Relações de consumo – Brasil, economia e governo https://www.brasil-economia-governo.com.br Wed, 28 Jul 2021 11:08:37 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=6.5.3 Benefícios da desregulamentação da franquia de bagagem aérea https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=3485&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=beneficios-da-desregulamentacao-da-franquia-de-bagagem-aerea Wed, 28 Jul 2021 11:08:37 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=3485 Benefícios da desregulamentação da franquia de bagagem aérea

Por Emmanuel do Vale Madeiro*

Toda decisão regulatória por parte do Poder Público deveria englobar uma avaliação dos custos resultantes da sua implementação. Ocorre que nem sempre essa avaliação é feita. Muitas vezes, esses custos implicam preços mais elevados para os produtos.

Ao perceber que determinada regulação gera custos que oneram desnecessariamente os usuários, o Poder Público deve repensar se vale a pena manter determinada restrição. Foi o que ocorreu por ocasião da desregulamentação da franquia de bagagem aérea.

A Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) aprovou, em 13 de dezembro de 2016, a sua Resolução 400, atualizando as chamadas Condições Gerais de Transporte Aéreo (CGTA), normas que gerem os direitos e deveres dos passageiros no transporte aéreo dentro do território nacional.

Até antes da vigência dessa resolução, as companhias aéreas eram obrigadas a oferecer uma franquia de 23 kg de bagagem despachada + 5kg de bagagem de mão para cada passageiro.

A partir da vigência da Resolução-Anac 400/2016, o transporte de bagagem despachada passou a configurar contrato acessório oferecido pelo transportador. Este passou a ser obrigado a garantir apenas uma franquia mínima de 10 (dez) quilos de bagagem de mão por passageiro de acordo com as dimensões e a quantidade de peças definidas no contrato de transporte.

Em maio de 2018, o TCU recebeu uma solicitação do Congresso Nacional, mais precisamente da Comissão de Defesa do Consumidor da Câmara dos Deputados, para que o Tribunal identificasse se a evolução dos preços das passagens aéreas, após a entrada em vigência da Resolução 400/2016, da Anac, que permitiu a cobrança em separado da bagagem despachada pelo passageiro, ocorreu em benefício do consumidor ou, ao contrário, implicou aumento de gastos, em detrimento dos passageiros.

A justificativa para essa solicitação do Congresso foi que, até aquele momento, não se percebia, como compensação pela cobrança da bagagem despachada, nenhuma vantagem relacionada à queda de preço das passagens.

O TCU constatou que a desregulamentação da franquia da bagagem despachada, consubstanciada na Resolução 400/2016, precisaria ser analisada em um contexto mais amplo. Essa decisão não se tratou de medida isolada tomada pela agência reguladora do setor aéreo, mas de mais um passo no sentido de flexibilizar a regulação econômica do transporte aéreo de passageiros, iniciada ainda no fim dos anos 1980, há mais de 3 décadas, portanto.

A Portaria 248/2001 do Ministério da Fazenda estabeleceu a adoção do regime de liberdade tarifária para os voos domésticos, constituindo-se no marco mais importante do processo de desregulamentação do setor aéreo.

Posteriormente, o princípio da liberdade tarifária foi positivado na Lei 11.182/2005 (art. 49), que criou a Anac. Nos anos seguintes, o regime de liberdade tarifária, que já se aplicava para os voos domésticos, se estendeu também para os voos internacionais, sob a condução da Agência. A Lei de criação da Anac também consagrou o princípio da liberdade de voo (art. 48, §1º), pelo qual as empresas aéreas podem voar as rotas que quiserem desde que haja disponibilidade de infraestrutura aeroportuária (antes era necessário solicitar permissão da autoridade aeronáutica, que poderia negar o pedido das empresas aéreas de forma discricionária).

Diversos setores reagiram contrariamente à introdução da liberdade tarifária para voos domésticos, em 2001, e para voos internacionais, no fim da década. Entendia-se que tais medidas permitiriam abusos por parte das empresas aéreas e seriam contrárias aos interesses dos consumidores, por mais amparadas que essas mudanças fossem à luz da teoria econômica da regulação.

O que se observou com o tempo foi o contrário: a ausência de intervenção estatal sobre o preço das passagens aéreas promoveu expressiva diminuição de preços e grande aumento da oferta de voos. Segundo dados da Anac, em um recorte de 2002 a 2017, os preços das passagens aéreas caíram cerca de 65%, em termos reais, e o número de passageiros transportados aumentou quase 200%, o que representa crescimento 3,4 vezes superior ao crescimento do PIB.

O TCU avaliou que, embora a desregulamentação da franquia de bagagem despachada pudesse parecer, em uma análise mais superficial e imediatista, que seria contrária ao interesse dos passageiros, na realidade é o oposto. Em um ambiente competitivo, de livre concorrência, a desregulamentação permite que as empresas aéreas, ao disputar a preferência dos consumidores, atuem de forma mais inovadora e eficiente, atendendo melhor às necessidades dos passageiros.

Verificou-se também que a nova regulamentação deu mais transparência à precificação do serviço de transporte aéreo. Antes, a franquia de bagagem despachada estava embutida no preço da passagem, sem que o passageiro tivesse clareza sobre essa informação e sobre o correspondente valor. Com a mudança, o passageiro passou a ter mais informação, que pode usar no seu processo decisório.

A possibilidade de cobrança separadamente pela bagagem despachada ofereceu ao consumidor mais opção. Se puder prescindir de bagagem, não precisa pagar por esse serviço. Na regra antiga, os passageiros que não despachavam bagagem acabavam subsidiando, indiretamente e sem saber, os passageiros que despachavam bagagem.

Segundo o toolkit desenvolvido pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) para a identificação e análise de restrições à concorrência impostas pelos governos baseada na experiência internacional, deve-se realizar uma avaliação aprofundada dos efeitos na concorrência sempre que uma proposta governamental, por exemplo, limite a capacidade de certas empresas de prestarem um bem ou serviço.

Essa restrição ocorre quando alguns governos exigem que todos os vendedores prestem um conjunto mínimo de serviços, restringindo ou proibindo que se preste um conjunto de serviços menor ou cobrança de forma avulsa por cada serviço prestado. Isto prejudica a escolha de alguns consumidores que podem preferir uma combinação de serviços que resulte em preço menor, além de dificultar a entrada de pequenas empresas. Consumidores mais pobres, em especial, podem preferir este tipo de combinação justamente em função da limitação de renda.

Pode-se compreender que a restrição acima descrita ocorria antes da Resolução 400/2016 da Anac. As empresas aéreas eram obrigadas a conceder uma franquia mínima de 23 kg de bagagem despachada por passageiro. Inevitavelmente essas companhias embutiam o valor do despacho da bagagem no preço das passagens de todos os passageiros.

Com a Resolução 400, as empresas aéreas foram autorizadas a firmarem um contrato acessório para o despacho da bagagem. Ou seja, passou-se a permitir a prestação de um serviço menor (o transporte do passageiro com bagagem de mão) e a cobrança de forma avulsa pelo despacho da bagagem. Com isso, buscou-se permitir também a entrada no mercado nacional das chamadas companhias aéreas de baixo custo, cujo modelo de negócios é o de que as passagens aéreas não estão vinculadas a qualquer tipo de serviço adicional ou cortesia.

A referida resolução da Anac representou, dessa forma, a correção de uma restrição concorrencial.

O TCU destacou a posição da Secretaria de Acompanhamento Econômico (SEAE) do Ministério da Fazenda com relação à desregulamentação da bagagem despachada. A SEAE opinou da seguinte forma:

Em relação à eficiência econômica, temos que a desregulamentação, ao desvincular a contratação de passagem aérea da contratação de franquia de bagagem despachada, aumenta a capacidade das Companhias Aéreas em identificar passageiros mais sensíveis a preço. A desregulamentação, portanto, pode aumentar a eficiência do mecanismo de discriminação de preços empregado pelas Companhias Aéreas. Estratégias de discriminação de preços mais eficientes, por sua vez, podem resultar em maior concorrência, preços menores para consumidores mais sensíveis a preço, expansão da oferta do produto, atração de um número maior de consumidores e, consequentemente, democratização do serviço.   (Nota Técnica 126/2017/COGTR/SEAE/MF, de 4/10/2017).

Vê-se assim que a Resolução 400/2016 da Anac possibilitou uma discriminação de preços benéfica para o consumidor, com ampliação da concorrência no setor aéreo. Do ponto de vista da regulação, a discriminação de preços proporcionada pela Resolução 400 da Anac foi, portanto, acertada.

O Tribunal de Contas da União informou à Comissão de Defesa do Consumidor da Câmara dos Deputados que a edição da Resolução-Anac 400/2016, que desregulamentou a franquia de bagagem despachada, foi precedida de estudos regulatórios consistentes e de ampla discussão com os interessados, e tende a ser favorável ao consumidor, assim como as demais medidas de flexibilização regulatória setorial (Acórdão 2955/2018-TCU-Plenário).

Com relação ao impacto no preço das passagens, o TCU compilou estudos apontando que em princípio, mantidos todos os demais fatores que influenciam a formação de preço das passagens, a nova regulamentação deveria trazer redução de preços para os passageiros que viajam sem bagagem (despachada) e aumento para os que despacham bagagem, pois estes perderam o “subsídio” indireto que era pago pelos passageiros que não despachavam bagagem.

Deve-se compreender que o serviço de transporte aéreo opera em regime de liberdade tarifária e os preços das passagens aéreas são influenciados por inúmeros fatores, como o custo de seus insumos, com especial destaque para o preço do combustível (que teve aumento significativo nos últimos anos), taxa de câmbio, demanda e oferta, entre outros.

Para citar um exemplo atual, a pandemia de Covid-19 e a consequente redução brutal da demanda por voos comerciais levou os preços de passagens aéreas ao menor valor já registrado na série histórica da Anac, iniciada em 2002. Em preços atualizados pela inflação até dezembro de 2020, a tarifa média foi de R$ 376,29. Na comparação com 2019, quando a tarifa média foi de R$ 439,89, ocorreu uma redução de 14,5%.

Em dezembro de 2021, a Anac deverá apresentar relatório sobre a aplicação, eficácia e resultados da Resolução 400/2016, indicando possíveis pontos para revisão.

 

* Emmanuel do Vale Madeiro é auditor federal de controle externo do Tribunal de Contas da União

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Como o Open Banking pode aumentar a concorrência bancária? https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=3476&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=como-o-open-banking-pode-aumentar-a-concorrencia-bancaria Wed, 07 Jul 2021 07:16:23 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=3476 Como o Open Banking pode aumentar a concorrência bancária?

 Por Olavo Severo Guimarães*

  1. O que é Open Banking?

Como parte da Agenda BC# do Banco Central, que abriga uma série de medidas destinadas a modernizar, digitalizar e fomentar a inovação no sistema financeiro nacional[1], o Open Banking (OB) possibilita e estabelece padrões de compartilhamento de dados bancários dos consumidores de uma instituição por outras, permitindo a elaboração de novos produtos e serviços.

Na prática, alguns tipos de serviços que devem emergir do OB são os de (i) agregamento de dados, que fornecem em um só aplicativo uma visão das finanças do usuário em seus vários bancos, possibilitando a comparação e a administração unificada e automatizada; (ii) marketplaces, que agregarão ofertas personalizadas de diferentes instituições em uma só plataforma; e (iii) melhoria de processos, agilizando processos contábeis e de concessão de crédito, por exemplo.

Segundo o Bacen[2], os objetivos da abertura de dados são (a) incentivar a inovação, (b) promover a concorrência, (c) aumentar a eficiência do Sistema Financeiro Nacional e do Sistema de Pagamentos Brasileiro e (d) promover a cidadania financeira. Tais metas serão atingidas através da solução de imperfeições do mercado bancário há muito apontadas pela literatura, as quais são a seguir abordadas. 

  1. Assimetrias de informação entre instituições e seleção adversa

Saber é poder – ao menos para as instituições bancárias. Esta foi, em outras palavras, uma das conclusões da autoridade antitruste britânica (CMA) na investigação sobre o mercado bancário que lançou as sementes para a regulação de OB no Reino Unido[3], principal referência para o OB brasileiro. Para a agência britânica, o acesso aos dados de amplas bases de consumidores confere aos bancos uma significativa vantagem potencial, podendo a ausência deste acesso configurar, de mais de uma maneira, uma barreira à entrada e expansão de novos players.

Em primeiro lugar, as instituições já estabelecidas no mercado, detentoras de dados, podem ter condições muito melhores para desenvolver, direcionar e vender os produtos e serviços para seus consumidores. O relacionamento prévio com uma ampla base de clientes, além de um forte insumo para detecção de demandas e desenvolvimento de futuros produtos, também possibilita uma maior diferenciação dos usuários, o que é útil para estratégias de venda cruzada, retenção e aquisição de consumidores. Tais vantagens são observáveis em cada vez mais mercados na emergência do Big Data, razão pela qual este tema tem ocupado um posto central nas discussões sobre posse de dados e defesa da concorrência nos últimos anos.

Em segundo lugar, os bancos que já possuem um histórico de relação com o cliente conseguem avaliar melhor suas requisições de crédito, o que otimiza as decisões e o pricing destas instituições em relação à concessão de seus fundos. Ou seja, o banco competidor, com menos informações sobre a qualidade dos tomadores de crédito, tem mais dificuldade de avaliar os riscos envolvidos na operação, estando mais propício a precificá-las erroneamente ou rejeitar oportunidades profícuas. Neste sentido, por exemplo, Stiglitz e Weiss[4] e Dell’ariccia et al.[5] concluíram que um banco, ao ingressar no mercado de crédito, sempre se depara com um problema de seleção adversa: a perspectiva de receber de seus concorrentes seus piores pagadores.

Diante desta assimetria de informação dos bancos em relação a características relevantes de novos consumidores, uma solução desenvolvida em diversos países, incluindo o Brasil, foi a criação dos bureaux de crédito, os quais coletam, arquivam e distribuem tais dados, auxiliando o mercado a calcular os riscos de crédito. Com o afloramento do OB, os bureaux creditícios terão a oportunidade de expandir ainda mais seus bancos de dados, o que irá aprimorar a performance de seus modelos e a precisão de seus escores. Além disso, as instituições credenciadas poderão ter acesso ao histórico transacional de novos clientes mesmo sem o intermédio de bureaux de crédito. Assim, a redução de assimetria informacional deve gerar aumentos de eficiência e expansão da oferta de crédito, pois as instituições conseguirão descobrir novas oportunidades e precificá-las corretamente. 

  1. Inércia do consumidor

Outro aspecto que diminui a concorrência no mercado bancário é a própria imobilidade da demanda. Segundo o levantamento da CMA[6], referida agência britânica, apenas 3% dos titulares de contas correntes pessoais mudavam de instituição financeira anualmente. A situação não foi diferente em relação aos titulares de contas correntes empresariais, com uma taxa de 4%.

No Brasil, salvo melhor juízo, não há dados públicos a respeito do percentual de pessoas físicas e jurídicas que mudam de banco anualmente[7]. Contudo, dados do Bacen[8] do ano de 2019 indicam que a portabilidade bancária no país ainda está aquém de seu potencial. Na modalidade de crédito imobiliário, estimou-se ao final de 2019 que havia ao menos 570 mil operações (R$102,8 bilhões) que poderiam se favorecer da portabilidade, e os 36 mil contratos (R$2,15 bilhões) que se beneficiaram da portabilidade configuram apenas 6,4% desse potencial.

  1. Custos de transferência de banco

Uma das explicações para tal inércia da demanda se dá por uma série de custos de transferência com os quais o consumidor tem de arcar ao mudar de banco, dentre os quais destacamos (a) a dificuldade de fechamento de conta corrente no banco de origem (devido a débitos automáticos, pagamento de salário etc.); (b) procedimentos burocráticos necessários à troca; (c) cancelamento de cartões antigos, muitos com financiamento de compras a prazo; (d) memorização de novas senhas[9].

O Open Banking amenizará alguns destes custos. Por exemplo, aplicativos que permitam o manejo centralizado de diversas contas bancárias (em instituições diferentes) diminuirão a necessidade de memorização de diversas senhas e facilitarão a organização financeira dos usuários. Além disso, aplicações podem descomplicar tremendamente o processo de abertura de contas ou de tomada de créditos, reduzindo a burocracia. Estas funções devem encorajar os usuários a estabelecer relações com mais instituições financeiras, bem como ajudar a difundir uma cultura de portabilidade bancária, tanto de contas correntes quanto de créditos.

  1. Complexidade das estruturas de cobrança 

A agência britânica[10] também concluiu que contas correntes, tanto para pessoas físicas quanto para jurídicas, têm estruturas de cobrança complicadas, as quais dependem do uso particular de cada cliente. Particularmente, o sistema de cobrança pelo uso do cheque especial se revelou complexo – tratando-se justamente de serviço que tende a ser subestimado pelo consumidor. Tudo isto dificulta a comparação dos serviços e produtos contratados com outros disponíveis no mercado.

O caso brasileiro também oferece indícios neste sentido. Acessando-se o ranking do Bacen de reclamações do consumidor a respeito de instituições reguladas, nota-se a participação expressiva de reclamações na categoria “Oferta ou prestação de informação a respeito de produtos e serviços de forma inadequada”. Nos quatro trimestres de 2019, reclamações enquadradas nesta classificação ficaram em primeiro lugar no levantamento[11].

Neste cenário, o OB tem o potencial de trazer muito valor aos consumidores. Com acesso a dados, aplicativos poderão ajudar usuários a identificar seus perfis de uso de modo a encontrar as ofertas bancárias mais adequadas. A análise retrospectiva da contratação também deve ser facilitada: programas poderão simular quanto os agentes teriam pago de encargos caso tivessem optado por diferentes instituições financeiras, o que os incentivará a tomar melhores decisões futuras. Em verdade, este tipo de funcionalidade aumentaria a competição em diversos setores, motivo pelo qual o OB já inspira, na Austrália, a implementação do Open Energy.

  1. Contratos sem termo final 

Por fim, outro aspecto que contribui para a inércia do consumidor neste mercado são as suas características contratuais. Ao abrirem contas correntes, clientes e bancos costumam estabelecer contratos sem termo. Assim, diferente de contratos de seguro, que costumam ter gatilhos regulares (renovação anual, por exemplo), não há, na relação bancária, um momento em que o consumidor é estimulado a se perguntar se ele poderia obter melhores ofertas de outras instituições financeiras. Neste contexto, aplicativos de gestão financeira unificada e marketplaces podem compensar a falta de termo final com frequentes comparações e ofertas personalizadas.

  1. Conclusão 

Visto de forma mais ampla, o OB é a aplicação, no setor bancário, de um movimento mundial que visa conferir aos consumidores mais controle sobre seus dados, em defesa da privacidade e também em fomento da inovação e da concorrência. Neste contexto, é digno de nota que o OB brasileiro promete ser um dos mais completos do mundo, pois, ao final de sua última fase, em Dezembro de 2021, haverá também o compartilhamento de informações sobre produtos de investimentos, seguros e câmbio, o que já é chamado de “Open Finance”.

O sistema financeiro aberto, resultado destas medidas, tem o potencial de solucionar ou atenuar diversas imperfeições observadas no mercado bancário, tanto do lado da oferta quanto da demanda, como assimetrias de informação dos consumidores e também das instituições entre si, além de reduzir custos de mudança de bancos.

Os novos aplicativos provocarão nudges pró-competitivos a compensar características do setor que contribuem para a inércia dos usuários, como a falta de termo final nos contratos. Além disso, o movimento, conjugado com outras medidas do Bacen no sentido de digitalizar os bancos, deve ainda incentivar entradas de fintechs e big techs neste mercado, o que aumentará a pressão competitiva nele. Por isto tudo, espera-se que o OB melhore a qualidade, o custo e a variedade dos serviços contratados pelo público.

 

[1]  Neste sentido, a apresentação da Agenda BC# pelo presidente do Bacen Roberto Campos Neto: https://www.bcb.gov.br/conteudo/home-ptbr/TextosApresentacoes/ppt_balanco_agenda_bc_2019.pdf

[2] BRASIL. Banco Central do Brasil (BACEN). Resolução Conjunta nº 1. Dispõe sobre a implementação do Sistema Financeiro Aberto (Open Banking). Brasília: BACEN, 2020. Disponível em: https://bit.ly/3eRv2s3. Acesso em: 13 mar. 2021.

[3] COMPETITION AND MARKETS AUTHORITY (CMA). Retail banking market investigation: Final report. Londres: CMA, 2016. Disponível em: https://bit.ly/2WeHDdJ. Acesso em: 24 fev. 2020.

[4] STIGLITZ, Joseph E.; WEISS, Andrew. Credit rationing in markets with imperfect information. The American Economic Review, v. 71, n. 3, p. 393-410, 1981. Disponível em: https://bit.ly/2W9TQ3u. Acesso em: 15 fev. 2020.

[5] DELL’ARICCIA, Giovanni; FRIEDMAN, Ezra; MARQUEZ, Robert. Adverse Selection as a Barrier to Entry in the Banking Industry. The RAND Journal of Economics, v. 30, n. 3, p. 515–534, 1999. Disponível em: www.jstor.org/stable/2556061. Acesso em: 30 jan. 2020.

[6] Vide item 4.

[7] Este autor pesquisou sem êxito nos sites do Bacen e da Febraban, bem como na internet em geral.

[8] BRASIL. Banco Central do Brasil (BACEN). Relatório de Economia Bancária 2019. Brasília: Banco Central do Brasil, 2019. Disponível em: http://bit.ly/3vsBifR. Acesso em: 12 mar. 2021.

[9] Voto do Conselheiro César Costa Alves de Mattos no âmbito do Ato de Concentração nº 08012.011736/2008-41, reproduzido no corpo do Anexo ao Parecer Técnico nº 12/2016 do Ato de concentração nº 08700.010790/2015-41.

[10] Vide item 4.

[11] RANKING de Reclamações. Banco Central do Brasil, 2019. Disponível em: https://bit.ly/2SmhOaM.

[12]GUIMARÃES, Olavo Severo. Concorrência bancária e o Open Banking no Brasil. Revista de Defesa da Concorrência do CADE, v. 9 n. 1, p. 125-147, jun. 2021. Disponível em: https://revista.cade.gov.br/index.php/revistadedefesadaconcorrencia/article/view/709/533. Acesso em: 04 jul.

* Olavo Severo Guimarães é a advogado, mestrando em Economia (UFRGS).

Artigo inspirado em publicação do autor na Revista de Defesa da Concorrência do CADE, v. 9 n. 1 (2021)[12].

 

 

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O Declínio da TV Paga e o Ônus Regulatório https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=3341&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=o-declinio-da-tv-paga-e-o-onus-regulatorio Wed, 30 Sep 2020 16:15:28 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=3341 A plataforma de streaming Netflix (1), em julho deste ano, acumulou mais de 17 milhões de assinantes no Brasil, contra os 15,2 milhões do total de assinantes de todas as operadoras da TV por assinatura, segundo a ANATEL. A análise realizada por especialistas mostra que o plano mais barato da Netflix custa R$ 29,90, enquanto a mensalidade da TV paga da NET/Claro, a mais popular no País, é de R$ 59,90 no combo com telefone e internet. Praticamente o dobro do valor e quando se considera o valor do pacote médio de canais, o valor é de R$ 99,99, o triplo. A conclusão destes analistas é de que se confirma o declínio do setor de TV por assinatura tradicional e o aumento do uso de streaming.

O presente artigo discute o recuo da TV paga a partir de dois fatores chave: (i) a disrupção causada pelo modelo de negócios das plataformas digitais, que engloba a distribuição de conteúdos via streaming e (ii) as assimetrias tributárias e regulatórias contra a TV paga, desrespeitando o princípio da “neutralidade tecnológica”. 

Plataformas e Streaming

A tecnologia utilizada na distribuição de conteúdos não é relevante para explicar este fato. As empresas de cabo, utilizando a mesma infraestrutura, distribuem ambos. A TV paga diretamente e o streaming via banda larga. Como observam Parker et alii (2016) (2), a revolução das plataformas digitais está transformando o mundo dos negócios e essa mudança não é apenas tecnológica. As plataformas, ao contrário dos negócios tradicionais, se caracterizam por criar um ambiente digital onde interagem os dois lados do mercado, de forma mais eficiente.

O serviço de streaming tem características de plataforma. A interação principal – que está no centro da criação de valor da plataforma – é a relação dos usuários, que escolhem entre conteúdos mais diversos, com a plataforma de streaming, que, ao mesmo tempo, contrata e abre espaço para produtores de conteúdo em todo o mundo, que se adequam aos interesses dos assinantes. A plataforma acumula uma quantidade de dados sobre o perfil dos usuários que lhe permite direcionar sugestões a cada um deles e, ao mesmo tempo, direcionar demandas para os produtores independentes de conteúdo. Ou seja, a relação usuário–produtor é mediada por uma “curadoria” da distribuidora de streaming que gera mais “valor” para o usuário, pois suas preferências estarão contempladas com mais exatidão e os produtores terão maior chance de continuar distribuindo suas criações.

A plataforma de streaming facilita interações que satisfazem, mutuamente, um grande número de usuários e produtores de conteúdo. Mas também deixa espaço para o inesperado, pois parte dos conteúdos contratados são propostos pelos próprios produtores, podendo se tornar grandes sucessos. As plataformas aproveitam a capacidade de aumentar o valor produzido para os usuários pelos efeitos positivos da rede entre eles, pois a viralização de conteúdos e o conhecimento acumulado sobre os perfis de usuários lhe permite ofertar conteúdos mais adequados. Também são capazes de aumentar a oferta com muito mais eficiência, usando produtores ao longo do mundo, além de não haver uma limitação temporal de “grade” no aumento da oferta.

A indústria de TV por assinatura tradicional segue o “modelo sequencial”, onde o operador controla toda a cadeia produtiva, além da infraestrutura, contrata os produtores de conteúdo (os canais), ofertados de forma linear em grade determinada, depois faz a distribuição, o marketing, a venda, “empurrando” o produto para o consumidor final. O modelo é menos efetivo em gerar valor para as partes do que as plataformas, que crescem mais rapidamente do que as indústrias tradicionais e assumem a liderança nos setores antes dominados por estes.

As plataformas também causam mudanças através dos fenômenos de re-intermediação e agregação de mercado. A Google (3) teria planejado agregar todos os serviços de streaming em um só lugar, em uma plataforma de fácil acesso para os usuários. Seria um suposto hub que reuniria assinaturas da Netflix, Amazon Prime Video, Apple TV+, Disney+ etc. Assim, o usuário não precisaria trocar de aplicativo quando fosse assistir a um filme ou série em outro aplicativo de streaming.

Assimetrias Concorrenciais e Streaming

A indústria de TV paga, além de enfrentar o desafio de mudança significativa de seu modelo de negócios, desafiado pelas plataformas de streaming, enfrenta um ônus despropositado ocasionado pela intervenção estatal, seja ela oriunda da regulação do setor, seja da tributação do setor.

Em primeiro lugar, a classificação da distribuição direta de conteúdo já presente nos canais de TV paga, como Serviço de Valor Adicionado, permitiu a estas produtoras se tornarem competidores das operadoras de TV paga em condições favorecidas, pois isentas das regras que afligem o setor. Um sumário de regras que sobrecarregam somente as operações SeAC (TV paga) vis à vis o streaming é apresentado a seguir:

  • Os operadores de TV paga respondem a dois reguladores e duas legislações federais específicas (MP 2228-1 e Lei SeAC), o que duplica seus custos administrativos;
  • São obrigados a realizar o carregamento de canais obrigatórios (art 32, Lei SeAC);
  • São obrigados a cumprir cotas de conteúdo nacional (arts. 16 a 24, Lei SeAC);
  • Devem efetuar o pagamento de Condecine Tele e Condecine Título para financiar fomento (art 32 a 38, MP 2228-1);
  • Devem cumprir o Regulamento Geral de Direitos do Consumidor (mais de 100 artigos) com aplicação de multas (Res. ANATEL 632/2014);
  • Devem cumprir o Regulamento de Qualidade dos Serviços de Telecomunicações (controle de indicadores de qualidade com aplicação de multas e compensação automática em casos de interrupção) – Res. ANATEL 717/2019.

Além de todas essas obrigações regulatórias, que aumentam custos, as cotas de horário com conteúdo nacional tornam ainda mais rígida a oferta de conteúdo.

A distribuição de conteúdos pelas prestadoras de Serviço de Acesso Condicionado também enfrenta assimetria tributária, pois as prestadoras são obrigadas ao pagamento de ICMS (com alíquota entre 12 e 15%, dependendo do estado). As operadoras de streaming, por sua vez, não pagam ICMS, apenas o ISS (lei complementar 157/2016, item 1.09 do Anexo). Em São Paulo, a alíquota do ISS é de 2,9%. Situação que pode piorar, pois o estado de São Paulo estuda o aumento da alíquota de ICMS, em função da pandemia.

Assim, não é de surpreender o diferencial de preços e a rigidez burocrática em desfavor do serviço de TV paga, quando comparado ao streaming. Independentemente de como o consumidor preferirá utilizar sua renda, se os serviços serão substitutos ou complementares, a intervenção governamental se tornou completamente disfuncional, definindo um vencedor não em função de suas qualidades intrínsecas, mas em função do fardo regulatório e tributário.

 

 

Arthur Barrionuevoé professor da FGV na Escola de Administração de São Paulo, especialista em concorrência e regulação de infraestrutura. Este artigo expressa opinião do autor, não representando a organização a que pertence.

 

(1) https://canaltech.com.br/entretenimento/netflix-ja-tem-mais-assinantes-do-que-a-tv-paga-no-brasil-170831/

(2) Parker, G., Van Alstyne, M., & Choudary, S. P. (2016) (PVC, 2016). Platform revolution: how networked markets are transforming the economy and how to make them work for you. New York, W.W. Norton & Company, 2016.

(3) https://mundoconectado.com.br/noticias/v/15094/google-estaria-planejando-hub-para-reunir-todos-os-servicos-de-streaming.

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A Microeconomia do Controle de Preços e a Cesta Básica no Brasil do Covid-19 https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=3334&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=a-microeconomia-do-controle-de-precos-e-a-cesta-basica-no-brasil-do-covid-19 Mon, 28 Sep 2020 18:14:22 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=3334 “We must look at the price system as such a mechanism for communicating information if we want to understand its real function—a function which, of course, it fulfils less perfectly as prices grow more rigid” 

Friedrich Hayek 

“The Use of Knowledge in Society” 1945

 

 

I) Introdução 

 

A quarentena gerada pela crise do Covid-19 gerou choques gêmeos de oferta e demanda. De um lado, como muitas pessoas pararam de trabalhar, deixou-se de produzir, resultando em um choque de oferta. De outro lado, as pessoas em casa reduziram seu consumo, especialmente em serviços, resultando em um choque de demanda. 

 

A oferta e a demanda de um bem ou serviço não obrigatoriamente se reduziram na mesma proporção em razão destes choques, o que pode ensejar excessos de oferta com reduções significativas de preços ou de demanda com aumentos significativos de preços. 

 

Em alguns casos, como ocorreu com os itens de alimentação arroz, feijão, leite e óleo de soja, da cesta básica, acabou que o choque de demanda foi positivo, o que implicou incremento de preços em 2020. 

 

O inciso X, do art. 39, do Código de Defesa do Consumidor, a Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990, por sua vez, veda ao fornecedor de bens e serviços “elevar sem justa causa o preço de produtos ou serviços”. Com base nisso, os Procons passaram a questionar aqueles aumentos em todo o país, buscando avaliar se houve aumento de custos que “justificasse” o incremento. A Secretaria Nacional do Consumidor do Ministério da Justiça (Senacon/MJ) também notificou supermercados e cooperativas para explicarem estes aumentos de preços (1). O Ministério da Economia, por sua vez, pediu esclarecimentos à Senacon sobre esta notificação. A Senacon acabou por instaurar uma Comissão para tratar dos aumentos de produtos da cesta básica no âmbito do Conselho Nacional de Defesa do Consumidor (CNDC) do Ministério da Justiça.

 

Nesse texto, procuramos analisar, com base na microeconomia convencional, o controle de preços abusivos e de reajuste de preços abusivos. Na próxima seção, sumariamos um pouco da experiência brasileira com controle de preços. Na seção III, apresentamos a dificuldade de definir preços abusivos. Na seção IV apresentamos o problema da assimetria de informação do regulador de preços e suas implicações para o bem-estar em mercados competitivos quando se busca controlar preços abusivos. Aqui trazemos a perspectiva de Hayek (1945) (2) do mercado como um mecanismo de processamento de informações eficiente. A seção V trata do controle dos reajustes abusivos de preços. A relação entre concorrência e controle de preços é objeto da seção VI. A seção VII reflete sobre situações em que controles de preços podem ser eficientes em setores não competitivos. A seção VIII avalia a natureza dos incrementos de preços da cesta básica durante a crise do covid-19 no Brasil. A seção IX conclui.  

 

II) Controle de Preços no Brasil

 

Até 1990 havia no Brasil pelo menos dois órgãos encarregados do controle de preços na economia, o CIP (Conselho Interministerial de Preço) e a SUNAB (Superintendência de Abastecimento e Preços). Ambos foram extintos como parte de um conjunto de reformas que alterou o paradigma brasileiro de desenvolvimento para uma economia mais orientada para o mercado. 

 

A história destes órgãos revela um sem número de planilhas de custo que o burocrata analisava para avaliar se podia ou não podia incrementar os preços. Eram várias reuniões com as partes discutindo o que era razoável ou não considerar das planilhas no cálculo do “preço justo”. 

 

Uma coisa é certa: a precificação na economia brasileira era burocratizada. O espaço para corrupção naturalmente era grande. É duvidoso, de qualquer forma, se a capacidade de fiscalização do Estado era suficientemente grande para que tal controle se constituísse em uma restrição real para os empresários. 

 

É possível, na verdade, que o resultado líquido da política de controle de preços, ao contrário do originalmente pretendido, tenha sido capaz de aumentar e não reduzir os preços. Os controles do CIP podem ter, de fato, funcionado como instrumentos para a coordenação de cartéis, estabelecendo pontos focais para limites inferiores (ou pisos) dos preços (3). Isto pode ter se derivado tanto da elevada assimetria de informação dos reguladores quanto de um processo clássico de captura. Uma história anedótica deste processo é contada pelo ex-Ministro da Fazenda Mário Henrique Simonsen: quando tentou extinguir o controle de preços no setor automotivo, a principal resistência veio dos próprios empresários do setor que pediam para continuarem sendo “controlados”!!! (4)

No Plano Cruzado, os controles de preços geraram filas nos supermercados, açougues e outros comércios. Não raramente, o consumidor voltava para casa, após longos períodos de espera, sem ter conseguido adquirir o bem. O ex-ministro Simonsen lançava mão inclusive de um exemplo histórico revelador. Na Babilônia, Nabucodonosor talvez tenha sido o primeiro governante a ter tentado implementar uma política de controle de preços, punindo com a morte na fogueira os infratores. Tal política acabou sendo abandonada simplesmente por ter gerado escassez do óleo utilizado nos sacrifícios!! 

 

III) Definição de “Preços Abusivos” 

 

O primeiro problema relevante é definir “preços abusivos”. Qual deveria ser o referencial teórico para definir se um preço real seria abusivo ou não? 

 

Na teoria microeconômica convencional, o referencial abstrato da estrutura de mercado de concorrência perfeita gera, pelo livre jogo da oferta e demanda, preços iguais aos custos marginais em um prazo mais longo. Tal resultado seria ótimo socialmente por maximizar a soma dos excedentes econômicos na economia. Em um prazo mais curto, os preços poderiam ser diferentes do custo marginal, mas estariam sempre convergindo para este: reduzindo (aumentando) em direção ao custo marginal se o preço de mercado fosse superior (inferior) ao custo marginal com base no movimento de livre entrada e saída de empresas. O fato é que pelo referencial da microeconomia convencional, poder-se-ia pensar no “preço justo” como o custo marginal, sendo tão mais abusivo quanto mais distante (para cima) estivesse deste preço.   

 

No entanto, como dito acima, a estrutura de concorrência perfeita é, tão-somente, uma abstração teórica utilizada como referência para a análise dos mercados reais, sendo o conjunto completo de suas características encontráveis em pouquíssimos mercados. Dessa forma, sendo a concorrência perfeita, na prática, uma exceção, o equilíbrio de preço igual a custo marginal seria, também, uma exceção, o que implica que boa parte dos preços observados na economia seriam abusivos por tal critério, tornando a referência pouco funcional. 

 

Também se sabe que o maior preço que deverá se verificar em um mercado sem interferência do governo é o de monopólio. Este preço resulta da regra de maximização de lucros do monopolista que é a receita marginal igualando o custo marginal. Assumindo que o objetivo principal do monopolista é o lucro, ele nunca deverá fixar preços acima deste valor, mesmo sem interferência do governo. Isto porque um preço maior fará cair a quantidade mais que proporcionalmente ao aumento dos preços. Ou seja, se o monopolista abrir mão deste preço maior em favor de uma maior quantidade, a receita a mais é maior que o custo a mais, aumentando liquidamente o lucro. Simplesmente não é verdade que quanto maior o preço, melhor para o empresário.     

 

Dessa forma, se o limite superior dos preços praticados no mercado é o preço de monopólio, se existir de fato esta categoria de “preços abusivos”, certamente o preço de monopólio terá que ser pelo menos um deles. 

 

Como os monopolistas, caso sejam racionais, praticam, quando não se sujeitam à regulação de tarifas, preços de monopólio, sob o critério de preço abusivo igual a preços de monopólio, eles sempre estarão abusando, por definição. Se este é o caso, entende-se que qualquer preço de monopolista, sem interferência do poder público, é abusivo e, portanto, todo monopolista deveria já ser condenado a priori por qualquer preço que esteja praticando!!!!

Em síntese, há problemas sérios na definição de preços abusivos.

 

IV) Preços Abusivos e a Vantagem Informacional do Mercado em Setores Competitivos

 

Toda a discussão da sessão passada se baseia na premissa de que o regulador de preços conhece as curvas de custo marginal e demanda. Esta premissa, no entanto, não se verifica. Não há um item contábil chamado “custo marginal” que se possa acessar facilmente, quanto mais uma curva de custo marginal que se derive das informações disponíveis da empresa. A curva de demanda também não é algo que o regulador tenha acesso. Pior, mesmo para a empresa não é claro nem o que significa o “custo marginal”, muito menos como calculá-lo. O empresário também não dispõe de um modelo econométrico que calcule, a cada momento, a sua curva de demanda, o que não o impede de ter uma boa ideia por tentativa e erro no mercado na fixação de seus preços. 

 

Ou seja, a falta de informação sobre as variáveis fundamentais para se implementar o arcabouço microeconômico convencional para controlar preços é muito significativa. Nem mesmo o regulado dispõe desta informação.

 

Como nos modelos de economia da regulação (5), a assimetria de informação implica o regulador abrir mão de rents para as companhias controladas. No limite, se o teto de preços que define abusividade for igual ou estiver acima do monopólio, a perda de bem-estar é a mesma da situação sem controle de preços. Nesse caso, a assimetria de informação é tão substancial que os rents deixados para as firmas reguladas simplesmente se igualam aos de monopólio, tornando a intervenção redundante. 

 

Pior, é possível que, ao sinalizar um determinado nível de preços acima do que seria o preço competitivo, o controlador induza um ponto focal de preço mais alto do que seria caso não houvesse o controle. É o regulador se tornando o “maestro” dos cartéis como o ex-ministro Simonsen constatou no passado.

De outro lado, também por desconhecimento das condições de oferta e demanda, os preços controlados podem ser tão baixos que a situação financeira da empresa fica comprometida, podendo, no limite, induzir-se uma situação falimentar. Também, e principalmente, deve gerar um excesso de demanda em um prazo mais longo, em função da diminuição da quantidade ofertada com as empresas saindo mercado em função de seus prejuízos, tornando mais aguda a pressão por preços maiores.

 

O fato é que quanto mais o regulador procura reduzir este risco de preços regulados muito baixos, mais se incorre no risco de preços regulados muito altos e redundância da regulação acima assinalado e vice-versa. Podemos chamarmos o erro de regular “preços muito baixos” como erro tipo I e o erro de regular “preços muito altos”, erro tipo II. Como em qualquer teste de hipóteses estatístico, toda a vez que desejamos reduzir um desses tipos de erro, aumentamos o outro. 

 

Essa vulnerabilidade natural a ambos os erros de qualquer sistema de controle de preços é bem menor quando se deixa o mecanismo de mercado funcionar livremente. Não à toa, Hayek (1945) enfatizava que uma das principais virtudes do mercado é implementar naturalmente um gigantesco mecanismo de processamento de informações que seria superior à coordenação centralizada. 

 

Os sinais emitidos pelo sistema de preços balizam as decisões de investimento e, por conseguinte, as variações de oferta no médio e longo prazos. Nesse sentido, preços maiores (menores) passam a mensagem para os ofertantes que devem investir mais (menos). O comando desta mensagem contém o próprio incentivo para o aumento de oferta: preços maiores sinalizam rentabilidades maiores e, por conseguinte, maior valor presente dos projetos de investimento. Uma sinalização permanente de preços menores distorce esta cadeia de transmissão da informação, comprometendo o aumento da oferta no médio e longo prazos e o enxugamento espontâneo do excesso de demanda. O corolário é que controles de preços nunca gerarão resultados melhores que o mercado.

 

A análise gráfica de oferta-demanda padrão facilita o entendimento do ajuste de preços em mercados suficientemente competitivos. Quando o mercado funciona livremente, o preço gravitará em torno do equilíbrio Pe, com a quantidade transacionada igualando a chamada “quantidade de equilíbrio” que implica que não há pressões nem para cima e nem para baixo do preço. Mais que isso, a este preço, atinge-se o ótimo social em “qe”, que é aquele que maximiza a soma dos excedentes do consumidor e do produtor. 

 

Agora, vamos introduzir um controle de preços ou de teto de preços em um nível que não seja igual a Pe. Se o preço controlado for Ps<Pe, então a quantidade transacionada será qs<qe, gerando um excesso de demanda dado pela diferença entre a quantidade demanda a este preço “qsd” e a quantidade ofertada a este preço “qs”, “qsd-qs”. Como o regulador não permite que os preços subam, haverá algum mecanismo de ajuste para corrigir este desequilíbrio, tal como filas, alocação do bem ou serviço aos amigos do vendedor, dentre outros, ou mesmo mercado paralelo a um preço superior. 

 

A principal ineficiência é que há agentes demandantes que estariam dispostos a pagar mais para ter o bem ou serviço e agentes ofertantes dispostos a aumentar sua oferta em resposta a um aumento de preços. Os consumidores que conseguem ter acesso ao bem ou serviço são beneficiados em detrimento dos que não conseguem acesso ao bem ou serviço e/ou ao empresário. Isto implica não se tratar de uma questão distributiva apenas entre consumidores e empresários, mas também entre consumidores que têm acesso e os que não têm acesso ao bem ou serviço ao preço Ps. O curioso é que um eventual mercado paralelo é que pode restabelecer a “justiça” entre consumidores.  

 

Vejamos o caso de o preço teto fixado em Pd. O empresário fará preços menores para conquistar clientes. O controle de preços será uma restrição redundante e os próprios empresários deverão puxar o preço para o nível de equilíbrio de mercado Pe, restabelecendo a quantidade ótima “qe”.

 

Não obstante, este processo de ajuste pode acabar não ocorrendo quando o setor não for suficientemente competitivo. Nesse caso, é possível que o regulador induza uma coordenação tácita entre os oligopolistas. O preço Pd pode acabar servindo como um farol (6). É plausível que, na ausência deste ponto focal, os agentes tivessem bem mais dificuldades em, de forma tácita, alcançar preços tão altos, a não ser que apelem para um cartel explícito. O fato é que o controlador de preços estaria induzindo uma colusão tácita na linha do que o ex-ministro Simonsen constatou no passado.

 

V) Reajuste Abusivo de Preços

 

É usual que os reguladores de preços se importem mais com a variação dos preços, até mais do que com seu nível. Seria, portanto, uma política de controle de “reajustes abusivos” de preços. 

 

Esta possibilidade se encontra inscrita no inciso X, do art. 39, do Código de Defesa do Consumidor, o qual proíbe aumentos de preços “sem justificação”. A primeira dúvida é quais justificações são plausíveis? Só aumentos de custos? E se houver um choque positivo de demanda, seria justificativa possível? A própria redação do dispositivo já constitui grande gerador de incertezas.

 

Gráfico I

Controle de Preços em um Regime de Oferta e Demanda Padrão

 

 

O impacto distorcido do controle de preços também pode ser analisado pela dificuldade da autoridade em perceber mudanças nessas curvas e realizar mudanças de acordo enquanto o mecanismo de mercado procede aos ajustes de forma muito mais célere (7). Assuma que o regulador estava definindo um teto de preços em “Pe”. Vamos supor que ocorra um choque de demanda positivo, ou seja, um deslocamento repentino da curva de demanda para cima para D2. O novo preço de equilíbrio de mercado é Pd2, o qual se iguala ao novo custo marginal quando q=qd2. Ou seja, para incrementar a quantidade em resposta ao aumento na demanda, é preciso um preço maior. Se o regulador demora a ajustar as suas expectativas ao novo cenário e ainda pensa que o “preço justo” é igual a “Pe”, então a quantidade permanecerá no valor de “qe” que, após o deslocamento para cima da demanda, deixou de ser ótimo. A principal distorção é que a quantidade atual não responde a alterações na demanda em função do controle de preços. O excesso de demanda gerado será dado pela quantidade demandada na nova curva de demanda, D2, ao preço Pe, “qed”, menos a quantidade consistente a “Pe” na curva de oferta, “qe”, “qed-qe” que terá que ser racionado de alguma forma menos eficiente que o mecanismo de mercado. O controle de preços não permite que os consumidores incorporem (internalizem) em suas decisões de compra o fato de o produto que teve a demanda aumentada está relativamente mais escasso do que antes. 

 

Uma análise muito similar pode ser realizada assumindo um choque de oferta negativo em que a curva de oferta se desloca para O2. Uma quebra de safra em um produto agrícola, por exemplo, pode ser o responsável por este movimento. Vamos supor novamente que o novo preço de equilíbrio também é “Pd2”, mas agora com uma nova quantidade de equilíbrio qsd2, se fosse permitido o livre funcionamento do mercado com aumento de preços. No entanto, o nosso regulador mais uma vez não percebe que o novo preço “justo” agora é maior e mantém a regulação do preço teto em Pe. Mais uma vez se gera um excesso de demanda a este preço regulado “Pe” no valor da diferença da quantidade demandada “qe” na curva de demanda e da quantidade ofertada ao nível de “Pe” na nova curva de oferta O2, “qe-qod”. Mais uma vez, o controle de preços não permite que os consumidores incorporem (ou internalizem) em suas decisões de compra o fato de que o produto que teve a oferta reduzida está relativamente (e absolutamente) mais escasso do que antes. 

 

Muitas vezes o regulador defende a necessidade de controle de preços para evitar que empresários oportunistas gananciosos se aproveitem de catástrofes naturais que gerem choques de oferta para se aproveitar da situação fragilizada dos consumidores e realizem aumentos abusivos de preços. Essa análise demonstra que deixar os empresários realizarem estes reajustes abusivos de preços em resposta ao choque de oferta é a melhor forma de corrigir a escassez do produto o mais rápido possível. 

 

De qualquer forma, em geral, consideram-se aumentos de preços acima da inflação e/ou acima dos aumentos de custos do setor como potencialmente “abusivos”. Este foi o caso do Brasil, no período de alta inflação pré-1994. Alguns economistas até mesmo argumentavam que o principal vilão da inflação seriam os setores oligopolistas e monopolistas (8) e não as políticas fiscal e monetária. 

 

A questão é que se a definição de preços abusivos já é particularmente complicada, o problema com a definição de reajustes abusivos de preços é ainda pior. A teoria microeconômica mostra que mercados monopolistas, concentrados ou cartelizados, geram níveis de preços superiores aos da concorrência perfeita. Mas não se demonstra que estruturas de mercados concentradas geram reajustes sistematicamente maiores que os setores competitivos.

 

A teoria até pode justificar reajustes de preços excessivos precisamente no momento em que os mercados se concentram ou cartelizam. Afinal de contas, se não for de outro jeito, a pergunta relevante é porque o cartel ou monopólio já não aumentou os preços antes, quando já eram monopólios ou cartéis? Nessas estruturas, preços são naturalmente elevados, sendo que o ajuste a ser feito apenas objetivaria manter o valor real daquele preço monopolista. Tudo o mais constante, o reajuste tenderia a se igualar à inflação do período. 

 

O aumento de preços seria maior em uma situação de monopólio ou cartel somente no caso de erros de percepção passados da(s) firma(s) sobre as reais condições de custo e demanda. O problema, aqui, entretanto, não seria de poder de mercado, mas de informação incorreta da própria firma. Este problema pode ocorrer, igualmente, em condições de concorrência ou de poder de mercado.  

 

Se também não for um problema de informação errada, a conclusão é que os empresários não estariam maximizando lucros previamente e, de repente, decidiram fazê-lo, conduzindo os preços para níveis mais próximos ao valor de monopólio. Assumir que os agentes, do nada, passaram a ser racionais, quando não eram antes, não é, de fato, uma hipótese muito confortável analiticamente. 

VI) Preços Abusivos e Concorrência

 

Quando preços sobem espera-se um aumento da quantidade ofertada. Este incremento vem de duas fontes. Primeiro, as empresas que já estão no mercado produzem mais, podendo até aumentar sua capacidade produtiva, em resposta ao incremento da rentabilidade gerada pelos preços maiores. Segundo, empresas que não estavam no mercado se sentem atraídas pela rentabilidade maior e entram. Ou seja, esta segunda fonte de aumento da quantidade ofertada está associada ao aumento da concorrência. 

 

Se o regulador, no entanto, não deixa o preço subir, nenhum dos dois efeitos ocorre, inclusive o da maior concorrência. Não à toa, a OCDE enfatiza em seu toolkit sobre advocacia da concorrência (9): “a existência de um limite máximo de preços pode levar à redução substancial dos incentivos à inovação e à oferta de produtos novos e/ou de elevada qualidade”.

 

Muitas vezes, o regulador, para avaliar preços ou reajustes abusivos, considera as margens do empresário. Quanto mais altas as margens, maior a probabilidade de se concluir pela abusividade. O problema é que quando há altas margens de lucro de um empresário específico, estas podem ser resultado de um custo menor, resultado direto da busca por maior eficiência ou de um poder de mercado adquirido por ter gerado mais qualidade no produto ou serviço, diferenciando-o em relação aos concorrentes. Assim, a verificação de uma margem de lucros alta pode estar associada justamente àquilo que se deseja fomentar concorrência que é a maior eficiência que traz preços menores e/ou mais qualidade aos consumidores.  

 

Na verdade, os agentes buscam ter menores custos e, portanto, menores preços e melhor qualidade, “vencendo” a concorrência para terem maior margem de lucro. Se os “louros” da vitória da batalha competitiva não puderem ser apropriados em função do controle de preços, a competição não será tão vigorosa assim, em primeiro lugar. Ou seja, a expectativa de que o “troféu” da concorrência não será “entregue”, pois o regulador quer margens menores, compromete justamente o processo de concorrência que é o que traz preços menores em um prazo mais longo. Assim, o controle de preços pode estar gerando preços menores no curto prazo, mas comprometendo o processo que os faz menores em um prazo mais longo e de forma sustentável que é a concorrência.  

 

O problema principal é que o “chamuscado” sinal de preços baseado em controles artificiais de preços provê sinalizações equivocadas aos potenciais entrantes. Preços baixos em função do controle desestimulam a entrada, gerando um processo de retroalimentação negativa. Há pouca concorrência no setor, o que gera preços altos que são alvo de políticas de controle de preços, justamente o que garante que aquela competição se manterá restrita. 

 

O problema é que é sempre difícil saber, ao certo, quando a emergência da competição se tornou factível no setor. E isto só será revelado se os sinais transmitidos pelos mecanismos de mercado estiverem autorizados a funcionar. Se o setor se tornar mais competitivo enquanto o regulador setorial permanece considerando-o não competitivo, é possível que o controle tarifário torne a falta de vigor concorrencial autossustentável. Este é o pior dos mundos, no qual o regulador de preços não percebe que é ele quem sustenta a falta de concorrência ao tentar resolver os efeitos do problema com o controle tarifário. 

 

Não à toa na regulação baseada no Poder de Mercado Significativo em telecomunicações na Europa e no Brasil, um critério para o regulador regular é se o segmento tende, dentro de um horizonte de tempo previsível, para uma estrutura concorrencial. Caso positivo, a manutenção da regulação é desnecessária e, pior, disfuncional. Manter este controle pode frustrar a expectativa dessa trajetória esperada do segmento rumo à concorrência. O controle de preços só faria sentido se não houvesse perspectiva de o segmento se tornar competitivo em um horizonte de tempo previsível. 

 

VII) Controle de Preços em Setores Monopolistas: Quando faz Sentido Regular Preços?

 

Quando um setor apresenta características de monopólio natural, um controle de preços pode fazer sentido. Em vários setores de infraestrutura como gás, saneamento, energia elétrica, dentre outros, este é o caso. Vejamos o gráfico clássico da teoria do monopólio abaixo. 

 

Suponha que o mercado tenha uma estrutura de monopólio ou um cartel que mimetiza perfeitamente o resultado do monopólio. O preço de monopólio é Pm. A área FHD constitui a perda de peso morto ou perda de eficiência gerada pelo monopólio. Uma política de controle de preços bem-sucedida é aquela que estabelece um preço entre Pc e Pm, de forma a diminuir o peso morto. No limite, quando o preço controlador por igual ao que seria o preço competitivo em Pc, o peso morto será igual a zero (10)

 

Assuma um controle de preços em Pr. A primeira parte da nova curva de receita marginal do monopolista com preço controlado torna-se a linha horizontal a partir de Pr até tocar a curva de demanda em “A”. Isto porque, até este ponto, se o monopolista estivesse sem restrição, ele sempre desejaria cobrar um preço maior que “Pr” (até Pm). A partir deste ponto “A”, a curva de receita marginal com controle de preços apresenta uma descontinuidade e volta para o seu traçado original a partir de Qa e que destacamos com uma linha cheia no gráfico. O equilíbrio será a intersecção da curva de custo marginal com a linha vertical A-curva de receita marginal. No entanto, como até “A” não se precisa reduzir o preço para aumentar a demanda (que está controlado em Pr), há incentivo a produzir até Qa>Qm, gerando uma soma de excedentes do produtor e consumidor maior do que no monopólio, incrementando o bem-estar.

 

Gráfico 2

Perda de Peso Morto em Monopólio e Controle de Preços

 

 

Aqui, no entanto, pode haver também os mesmos problemas do mercado competitivo com assimetria de informação. Se o regulador acreditar que as curvas de custo marginal e demanda estão mais deslocadas para cima do que elas são, ele pode acabara definindo um preço teto acima de Pm, o qual se torna redundante do ponto de vista regulatório. Igualmente, se o regulador definir um preço abaixo de Pc, a quantidade ofertada cai abaixo da quantidade demandada em Pc, definindo uma quantidade abaixo daquela que otimiza o bem-estar social em Pc. Os riscos tipo I e II são os mesmos.

 

Uma outra hipótese na qual o controle de preços pode aumentar bem-estar é quando há um elo não competitivo em uma cadeia produtiva de forma a evitar que um agente verticalizado discrimine seus rivais em outros elos mais competitivos da cadeia. Assim, um operador verticalmente integrado de gás, por exemplo, pode cobrar preços muito elevados para que seus concorrentes tenham acesso ao seu gasoduto que constitui monopólio natural. Deixar que isso aconteça equivale a comprometer a concorrência nos elos mais competitivos da cadeia como a produção e comercialização, justificando que se controle o preço de acesso. Além de gasodutos, pode-se pensar em monopólios em elos não competitivos nos segmentos de portos especializados, ferrovias, transmissão de energia elétrica, entre outros.   

 

Não obrigatoriamente a perspectiva de não haver concorrência em um horizonte de tempo previsível, torne desejável um controle de preços. Peguemos, o caso da concessão de patentes. O Estado concede um monopólio temporário que funciona como um esquema de incentivo para incentivar a inovação. Neste monopólio, o dono da patente pode cobrar os preços de monopólio, sem ser ameaçado pelos concorrentes potenciais. No curto prazo, este monopólio claramente compromete o objetivo de preços menores e, por conseguinte, a eficiência alocativa. Essas rendas e preços de monopólio são a recompensa que a sociedade aceita dar ao inovador. Se o regulador, no entanto, resolve manter o monopólio, mas vai controlar preços para gerar benefícios à sociedade no curto prazo, a recompensa esperada pelo inovador e, portanto, o incentivo a inovar, se reduz. A economia terá menos inovações do que teria se não houvesse a perspectiva do controle de preços. Isso acontece com frequência no setor de medicamentos. 

 

VIII) Comportamento do Preço dos Alimentos em 2020 e Abusividade

 

O comportamento dos preços dos alimentos, de fato, apresentou trajetória acima da inflação. O quadro abaixo traz os dados da média do IPCA acumulado no ano até agosto de 2020 compilado pelo IBGE em várias áreas metropolitanas, com destaque para itens de alimentação. Enquanto o IPCA em geral apresentou um aumento médio de 0,7% no Brasil, o item “alimentação e bebidas” teve um aumento maior que atingiu 4,91%, com mais destaque ao subitem “alimentação no domicílio” de 6,1% contra um incremento bem menor do subitem “alimentação fora do domicílio” em 2,18%. Esse diferencial está claramente relacionado à quarentena: muitas das pessoas que trabalham passaram a comer em casa o que antes comiam fora de casa. Ou seja, o incremento de preços está muito provavelmente relacionado ao choque de demanda da crise do covid-19 

 

Dos itens da cesta básica mencionados há um incremento maior no caso do arroz (19,25%), mas com alguma variação entre as regiões metropolitanas entre a maior alta detectada em Salvador (27,855) e a menor em Porto Alegre (11,72%). O preço do feijão variou conforme o tipo, sendo menor para o carioca (12,12%) e maior para o fradinho (35,91%). No caso do feijão carioca, houve inclusive uma redução de preço de 12,21% em Campo Grande.

 

Frutas (13,86%), Leite e derivados (11,28%), óleo de soja (18,63%) e hortaliças e verduras (11,61%) também tiveram altas expressivas no período. Esses movimentos altistas sugerem um elemento comum do lado da demanda que estaria relacionado à quarentena e com o incremento da renda gerado pelo Coronavoucher. Com mais de 66 milhões de pessoas recebendo R$ 600,00 por seis meses e dado o comportamento da grande parte dos preços de alimentação, é razoável que tenha havido e continua havendo uma pressão temporária na demanda. Dado que esse incremento atingiu especialmente as faixas de renda mais baixas, é plausível que haja uma elasticidade renda positiva para alimentos a despeito de serem considerados bens com elasticidade preço baixa. 

 

Quadro I 

Variação de Preços de Alimentos em 2020 (Acumulado até Agosto)

 

 

Há, no entanto, pelo menos dois elementos destoantes deste padrão de alta que foram as carnes (-1,89%), especialmente filet mignon (-18,44%) e macarrão (0%), mas estes não são comentados. Há um viés comportamental natural de focar no que aumentou mais e negligenciar o resto.

 

Na verdade, quando colocamos alimentação e bebidas junto com os outros itens do IPCA, descobrimos que o padrão altista foi muito particular deste item como podemos ver no quadro a seguir. 

 

De fato, houve quedas nos itens de transporte (-3,46%) e vestuário (-3,21%) e variações pequenas nos outros itens, inclusive saúde e cuidados pessoais que no meio de uma pandemia teve variação de apenas 1,6%.

 

 

O ponto importante é que não há uma tendência generalizada de alta da inflação. Ao contrário, como mostra o último comunicado do Copom (11), tirando os temores sobre o regime fiscal pós-pandemia, a inflação, em geral, está sob controle e abaixo da meta, havendo apenas uma alta temporária no preço dos alimentos gerada por um choque positivo e transitório de demanda. 

 

Dois elementos sugerem que esta alta dos alimentos deverá ser revertida em tempo não muito longo: 1) a redução gradual do escopo da quarentena com as pessoas fazendo menos refeições em casa, o que deve reduzir o item da alimentação no domicílio; e 2) a remoção gradual do auxílio emergencial que resultou em aumento de renda substancial para as classes de menor renda. 

 

Para se ter uma ideia, para alguém que recebia bolsa família, o benefício passou de R$ 41,00 para R$ 600,00 por pessoa, um aumento de mais de 13 vezes. Cada família pode acumular até dois benefícios, ou seja, R$ 1.200. No caso da mulher que sustenta o lar sozinha, o benefício seria de R$ 1.200. Ou seja, para esta mulher sozinha o incremento do benefício em relação ao bolsa família seria de mais de 28 vezes!!   

 

De acordo com Duque (2020) (12), o benefício do coronavoucher foi tão elevado que implicou um considerável incremento de renda dos 40% mais pobres, que chegou a 200% entre os mais pobres.

 

Dificilmente este incremento não se reverteria em pressão de preços. Com a redução de R$ 600 para R$ 300 e sua eliminação a partir de janeiro de 2021, os preços dos alimentos não terão mais combustível para queimar. 

 

  1. IX) Conclusão

Como vimos na seção V, seja por choques de oferta como de demanda, entender o preço inicial (Pe da parte teórica) como o “justo” e aumentos de qualquer magnitude como abusivos e que devem ser reprimidos gerará excesso de demanda e mecanismos não eficientes de alocação do produto. Pior, o ajuste por excelência do mercado, por aumento na quantidade ofertada resultante do incremento de preços não ocorrerá, postergando-se a correção do desequilíbrio.

 

O inciso III do art. 3º da Lei de Liberdade Econômica (LLE), em tese, busca evitar esta ineficiência ao definir como direito “definir livremente, em mercados não regulados, o preço de produtos e de serviços como consequência de alterações da oferta e da demanda”. Esta definição está plenamente de acordo com a análise desenvolvida na seção V deste artigo. Quando há deslocamentos nas curvas de oferta e demanda, a tentativa do Estado de fazer com que preços não subam gera perdas de eficiência econômica e posterga o desejável ajuste da oferta com base na sinalização de preços.    

 

O inciso II do § 3º do art. 3º, por sua vez, define que este dispositivo não se aplica “à legislação de defesa da concorrência, aos direitos do consumidor e às demais disposições protegidas por lei federal”. Esse dispositivo deixa claro que o inciso III do art. 3º da LLE não compromete a implementação do comando do inciso X do art. 39 do Código do Consumidor. 

 

No entanto, como destacado em nossa análise neste artigo, se entendermos como “justa causa” para o consumidor também o direito de não enfrentar métodos de racionamento ineficientes como filas, alocação do bem ou serviço aos amigos do vendedor ou de não precisar recorrer ao mercado paralelo criado por se bloquear o incremento de preço de curto prazo, os reajustes deixam de poder ser caracterizados como abusivos.   

 

No caso presente de tentativa de contenção dos reajustes da cesta básica, dado o choque de demanda que ocorreu, aquela apenas terá o condão de atrapalhar o processo de ajuste que inevitavelmente ocorrerá após a mitigação dos fatores que originaram o problema. O desincentivo à ampliação da oferta gerado por controles desse tipo poderá, inclusive, fazer com que os preços não voltem aos patamares anteriores. 

 

Os Procons não parecem desconhecer essa dinâmica básica das economias de mercado. O Presidente do Procon de São Paulo falou que em circunstâncias normais a mão invisível do mercado “resolve o problema com o tempo: os preços sobem, mais produtores entram no mercado, a oferta aumenta e os valores nas etiquetas retrocedem. Em alguns momentos, porém, é preciso que a mão invisível do mercado seja substituída pela mão visível das autoridades. Não para controlar preços, mas para evitar abusos econômicos” (13)

 

Ora, a crise do covid-19 não gerou qualquer tipo de “revogação” da lei da oferta e procura e nem de seus mecanismos de ajustes. Houve um choque de demanda positivo que afetou alguns preços da cesta básica e não há nada que vá impedir que os incrementos de preços sejam revertidos com a reversão dos fatores causadores daquele choque. E se por um acaso estes fatores não reverterem, é fundamental manter a sinalização para que haja incentivo ao aumento de oferta dos produtos, ou seja, manter os preços mais elevados. 

 

Não há qualquer razão para desconfiar da mão invisível neste caso. Mas há muitas razões para desconfiar que a mão visível dos Procons trará algo de bom, a não ser um ganho político para os seus dirigentes.

 

 

César Mattos é Doutor em Economia e Ex-Secretário de Advocacia da Concorrência e Competitividade da SEPEC do Ministério da Economia.

 

(1) https://www.gov.br/mj/pt-br/assuntos/noticias/ministerio-da-justica-e-seguranca-publica-notifica-cooperativas-e-supermercados-para-que-expliquem-elevado-aumento-de-produtos-da-cesta-basica.

(2) Hayek,F.: “”The Use of Knowledge in Society”. The American Economic Review, Vol. 35, No. 4. (Sep., 1945).

(3) O ex-ministro Simonsen, em artigo na Revista Exame de 14/04/93, defende que o “CIP ..de 1968 a 1980 funcionou de fato como um administrador governamental de cartéis privados”.

(4) A dúvida aqui era quem controlava quem?

(5) Laffont, J.J. and Tirole, J.: A Theory of Incentives in Procurement and Regulation. The MIT Press, 1993.

(6) Abusando da teoria dos jogos de oligopólio repetidos, pelo teorema Folk, quando os competidores em um oligopólio possuem taxa de desconto intertemporal suficientemente baixa ou, de forma equivalente, quando os competidores são suficientemente “pacientes”, qualquer estratégia dos jogadores de escolherem cobrar valores entre os preços de cartel e os de oligopólio de Cournot são sustentáveis, havendo infinitos equilíbrios.

(7) Ver essa mesma análise, menos pormenorizada, na Nota Técnica n.º 8/2020/CGEMM/DPDC/SENACON/MJ.

(8) Tavares, M. Conceição e Belluzzo, L. G. (1985). “As Ilusões da Inflação”, Revista Senhor, 206. 27 fev.

(9) https://www.oecd.org/daf/competition/46969642.pdf.

(10) Note-se que, em um oligopólio, o preço de equilíbrio estaria entre Pm e Pc, de forma que o conjunto de tetos de preços que representariam uma política de controle de preços bem-sucedida tende a ser menor.

(11) https://www.bcb.gov.br/detalhenoticia/17188/nota.

(12) Duque,D. :“Uma avaliação do Auxílio Emergencial: Parte 1” https://blogdoibre.fgv.br/posts/uma-avaliacao-do-auxilio-emergencial-parte-1

(13) Isto É dinheiro. 18/09/2020.

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Leis que dão desconto em escola ou congelam preço de remédio criarão caos https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=3270&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=leis-que-dao-desconto-em-escola-ou-congelam-preco-de-remedio-criarao-caos Thu, 18 Jun 2020 17:38:37 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=3270 Tenho acompanhado com muita preocupação os Projetos de Lei em tramitação nas várias casas legislativas pelo país afora. Infelizmente muitas das leis que têm sido aprovadas sob o pretexto de proteger a sociedade só gerarão um caos em vários setores da economia. Já tinha escrito um pouco sobre isso no início de abril “A epidemia de medidas descoordenadas pode agravar a pandemia do coronavírus”, mas parece que de lá para cá a situação apenas se agravou.

Para mim, ainda não está claro se isto tem ocorrido por uma absoluta incapacidade dos nossos políticos de avaliar os efeitos econômicos do quanto tem sido proposto ou se é apenas um comportamento oportunista e populista, que contam com a possibilidade de veto por parte do executivo. Na realidade, o conjunto de propostas legislativas que têm sido aprovado nada mais é do que um caso clássico de expropriação de receita privada cujo resultado para a sociedade será o pior possível.

O exemplo mais gritante é a obrigação imposta às escolas particulares para reduzir entre 30% a 40% o valor das mensalidades (Maranhão, Espírito Santos e Rio de Janeiro são só alguns dos exemplos). Já não bastasse o Estado não fornecer um ensino público com o mínimo de qualidade, alguns políticos resolveram simplesmente inviabilizar o ensino privado. Me pergunto se eles sabem qual a margem de lucro deste setor.

Há outras propostas envolvendo o setor da saúde que nada mais são do que o “canto eleitoral da sereia”. Por exemplo, proibir a suspensão dos planos de saúde durante a pandemia (caso do Maranhão) é mais um caso clássico de querer obrigar a que o privado cumpra o papel do Estado, sem permitir a que se receba qualquer remuneração por isso. Me pergunto ainda quem cobrirá o rombo operacional dessas empresas, tomando ainda por base todo o dinheiro público aparentemente desviado nesta pandemia.

Ainda no campo da saúde, o Senado aprovou nesta semana o Projeto de Lei n° 881/2020, congelando os preços dos medicamentos. Além de simplesmente atropelarem a Lei de Liberdade Econômica que aprovaram no ano passado, o efeito mais direto desta determinação será o desaparecimento de alguns medicamentos das prateleiras das farmácias, principalmente os de uso contínuos.

Na Câmara dos Deputados, há projetos de todo tipo determinando a suspensão de corte de serviços com luz, telefone, água e gás por inadimplência (um exemplo é a do Deputado Marcão Gomes do Partido Liberal). Neste caso, gostaria que o nobre deputado esclaressece de onde essas empresas retirarão o dinheiro para garantir a continuidade desses serviços, pagar seus funcionários ou para fazer os investimentos tão necessários na manutenção de suas respectivas redes. No setor de telecomunicações, em particular, a pérola da vez veio do plenário da Alerj que, atropelando competência federal, derrubaram o veto do governador Wilson Witzel ao Projeto de Lei no 2.012/2020. Com isso as operadoras de celular ficam obrigadas a disponibilizar gratuitamente acesso ilimitado a sites de comunicação, redes sociais e serviços de streaming (que mais sobrecarregam as redes) sem descontar do pacote de franquia de dados contratado pelo cliente.

No setor financeiro retorna a velha história de congelamento de taxa de juros, com o Projeto de Lei no 1166/2020, de autoria do Senador Álvaro Dias do PODEMOS. A ideia é estabelecer um teto de 20% ao ano para todas as modalidades de crédito ofertadas por meio de cartões de crédito e cheque especial para as dívidas contraídas entre os meses de março de 2020 e julho de 2021. Já escrevi nesta coluna deixando claro minha posição de que os juros no Brasil são realmente muito elevados, mas não se cura uma febre colocando gelo no termômetro; e os juros são apenas o ponteiro do termômetro. Ao invés de se dar o remédio correto que amplie a concorrência e que reduza os preços neste mercado (tarifas bancárias e juros), a proposta do Senador só criará mais distorções no setor. Ao não levar em consideração l o custo de captação de recursos no país, podemos restringir ainda mais o pouco crédito hoje disponível no mercado. Aliás, é natural que em momentos de maiores riscos e incertezas, o custo do dinheiro fique mais caro e menos disponível. Não por outra razão, o governo está finalmente estudando como dar garantias para elevar a liquidez no mercado financeiro em um momento como este.

Mas o pior efeito desta decisão pode ser a redução futura da concorrência. Como os grandes conglomerados financeiros verticalizados atuam em vários segmentos de mercado, eles certamente terão como compensar a queda forçada dos juros nos preços de outros serviços (como tarifas bancárias, seguros, etc). Já aquelas instituições menores, que atuam em nichos específicos de mercado, terão mais dificuldade de se ajustar, reduzindo sua capacidade de crescer e concorrer no mercado. Note-se que a potencial cobrança ou elevação do valor das tarifas bancárias poderá ainda reduzir o nível de “inclusão financeira digital” no país, que vinha crescendo ao longo do tempo.

Finalmente vale citar os Projetos de Lei que impõem a proibição de descontos salarias de servidores para pagamento de consignado (casos de Maranhão e Rondônia). A impossibilidade de desconto para quem não perdeu emprego e renda já é por si só um tanto quanto inusitado, mas o que os políticos fizeram foi, no mínimo, criar duas categorias de consumidores demandantes de crédito. O problema é que certamente os bancos procurarão compensar essa perda momentânea de fluxo de caixa com os novos demandantes de crédito, que são principalmente do setor privado. Ademais, contrariando toda a lógica do objetivo do consignado, a instituições financeiras entenderão no futuro que o risco para empresar para funcionário público se elevou, o que possivelmente impactará as taxas de juros cobradas com este tipo de empréstimo.

Acredito que muitos dos projetos aqui destacados sofrerão veto por parte do Executivo ou serão derrubados no judiciário, dada a nítida inconstitucionalidade da maioria deles. De toda forma, o estrago já está sendo feito. Seja pelo custo financeiro momentâneo e o de transação no processo de contestação nas várias esferas judiciárias, seja por darem um péssimo sinal para os investidores sobre a perspectiva de rentabilidade no país de cada um desses setores. No fundo, o recado dos políticos está sendo que contratos por aqui pouco valem e que os riscos de investimento no país são muito maiores do que na maioria dos demais países do mundo.

 

*Texto de autoria de Cleveland Prates e originalmente publicado no Portal UOL. Aqui reproduzido com consentimento do autor.

 

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