aquelas possibilitadas por aplicativos de trocas de mensagens de texto, de conversas por voz e de acesso a vídeos. No fundo, são funcionalmente muito semelhantes àquelas que o consumidor já poderia ter acesso nos tradicionais serviços de telecomunicações, como a telefonia ou a TV por assinatura. A diferença é que, embora suportadas por serviços de telecomunicações, são praticamente inalcançáveis pelo nosso quadro normativo.

Comecemos pela boa notícia da expansão do acesso. Em 2021, segundo a pesquisa, 81% dos domicílios brasileiros tinham acesso à Internet, contra 58% em 2015. Aprofundando os números, vemos também que o acesso deixou de ser uma atividade principalmente urbana. Em 2015, a diferença entre as parcelas dos domicílios urbanos com internet e a parcela dos domicílios rurais com acesso à rede era de 29 pontos percentuais (63% dos domicílios urbanos contra 34% dos domicílios rurais). Em 2021, essa diferença caiu para 9 pontos (82% dos domicílios urbanos, 73% dos rurais).

Essa expansão acompanhou o forte aumento da infraestrutura brasileira de telecomunicações. Nos últimos leilões de radiofrequências para telefonia móvel, os ganhadores das licitações se comprometeram com ousadas metas de cobertura, como a de instalar as tecnologias 3G e 4G em munícipios e distritos de pequeno porte. Como resultado, hoje, mais de 88% de nossa população reside em áreas cobertas por redes de quarta geração, perfeitamente capazes de oferecer Internet em alta velocidade.

Além disso, as redes de operadoras fixas para o acesso à Internet sofreram grande incremento. Entre 2015 e 2021, segundo dados da Anatel, o número de acessos em banda larga fixa saltou de 25,5 para 41,7 milhões.  Em especial, cresceram os acessos em fibra óptica: ao fim de 2021, 26,1 milhões de acessos (62% do total dos acessos fixos) eram por meio de fibras ópticas, enquanto em 2015 esse número era de apenas 1,5 milhão (6% do total).

Assim como no caso das redes móveis, as escolhas regulatórias feitas pelo Estado também contribuíram para o a expansão da infraestrutura e da oferta dos serviços de banda larga fixa. A Anatel, ao longo do tempo, removeu barreiras à entrada para prestadores de pequeno porte, simplificando e barateando as licenças para o serviço. Em paralelo, atuou de forma a dinamizar o mercado atacadista de acesso à Internet, tornando mais barato e fácil para o pequeno provedor contratar os recursos necessários para a venda das conexões ao consumidor final. Como resultado, metade do mercado de Internet fixa hoje está nas mãos de milhares de prestadoras de pequeno porte, pulverizadas nos municípios dos mais diferentes portes.

Os dados da TIC Domicílios 2021 demonstram, enfim, que a regulação brasileira das telecomunicações, gestada há um quarto de século, durante o processo de privatização do setor e quando o desafio ainda era conseguir uma linha de telefone fixo (algo tão escasso e caro que entrava como bens a declarar no imposto de renda da pessoa física), conseguiu cumprir o desafio para o qual foi criada. Hoje a infraestrutura de redes é robusta e geograficamente disseminada. Há competição entre os fornecedores. E os serviços são acessíveis à enorme parcela da população brasileira.

Já quando a pesquisa TIC Domicílios explora as atividades realizadas na Internet pelos brasileiros, seus resultados indicam, por exemplo, que 93% dos usuários usaram a rede para enviar mensagens de texto. Já 82% conversaram por chamada de voz ou vídeo. E 82% assistiram a vídeos, programas ou séries. Com exceção da chamada de vídeo, ou de aplicações natas da Internet, como as redes sociais (usadas por 81% dos brasileiros com acesso à Internet), as demais funcionalidades – envios de mensagens, chamadas de voz, acesso a vídeos – são típicas de serviços de telecomunicações que vêm sendo regulados há décadas no Brasil e no mundo.

Neste ponto, cabe uma pequena explicação sobre como se regulam as telecomunicações e a Internet no Brasil. A Anatel – seguindo o previsto na Lei Geral de Telecomunicações, publicada em 1997 – tem a competência para expedir licenças, criar regras e fiscalizar seu cumprimento pelas empresas que operam serviços de telecomunicações. De forma resumida, há quatro principais tipos de serviços de telecomunicações: a telefonia fixa (Serviço Telefônico Fixo Comutado), a telefonia móvel ou celular (Serviço Móvel Pessoal) – o que proporciona, além de voz e mensagens, também o acesso à Internet móvel –, a TV por Assinatura (Serviço de Acesso Condicionado) e o acesso à Internet em banda larga fixa (Serviço de Comunicação Multimídia).

Para estes serviços, a Anatel formulou uma série de regras, que vão desde a necessidade de cumprimento de padrões mínimos de qualidade e chegam a questões relacionadas ao relacionamento com o consumidor. Incluem, também, normas técnicas necessárias para que o setor, como um todo, funcione: padrões de numeração para a telefonia fixa e móvel, padrões para que as redes de uma operadora consigam “conversar” (ou interconectar) com a rede de outra, normas para evitar o abuso de poder econômico e por aí vai.

Já as aplicações que correm sobre a Internet não fazem parte do escopo regulatório brasileiro, mesmo que, muitas vezes, tenham a mesma funcionalidade ao consumidor final que os serviços prestados sob licença e altamente regulados. Estão, é claro, sujeitas à legislação brasileira, como qualquer atividade econômica realizada no país. Mas não existe um interlocutor estatal único ou um órgão que consiga acompanhar, em seu todo, este ambiente cada vez mais essencial ao dia-a-dia do brasileiro.

No início desse ano, o Tribunal Superior Eleitoral determinou à Anatel que fosse bloqueado o acesso a um aplicativo de mensagens com dezenas de milhões de usuários no Brasil, mas que não contava com sede ou representante jurídico no país. Tal ordem foi dada após diversas comunicações anteriores do tribunal com a empresa, que demandavam o fornecimento de informações sobre usuários e também o bloqueio de alguns perfis suspeitos de práticas de crimes. Como a própria agência reguladora não tem poder sobre o bloqueio de acessos aos servidores na Internet, retransmitiu o comando judicial aos milhares de provedores de acesso espalhados pelo país. Em poucos dias, após a mudança de postura da empresa que explora o aplicativo, a ordem de bloqueio foi suspensa pelo Tribunal, mas a lacuna regulatória ficou evidente.

O próprio fato de o aplicativo ter dezenas de milhões de usuários no país e ter despertado a ação de um Tribunal Superior demonstram, por si, a sua importância para a sociedade brasileira. Mas qual órgão de regulação das atividades econômicas acompanha a sua ação, sabe sobre sua atividade, tem competência para entrar em contato com ele? Ou, por outro lado, se o provedor de aplicativo precisar entrar em contato com o Estado, em que porta deve bater?

Para além das dúvidas, existem também assimetrias. Nossa legislação faz, por exemplo, com que serviços funcionalmente semelhantes, como o fornecimento de canais lineares por assinatura via Internet (IPTV), seja livre de quaisquer obrigações regulatórias. Enquanto que a transmissão dos mesmos canais lineares, com o mesmo conteúdo, só que nas redes de telecomunicações dedicadas de TV por assinatura (TV a Cabo ou via satélite), sejam pesadamente reguladas.

Do mesmo modo, os provedores das redes físicas que possibilitam o tráfego e a conexão à Internet estão submetidos a uma série de regras que impedem o abuso de poder econômico e as práticas anticompetitivas, entre outras obrigações regulatórias. Que, no fim das contas, visam promover a competição e remover barreiras à entrada. Já no caso das empresas de Internet, não existem regras específicas que permitam aos atores do setor saberem o que podem e o que não podem fazer, embora, em várias ocasiões, no Brasil e no mundo, as autoridades da competição já tenham sido acionadas para julgar denúncias de condutas anticompetitivas.

E quais seriam as soluções para superarmos essa situação de assimetria e de lacunas regulatórias? Certamente não pode haver a imposição de exigências demasiadas, como obrigar as empresas de Internet a obter uma outorga do estado brasileiro para operar aqui. Também não é o caso de criar uma série de leis e regulamentos detalhados. Muito pelo contrário – o caminho da regulação responsiva e baseada em evidências, que já vêm sendo trilhado por alguns reguladores brasileiros, como a Anatel – tem se demonstrado muito mais eficientes do que o excesso de controle e de carga regulatória.

Em diversas nações há intenso debate legislativo e regulatório sobre os mercados digitais – e eles começam, em grau menor, a existir no Brasil. As soluções possíveis são várias. Mas, antes mesmo de encontrá-las, há um desafio anterior para os reguladores brasileiros: adotar uma visão cada vez mais ampla. Conseguir entender que operação de redes físicas de telecomunicações, prestação de serviços de telefonia celular ou de acesso à Internet fixa, aplicações nativas da Internet, infraestruturas de armazenamento e processo na nuvem, entre tantas outras atividades econômicas, são interdependentes entre si. Influenciam umas às outras. E funcionam como um verdadeiro sistema – ou ecossistema digital, como vem sendo chamado.

Felizmente, diversos órgãos estatais têm acumulado conhecimentos sobre conflitos e problemas típicos do mundo digital, tais como a Anatel, a Autoridade Nacional de Proteção de Dados e o Conselho Administrativo de Defesa Econômica, o Cade. Para além deles, o Gabinete de Segurança Institucional tem atuado fortemente em questões de cibersegurança, e o Comitê Gestor da Internet vem definindo os princípios e garantindo os padrões técnicos para uso da rede há pelo menos duas décadas.

Cada um desses atores, contudo, por suas competências legais, consegue apenas enxergar determinado aspecto do que vem ocorrendo na economia digital – e aprofundar a interlocução entre tais atores, ou buscar a criação de novas configurações regulatórias que possibilitem a cada uma dessas instituições, e ao Brasil por consequência, ter a capacidade de enxergar não apenas uma das árvores de cada vez, mas sim e simultaneamente, a floresta digital como um todo.

 

 

* Carlos Baigorri é presidente da Anatel

** Fabio Lucio Koleski é especialista em Regulação da Anatel

*** Mozart Tenorio Rocha Junior é especialista em Regulação da Anatel

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PIB do segundo semestre de 2022 não começou bem https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=3643&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=pib-do-segundo-semestre-de-2022-nao-comecou-bem Sat, 02 Jul 2022 02:47:01 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=3643 PIB do segundo trimestre de 2022 não começou bem

 

Por Roberto Macedo*

 

Dados setoriais de abril, já divulgados pelo IBGE, indicam que o PIB do segundo trimestre não começou bem. Segundo esses números, a indústria de transformação cresceu 0,1% no mês, relativamente ao mês anterior (março). Nos demais setores, o crescimento foi de 0,9% no comércio varejista, 0,7% no comércio varejista ampliado e 0,2% no setor de serviços, que é o mais importante – vale lembrar que no mês anterior sua taxa foi de 1,4%.

Com base nesses e noutros dados a Fundação Getúlio Vargas (FGV), do Rio de Janeiro, por meio do seu Monitor do PIB, estimou que o crescimento do PIB no mês foi de 0,3%.

Conforme já apontado neste espaço, há um fator que já favorece o crescimento do PIB em 2022. Se este ficasse no mesmo valor do primeiro trimestre de 2022, quando cresceu 1% e chegou ao índice de 174,13 (fazendo a média de 1995 = 100), ele cresceria 1,5% em 2022, pois o índice médio de 2021 foi 171,6 e dividindo-se 174,13 (que seria o índice médio de 2022 na hipótese acima) por ele, essa seria a taxa de crescimento. Esse pequeno aumento em abril também contribuiria para a elevação dessa taxa anual.

Vale lembrar também que com esse índice de 174,13 no primeiro trimestre deste ano e esse pequeno aumento em abril, o PIB ainda não voltou ao índice que já havia alcançado no quarto trimestre de 2014 (!), de 175,2. Ou seja, desde então entrou numa depressão que se revela duradoura.  E desde 1980 o PIB vem mostrando um desempenho inferior a seu potencial.

Nesse contexto, o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, numa palestra em Lisboa no último dia 27, colocou a previsão de um crescimento do PIB de 1,7% em 2022, enquanto a última previsão do Relatório Focus, pesquisado pelo mesmo Banco Central junto a analistas de mercado, estava em 1,5% no início de junho. Em princípio, portanto, Campos Neto parece já ter incorporado essa taxa de 0,3% em abril, da FGV, na sua previsão, e está supondo que até o fim do ano o PIB ainda crescerá mais um pouquinho. Mas também pode acontecer alguma queda, em face de problemas como a inflação alta que corrói remunerações, e questões fiscais do governo que prejudicam expectativas de investidores. Quanto a isso, os investimentos, na forma de formação bruta de capital fixo, vêm mostrando taxas negativas desde o início do ano, inclusive em abril, conforme apontado pelo Monitor do PIB da FGV.

Pode-se concluir que há analistas prevendo mais pequenos aumentos até o fim do ano, enquanto outros apontam a perspectiva de quedas. O resultado final da taxa anual ainda não pode ser determinado, e nosso palpite é que ficará perto de 2%, o que não seria uma boa taxa, mas apenas a confirmação de que a nossa economia não mostra forças suficientes para superar sua tendência histórica de baixo crescimento, que já dura décadas.

 

* Roberto Macedo é economista (UFMG, USP e Harvard), professor sênior da USP e membro do Instituto Fernand Braudel.

 

Artigo publicado no site da Fundação Espaço Democrático em 30 de junho de 2022.

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O novo Marco Geral de Garantias e o Crédito no Brasil https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=3636&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=o-novo-marco-geral-de-garantias-e-o-credito-no-brasil Wed, 22 Jun 2022 18:44:06 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=3636 O novo Marco Geral de Garantias e o Crédito no Brasil

 

Por João Maia*

 

Em primeiro de junho de 2022, a Câmara dos Deputados votou o Projeto de Lei nº 4.188, de 2021, o “marco geral de garantias”, com minha relatoria. Acredito que será uma verdadeira revolução a ocorrer no mercado de crédito brasileiro com a sua aprovação. 

A Importância das Garantias

De fato, a garantia nas operações de crédito é como o sangue no corpo do ser humano. Sem ela não há como o organismo financeiro funcionar de forma adequada.

Quando se busca crédito para construir uma casa ou montar um empreendimento, o emprestador avalia a capacidade futura de o devedor honrar os seus compromissos. Quanto mais dúvidas sobre isso, o emprestador ou simplesmente não empresta ou cobra uma taxa de juros mais alta que compense o risco maior.

Uma forma de corrigir o problema é o devedor oferecer garantias, como automóveis, imóveis, dentre outros, que serão entregues em caso de não pagamento da dívida, reduzindo o risco para o emprestador. Com isto, o crédito que não iria acontecer ou que aconteceria com juros mais altos, ocorre e a um custo bem menor.

Ou seja, como o retorno cobrado por um credor depende do risco a que ele está exposto, o fortalecimento do sistema de garantias, ao reduzir a sua exposição ao risco de inadimplência do devedor, diminui o custo do crédito. Reduz, em particular, os custos de transação que são dados pela menor segurança do credor quanto ao cumprimento do contrato, ou seja, ao pagamento do débito. No caso de micro e pequenos empreendedores, a força das garantias pode ser a única forma de ter acesso a financiamento. 

Crédito e Garantias no Brasil

Apesar de sua importância econômica e social, o desempenho do mercado de crédito e de garantias no Brasil está longe do adequado para dar suporte ao processo de retomada e manutenção do desenvolvimento econômico sustentável.

De fato, a relação crédito/PIB no Brasil, que atingiu 70,2% em 2020 é bem inferior à de China (182,45), África do Sul (107,9%), Coreia do Sul (164,8%) e Hong Kong (258,4%), EUA (215,9%), Suíça (168,5%) e Reino Unido (143,7%), o que pode ser visto no comparativo da relação crédito/PIB de países selecionados conforme o Banco Mundial[1].

Fonte: Banco Mundial

O percentual da inadimplência no spread bancário médio no Brasil atingiu quase 1/3 (31,9%) no triênio 2018/20, o que dá uma ideia bem razoável do valor atribuído às garantias no Brasil.

Fortalecendo as garantias, reduzem-se os custos com inadimplência, o que faz cair os juros pagos, especialmente pelos tomadores menores. E o fortalecimento das garantias depende de elas poderem ser usadas quando a inadimplência ocorrer.

Atualmente, a recuperação do crédito é tarefa incerta e demorada: recupera-se, conforme dados da Accenture, apenas 14,6% do valor das garantias no Brasil para o caso de bens móveis (veículos), contra 85,3% no Reino Unido, 81,8% nos EUA e 41,6% no Chile. O tempo médio de recuperação do crédito no Brasil é também substancial, atingindo 4 anos, contra apenas 1 ano no Reino Unido e EUA, 1,5 ano na Coréia do Sul e 2 anos no Chile.

Esses dados indicam que o tratamento atual dispensado ao tema das garantias pelo ordenamento jurídico brasileiro necessita ser reformulado para melhorar esses números e, por conseguinte, reduzir os juros pagos pelo tomador brasileiro. 

O Projeto de Lei 4.188/2021 e a Cidadania Financeira

Essa reformulação do sistema de garantias está sendo promovida pelo Projeto aprovado pela Câmara em 01/06/2022, do qual fui relator, que aprimora regras de execução da alienação fiduciária, dentre outras medidas.

Ter acesso a crédito barato também é um dos elementos fundamentais do exercício de cidadania financeira, algo muito falado, mas pouco compreendido. Aqui podemos, mais que nunca, afirmar que a proposta melhora a vida da(o) “empreendedora(or) cidadã(o)”. 

As Instituições Gestoras de Garantias (IGGs)

Uma das principais medidas do Projeto é a criação das Instituições Gestoras de Garantias, as IGGs, que facilitarão o maior aproveitamento de bens do devedor em operações de crédito com garantia e darão agilidade à concessão de crédito.

Um exemplo nos parece útil para a compreensão da IGG. Atualmente, o crédito sempre precede a garantia. Assim, obtém-se um crédito em uma instituição financeira e, associado a este, constitui-se uma garantia. Suponha que o bem dado em garantia vale R$ 1 milhão e está garantindo um crédito de R$ 100 mil. Ou seja, a diferença entre o valor da garantia e do crédito garantido neste caso (R$ 1 milhão menos R$ 100 mil = R$ 900 mil) não poderá ser utilizada em operações de crédito com outras instituições financeiras. Não havendo concorrência com outras instituições financeiras, créditos subsequentes utilizando a mesma garantia tendem a ser caros e se tornam quase que uma venda casada crédito/garantia.

O modelo proposto no projeto de lei torna possível a constituição da garantia preceder o crédito e a independência daquela garantia do credor original. É evidente que a própria instituição financeira credora original, sem ter estes R$ 900 mil exclusivos para seus próprios créditos, também deverá oferecer taxas mais atrativas para o devedor nos créditos subsequentes. Ou seja, o formato da IGG permite que a mesma garantia possa ser utilizada para quantos créditos couberem sem que precisem ser obrigatoriamente providos pela instituição financeira credora inicial. 

Eliminação do Monopólio da CEF para Penhores

Outro ponto importante é a eliminação do atual monopólio da Caixa Econômica Federal (CEF) em relação aos penhores civis, permitindo uma concorrência que abrirá um corredor de oportunidades de acesso a crédito barato ao cidadão. Mais do que isso, dado que a CEF não está e nem pode estar em grande parte dos municípios brasileiros, emprestadores alternativos podem ser a única forma de ajudar ou mesmo resgatar pessoas que precisam de recursos de forma urgente. 

Procedimento Extrajudicial de Busca e Apreensão em Bens Móveis

Foram acatadas também emendas importantes que merecem destaque. O Deputado Vinicius Carvalho propôs a criação de um procedimento extrajudicial de busca e apreensão de garantias em bens móveis (veículos) em caso de inadimplemento nos contratos com alienação fiduciária.

Dada a média de 4 anos para recuperação de garantias no Brasil e a demora dos procedimentos judiciais, a possibilidade de acelerar a recuperação de bens móveis extrajudicialmente tende a gerar efeito grande na redução dos juros cobrados. O credor poderá dar opção com (juros menores) e sem procedimento extrajudicial ao tomador. Ao permitir ao credor resolver seu problema de assimetria de informação em relação ao devedor, esta possibilidade deve reduzir bastante os juros dos bons pagadores.

Foram feitas modificações importantes nesta proposta de forma a evitar o uso indevido de forças policiais neste processo. 

Direitos Minerários como Garantia

O Deputado Ricardo Barros propôs que direitos minerários pudessem ser utilizados como garantia. Os títulos minerários têm valor econômico e, por isso, devem poder ser usados como mecanismo de mitigação de risco de crédito. Seu valor decorre de que sua aquisição por meio de transferência do direito tem custo menor do que o de sua emissão original. Isso decorre do fato que algumas etapas do processo de emissão daqueles títulos, como o licenciamento ambiental, não precisam ser repetidas quando ocorre a transferência. O potencial de criação de riqueza e empregos no setor de mineração é gigantesco no Brasil e, portanto, a emenda foi acatada. 

Desoneração do Imposto para a Renda Fixa

O Deputado Ricardo Barros também propôs estender a desoneração atual (0%) do Imposto de Renda em ações e em títulos públicos dos rendimentos auferidos por domiciliados no exterior para os rendimentos dos investimentos de renda fixa também auferidos por domiciliados no exterior. A medida permite ampliar a captação de recursos das empresas, especialmente para financiar obras de infraestrutura, por meio das debêntures. Isto representa isonomia tributária das operações de emissão de títulos de dívida em relação às operações de capital, evitando distorções alocativas e manipulações contábeis. Aperfeiçoamos tal proposta, incluindo as letras financeiras para garantir ainda maior simetria tributária. 

Incluindo Empresas Simples de Crédito

O Projeto permite a extensão da alienação fiduciária de coisa imóvel, pela qual a propriedade fiduciária já constituída possa ser utilizada como garantia de operações de crédito novas e autônomas de qualquer natureza para instituições financeiras. Deixamos claro que as Empresas Simples de Crédito (ESCs) também poderão se valer desta extensão, o que tem impacto grande no microcrédito para pequenos empreendedores. 

Mantendo a Impenhorabilidade dos Bens de Família

Uma última palavra deve ser dita sobre a penhorabilidade dos bens de família. Foram veiculadas “Fake News” ardilosamente repetidas[2] sem base nos fatos, apontando que a proposta ampliaria a possibilidade de penhora de imóvel de família.

Nesse sentido, a Lei brasileira (8.009/90) é clara: “o imóvel residencial próprio do casal, ou da entidade familiar, é impenhorável”. Este comando legal continua intocado e nem o governo, e muito menos eu, cogitamos removê-lo.

De outro lado, a mesma Lei traz seis exceções, sendo que uma delas trata da “execução de hipoteca sobre o imóvel oferecido como garantia real pelo casal ou pela entidade familiar”.  Não é de hoje que os tribunais brasileiros reconhecem que não se pode dar um bem em garantia e, depois, alegar sua impenhorabilidade, o que viola a premissa de boa-fé.

O PL apenas assegura que um bem dado em garantia voluntariamente pelo próprio devedor seja executável. Além disso, tem havido problemas de interpretação judicial no que se entende por “entidade familiar”, o que é fonte constante de insegurança jurídica. A redação foi alterada tão somente para dar maior clareza à lei. 

Conclusões

Enfim, este projeto atenuará os efeitos do aumento recente da SELIC pelo Banco Central, aliviando a vida das empresárias e empresários que precisam de crédito para tocar seu negócio. Isso permite um aumento da eficiência e uma redução de barreiras à entrada no mercado de crédito, beneficiando inclusive as chamadas Fintechs de crédito, incrementando as alternativas dos tomadores.

Nesse período pós-pandemia, em particular, a falta de lastro para operações de crédito ao sistema produtivo tende a dificultar ainda mais a vida financeira das empresas. Garantias mais robustas, oferta de crédito maior e mais barato são ingredientes-chave para a retomada sustentada do crescimento no país. Este é o propósito do projeto de lei 4.188 de 2021 aprovado na Câmara e que, esperamos, seja votado em breve no Senado.

 

[1] https://data.worldbank.org/indicator/FS.AST.PRVT.GD.ZS

[2] Ver, por exemplo, Rodrigo Zeidan na Folha de São Paulo de 10 de junho de 2022 “Bem de Família como garantia de empréstimo é uma das piores propostas para reduzir juros”.

 

* João Maia é Deputado Federal.

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A entrada do Brasil na OCDE https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=3635&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=a-entrada-do-brasil-na-ocde Tue, 21 Jun 2022 20:45:12 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=3635 A entrada do Brasil na OCDE: oportunidades e desafios

 

Por Kelvia Frota de Albuquerque*

 

A Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico – OCDE é um organismo internacional que atua na melhoria da governança global por meio da promoção do diálogo colaborativo. Trata-se de um think tank que atua nos mais variados campos de política pública definindo padrões de boas práticas por meio de discussões  realizadas em mais de 300 instâncias técnicas[1] e de um acervo de 257 instrumentos legais[2] – o chamado acquis da Organização.

A OCDE possui ampla credibilidade internacional e os seus atuais 38 países-membros[3], que  totalizam mais de 60% do PIB mundial, compartilham valores democráticos tendo como base o Estado de Direito, a adesão a políticas abertas, inclusivas e transparentes, fundadas nos princípios da economia de mercado e do crescimento econômico sustentável[4].

O modus operandi da Organização é baseado em soft power, no compromisso político e moral em torno do alinhamento aos instrumentos legais que compõem o acquis, a maior parte deles não vinculante,  abrangendo enunciados de caráter mais amplo que podem ser cumpridos com relativa flexibilidade, tendo em consideração o arcabouço institucional-legal do país em questão.

Após o processo de acessão e, de modo geral, no âmbito da OCDE o que se espera é um maior nível de conformidade aos seus instrumentos legais ao longo do tempo. Em vez de mecanismos rígidos de solução de controvérsias, a tônica é a “pressão dos pares” para garantir o alinhamento aos padrões definidos, e isso é feito, principalmente, por meio da realização de revisões interpares[5] periódicas.

Uma organização na qual se destacam a natureza técnica e a fluidez do soft power possui vantagens comparativas para encaminhar discussões complexas e que envolvem múltiplos interesses, mais difíceis de conciliar e de avançar em outros fóruns. Um bom exemplo disso foi o anúncio feito em 2021 pela OCDE, em parceria com o G-20, sobre a aprovação de um acordo de princípios para a adequação do sistema de tributa­ção internacional aos desafios da economia digital[6], com novas regras para alocação de direitos tributários entre jurisdições de origem da empresa e de consumo, no caso de grandes empre­sas multinacionais, e a definição de patamar mínimo de tributa­ção corporativa.

Há mais de 20 anos, mantemos relacionamento intenso e mutuamente benéfico com a OCDE. O Brasil é o país não-membro a participar do maior número de instâncias – mais de 40 – e a ter aderido ao maior número de instrumentos legais da Organização – 112 dos 257.

Em maio de 2017, como desdobramento de um relacionamento longevo e vislumbrando os benefícios de uma maior inserção  internacional[7], o Brasil formalizou solicitação para se tornar membro pleno da Organização.

A acessão à OCDE, além de ter sido referendada pelo atual governo, tornou-se uma prioridade e no dia 25 de janeiro passado a OCDE convidou o Brasil para iniciar a discussão sobre o processo de acessão[8], juntamente com Argentina, Peru, Croácia, Bulgária e Romênia.

São inúmeras as vantagens de integrar a OCDE: participar ativamente da definição de padrões internacionais e lastrear políticas públicas nas melhores práticas internacionais; aprender com a experiência dos países membros e participantes; acessar o acervo de dados sobre diferentes países e variados temas de interesse; ter maior inserção nas cadeias globais de valor e maior volume de recursos para investimentos no país; ter padrão mais elevado de qualidade regulatória e um melhor ambiente de negócios e aprimorar a governança pública, para mencionar algumas. Em suma, entrar na Organização significa maiores oportunidades de investimento, melhores políticas públicas e maior facilidade para a realização de negócios. Na prática, tudo isso pode ser traduzido em mais emprego e mais renda para os brasileiros.

Mas ingressar no “clube de boas práticas” é um processo trabalhoso e que envolve extensa preparação. Tanto o convite para iniciar o processo de acessão – que recebemos agora, quanto o convite para ingressar, de fato, na Organização, ao final do processo, precisam ser aprovados por consenso entre os 38 países-membros.

A partir de agora, nova etapa de muito mais trabalho e engajamento se inicia, sendo imprescindível o esforço coordenado dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, do setor privado e da sociedade civil. Além, claro, dos estados e dos municípios.

Acabamos de receber da OCDE o Roadmap[9]– roteiro para o processo de acessão, que foi aprovado na recente reunião do Conselho de Ministros, com a definição dos comitês que irão analisar tecnicamente a legislação, as políticas e as práticas do Brasil e que traz o detalhamento de como será realizado trabalho a partir de agora.

Como próximo passo, o Brasil deverá apresentar o Initial Memorandum, que conterá uma autoavaliação sobre o grau de alinhamento da legislação, das políticas e das práticas nacionais aos instrumentos legais da OCDE. Em seguida, haverá o exame detalhado perante os comitês definidos no Roadmap e de acordo com os critérios lá estabelecidos.

O processo após o convite formal para iniciar o processo e a efetivação de um novo membro pode levar em torno de 4 anos e depende, fundamentalmente, da velocidade que o país candidato imprime às intensas atividades envolvidas e às eventuais alterações legislativas necessárias para o alinhamento aos padrões da Organização.

A preparação da Administração Pública Federal já estava em andamento desde 2017 e segue a pleno vapor, sob coordenação das instâncias de governança estabelecidas pelo Decreto nº 9.920/2019. Foram instituídos um Conselho de Ministros e um Comitê Gestor para a preparação e o acompanhamento do processo de acessão, ambos integrados pela Casa Civil, que os coordena, Secretaria-Geral e Secretaria de Governo, da Presidência da República, e Ministérios da Economia e das Relações Exteriores.

Levando em conta o trabalho de alinhamento aos instrumentos legais da OCDE já realizado até agora, é possível prospectar que alguns dos maiores desafios no âmbito do caminho rumo à acessão serão os de natureza tributária e financeira, sobre meio ambiente e os relativos a alguns setores específicos.

Sobre temas tributários e financeiros, podemos citar o alinhamento necessário a respeito das regras sobre preços de transferência[10] e o novo acordo para a tributação internacional, por exemplo.

Em relação ao meio ambiente, o Brasil aguardava resposta da OCDE sobre a solicitação de adesão a 37 instrumentos legais.  Relatório da Organização sobre o alinhamento do País[11] aos principais instrumentos na área e avanços com relação a recomendações recebidas em 2015 foi publicado em 2021 e ajuda a traçar um panorama das principais questões nessa área.

O estudo aponta que o Brasil desenvolveu legislação sólida sobre informações ambientais, água, gestão de resíduos e biodiversidade e que o maior desafio é o da implementação: colocar em prática as disposições legais, garantir recursos financeiros e humanos suficientes e melhorar a coordenação entre os níveis de governo. Seria preciso também avançar no sentido de melhores avaliações de impacto ambiental e de mitigação de impactos mais eficazes.

Existem, ainda, questões pontuais relativas a setores específicos que precisam ser mais profundamente discutidas.

Desafios são naturais do processo de convergência aos padrões da OCDE, estão presentes em qualquer processo de acessão à Organização e servirão para impulsionar o debate sobre temas de grande relevância. Assim, vale observar que o processo de acessão, em si, já traz o benefício de propiciar esse tipo de discussão mais aprofundada sobre políticas públicas.

Em conclusão, o ingresso na OCDE é uma agenda de Estado que pode ancorar as transformações necessárias para que sejam aprimoradas as políticas públicas no País, traduzindo-se em progresso e avanço para o Brasil e para os brasileiros. Agora, já com o Roadmap do processo de acessão, é possível ter clareza sobre as próximas etapas e há muito trabalho pela frente. Sigamos adiante!

 

 

[1] A OCDE conta com 38 comitês, inúmeros grupos de trabalho, forças-tarefa, fóruns e instâncias técnicas afins. Para detalhes da estrutura organizacional, consultar: www.oecd.org/about/structure/.

[2] Íntegra dos instrumentos legais da OCDE disponível em: www.oecd.org/legal/legal-instruments.htm.

[3] Lista completa dos países membros da OCDE disponível em: www.oecd.org/about/document/ratification-oecd-convention.htm.

[4] A declaração de valores, visão e prioridades expressa no aniversário de 60 anos da OCDE menciona explicitamente: “We form a like-minded community, committed to the preservation of individual liberty, the values of democracy, the rule of law and the defence of human rights. We believe in open and transparent market economy principles. Guided by our Convention, we will pursue sustainable economic growth and employment, while protecting our planet. Our shared endeavour is to end poverty, to tackle inequalities and to leave no one behind. We want to improve the lives and prospects of everyone, inside and outside the OECD. As a global pathfinder, the OECD will therefore continue to develop evidence-based analysis that helps generate innovative policies and standards to build stronger, more sustainable and more inclusive economies, inspiring trust and confidence for resilient, responsive and healthy societies.” Vide: https://one.oecd.org/document/C/MIN(2021)16/FINAL/en/pdf.

[5] Revisão interpares (peer review) é o processo pelo qual a qualidade e a eficiência de políticas, práticas e instituições de um país são examinados vis-à-vis seus pares em um contexto colaborativo e de aprendizado mútuo.

[6] Para maiores detalhes, consultar:  https://www.oecd.org/tax/beps/statement-on-a-two-pillar-solution-to-address-the-tax-challenges-arising-from-the-digitalisation-of-the-economy-july-2021.htm.

[7] Para maiores detalhes sobre os benefícios de uma maior integração do Brasil à economia global, verificar OECD (2020), OECD Economic Surveys: Brazil 2020, OECD Publishing, Paris, disponível em  https://doi.org/10.1787/250240ad-en., especialmente itens 2.39 a 2.45.

[8] Íntegra da decisão disponível em: www.oecd.org/newsroom/Resolution-of-the-Council-on-the-Opening-of-Accession-Discussions-C-2017-92-final.pdf

 

[9] Íntegra do Roadmap disponível em: www.oecd.org/mcm/Roadmap-OECD-Accession-Process-Brazil-EN.pdf.

[10] Nas palavras da OCDE, as regras de preços de transferência visam garantir que os lucros decorrentes das transações comerciais e financeiras entre os membros de um grupo multinacional sejam alocados de forma que seja refletido o valor aportado por cada parte.  Tais regras devem garantir a segurança da base tributável adequada, que pode se esvair com a transferência de lucros para jurisdições com baixa ou nenhuma tributação. Por outro lado, essas regras impedem a dupla tributação, a distorção das decisões de investimento e a concorrência desleal entre empresas. Para maiores detalhes, vide: www.oecd.org/tax/transfer-pricing/transfer-pricing-in-brazil-towards-convergence-with-the-oecd-standard.pdf e Lima, Pedro Garrido da Costa; Santos, Paula Gonçalves Ferreira, Brasília: Câmara dos Deputados, Consultoria Legislativa, 2020. Os códigos de liberação e os preços de transferência da OCDE e impactos no Brasil, disponível em:  https://bd.camara.leg.br/bd/handle/bdcamara/40096.

[11] Disponível em: www.oecd.org/environment/country-reviews/Brazils-progress-in-implementing-Environmental-Performance-Review-recommendations-and-alignment-with-OECD-environment-acquis.pdf.

 

* Kelvia Frota de Albuquerque é formada em economia pela Universidade de Brasília, com pós-graduação em administração pública pela Fundação Getulio Vargas, servidora pública federal, atualmente é diretora na Secretaria Executiva do Ministério da Economia.

 

 

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O PIB após a taxa de 1% no 1º trimestre https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=3634&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=o-pib-apos-a-taxa-de-1-no-1o-trimestre Fri, 17 Jun 2022 07:15:15 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=3634 O PIB após a taxa de 1% no 1º trimestre

 

As baixas taxas de crescimento observadas no período recente demonstram que esse fraco desempenho já se tornou uma questão estrutural de difícil solução no curto prazo.

 

Por Roberto Macedo*

 

O IBGE anunciou no último dia 2 que o PIB cresceu 1% no primeiro trimestre, se comparado ao último trimestre de 2021. Isoladamente, a taxa não é das piores, mas precisaria se manter ou se ampliar no restante do ano para que o crescimento em 2022 fosse maior.

Há um fator que já favorece o crescimento do PIB em 2022. Se este ficasse no mesmo valor do primeiro trimestre de 2022, quando chegou ao índice de 174,13 (fazendo a média de 1995 = 100), cresceria 1,5% em 2022, pois o índice médio de 2021 foi 171,6 e dividindo-se 174,13 (que seria o índice médio de 2022 na hipótese acima) por ele, esta seria a taxa de crescimento.

Para olhar à frente, vale lembrar que com esse índice de 174,13 no primeiro trimestre deste ano o PIB ainda não voltou ao índice que já havia alcançado no quarto trimestre de 2014 (!), ou seja, 175,2. Ou seja, desde então entrou numa depressão que se revela duradoura. E desde 1980 o PIB vem mostrando um desempenho inferior ao seu potencial.

As baixas taxas de crescimento do PIB que também vêm sendo observadas em média no período recente demonstram que esse fraco desempenho já se tornou uma questão estrutural de difícil solução no curto prazo. E as expectativas de analistas do mercado financeiro são de um crescimento idêntico ao do primeiro trimestre, neste trimestre em andamento, e taxas ainda menores, ou mesmo negativas, nos dois últimos trimestres do ano, cujas dificuldades se prolongariam em 2023. Conforme atualização parcial do Relatório Focus do Banco Central em 6 de junho, a previsão é de que o PIB cresça 1,2% em 2022 e 0,76% em 2023, este último número indicando que as dificuldades do segundo semestre de 2022 se prolongariam no ano seguinte.

A razão é que há uma série de fatores que apontam nessa direção, entre eles muitas incertezas ligadas à má-situação fiscal do governo e à sua reação diante dela, as quais poderão aumentar a cotação do dólar, dificultando ainda mais o combate da inflação, que tem corroído os rendimentos reais e diminuído o poder aquisitivo da população. A guerra na Ucrânia permanece sem solução, o que deverá manter a pressão sobre o preço do petróleo e das commodities. No primeiro trimestre deste ano, por conta da inflação o consumo das famílias aumentou apenas 0,7%, ou seja, foi inferior ao crescimento do PIB, e o consumo do governo cresceu apenas 0,1%, indicativo de dificuldades fiscais. E a política monetária vem elevando a SELIC, o que encarece empréstimos e financiamentos de investimentos.

Do lado positivo, a pressão da guerra na Ucrânia sobre os preços das commodities poderá ser aliviada se pelo menos se mantiverem onde estão. Internamente, os gastos eleitorais e a expansão de gastos públicos, em particular nos estados, que estão em melhor situação financeira, poderão trazer algum alívio. Tomara que venha uma taxa de crescimento maior, mas não se espera nada de excepcional, com a economia mantendo-se na rota de crescimento abaixo do seu potencial. Essa questão estrutural deve sobrar novamente para o próximo governo.

 

* Roberto Macedo é economista (UFMG, USP e Harvard), professor sênior da USP e membro do Instituto Fernand Braudel.

 

Artigo publicado no site da Fundação Espaço Democrático em 7 de junho de 2022.

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Dívidas judiciais: pagamento, parcelamento e exceções ao teto de gastos https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=3619&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=dividas-judiciais-pagamento-parcelamento-e-excecoes-ao-teto-de-gastos Wed, 08 Jun 2022 19:20:21 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=3619 Dívidas judiciais: pagamento, parcelamento e exceções ao teto de gastos

As emendas constitucionais 113 e 114, ambas de 2021, criaram um conjunto complexo de regras para pagamento de dívidas judiciais da União, definindo limites para pagamento ou postergação, e inclusão ou não no teto de gastos. Além da complexidade, vários analistas e técnicos do Congresso apontaram como problema básico dessas regras a tendência ao acúmulo acelerado de precatórios não pagos. Como a regra vale até 2026, tenderia a haver um grande estoque de dívidas judiciais a ser pago em 2027. Isso aponta para provável alteração da regra antes de 2027, que introduza novo parcelamento e postergação.

A presente nota tem dois objetivos. O primeiro é apresentar um esquema que busque simplificar o entendimento das regras em vigor, com o intuito de ser um guia rápido para consultas.

O segundo é utilizar os poucos dados já apresentados pela Secretaria do Tesouro Nacional e pela Secretaria de Orçamentos Federais (SOF) quanto ao pagamento e adiamento de precatórios para checar se a tendência de acúmulo acelerado está, de fato, ocorrendo na prática.

I – Descrição esquemática das regras relativas a precatórios: inclusão ou não no teto de gastos e inclusão ou não no limite de pagamento

A nova redação constitucional trazida pelas ECs 113 e 114 criou nada menos que sete situações distintas para o pagamento de débitos oriundos de sentenças transitadas em julgado (precatórios e requisições de pequeno valor – RPV) quanto a: 

  1. Parcelamento ou pagamento integral no exercício em que a justiça determina que sejam pagos;
  2. Serem ou não computados no teto de gastos.

A figura abaixo apresenta essas sete situações:

 

  1. Vejamos cada uma dessas situações. Notas de rodapé são inseridas para indicar o dispositivo constitucional que estipula cada regra.As RPVs já tinham prioridade de pagamento sobre as demais dívidas judiciais antes das ECs 113 e 114. A edição destas duas emendas estabeleceu um limite máximo para pagamento de dívidas judiciais em cada exercício (a ser comentado adiante), mas colocou as RPVs em primeiro lugar na fila. Logo, se o montante de RPV for grande, menor será o espaço para pagamento de precatórios. Por isso, o pagamento das RPVs:1) Requisições de pequeno valor (RPV) devidas no exercício
    1. DIMINUEM o espaço disponível para o pagamento das demais despesas judiciais incluídas no limite de pagamento;
    2. SÃO computadas no teto de gastos.

 

 

2) Precatórios devidos no exercício ATÉ o limite imposto para o pagamento de despesas judiciais

A EC 114 criou um limite máximo para pagamento de dívidas judiciais em cada exercício financeiro. Os precatórios pagos dentro desse limite:

  1. Por definição, SÃO afetadas pelo limite de pagamento de despesas judiciais;
  2. SÃO computados no teto de gastos.

 

 

3) Precatórios devidos no exercício e não pagos por estarem ACIMA do limite imposto ao pagamento de despesas judiciais. 

 

Esses precatórios se dividem em dois subgrupos:

3.1) Podem ser pagos à vista se o credor aceitar desconto de 40%. Nesse caso:

  1. a) Estão FORA do limite imposto ao pagamento de despesas judiciais;
  2. b) NÃO são computados no teto de gastos.

3.2) Não havendo o pagamento com desconto, o valor devido fica postergado para os exercícios seguintes. Nesse caso: 

  1. a) Serão afetados pelo limite imposto ao pagamento de despesas judiciais nos exercícios futuros em que vierem a ser pagos;
  2. b) São computados no teto de gastos nos exercícios futuros em que vierem a ser pagos.

 

4) Parcelamentos de precatórios de alto valor:

Antes da edição das ECs 113 e 114 já havia a possibilidade de parcelamento de pagamento de precatórios de alto valor, que continua válida. Os pagamentos desses valores parcelados: 

a) Estão FORA do limite imposto ao pagamento de despesas judiciais;

B) NÃO são computados no teto de gastos.

 

 

5) Correção monetária de precatórios inscritos no exercício:

É usual que a Justiça determine o pagamento de complementação de precatórios, por conta de correção monetária dos valores devidos. Esses pagamentos:

a) Estão FORA do limite imposto ao pagamento de despesas judiciais;

b) São computados no teto de gastos.

 

 

6) Precatórios devidos aos estados e municípios relacionados ao Fundef, que serão pagos em 3 parcelas anuais:

Há precatórios de alto valor devidos aos estados e municípios, por pagamentos a menor da União ao Fundef. Esses valores foram parcelados em 3 anos e:

  1. Estão FORA do limite imposto ao pagamento de despesas judiciais;
  2. NÃO são computados no teto de gastos.

 

7) Precatórios a serem quitados mediante acerto de contas (quitação de dívidas e obrigações diversas com a União):

Para outros precatórios da União devidos a estados e municípios, que não os relacionados ao Fundef, ou precatórios detidos por pessoas físicas ou jurídicas no setor privado, foi prevista a possibilidade de encontro de contas, cancelando-se valores devidos à União ou utilizando-se para transações futuras com a União. Os registros das despesas referentes a essas transações:

c) Estão FORA do limite imposto ao pagamento de despesas judiciais;

d) NÃO são computados no teto de gastos.

 

 

II – A tendência ao acúmulo acelerado de precatórios não pagos

As sete possibilidades acima apontam o risco de haver, a cada ano, o aumento do estoque de precatórios não pagos. Esse estoque será tão maior quanto:

a) maior for o crescimento de RPV, que têm precedência sobre os precatórios no uso do limite de pagamentos (seção 1, acima)

b) maior o descasamento entre a taxa de correção do limite de pagamentos de dívidas judiciais (que é dada pelo IPCA do ano anterior) e a taxa de crescimento dos pagamentos de precatórios determinados pela justiça;

c) menor for o uso da opção de pagamento à vista com desconto (seção 3.1, acima) ou da opção de fazer transações com a União usando precatórios (seção 7, acima).

A presente seção faz uma avaliação quantitativa do crescimento do estoque de precatórios não pagos, a partir dos poucos números que a STN e a SOF já divulgaram a respeito. Para tanto, não se faz aqui qualquer consideração sobre o teto de gastos. O único objetivo é avaliar a tendência de acúmulo de precatórios não pagos. 

A Tabela 1 apresenta esse exercício e mostra que, mesmo com hipóteses bastante otimistas em relação aos fatores (a), (b) e (c) que influenciam a trajetória de acúmulo dos precatórios, haveria um crescimento de 54% no estoque devido e não pago em apenas um ano. Isso claramente prenuncia um acúmulo insustentável de obrigações.

Tabela 1 – Grandes números dos limites e pagamentos de precatórios em 2022 e simulações para 2023 (R$ bilhões)

Fonte: 2º Relatório de Avaliação de Receitas e Despesas Primárias e simulações do autor.

 

Começando a descrição pelos dados referentes a 2022 temos, na linha (A), que o limite total para pagamento de dívidas judiciais no exercício é de R$ 40,5 bilhões. A linha (B) mostra que há R$ 19,9 bilhões em RPV a pagar, que têm precedência na fila de pagamento (seção 1, acima). Logo, restaria como limite para pagar os demais precatórios apenas R$ 20,6 bilhões (linha C).

O estoque de precatórios sujeitos ao limite é de R$ 42,8 bilhões (linha D). Esse montante já exclui todos aqueles que, conforme descritos na seção I, não se submetem ao limite (seções 4,5 e 6, acima).

A linha (E) contém os precatórios que, em decorrência do limite de pagamento constitucional, não foram pagos em anos anteriores (seção 3.2, acima). Como 2022 é o primeiro ano de vigência do limite, o valor é zero.

A linha (F) registra os precatórios devidos que foram usados pelos credores para acertos de dívidas ou pagamentos à União (seções 3.1 e 7, acima). Como 2022 é o primeiro ano, supõe-se que não tenha havido tempo para essas negociações e, portanto, nada se abateu com esses instrumentos.

A linha (G) registra o saldo líquido de precatórios a pagar e que estão sujeitos ao limite. Seu valor é dado pela soma dos precatórios inscritos, menos os que foram abatidos por transações com a União, mais os que não foram pagos em anos anteriores. 

A linha (H) mostra a diferença entre o limite de pagamentos e o valor de precatórios a pagar, registrando, assim, o saldo que fica para ser pago em exercícios anteriores. A estimativa do Tesouro e da SOF para 2022 está em torno de R$ 22 bilhões.

Passemos, agora, a fazer projeções para o que ocorreria em 2023. Em primeiro lugar é preciso estimar qual será o limite para pagamento de precatórios em 2023. Foi feita aqui uma hipótese de que o IPCA de 2022 será de 9,5% e, portanto, essa será a correção do limite. Com isso, a linha (A) registra um limite de pagamento para 2023 de R$ 44,3 bilhões.

De forma otimista, supõe-se que tanto as RPVs (linha B) quanto os precatórios inscritos no ano (linha D) cresçam apenas 6%: abaixo, portanto, do limite, o que abre espaço para mais pagamentos e trabalha contra a tese de acúmulo excessivo de precatórios não pagos.

Supõe-se que 15% do total de precatórios devidos em 2023 seja objeto de acordo para pagamento com desconto ou usado em transações com a União (linha F). Esse valor, de R$ 10,1 bilhões passa a ser pago fora do limite. Tal hipótese também é otimista, pois as simulações de Tesouro e SOF costumam usar o percentual de 10%. 

Porém, mesmo com esse abatimento, ainda restarão R$ 57,5 bilhões a pagar (linha G), valor que extrapola o limite de pagamentos em R$ 34,3 bilhões.

Ou seja, ao final do segundo ano de vigência dos limites de pagamento de precatórios, o saldo de débitos a pagar terá crescido 54% em relação ao saldo deixado em 2022 (linha I). Isso ocorre a despeito das hipóteses otimistas aqui assumidas. Além disso, a EC 103 estabeleceu como fator de correção das dívidas judiciais a taxa Selic. Tendo em vista o forte aumento dessa taxa ao longo de 2022, e a perspectiva de sua permanência em nível elevado em 2023, temos outro fator de crescimento acelerado do estoque de precatórios não pagos.

Logo, parece caracterizada uma trajetória de crescimento acelerado do saldo de precatórios não pagos. Em 2027, quando acabar a regra atual, possivelmente haverá nova prorrogação, pois não será possível quitar todo o estoque de uma só vez. Isso será similar ao que ocorre com estados e municípios, cujos precatórios são seguidas vezes parcelados ou prorrogados.

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Fragmentação política e políticas públicas https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=3617&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=fragmentacao-politica-e-politicas-publicas Thu, 02 Jun 2022 15:44:22 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=3617 Fragmentação política e políticas públicas

Para Marcos Mendes, o atual sistema político-eleitoral é o principal fator por trás do fracasso dessas políticas.

 Por Roberto Macedo*

Marcos Mendes é um economista de destaque entre seus pares e tem recebido merecida atenção da mídia, como neste jornal e na Folha de sábado passado, ao lançar outro livro. Tem graduação e mestrado em Economia pela Universidade de Brasília e doutorado na mesma área pela Universidade de São Paulo (USP). É consultor legislativo do Senado Federal – cargo obtido por concurso público –, e tem se afastado para exercer outras atividades da sua área de interesse, finanças públicas. Em 2016, no governo Temer, tornou-se assessor especial do ministro da Fazenda.

Seu livro mais conhecido é Por que é difícil fazer reformas econômicas no Brasil? (Elsevier, 2019). Adotei-o como livro-texto do curso de Economia Brasileira que atualmente leciono na USP. Fui atraído pela pergunta que intitula o livro, pois sei dessa dificuldade, procurando entendê-la e buscar soluções, conforme se depreende de artigos meus neste espaço.

O livro começa examinando a dificuldade de que trata seu título, inclusive internacionalmente, ao abordar exemplos de vários países, como Índia e México. Dedica um capítulo à coesão social, cuja ausência dificulta o processo de reforma, no que examina o caso da Austrália.

Ensina que “(…) a maior propensão a fazer reformas liberalizantes, voltada à estabilidade fiscal e aumento da produtividade, ocorre em países que: são pequenos; fizeram reformas antes da abertura política; estão num dos extremos da escala de democracia – plenamente democráticos ou autoritários –; têm sistemas político-eleitorais que facilitam a formação de maiorias no Parlamento; têm clara delimitação e separação dos Poderes Judiciário, Legislativo e Executivo; são países com governos unitários; têm Constituições pouco detalhistas ou facilmente alteráveis; são vizinhos de outros países que foram bem-sucedidos na promoção de reformas; têm oportunidade de aderir a blocos econômicos com países vizinhos que tenham economias maiores e mais desenvolvidas; e têm elevado nível de coesão social, representado por baixa desigualdade de renda e baixos índices de violência, que levam a alto nível de confiança mútua. O Brasil não possui essas características”.

Contudo, Mendes não desiste e busca o enfrentamento dos difíceis problemas. Ressalta que “(…) precisamos estar preparados para mais de duas décadas de debates e resistência ao novo (…), não sendo uma corrida de 100 metros, e mais uma maratona”. Dedica um capítulo à dificuldade para fazer reformas no Brasil e o capítulo final, com o título O que fazer, tem 20 seções temáticas que se desdobram num grande número de propostas específicas.

No novo livro, Para não esquecer: políticas públicas que empobrecem o Brasil, que ainda não li, Mendes organizou uma coletânea em que especialistas discutem políticas que fracassaram. Na entrevista a este jornal, citada no início deste meu artigo, indagado sobre o principal fator por trás da baixa qualidade das políticas públicas, apontou o sistema político-eleitoral que gera representação muito fragmentada, com muitos partidos que, de sua parte, também têm interesses muito pulverizados. E, muitas vezes, os parlamentares respondem mais ao interesse de grupos específicos – quando não ao próprio interesse, acrescento – do que ao de uma programação político-partidária.

No momento, por exemplo, estão focados na sua reeleição ou na eleição de outros, recorrendo, inclusive, a mecanismos espúrios, como as emendas de relator, que cevam clientelas políticas municipais em troca de votos. Essas emendas constituem um financiamento indireto de campanhas eleitorais, beneficiando desigualmente os incumbentes, e estes sendo também beneficiados relativamente a candidatos sem mandato, embora a Constituição, no seu artigo 5.º, estabeleça que todos são iguais perante a lei. Mas o que ocorre é um show de desigualdades mediante essas emendas.

Em que pese a fragmentação política, Mendes argumentou, no primeiro livro citado, que uma reforma política não seria a “mãe de todas as reformas”. Após examinar as dificuldades de uma reforma rápida desse tipo, propôs uma gradual e citou a dos regimentos internos da Câmara e do Senado Federal, elaborados à época do regime militar, com seu sistema bipartidário. E argumentou que: “Sua extensão para o contexto multipartidário (…) torna a tramitação dos projetos morosa e muito sujeita a chicanas e obstruções excessivas”. Em conversa recente, contudo, ele disse que os regimentos foram revistos, infelizmente com maus resultados, pois o Centrão os tornou mais expeditos para passar suas boiadas, também impulsionadas pelas sessões remotas trazidas pela pandemia de Covid.

Mas ao menos uma obstrução ainda ocorre pela prerrogativa que o presidente da Câmara tem de decidir isoladamente sobre o andamento de pedidos de impeachment do presidente da República. Soube que há muitos pedidos desse tipo, mas ele não coloca o assunto em discussão. É um presente do Centrão ao presidente da República. E que custa muito caro para o País.

 

* Roberto Macedo é economista (UFMG, USP e Harvard), professor sênior da USP e membro do Instituto Fernand Braudel.

 

Artigo publicado no jornal O Estado de S. Paulo em 2 de junho de 2022.

 

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Agilidade organizacional no setor público https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=3615&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=agilidade-organizacional-no-setor-publico Fri, 20 May 2022 22:21:22 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=3615 Agilidade organizacional no setor público

Essa característica requer muito esforço e exige líderes visionários, muito escassos no País atualmente.

 Por Roberto Macedo

Nossos governantes em geral não têm pressa, e muitos problemas de interesse público têm sua solução procrastinada. Alguns exemplos vieram às manchetes nos últimos dias, como o de que tomou décadas a negociação entre o governo paulistano e o federal quanto ao que fazer com o Campo de Marte; e na cidade a cracolândia continua de pé. Há anos ouço falar da privatização da Eletrobras, mas o assunto continua empacado e foi, também, desvirtuado com emendas do Congresso. E as reformas administrativa e tributária não escaparam à lentidão do setor público.

Alguns problemas, se fossem objeto de melhor e mais rápida agilidade organizacional do setor público, teriam impacto positivo na produção e na produtividade da economia, colaborando para o seu maior crescimento. Vejo esse crescimento como prioritário em termos de políticas públicas, em face da estagnação da economia desde a década de 1980, no sentido de um crescimento econômico abaixo do seu potencial.

Mas nossos políticos, salvo exceções cada vez mais excepcionais, têm suas prioridades aéticas, pois não visam ao bem comum e são rápidos só no encaminhamento de assuntos de interesse pessoal ou de grupos. No momento, a prioridade é a reeleição dos incumbentes de mandatos, no Congresso recorrendo, inclusive, às indecentes emendas parlamentares do relator do Orçamento, assunto que ganhou enormes proporções, mas felizmente vem recebendo grande atenção da imprensa, que desvendou o chamado “orçamento secreto”, o que levou a uma decisão do Supremo Tribunal Federal pró-transparência.

Neste contexto, foi com satisfação que vi o assunto de que trata o título deste artigo sendo objeto de texto da consultoria internacional McKinsey, que costuma abordar assuntos de interesse público nos seus estudos. Não tenho espaço para uma visão completa do texto, mas a quem quiser acessá-lo sugiro procurá-lo no Google pelo seu título: Better and faster: Organizational agility for the public sector.

O texto, que também faz referência a outros estudos da McKinsey, destaca os seguintes aspectos (tradução livre): 1) metodologias ágeis podem transformar a maneira como um governo planeja, opera e entrega seus produtos e serviços; 2) como cada nível de uma organização governamental tem diferentes papéis e prioridades, os mais eficazes princípios básicos da agilidade serão também diferentes; 3) os resultados poderão ser maior produtividade e melhores serviços para os cidadãos; 4) metodologias do setor privado podem ajudar no desempenho e na saúde organizacional; 5) pesquisa da McKinsey mostrou que 70% de organizações ágeis ficam no quartil superior de saúde organizacional; 6) características podem tornar entidades governamentais dificilmente adaptáveis a um modelo ágil, como o mais longo horizonte dos seus orçamentos, usualmente anuais, e a competição interna por volume fixo de recursos, que pode desencorajar a colaboração dentro do governo – como os retornos dos investimentos são frequentemente dispersos dentro dele e publicamente, pode ser difícil de motivar funcionários a trabalharem para melhoria que não necessariamente veem ou experimentam; 7) esses aspectos recomendam a adoção de princípios ágeis, como o de trabalhar com objetivos e resultados com avaliações trimestrais; 8) a estrutura hierárquica – com sua cultura e seus modos de trabalhar – também pode tornar difícil a implementação de metodologias ágeis, como organizações menos hierarquizadas e interações rápidas.

Prosseguindo: 9) uma abrangente implementação ágil é uma enorme tarefa, que requer sólidos compromissos de poder, recursos e um foco de ponta a ponta no interesse de quem terá os benefícios; 10) a perspectiva de esforço tão significante poderá desencorajar muitos líderes governamentais de assumirem compromissos, com o que essas transformações requerem líderes visionários.

Concluindo o resumo: 11) o texto volta a enfatizar dois princípios de agilidade, o de trabalhar na direção de objetivos e resultados com avaliações trimestrais; 12) também propõe a colaboração entre diferentes setores do governo, pois vários trabalham de forma isolada, e não em ações comuns entre eles, e dá como exemplo uma colaboração entre líderes em áreas como saúde, educação e trânsito em apoio a cidadãs grávidas. Noutro exemplo, uma agência de transporte público interessada em aumentar a clientela criou um time envolvendo especialistas em planejamento de transportes, engenharia de dados, operações, serviço ao consumidor e marketing.

Como dito anteriormente, a agilidade organizacional do setor público requer muito esforço e líderes visionários. Ora, tais líderes são muito escassos no Brasil, com a maioria dos políticos mais voltada para seus próprios interesses e de grupos. Por isso venho insistindo, neste espaço, em que a sociedade brasileira precisa se organizar para cobrar dos políticos medidas voltadas para o bem comum. Incluirei essa agilidade entre os pilares de plano que já apresentei neste espaço enfatizando essa cobrança.

 

Roberto Macedo é economista (UFMG, USP e Harvard), professor sênior da USP e membro do Instituto Fernand Braudel.

 

Artigo publicado no jornal O Estado de S. Paulo em 19 de maio de 2022.

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Políticos negligenciam o crescimento econômico https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=3613&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=politicos-negligenciam-o-crescimento-economico Sat, 07 May 2022 00:59:57 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=3613 Políticos negligenciam o crescimento econômico

Tanto o presidente da República como parlamentares estão mais preocupados com seus interesses pessoais e eleitorais.

 Por Roberto Macedo*

Insisto novamente – e vou continuar nesta linha – na minha pregação de que há tempos a economia brasileira enveredou por um caminho que prejudicou muito seu crescimento econômico e que a sociedade precisa cobrar dos políticos um sério e rápido enfrentamento desse problema.

Desde a década de 1980, a economia brasileira, que em meados do século passado foi uma das que mais cresceram mundialmente, passou a taxas de crescimento muito baixas relativamente a seu potencial, ficando para trás diante da maioria dos países.

A década passada teve o pior desempenho médio anual do PIB desde a década de 1900. Olhando números do governo Bolsonaro, de 2019 a 2022, segundo cálculos do economista José Roberto Mendonça de Barros, em artigo publicado neste jornal no dia 1.º de maio, o crescimento anual médio será de 0,55%, se o PIB crescer 0,5% em 2022, ou de 0,68%, se neste ano avançar 1% – previsões que são referendadas por outros analistas do assunto.

São taxas inferiores à do crescimento populacional, estimada em 0,7% ao ano, o que levaria a uma queda do PIB per capita no mesmo governo. Mas não vejo Jair Bolsonaro tratando deste problema, mais preocupado que está em se reeleger na próxima eleição presidencial e com seguir suas convicções políticas, que, entre outros casos, provocam atritos com o Supremo Tribunal Federal (STF), prestigiando até manifestações contra esse tribunal. Os episódios mais recentes foram o indulto ao deputado federal Daniel Silveira, além de voltar a insistir equivocadamente contra a lisura do processo eleitoral.

Entendo que o maior problema da economia está na política e que foram políticos, salvo exceções cada vez mais excepcionais, que nas últimas quatro décadas se comportaram de forma a contribuir para o mau desempenho econômico do Brasil.

O que leva ao crescimento econômico é, principalmente, a realização de investimentos em formação bruta de capital fixo (máquinas, equipamentos, infraestrutura e outros), pois geram produção, empregos e renda, com efeitos que se disseminam pela economia além do próprio investimento em si. Nesse contexto, os investimentos públicos se destacaram por sua queda. Tenho à vista um gráfico dos investimentos públicos de 1947 a 2019 produzido pelo Observatório de Política Fiscal da Fundação Getúlio Vargas. Ele mostra esses investimentos como proporção do PIB, e a série começa com valor perto de 3% e sobe até seu pico, próximo de 10%, nos anos 1970, aqueles em que a economia apresentou seu maior avanço desde 1900. Depois, a taxa de investimento público/PIB volta a cair, atingindo um valor um pouco abaixo desses 3% em 2019. Ou seja, esses investimentos perderam quase todo o seu papel na promoção de um maior crescimento econômico.

Visto de outra forma, esse gráfico mostra que as despesas obrigatórias, como salários e previdência, cresceram mais, a ponto de sacrificar os investimentos. Como a carga tributária aumentou e o governo continua se endividando, a economia sofre com esta maior transferência de recursos de empresas e famílias para o governo, que investe muito menos do que essas fontes de tributos e empréstimos. Vejo isso como altamente prejudicial ao crescimento econômico, mas praticamente nada se faz para corrigir o problema.

Ao contrário, no caso federal, tanto o presidente da República como o Congresso se empenham em agravar essa redução dos investimentos públicos. Para realizá-los, é preciso haver recursos. Um exemplo: segundo matéria do jornal O Globo no dia 3/5, o governo abriu mão de R$ 40 bilhões em impostos, o que, além de prejudicar investimentos, deixa uma conta para o próximo governo, pois o atual vem contando com um aumento de arrecadação provocado, em grande parte, pela maior inflação. E essa renúncia também tem sido causada por interesses eleitoreiros.

No Congresso, a Câmara é dominada pelo Centrão, que também tem força no Senado, e a preocupação reinante é distribuir recursos para as bases dos congressistas para colher vantagens eleitorais. E o fazem por meio de absurdas emendas parlamentares, conhecidas como “de relator”, arbitrariamente determinando os municípios que as receberão, em proveito de seus autores. E outra aberração apareceu também no jornal citado. Trata-se de emendas chamadas de “cheque em branco” ou “pix orçamentário”, em que a verba vai diretamente para o caixa das prefeituras, sem a necessidade de um projeto específico. Segundo a reportagem, emendas desse tipo passaram de R$ 557 milhões, em 2020, para R$ 1,87 bilhão, em 2021, e no Orçamento atual estão previstos R$ 3,28 bilhões com essa “destinação”.

Chamar isso de investimento público pode até valer do ponto de vista contábil, se for apurado esse uso da verba. Mas as emendas em geral são recursos pulverizados seguindo o interesse de parlamentares e fogem à ética do bem comum, que deveria orientar os investimentos públicos. Ou seja, além da mudez quanto ao crescimento econômico, os parlamentares se engajam em práticas que o prejudicam.

 

* Roberto Macedo é economista (UFMG, USP e Harvard), professor sênior da USP e membro do Instituto Fernand Braudel.

 

Artigo publicado no jornal O Estado de S. Paulo em 5 de maio de 2022.

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