Proteção ambiental – Brasil, economia e governo https://www.brasil-economia-governo.com.br Fri, 18 Feb 2022 17:42:58 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=6.5.3 Um plano para a sociedade cobrar https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=3578&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=um-plano-para-a-sociedade-cobrar Fri, 18 Feb 2022 17:42:58 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=3578 Um plano para a sociedade cobrar

 

Em vez de um plano para candidatos, este tem seis pilares para a sociedade cobrar do governo e de políticos em geral.

 

 Por Roberto Macedo

 

Já atuei na elaboração de planos para candidatos a governador de São Paulo e a presidente da República, inclusive em propostas apresentadas a todos os candidatos, num trabalho para a Associação Comercial de São Paulo, em 2010. Mas perdi o entusiasmo por esses planos e optei por outro, desta vez para a sociedade cobrar do governo e dos políticos em geral.

Há tempos sigo os debates eleitorais presidenciais, e em geral os candidatos focam muito pouco num plano de governo. É preciso ter um, porque alguém pode cobrar, mas fica por aí. Minha impressão é de que temem apresentar propostas mais elaboradas, com receio de repercussões negativas de suas ideias. Seus marqueteiros se preocupam mais com explorar as ditas virtudes pessoais de cada um e criticar as dos demais candidatos. Eleitores tampouco cobram planos, nem se interessam pelos apresentados.

Apresentada a seguir, sucintamente, em razão da limitação de espaço, minha proposta também foi influenciada por estudo da consultoria internacional McKinsey, propositivo e dirigido a quem promove mudanças nos negócios, no governo e na sociedade. Este estudo, que abordei aqui no meu artigo passado, propõe maior crescimento econômico, socialmente inclusivo e ambientalmente sustentável.

Seguem-se os seis pilares do plano: além dos três citados acima, uma eficaz e eficiente governança do Estado, maior inserção internacional do País e participação efetiva da sociedade cobrando a sua execução.

Explicando os pilares: sem um bem maior crescimento econômico do Brasil, com aumento de produtividade, a solução de problemas pelo governo é dificultada pela carência de recursos. O impacto sobre este crescimento deveria ser um parâmetro de decisão quanto a políticas públicas.

O crescimento também gera empregos, e sem isso a inclusão social deixa de ocorrer. Com o maior crescimento, eles ajudam na progressão social dos cidadãos, o que é indispensável neste país de forte desemprego e herdeiro de desigualdades que remontam à sua colonização.

Crescimento ambientalmente sustentável é necessidade imperiosa neste país beneficiado pela natureza, mas muito desleixado ao cuidar dela. Esse desleixo hoje pontifica na região amazônica, praguejada por grandes desmatamentos ilegais que danificam o meio ambiente e também pelos que praticam a mineração sem cuidados com a natureza, tudo isso em prejuízo também dos povos indígenas. Vários estudos argumentam que a biodiversidade da Amazônia pode ser explorada economicamente para o sustento de seus habitantes, inclusive cobrando dos países ricos parte do trabalho ambiental, em face do seu impacto favorável de alcance mundial.

A governança do Estado também é lastimável. Olhando apenas o caso federal, o Executivo já não era grande coisa, mas a situação se agravou sob o desgoverno Bolsonaro. Os investimentos públicos, como em infraestrutura, seguem escassos, há grande resistência a privatizações e concessões e parcerias público-privadas não vieram com a intensidade necessária. Na educação e na saúde ainda há muito por arrumar.

O Judiciário é muito lento, custoso e injusto ao ostentar privilégios. O Legislativo foi dominado pelo Centrão. Em particular, acomoda interesses de grupos, só quer saber da reeleição dos seus membros e não dá a mínima para o fraco crescimento econômico. Alguém já viu este tema ser discutido seriamente pelo Congresso? A frágil governança também se espelha pela necessidade de reformas como a tributária e a administrativa, pois, se é preciso reformar e as reformas não vêm, a governança é frágil.

Quanto à maior inserção internacional, o País também é muito carente e, como é enorme, acha que pode produzir tudo aqui, mesmo que com produtividade muito baixa e em benefício de grupos influentes nas decisões políticas, sempre em busca desta ou daquela vantagem. O sucesso do agronegócio decorreu de seu empenho em buscar o mercado externo. Outros setores precisam fazer o mesmo, em particular a indústria. Foi isso que levou ao forte crescimento da indústria chinesa e de outros países da região.

O sexto pilar, o da efetiva cobrança do governo pela sociedade, é uma inovação em planos, porque em geral são feitos por governos que não querem saber disso. Os diversos segmentos da sociedade precisam se agrupar em torno deste objetivo, inclusive criando instituições para essa finalidade. Grupos de cidadãos, jornalistas, entidades de classe, trabalhadores e empresários, representações da sociedade civil e outros segmentos não podem continuar alheios às barbaridades que vêm do governo e que desde 1980 conduziram o Brasil a uma estagnação do seu crescimento, no sentido de crescer abaixo do seu potencial, depois de cair na chamada “armadilha da renda média” e não reagir a contento.

Creio que os leitores concordariam que, com uma boa arrumação, o Brasil poderia crescer muito mais e dar melhores condições de vida à sua população. Passemos, então, a essa arrumação.

 

 

Roberto Macedo é economista (UFMG, USP e Harvard), professor sênior da USP e membro do Instituto Fernand Braudel.

 

Artigo publicado no jornal O Estado de S .Paulo, em 17 de fevereiro de 2022.

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Visão tipo ESG, com crescimento econômico https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=3574&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=visao-tipo-esg-com-crescimento-economico Fri, 04 Feb 2022 12:33:43 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=3574 Visão tipo ESG, com crescimento econômico

 

Estudo se dirige a quem promove mudanças nos negócios, no governo e na sociedade

 

Por Roberto Macedo

 

Depois de procurar em várias fontes, cheguei a essa visão a partir de um estudo da McKinsey, grande e famosa empresa de consultoria internacional com escritórios em mais de 130 cidades e mais de 65 países, em versão divulgada em outubro do ano passado. O acesso a esse estudo será indicado no final deste texto. Tem quatro autores, inclusive Tracy Francis, do staff da empresa no Brasil, e pareceu-me repleto de ideias interessantes, originais e estimuladoras de ações.

Em tradução livre, o título do estudo é Nossas vidas futuras e sobrevivência: ambientalmente sustentáveis, socialmente inclusivas e com crescimento econômico. Lembra a sigla ESG, que ganhou grande espaço no noticiário dos últimos dois anos, a qual prega uma agenda de empresas e investidores voltada para o meio ambiente (environment), a inclusão social e a governança, só que colocando o crescimento econômico em lugar dessa última. Poderia ser chamada de ESC.

O texto a que me refiro é longo, tem oito páginas e resume outro de mesmo número de páginas, mas com fonte menor. Aqui vou resumi-lo ainda mais, transcrevendo textos mediante tradução própria. Num artigo futuro pretendo voltar ao assunto para tratar do caso brasileiro, avançando além do que representam essas três letras.

O estudo é dirigido a quem promove mudanças nos negócios, no governo e na sociedade, de forma a tratar os problemas nele abordados, e em busca de soluções. Argumenta que sem crescimento econômico “(…) como poderíamos alcançar prosperidade e bem-estar ou pagar pelas transições necessárias para tornar a economia mais ambientalmente sustentável e socialmente inclusiva? Sem sustentabilidade, como poderíamos estruturar o crescimento para a geração atual e outras que virão? Sem inclusão – uma oportunidade para o trabalho produtivo e uma vida satisfatória para todos os cidadãos –, como poderíamos assegurar a demanda necessária para impulsionar o crescimento?’’.

Enfatizando o crescimento, em face de sua importância para a sustentabilidade e para a inclusão, aponta que ele vem caindo nas economias desenvolvidas do G-7 desde a crise financeira de 2008. Nas economias emergentes, com exceção de países como China e Índia, o crescimento tem sido menor do que no início dos anos 2000. Retratando a pobreza, é dito que mais de 600 milhões de pessoas ainda viviam em pobreza extrema em 2017, e que mais 100 milhões se juntaram a esse grupo, como resultado da pandemia de Covid-19. De sua parte, um futuro sustentável exigirá enormes investimentos, para zerar emissões líquidas de carbono, prevendo investimentos anuais perto de US$ 5 trilhões até o ano 2030 e US$ 4,5 trilhões até 2050. É muito dinheiro. E pondera que, “para os líderes atuais, as questões são muitas e profundas – e solucionáveis”.

Explica que o ciclo virtuoso começa com o crescimento, e que este inclui, entre outros aspectos, a ambição de prosperidade crescente e bem-estar, inclusive crescimento do lucro para empresas, do PIB das nações e medidas que tragam vida satisfatória para os cidadãos. A inclusão social significa igualdade de oportunidades e amplo avanço de resultados para todos – especialmente a suficiência de padrões de vida – e o estreitamento de desigualdades entre gêneros, idades, etnias, status familiares e lugares de residência. Em sustentabilidade, busca-se maior resiliência ambiental, que começa reduzindo o risco do clima, e inclui também a preservação muito mais ampla do capital natural, assim como do equilíbrio entre gerações.

O estudo também aponta que medidas adotadas segundo sua agenda podem trazer efeitos contrários para parte da sociedade. Por exemplo, os grandes investimentos para realizar a transição das fontes energéticas, embora gerando muitos empregos na chamada economia verde, poderão afetar trabalhadores de baixa renda, que precisarão de treinamento para se adaptarem a novos empregos.

Ao concluir, o estudo aponta seis desafios em escala global que as nações precisam encarar para enfrentar as três questões centrais envolvidas na sigla ESC mencionada acima: 1) como deslanchar o crescimento via maior produtividade; 2) como reduzir os custos de transição da descarbonização; 3) como financiar e suavizar o custo da transição energética, país por país, setor por setor, de uma forma que não prejudique o crescimento da economia; 4) como retreinar e empregar os milhões de trabalhadores estagnados em ocupações que se reduzem em razão do progresso tecnológico; 5) como fortalecer o contrato social com o atendimento de necessidades básicas dos cidadãos medianos; e 6) como apoiar os segmentos mais vulneráveis da população, como, por exemplo, a sua quinta parte mais pobre?

Para acessar o texto inicialmente citado, sugiro recorrer ao Google consultando “economic growth for the good of all: sustainable and inclusive McKinsey”, e na primeira página de resultados buscar o texto divulgado pela empresa em 26/10/21.

 

 

Roberto Macedo é economista (UFMG, USP e Harvard), professor sênior da USP e membro do Instituto Fernand Braudel.

 

 Artigo publicado no jornal O Estado de S. Paulo, em 3 de fevereiro de 2020.

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Nem negacionismo, nem apocalipse: o ESG veio para ficar https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=3514&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=nem-negacionismo-nem-apocalipse-o-esg-veio-para-ficar Wed, 03 Nov 2021 20:50:00 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=3514 Nem negacionismo, nem apocalipse: o ESG veio para ficar

 Por Gesner Oliveira*

Publicamos neste ano pela Editora Bei o livro Nem Negacionismo, nem Apocalips – : Economia do meio ambiente: uma perspectiva brasileira[1]. Seria difícil resumir todos os temas abordados nesta espécie de “terceira via” na questão ambiental. Mas vale a pena neste artigo chamar atenção para a atual discussão sobre a famosa sigla do ESG que abordamos no livro.

O que há de novo no ESG…

A literatura de administração de empresas é repleta de novas siglas e termos da moda. Poucas ganharam tanta repercussão como esta sigla do inglês, ESG, “environment, social responsibility and governance” ou meio ambiente, responsabilidade social e governança em português.

Isso se deve, dentre outras razões, ao marketing que consultorias de gestão, acadêmicos, editores, MBAs e tantas outras instituições fazem para vender seus produtos e serviços.

Faz parte do jogo.

ESG é uma métrica criada para avaliar como uma empresa se comporta com a gestão de riscos não financeiros ligados às áreas socioambientais, que a exemplo de tantas outras vem sendo utilizada para descrever políticas de sustentabilidade em várias dimensões, sujeitas a um aperfeiçoamento contínuo desde meados do século passado e com uma base conceitual desenvolvida a partir do final do século XIX.

Neste sentido, não existem “adeptos do ESG”, assim como não existem “adeptos de compliance” ou mesmo adeptos de “contabilidade regulatória”, ou coisas do gênero.

Tais expressões encerram um conjunto de ferramentas que podem ser úteis e devem ser combinadas e calibradas para cada situação específica. Não constituem “doutrinas” que reúnam aqueles que são a favor ou contra.

As empresas devem evitar dois erros: i) negar que haja qualquer novidade a ser absorvida na atual onda do ESG; ii) deslumbrar-se com o marketing e imaginar que a boa técnica de administração foi refundada em uma suposta “era do ESG”.

Uma administração nunca será “adepta do ESG” ou “contra o ESG”, mas deve procurar a política corporativa mais adequada de ESG, considerando as peculiaridades e características da Companhia o que exige uma elaboração minuciosa de sua matriz de materialidade.

O que há de atual no artigo de Friedman sobre a primazia dos acionistas…

O artigo seminal que Milton Friedman escreveu há meio século é muito citado tanto pelos seus admiradores quanto pelos seus críticos, mas pouco lido pelas duas torcidas.

A questão de Friedman é mais profunda e atual e diz respeito ao problema do agente e do principal. Em uma sociedade democrática e de livre iniciativa o executivo de uma corporação deve ser o agente para a obtenção da maximização de lucro do principal (o acionista), sempre em estrito respeito ao ordenamento jurídico-regulatório. O administrador não tem outra opção a não ser adotar medidas que gerem valor para a Companhia. Por óbvio, deseja-se uma maximização sustentada de valor no longo prazo e não apenas no curto prazo.

Objetivos de política pública, por mais louváveis que sejam, não são responsabilidade dos executivos de uma corporação que têm dever fiduciário com a sociedade anônima que os elegeu como gestores.

Políticas públicas são responsabilidade dos servidores públicos sujeitos à governança do processo político e não dos mecanismos de mercado. Este é o tema do artigo de Friedman que já tinha uma versão em seu livro Capitalismo e Liberdade.

Em uma análise superficial, a onda do ESG poderia parecer contrária à tese de Friedman, como se fosse possível implementar políticas que não levassem em conta a meta de geração de valor para a Companhia.

A atenção das empresas deve recair no rigor e acuidade das métricas ESG e na precisão da matriz de materialidade, assegurando geração sustentada de valor para a Companhia.

Uma forma útil de situar o contexto para os gestores está representada na matriz de recente artigo de Ricardo Assumpção[2], mostrando o necessário alinhamento da política de ESG com a rentabilidade da Companhia. A política de ESG não faz sentido se não contribuir para a geração de valor em linha com o interesse do acionista e com o artigo de Friedman.

O que mudou desde o artigo de Friedman de meio século atrás: cinco macrotendências…

Apesar da correção da noção básica de agente e principal, tendências importantes das últimas décadas precisam ser levadas em consideração para entender como as fronteiras entre a corporação e o ambiente externo à empresa ficaram mais tênues. Isso se aplica não apenas ao mundo corporativo, mas a toda e qualquer organização privada ou estatal.

No contexto atual, os gestores têm de responder a um conjunto mais amplo de stakeholders. Note-se que isso se dá não em detrimento dos interesses dos acionistas, mas em prol da sustentabilidade do negócio, em última análise em prol do interesse dos acionistas.

Pelo menos cinco macrotendências explicam por que foi ampliado o escopo das políticas corporativas.

 Efeito Casa de Vidro

Conforme colocamos no livro, “as fronteiras entre os ambientes externo e interno das empresas tendem a desaparecer”[3]. Em um mundo conectado, as organizações tornaram-se “casas de vidro” sujeitas ao monitoramento e escrutínio permanentes da sociedade.

Qualquer deslize ou dissonância entre a vida interna das empresas e a versão pública de seus valores acarretam efeitos reputacionais potencialmente devastadores e destruidores de valor.

Empresas se tornaram grandes demais para se furtar a participar

As corporações adquiriram um tamanho frente aos estados nacionais que torna impossível pensar questões de política pública sem participação privada. O impacto efetivo das decisões empresariais aumentou, ganhando importância relativamente aos estados nacionais.

Segundo a Organização não governamental Global Justice Now, das 100 entidades de maior relevância econômica, 69 são empresas contra 31 países. A rede norte-americana de supermercados Walmart, por exemplo, ocuparia o 10º posto atrás apenas de Estados Unidos, China, Alemanha, Japão, França, Reino Unido, Itália, Brasil e Canadá.

Responsabilidade objetiva das pessoas jurídicas

No texto de Friedman, afirma-se que as discussões sobre as responsabilidades sociais das empresas eram notáveis por sua análise como frouxidão e falta de rigor, no sentido de que “negócios” não têm responsabilidades. No entanto, há novas tendências nos ordenamentos jurídicos do mundo e do Brasil.

Para um exemplo conhecido contado em filme com a atriz Julia Roberts, em 1993 a técnica jurídica e ativista ambiental estadunidense Erin Brockovich, descobre processos arquivados da empresa Pacific Gás and Eletric Company, responsável pela disseminação de doenças através do lençol freático, na pequena cidade de Hinkley, no estado da Califórnia.

Trata-se de exemplo de externalidade negativa não internalizada. A empresa respondeu pela responsabilidade civil por danos ao meio ambiente, configurando ato ilícito que gerou à época indenização de US$ 333 milhões.

Este exemplo e tantos outros demonstram a necessidade de um monitoramento amplo de impactos socioambientais que vai muito além dos limites dos sites produtivos da Companhia.

A Constituição Federal prevê que as condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados.[4] No Brasil, a Lei Anticorrupção nº 12.846/13, trouxe a responsabilidade da pessoa jurídica de forma objetiva.

Aumento do risco socioambiental

Há 50 anos atrás, os impactos da ação humana sobre o planeta eram menos conhecidos. Em contrapartida, nos tempos atuais, tais efeitos são amplamente estudados, documentados e discutidos. Desde 1970 a pegada ecológica supera a bioprodutividade do planeta.

Os riscos socioambientais se agravaram a tal ponto que frequentemente estão no topo da lista de riscos corporativos. Nos documentos do Fórum Econômico Mundial, encontram-se entre os maiores riscos tanto em termos de probabilidade como de possíveis impactos negativos. Em 2021, os 4 maiores riscos em termos de probabilidade estão ligados ao meio ambiente, três dos quais também então no “top 5” dos riscos de maior impacto negativo. O fato de não considerar esses riscos na decisão de alocação de capital leva os investidores a ficarem expostos sem saber e, no longo prazo, a perder muito.

Os impactos potenciais sobre as economias são significativos. Segundo estudo da Swiss RE[5], uma elevação de 2º C acarreta uma perda de PIB da ordem de 11% para a América do Sul. Tal declínio poderia chegar a 17% em cenário de aumento de 3,2º C.

Preferências dos consumidores

As práticas empresariais com direcionamento sustentável são cada vez mais consideradas pelos consumidores em suas decisões de compra, em especial nos países com maiores renda per capita e nível de educação. Nos Estados Unidos, por exemplo, os bens de consumo classificados como “sustentáveis” tiveram um crescimento de mercado 5,6 vezes maior do que os “tradicionais” entre 2013 e 2018. Isso sugere que o posicionamento sustentável das empresas pode representar um diferencial relevante em um mercado competitivo.

Vendas de bens de consumo nos Estados Unidos (2013-2018)

A tentação cada vez maior (e mais arriscada) do Greenwashing na era do ESG…

O termo é mais recente, mas greenwashing é uma prática antiga. Na era do ESG, o greenwashing está cada vez mais tentador, pois pode-se transmitir (pelo menos por algum tempo) uma imagem positiva, mas falsa, da Companhia.

A assimetria de informação, ou seja, a dificuldade para que um cliente ou investidor na ponta receba e entenda todas as informações relevantes à sua decisão de compra ou investimento ainda é um dos maiores desafios no campo da sustentabilidade.

Essa assimetria de informação entre fabricantes e compradores ou investidores pode resultar na “maquiagem” de certos bens ou serviços, anunciados como opções sustentáveis quando, na realidade, provocam impactos socioambientais negativos, equivalentes ou até maiores do que os causados pelos concorrentes. Essa prática recebe o nome de greenwashing e é condenada pela legislação de proteção do consumidor, de defesa da concorrência e pela legislação societária.

Além do óbvio prejuízo aos consumidores, que não recebem aquilo pelo que pagaram, práticas de greenwashing têm efeito negativo no ambiente competitivo: ao abusar da assimetria de informação, empresas capturam a vantagem competitiva das práticas sustentáveis sem o ônus de realmente adotar tais procedimentos, muitas vezes mais custosos. O resultado é incentivar o consumo de produtos danosos ao ambiente.

A forma mais comum de reduzir assimetria de informação é a criação de padrões de uso, avaliados por partes independentes. Essa avaliação pode se dar no nível dos produtos ou no nível das empresas.

O Quadro resume as possibilidades. Na célula 1, a Companhia maximiza valor, trabalhando com produtos e serviços que atendem à demanda crescente dos consumidores por itens amigáveis com o meio ambiente. É a célula a ser perseguida pelo bom gestor.

Na célula 2, a Companhia não comunica o ESG com materialidade, perdendo, portanto, a oportunidade de maximizar valor.

Na célula 3, a Companhia que pratica o Greenwashing e comunica acaba trazendo para si, o ônus do risco de destruição de valor mediante propaganda enganosa, fraude ao investidor e infração concorrencial.

Na célula 4, a Companhia que pratica Greenwashing e não comunica tem a possibilidade de evitar passivos, porém, não maximiza valor aproveitando itens em conformidade com o meio ambiente. 

Informação imperfeita e greenwashing

  Comunica Não comunica
ESG c/ materialidade 1.      Maximiza valor 2.      Perde oportunidade de gerar valor
 
ESG de fachada (Greenwashing) 3.      Risco de destruição de valor mediante propaganda enganosa, fraude ao investidor e infração concorrencial 4.      Evita passivos, mas não maximiza valor

A conclusão é a de que os gestores não podem mais se furtar a ter uma agenda mais ampla de trabalho sem a qual a Companhia não logra obter uma licença social de operação. Não se trata de contradizer a primazia do acionista, mas pelo contrário de reforçá-la.

Nesse contexto, uma política séria de ESG deve estar articulada com o planejamento estratégico da empresa. Comunicá-la eficientemente pode agregar muito valor. Em contraste, tentar iludir os stakeholders com greenwashing expõe a Companhia a vultosos passivos.

 

[1] OLIVEIRA, Gesner; FERREIRA, Artur Vilela. Nem negacionismo nem apocalipse – Economia do Meio Ambiente: uma perspectiva brasileira. 1ª Edição. São Paulo. Editora Bei, 2021

[2] Assumpção, Ricardo – “Cop 26 e ESG: desafios e oportunidades que temos pela frente” in Relatório Executivo da GO Associados publicado em 11/10/21.

[3] OLIVEIRA, Gesner; FERREIRA, Artur Vilela. Nem negacionismo nem apocalipse – Economia do Meio Ambiente: uma perspectiva brasileira. 1ª Edição. São Paulo. Editora Bei, 2021, pg. 37

GIOVANNI, Gianni Di; LUCCHINI, Stefano. La Casa Di Vetro: Comunicare l’azienda nell’era digitale. Editora Rizzoli ETAS, 2013

[4] Artigo 225, parágrafo 3º da Constituição Federal de 1988

[5] Swiss Re Institute The economics of climate change: no action not an option April 2021

 

 

Gesner Oliveira é professor da Fundação Getúlio Vargas, onde coordena o Centro de Estudos de Infraestrutura e Soluções Ambientais. Ex-presidente do CADE (1996-2000), ex-presidente da SABESP (2007-2011) e sócio da GO associados.

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Desafios da energia eólica https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=3503&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=desafios-da-energia-eolica https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=3503#comments Tue, 28 Sep 2021 15:29:50 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=3503 O futuro dos ventos brasileiros:

desafios regulatórios da energia eólica

Por Elbia Gannoum*

O setor eólico brasileiro tem experimentado um crescimento virtuoso, fruto de um esforço dedicado de empresas, governos e da ótima qualidade dos nossos ventos, um dos melhores do mundo para a produção de energia. Em 2010, tínhamos menos de 1 GW de capacidade instalada. Vamos terminar o ano de 2021 com 20 GW, mais de 740 parques eólicos e cerca de 8.700 aerogeradores em operação. Estes dados mostram uma indústria sólida, empregando milhares de pessoas e promovendo desenvolvimento econômico e social. A evolução da energia eólica no Brasil tem sido caracterizada por aperfeiçoamentos regulatórios, técnicos, ambientais e financeiros diante de um setor elétrico nacional e mundial em evolução.

De uma participação incipiente na matriz de geração até boa parte da década de 2000, a fonte se tornou em 2019 a segunda principal fonte de eletricidade do país em capacidade instalada, uma posição que deverá ser reforçada ao longo das próximas décadas diante de um potencial promissor em terra e no mar e com a possibilidade de o hidrogênio verde ganhar espaço no Brasil e mundo, tornando-se uma importante fonte de demanda por energia elétrica renovável.

Este sucesso pode ser explicado tanto pela abundância e qualidade dos recursos eólicos, quanto pelas políticas energéticas que impulsionaram a construção de parques eólicos e incentivaram o desenvolvimento da indústria de equipamentos. Todo este desenvolvimento virtuoso da eólica foi sustentado, ao longo dos anos, por evoluções regulatórias que foram acompanhando o crescimento da fonte.

O futuro da eólica é promissor. Até 2024, por exemplo, teremos pelo menos 30 GWs de capacidade instalada, considerando apenas os contratos já assinados. Com novos leilões e contratos no mercado livre este número pode ser ainda maior. E as fronteiras tecnológicas também prometem uma grande expansão para a energia dos ventos. Refiro-me, por exemplo, às usinas offshore, hidrogênio para geração de energia e parques híbridos. E todo esse desenvolvimento exigirá, também, avanços regulatórios.

Primeiro, vamos analisar as usinas híbridas, que mesclam, por exemplo, energia eólica e solar em um mesmo local. A combinar duas fontes de energia complementares, a hibridização pode ser usada para otimizar a utilização da rede de transmissão, trazendo ganhos na infraestrutura, logística dos projetos e na questão dos encargos, além de estar sendo incentivada por novo mecanismo de precificação.

Os parques híbridos ainda surgem em cenário de esgotamento da transmissão, principalmente no Nordeste, e no avanço das fontes solares e eólicas, que têm complementariedade entre si, além de ganhos de eficiência se tratadas conjuntamente. Ao contar com energia solar e eólica em um mesmo local, o investidor poderá ter economia de escala e de escopo, mas a regulação dos parques híbridos ainda contém incertezas.

No segundo semestre de 2020, a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) lançou a primeira fase da Consulta Pública nº 061/2020 para debater a normatização para o estabelecimento de usinas híbridas e associadas. Nessa etapa, se colocou em discussão a Análise de Impacto Regulatório (AIR) elaborada pelas áreas técnicas da Agência. O Relatório de AIR em análise na consulta pública trata, entre outros, de possíveis alterações na emissão das outorgas de geração, na aplicação dos descontos na Tarifa de Uso do Sistema de Distribuição (TUSD) e na Tarifa de Uso do Sistema de Transmissão (TUST).

Em 17 de agosto de 2021, foi aberta a segunda etapa da Consulta Pública pela Aneel. Há dois tipos de projetos, usinas híbridas e usinas associadas. Ambas são formadas por diferentes tecnologias de geração, compartilhando fisicamente a mesma estrutura de rede. A diferença é que, nas híbridas, pode haver uma única outorga e uma única medição. Nas usinas associadas, pode haver duas outorgas distintas e, necessariamente, duas medições.

Até julho de 2021, não há tratamento regulatório específico para as usinas associadas e/ou híbridas. Na prática, os empreendedores estão ‘anexando’ painéis solares (fotovoltaicos) os parques eólicos com objetivo de auferir os benefícios em relação à implantação da nova usina com o compartilhamento de algumas instalações e compartilhamento da operação de ambas[1]. Neste processo, as usinas são tratadas individualmente segundo regulação específica para cada fonte. Não existe, portanto, um tratamento diferenciado focado no conjunto. Para os investidores, existe necessidade regulatória de se definir um enquadramento específico para usinas do tipo associadas e híbridas, de modo a contemplar as características destas tipologias e dar tratamento específico, diante das economias de escala e escopo que estes projetos são capazes de auferir.

Sem regulação específica, embora haja uma otimização do uso das linhas de transmissão, ainda não há possibilidade de contratação e pagamento pela tarifa otimizada, o chamado Montante do Uso do Sistema de Transmissão ou Distribuição (MUST/MUSD) O tratamento regulatório vigente, dado pelas Resoluções Normativas nº 666/2015 e nº 506/2012 da Aneel, indica a contratação de um MUST e MUSD, respectivamente, equivalente a 100% da Potência Nominal Líquida da fonte Solar FV/Eólica (Potência Injetada = Potência Nominal – Consumo Interno –Perdas até Ponto de Entrega). Dessa forma, em usinas híbridas/associadas isso implicaria, estrito senso, a contratação da soma da potência nominal líquida das fontes. Esta contratação agregada não contribui com o (quase) frequente “gargalo” caracterizado pela necessidade de implantação de projetos em pontos com rede de conexão, muitas vezes já esgotada em termos de potência contratada.

Não faz sentido econômico, e tampouco técnico a contratação de um MUST equivalente a 100% da Potência Nominal Líquida da fonte Solar FV/Eólica, mas sim em um valor que corresponda à expectativa de injeção ótima do conjunto de fontes. Se o investidor tem um parque eólico de 100 MW que só gera grande parte de sua energia à noite, o empreendedor precisa contratar e pagar para utilizar o montante de 100 MW, mesmo que a rede fique ociosa durante o dia, quando o vento é mais fraco. Se decidir acrescentar um parque solar fotovoltaico de 50 MW, precisará contratar um total de 150 MW, o que encarece o empreendimento.

Uma vez que um dos interesses de se viabilizar projetos híbridos reside no compartilhamento da rede, em razão dos benefícios técnicos-financeiros gerados, ou seja, há necessidade de aprimoramento das Resoluções Normativas vigentes de forma a permitir contratação do montante de uso do sistema de forma diferenciada para os casos de usinas híbridas e associadas.

O futuro da energia eólica também está na exploração das usinas offshore, cujo potencial no Brasil é muito promissor. O Brasil possui um potencial de geração de energia eólica em alto-mar de aproximadamente 1000 gigawatts (1TW) em locais com profundidade de até 50 metros, de acordo com estudos do Banco Mundial e da Empresa de Pesquisa Energética (EPE). Há incertezas em relação ao meio ambiente, já que as questões jurídicas atreladas a esse tipo de empreendimento são diferentes dos parques eólicos terrestres. Enquanto os parques eólicos onshore são estruturados majoritariamente em terrenos privados, os parques eólicos offshore são implantados necessariamente em áreas de propriedade da União (mar territorial, plataforma continental e a zona econômica exclusiva).

Do ponto de vista regulatório, as incertezas se referem, por exemplo, à forma que ocorrerá a utilização do espaço marinho, como a definição do regime de uso do espaço público para  seleção   de   interessados; a necessidade   de   cláusulas   específicas   no instrumento de outorga  do  uso  do  espaço  marítimo  quanto  ao  objeto,  prazo, do inadimplemento,  desmobilização  etc.;  e  a  adoção  de  critérios  para  o  cálculo  do preço para o uso do espaço marítimo.

Outra incerteza jurídica sobre esses empreendimentos se refere à questão ambiental. A Resolução Conama nº 462/2014 estabelece procedimentos para o licenciamento ambiental de empreendimentos de geração de energia elétrica a partir de fonte eólica somente em superfície terrestre. Já há mais de vinte projetos de usinas eólicas, no total de 46 GW, sob licenciamento ambiental no Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama), cuja competência é determinada pelo Decreto Federal nº 8.437/2015, que concedeu ao órgão a competência para licenciar usinas eólicas offshore e em zona de transição terra-mar. Para assegurar maior segurança jurídica para a instalação de eólicas offshore no Brasil, seria válido refletir sobre uma regulamentação ambiental específica com base na Resolução Conama 462/2014 que estabeleça critérios objetivos para definir quais os estudos de impactos ambientais a serem realizados na instalação de usinas eólicas em alto mar.

Uma outra fronteira importante onde a eólica se insere é a utilização de hidrogênio para geração de energia. Com 85% de sua matriz de geração de energia elétrica baseada em fontes renováveis, o Brasil tem potencial para liderar a transição para uma economia de baixo carbono nos próximos anos, seja incorporando novos projetos de eólicas, biomassa e solares, seja com inovações como o hidrogênio verde.

O trunfo brasileiro é a complementariedade entre suas fontes renováveis. Quando ocorre o período seco, de maio a novembro, as hidrelétricas perdem água, mas a biomassa de cana pode compensar parte dessa perda. Os ventos que fazem girar as turbinas das eólicas sopram mais de madrugada, enquanto o sol brilha no horário de maior consumo. Essa possibilidade de produzir energia renovável 24 horas sete dias da semana cria uma oportunidade em um mercado nascente: o hidrogênio verde, nicho que o país poderá se tornar um player global em um momento em que países como Alemanha e Portugal já começam a discutir leilões de contratação de importação de hidrogênio verde.

A descarbonização total de certos setores, como transporte, indústria e usos que são intensivos em calor, pode ser difícil apenas por meio da eletrificação a partir de renováveis. Esse desafio poderia ser enfrentado pelo hidrogênio a partir de renováveis, que permite que grandes quantidades de energia renovável sejam canalizadas do setor elétrico para os setores de uso final, tendo papel relevante na transição energética. A tecnologia é vista como eficiente para ajudar a descarbonizar principalmente o setor de transporte.

O hidrogênio é utilizado pela indústria química há mais de um século, produzindo fertilizantes e metanol. A partir do crescimento das fontes renováveis de energia foi possível obter o chamado hidrogênio verde, produzido com a energia de hidrelétricas, solar, eólica ou biomassa a partir de eletrólise (carga de energia para separação do hidrogênio). O Brasil, além do potencial de energia renovável, tem liderança mundial em agronegócio, mas é importador de fertilizantes, o que gera oportunidades para a agroenergia.

Com a publicação da Resolução nº 6/2021 do Conselho Nacional de Política Energética (CNPE), o governo federal propôs a elaboração de diretrizes para o Programa Nacional do Hidrogênio. Segundo o governo federal, para a consolidação da economia do hidrogênio, pressupõe-se o desenvolvimento de uma infraestrutura de produção, armazenamento, transporte e distribuição do hidrogênio, pelo lado da oferta, bem como a inserção do energético na matriz de consumo em setores-chaves, como transportes, siderurgia e de fertilizantes.

No aspecto tecnológico, há inúmeros desafios a serem superados, embora sua produção e utilização já seja realidade em alguns nichos. O armazenamento do hidrogênio é um deles, pois exige elevadas pressões para armazenamento no estado gasoso, ou criogenia para armazenamento no estado líquido. A Resolução do CNPE abre caminho para a proposição de diretrizes para o Programa Nacional do Hidrogênio, em cooperação com os Ministérios de Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) e Desenvolvimento Regional (MDR), com apoio da Empresa de Pesquisa Energética (EPE). “Para fazer frente a esse desafio, são necessárias novas normas de segurança, novos desenhos regulatórios e todo um arcabouço que permita ao hidrogênio alcançar níveis de competitividade que abram caminho para o uso em grande escala”, informou o governo ao propor diretrizes para o segmento.

Um dos pontos que terão de ser resolvidos é quem regulará seu desenvolvimento da inovação. Em nota técnica de fevereiro de 2021, a EPE cita oito formas de produção do insumo a partir de diferentes matérias-primas como carvão, urânio, petróleo, gás natural, biomassa, metano e água, fontes renováveis. “Olhando-se o desenho de competências apenas das Agências Reguladoras com possível projeção sobre o tema, notadamente ANP, ANEEL e Agência Nacional de Águas (ANA), tem-se que as competências atualmente vigentes na regulação não são claras sobre sua incidência ou não ao caso do hidrogênio e não há uma previsão transversal que alcance etapas da cadeia que possam compreender o hidrogênio obtido a partir de diferentes fontes – a exemplo de seu transporte, regulação de qualidade e comercialização. hidrogênio obtido de combustíveis fósseis como petróleo e gás natural entra no escopo de regulação da ANP, vez que tais recursos minerais são bens da União e que a atividade de refino de petróleo é monopólio deste ente federativo. Essa competência é evidenciada também na Lei nº 9.478/97, que expõe que a Agência é o órgão regulador da indústria do petróleo, gás natural, seus derivados.

O futuro energético do Brasil é bastante promissor. Com recursos naturais abundantes, como sol, vento, água, o país poderá liderar a transição para uma economia de baixo carbono. O setor eólico poderá desempenhar um papel ainda mais relevante dentro dessa agenda. Para que isso ocorra, serão necessários aperfeiçoamentos regulatórios para que o potencial do país possa ser uma realidade. Outro desafio será colocar em prática a regulação de modernização do setor de energia, lançada pela CP nº 33, em 2017. Em julho de 2021, vários pontos da agenda estão em discussão na Câmara dos Deputados pelo Projeto de Lei nº 414, que discute a ampliação da abertura do mercado livre para a baixa tensão. Em julho de 2021, o projeto aguardava despacho do Presidente da casa legislativa para seguir em tramitação. Um tópico do PL 414/2021, que merece atenção, encontra-se na separação entre lastro e energia elétrica. De acordo com a definição do novo art. 3°, §5°, I, da Lei n° 10.848/2004, lastro é a contribuição de cada empreendimento ao provimento de confiabilidade e adequabilidade sistêmica. Trata-se de uma garantia exigida pelo Ministério de Minas e Energia, a ser paga por geradores, distribuidores e consumidores de energia. Tais lastros, além de dar mais confiança ao consumidor, poderão facilitar a obtenção de financiamentos no setor financeiro privado. Pelas regras atualmente vigentes, o lastro e a energia elétrica são negociados como um produto unificado. Os consumidores cativos, atendidos pelas distribuidoras, arcam com a maior parcela dos custos do lastro. O projeto busca promover alterações legislativas que visam ao reequilíbrio desse encargo entre os consumidores dos mercados livre e regulado.

Com um histórico sólido de avanços regulatórios, entendo que os desafios aqui mencionados fazem parte do caminho e que serão superados, após as regulares discussões técnicas. O futuro da energia eólica, como gosto de repetir sempre que posso, é muito promissor e os avanços regulatórios sustentarão essa expansão.

 

[1] Ao instalar numa planta de energia eólica já em operação os painéis solares, ou fazer o projeto envolvendo ao mesmo tempo painéis solares e turbinas eólicas há um significativo ganho de economia de escala e de escopo, tendo em vista que a energia solar e produzida durante o dia e as turbinas produzem mais durante a noite, podendo desta forma maximizar a produção de energia e utilizar a mesma rede de transmissão.

 

* Elbia Gannoum é economista, Phd pela Universidade Federal de Santa Catarina.  É presidente executiva da ABEEólica – Associação Brasileira de Energia Eólica. Vice-chair do GWEC (Global Wind Energy Council). Foi eleita em 2020 embaixadora global do – Global Women’s Network for the Energy Transition, GWNET, and Global Wind Energy Council, GWEC.

 

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Por César Mattos* & Wagner Fischer**

Tramita no Congresso Nacional o Projeto de Lei nº 2.950/19 que visa estabelecer normas para proteção de animais em situação vulnerável diante de impactos decorrentes de empreendimentos de alto risco para a vida silvestre. De autoria do senador Wellington Fagundes (PL/MT), o projeto já contou com um Substitutivo do deputado Glaustin da Fokus (PSC-GO), aprovado na Comissão de Desenvolvimento Econômico, Indústria, Comércio e Serviços na Câmara dos Deputados, que aperfeiçoou bastante a proposição original. Atualmente a proposta aguarda indicação de relator na Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável da Câmara dos Deputados para prosseguir sua tramitação.

Tal processo legislativo é uma grande oportunidade para que os efeitos negativos de atividades socioeconômicas sobre o meio ambiente possam ser revisitados, compreendidos, debatidos e minimizados, sobretudo no que tange às questões de proteção e bem-estar de diversas espécies animais em território nacional.

A proposta em questão vem correndo em paralelo com a discussão de outro Projeto, o da Lei Geral de Licenciamento Ambiental. Nesse contexto, vale rememorar um dos princípios que norteiam o licenciamento ambiental relacionado às responsabilidades inerentes ao chamado “poluidor-pagador” quanto aos mais diversos usos da terra, a partir dos impactos por eles causados. Ainda que o marco geral de licenciamento ambiental esteja sendo devidamente assentado no arcabouço legislativo nacional, como parte essencial de um dos principais instrumentos da Política Nacional de Meio Ambiente adotados pela autoridade pública, algumas atividades humanas despertam preocupação específica da sociedade pelo alto risco que proporcionam à biodiversidade local e regional ao longo de seu ciclo de instalação e operação.

Animais silvestres são elementos da biodiversidade brasileira que invariavelmente sofrem diversos impactos provocados pela atividade humana. Contudo, há certos tipos de empreendimentos que implicam em graves, constantes e iminentes ameaças ao bem-estar dos animais que a eles estejam associados, especialmente para as espécies da fauna nativa brasileira. Empreendimentos rodoviários e de mineração são exemplos notáveis desse tipo de situação, uma vez que a partir deles são comuns as ocorrências de eventos catastróficos, como incêndios descontrolados da vegetação lindeira, atropelamentos de animais, rompimento de barragens de rejeitos de mineração, entre outras situações preocupantes para a conservação da biodiversidade. Ainda que seja difícil de se precisar o momento em que tais situações poderão ocorrer, e muitas certamente irão acontecer realmente, cabe às autoridades públicas licenciadoras dessas atividades estarem atentas às possibilidades de que tais eventos venham impactar drasticamente tanto a vida silvestre quanto a humana.

Assim, torna-se plenamente justificável se assegurar a efetiva adoção de medidas preventivas e protetivas quando houver riscos suficientemente plausíveis de que tais perturbadores impactos contra a fauna ocorram. O chamado “dano esperado” combina a probabilidade e a magnitude de sua ocorrência, servindo como alerta prévio para legitimar a implementação de medidas preventivas necessárias, tecnicamente embasadas por outro princípio basilar da conservação biológica, o princípio da precaução. Por conta disso, medidas desta natureza devem estar incorporadas no próprio processo de licenciamento ambiental, dentro dos estudos ambientais, análises de risco e planos de contingência a serem produzidos. É na fase de licenciamento que se verifica a magnitude, intensidade e longevidade dos efeitos dos empreendimentos para que sejam estabelecidas as ações necessárias de cunho preventivo e emergencial, bem como aquelas de curto, médio e longo prazos.  Considerando as questões de proteção e defesa animal, a proposta legislativa em tela se presta a trazer inovações complementares neste processo, tanto as de caráter preventivo, voltadas a evitar danos possíveis, quanto as de caráter reparatório, que buscam sanear e minimizar aqueles ocasionalmente inevitáveis, inseridas no contexto de mitigação ou compensação ambiental do empreendimento em questão.

No âmbito dessas diretrizes e medidas preventivas inovadoras, se destacam: (i) as medidas voltadas ao próprio empreendimento em si; e (ii) aquelas destinadas a prover os recursos necessários para que se possa exercer os efetivos cuidados, com o eventual resgate, tratamento, reabilitação e destinação dos animais vitimados. A redução da probabilidade de ocorrência desses incidentes depende de que as tais medidas preventivas do tipo (i) sejam mais custo-efetivas do que aquelas do tipo (ii) e, portanto, prioritárias e preferenciais. Entretanto, ambas não são excludentes entre si, sobretudo em atividades em que o risco à vida silvestre persiste, ainda que todas as cautelas estejam presentes. Logo, a combinação de ambos os tipos de medidas preventivas torna mais robusta e efetiva a resolução do problema, desde que tal arranjo permita se chegar ao menor dano esperado aos animais sujeitos a situações de vulnerabilidade.

Nesse sentido, o Projeto de Lei mencionado vem aperfeiçoar o arcabouço legislativo referente ao processo de licenciamento ambiental de empreendimentos de alto risco para a proteção da fauna, buscando assegurar três aspectos fundamentais: (i) estabelecer medidas preventivas e mitigadoras efetivas e essenciais para evitar ou sanear eficientemente danos à fauna da melhor forma possível; (ii) assegurar que a adoção de tais medidas encontre na legislação as condições necessárias para sua sustentabilidade financeira e operacional ao longo do tempo; e (iii) definir e tipificar a punibilidade para aqueles empreendedores que descumpram ou venham a infringir tais dispositivos legais, caracterizando este tipo penal como crime de “maus tratos aos animais”.

Ao instituir medidas preventivas e mitigadoras necessárias ao planejamento e operação de empreendimentos, a proposta busca assegurar o desenvolvimento e implementação de infraestrutura de segurança e proteção à vida silvestre e planos de contingência para tratamento de animais em caso de acidentes e desastres ambientais. Isso envolve o fornecimento de todos os meios, incluindo máquinas, viaturas, equipamentos e equipes de socorristas destinados à busca, salvamento, manejo e cuidados imediatos a animais, durante e após ocasionais incidentes. Além disso, deve existir bases de apoio com água, alimentos, medicamentos e atendimento veterinário suficientes aos animais durante e após o salvamento, inclusive por meio dos chamados Centros de Triagem de Animais Silvestres – CETAS, que são estruturas gerenciadas pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), vinculado ao Ministério do Meio Ambiente, responsável por este tipo de atendimento a animais silvestres em nível federal. A criação ou disponibilização de bases e abrigos para adequada acomodação e tratamento de animais, inclusive pela instalação de novos CETAS também estão previstas. Após tratamento e reabilitação, tais estruturas deverão ser promotoras de ações de translocação e soltura, ou mesmo de projetos de reintrodução de animais silvestres em áreas naturais designadas para isso. Quando se tratar de animais domésticos, os procedimentos incluirão o tratamento e a devolução deles a seus respectivos proprietários.

Também está prevista a organização de brigadas de socorristas, com voluntários treinados, bem como a divulgação de material informativo voltado à evacuação, busca, resgate, salvamento, cuidados imediatos, reabilitação e a adequada destinação dos animais antes, durante e após as ocorrências. Em casos em que tais incidentes sejam previsíveis, como em rodovias e áreas propensas a incêndios da vegetação, medidas preventivas de proteção, monitoramento, manejo, afugentamento, resgate e translocação precoce deverão ser providenciadas a tempo. A depender da situação paisagística e ambiental em que estradas estejam inseridas, poderá ser determinada a restrição do acesso da fauna a determinadas áreas de domínio da rodovia, em especial em trechos da via que apresentem risco imediato de acidentes decorrentes da circulação de animais de grande porte. Além disso, está prevista também a implementação de passagens em desnível e cercamento das laterais da pista.

Sob a ótica da sustentabilidade financeira e operacional dessas estruturas e medidas de proteção animal, busca-se adequar a legislação referente aos recursos oriundos da compensação ambiental de empreendimentos desta natureza. Assim, no caso de empreendimentos de significativo impacto ambiental, inclusive envolvendo riscos iminentes de desastres ou acidentes que acarretem danos diretos à fauna silvestre, o empreendedor poderá apoiar a implantação e manutenção de Centro de Triagem de Animais Silvestres – CETAS ou estrutura similar, e não apenas Unidades de Conservação de Proteção Integral, conforme dispõe a legislação vigente (Lei 9.985/2000, Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza – SNUC).

Quanto às infrações, buscou-se definir sanções diferenciadas com vistas a coibir o descumprimento de medidas preventivas e mitigadoras por parte do empreendedor. No caso de medidas preventivas, foi idealizada a implementação de uma regulação responsiva gradual, iniciando-se por sanções mais leves que vão se tornando cada vez rígidas na hipótese de recorrência no seu descumprimento. Sendo assim, foram definidas as seguintes sanções, em ordem sequencial de agravo: I – advertência escrita e privada para a empresa; II – advertência escrita em carta aberta à empresa, a ser publicada em jornais local e nacional; III – multa e a sanção do item II, incluindo a publicização de ambas; IV – suspensão da licença de operação do empreendimento entre seis meses e um ano; V – suspensão da licença de operação do empreendimento de um a dois anos; VI – cassação da licença de operação do empreendimento. Já o descumprimento de medidas mitigadoras torna a infração mais séria e gravosa, visto que isso passa a se configurar como prática de crime ambiental, com penalidade de detenção, de três meses a um ano, além de multa, conforme previsto na Lei 9.605/1998 (Lei de Crimes Ambientais). Ademais, a depender da gravidade dos danos causados aos animais, somam-se a essa pena as sanções de suspensão e, no limite, também a cassação da licença do empreendimento.

Por fim, a ideia geral do aperfeiçoamento jurídico ora proposto visa dar alternativas técnicas aos próprios órgãos ambientais licenciadores federativos para definir quais serão os Centros de Triagem de Animais Silvestres (CETAS) ou demais estruturas similares a serem beneficiados. Tais decisões devem considerar as propostas apresentadas no Estudo de Impacto Ambiental e no Relatório de Impacto Ambiental (EIA/RIMA), ouvidos os respectivos empreendedores, podendo inclusive ser estabelecida a necessidade de criação de novos CETAS em localização mais estratégica a suas funcionalidades associadas ao respectivo empreendimento. Os órgãos licenciadores também deverão providenciar a conceituação e definição formal do que será considerado empreendimento ou atividade de risco suficientemente elevado para a fauna em ato regulamentar específico. Todas essas medidas a serem executadas pelo empreendedor poderão ser feitas em articulação com os governos federal, estadual, distrital e municipal, organizações civis, setor privado, voluntariado e demais parceiros interessados da sociedade em geral.

Sendo assim, empreendimentos ou atividades capazes de causar significativa degradação ambiental e ao bem-estar animal deverão adotar medidas preventivas, mitigadoras e compensatórias para neutralizar ou reduzir o impacto à fauna residente ou migratória. Em caso de emergência, acidente ou desastre ambiental, seus responsáveis legais deverão estar aptos e prontos a arcar com o custeio imediato de atividades saneadoras, envolvendo resgate, acolhimento, pronto tratamento e reabilitação dos animais sobreviventes, seja em CETAS ou em alguma estrutura equivalente. Tai atividades deverão culminar com a destinação final dos animais recuperados, preferencialmente com a soltura em seu habitat natural. Deverão existir bases e equipes de apoio capacitadas para procedimentos e cuidados necessários aos animais em sofrimento, incluindo médicos veterinários, áreas de observação e isolamento para portadores de doenças infectocontagiosas, além de vacinação e identificação daqueles espécimes domésticos que precisarão ser devolvidos aos seus proprietários.

Com isso, espera-se que animais silvestres possam ter a proteção e os devidos cuidados e para assegurar sua readaptação à vida livre e, então, o seu retorno à natureza, seja nas áreas cadastradas para isso, como as chamadas Áreas de Soltura de Animais Silvestres (ASAS/Ibama), ou ainda, por meio de projetos de reintrodução ou revigoramento populacional específicos e devidamente autorizados. Existem ambientes depauperados em termos de riqueza e diversidade faunística, inclusive onde certas espécies já se tornaram extintas, mas que podem e necessitam ser recuperados. Eis aí grandes oportunidades para que tais ações aconteçam de forma permanente e sustentada para contribuir efetivamente com a conservação da biodiversidade nacional.

Todo esse aparato deverá permitir ainda qualificar a triagem das espécies vitimadas e contribuir para o desenvolvimento científico e as inovações biotecnológicas decorrentes. No caso do resgate de serpentes de espécies peçonhentas nativas, por exemplo, tais animais poderão ser prioritariamente encaminhados a instituições públicas de pesquisa, objetivando sua avaliação para a produção de soros antiofídicos para a rede pública de saúde. O mesmo deve ocorrer com as carcaças ou partes de animais silvestres mortos nestes incidentes, que deverão ser encaminhadas a instituições de ensino e pesquisa para o devido aproveitamento científico ou didático, preferencialmente em coleções biológicas, científicas ou didáticas registradas no Cadastro Nacional de Coleções Biológicas ex situ ou em órgãos vinculados à agricultura ou saúde.

Acredita-se que a estrutura do Substitutivo do Deputado Glaustin da Fokus aprovado na primeira comissão de mérito da Câmara dos Deputados tenha atingido resultados bastante satisfatórios na métrica de reduzir externalidades negativas incidentes sobre a fauna nacional da forma mais eficiente possível. Para isso, o Substitutivo do Deputado construiu uma solução que equilibra de forma bastante adequada e pragmática a necessidade de implementação de medidas preventivas e reparadoras. Isso constitui um bom exemplo de que é possível conciliar modelos equilibrados de intervenção regulatória do Estado que sejam ao mesmo tempo economicamente eficientes e ambientalmente responsáveis.

Assim, reforça-se a expectativa de que a discussão de tal promissor Projeto possa, em breve, ser retomada na Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável, mantendo-se a mesma linha adotada na Comissão de Desenvolvimento Econômico, Indústria, Comércio e Serviços. Todos aqueles que se preocupam com o bem-estar dos animais e a preservação do meio ambiente efusivamente agradecem.

 

* César Mattos é doutor em Economia e ex-secretário de Advocacia da Concorrência e Competitividade.

** Wagner Fischer é doutor em Ecologia e diretor do Departamento de Conservação e Manejo de Espécies,  Ministério de Meio Ambiente

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Projeto de Lei do Licenciamento Ambiental https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=3492&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=projeto-de-lei-do-licenciamento-ambiental https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=3492#comments Tue, 31 Aug 2021 20:41:11 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=3492 Projeto de Lei Geral do Licenciamento Ambiental

Por Rose Hofmann*

Desde a aprovação do Projeto de Lei Geral do Licenciamento Ambiental[1] pela Câmara dos Deputados, em maio de 2021, os debates seguem acirrados, prometendo uma votação agitada sobre o assunto no Senado Federal. Por ser o instrumento da Política Nacional do Meio Ambiente que mais se consolidou nos últimos 40 anos, o licenciamento ambiental tem sido sobrecarregado de atribuições e de expectativas pela ineficiência ou não aplicação de outros instrumentos definidos na mesma política.

Cercado de polêmicas, o projeto buscou endereçar soluções para as críticas mais frequentes atribuídas ao procedimento de licenciamento ambiental, dentre as quais destacam-se: os estudos extensos, excessivamente direcionados ao diagnóstico ambiental e que pouco contribuem com a tomada de decisão; a demora na emissão dos termos de referência; a multiplicidade de atores opinando no processo, com baixa cooperação entre eles; a fixação de condicionantes desvinculadas dos impactos identificados e que por vezes extrapolam as atribuições do titular da licença; e, por fim, o procedimento focado na emissão de licenças e pouco atuante no acompanhamento dos resultados.

Entre os pontos mais controversos do projeto aprovado estão a lista de empreendimentos e atividades não sujeitos ao licenciamento ambiental, a criação da licença por adesão e compromisso, a fixação de critérios para participação dos órgãos envolvidos e o fortalecimento da autonomia dos entes federativos nas fases de enquadramento e triagem.

Também há críticas pela ausência de menção à Avaliação Ambiental Estratégica (AAE), que apareceu em algumas versões do texto, mas não prevaleceu no projeto aprovado pela Câmara dos Deputados, assim como ao Zoneamento Ecológico-Econômico (ZEE). Nota-se que não há uma rejeição expressa à AAE no debate legislativo, mas sim o entendimento de que esse tipo de avaliação merece ato normativo específico. Em relação ao ZEE, embora sua inserção na lei seja defendida por alguns como um potencial aprimoramento do processo de licenciamento, o fato é que já existe previsão normativa nesse sentido.

A observação do ZEE pelo licenciamento ambiental já é mandamento trazido pelo Decreto nº 4.297, de 10 de julho de 2002, segundo o qual “para o planejamento e a implementação de políticas públicas, bem como para o licenciamento, as instituições públicas ou privadas observarão os critérios, padrões e obrigações estabelecidos no ZEE, quando existir, sem prejuízo dos previstos na legislação ambiental”.

Quanto à lista de não sujeição ao licenciamento ambiental, os debates legislativos que a fundamentaram levaram em consideração: i) situações concretas que, por outros instrumentos normativos ou harmonização de entendimentos técnicos, não requeriam licenciamento ambiental (obras urgentes e emprego de forças armadas, por exemplo); ii) o  argumento de que se trata de atividades com balanço ambiental positivo ou cujas medidas necessárias para o controle ambiental sejam suficientemente supridas por outros atos ou normativos de aplicação direta.

O texto ressalva, nesse dispositivo, que a não sujeição ao licenciamento ambiental não exime o empreendedor da obtenção, quando exigível, de autorização de supressão de vegetação nativa, de outorga dos direitos de uso de recursos hídricos ou de outras licenças, autorizações ou outorgas exigidas em lei, bem como do cumprimento de obrigações legais específicas.

A licença por adesão e compromisso (LAC), por sua vez, surpreende pela polêmica, considerando o fato de já ser aplicada em muitos estados da federação. Essa licença tem como foco as atividades e empreendimentos de baixo e médio potencial degradador e para os quais já sejam conhecidas as medidas de controle de seus impactos, não sendo aplicável a empreendimentos de significativo impacto, tampouco àqueles de impacto incerto e que demandam estudos específicos.

Embora venha sendo chamada de “auto licença”, a LAC passa longe disso e, além de prever a necessidade de emissão de ato normativo prévio pelo ente federativo (§ 2º do art. 21), o texto aprovado pela Câmara dos Deputados estabelece que a LAC somente será aplicável quando atendidas, cumulativamente, as seguintes condições (art. 21):

I – não seja a atividade ou empreendimento potencialmente causador de significativa degradação do meio ambiente; e

II – sejam previamente conhecidos:

  1. a) as características gerais da região de implantação;
  2. b) as condições de instalação e operação da atividade ou empreendimento;
  3. c) os impactos ambientais da tipologia da atividade ou empreendimento; e
  4. d) as medidas de controle ambiental necessárias.

III – não ocorra supressão de vegetação nativa, que depende de autorização específica.

Quanto à participação das autoridades envolvidas, o texto se inspirou na vigente Portaria Interministerial MMA/MC/MS/MJ nº 60, de 2015, que se aplica apenas aos licenciamentos conduzidos na esfera federal e segundo a qual os órgãos poderão opinar, sem caráter vinculante, na etapa de elaboração do termo de referência, na análise dos estudos e na fixação das condicionantes. Ao compor a lei geral, com disposições similares à da referida Portaria, a abordagem passaria a ser aplicada também em todos os estados e municípios, nos quais é conduzida a maior parte dos licenciamentos do País.

Essa obrigatoriedade de provocação dos órgãos envolvidos em três momentos (TR, estudos e condicionantes) tende a aumentar significativamente a carga de trabalho de entidades como a Fundação Nacional do Índio (Funai), o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) e o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). Isso porque a provocação desses atores no processo de licenciamento, embora seja prática consolidada no licenciamento ambiental federal, ainda é incipiente em alguns estados e municípios.

De acordo com o texto aprovado na Câmara, o único órgão que hoje possui poder de veto no licenciamento e passaria a ter apenas manifestação opinativa é o órgão gestor de unidade de conservação. Esse poder de veto hoje existente se aplica somente quando o empreendimento ou atividade de significativo impacto ambiental afeta unidade de conservação específica ou sua zona de amortecimento. Ao equipará-lo aos demais órgãos envolvidos, o texto busca reforçar o poder decisório da autoridade licenciadora, a quem cabe então considerar todas as contribuições recebidas.

Não se trata, portanto, de afastar a avaliação de impactos ambientais em unidades de conservação, tampouco em terras indígenas ou quilombolas, mas de fortalecer o poder decisório da autoridade licenciadora, que funcionará como uma espécie de balcão único, integrando as análises dos demais envolvidos e também as contribuições das audiências públicas e de outras formas de consulta no procedimento de licenciamento ambiental.

Outras inovações trazidas pelo projeto de lei aprovado na Câmara serão debatidas a seguir, no contexto das etapas que compõem o procedimento, quais sejam:

  • enquadramento e triagem;
  • delimitação do escopo;
  • elaboração dos estudos;
  • verificação dos estudos;
  • análise técnica;
  • consulta pública;
  • decisão;
  • acompanhamento das condicionantes.

Na etapa da triagem, na qual é feita a seleção dos empreendimentos ou atividades que se sujeitarão ao licenciamento ambiental e em que nível de complexidade, atualmente são aplicados essencialmente os critérios de porte, natureza e potencial poluidor para o enquadramento. Nessa etapa, o projeto aprovado na Câmara reforça a realidade atual, em que cada unidade federativa tem definido o recorte de quais empreendimentos são levados ao procedimento mais complexo, quais podem passar por licenciamento simplificado ou quais são aqueles que não precisam se submeter ao procedimento.

Como aprimoramento, o projeto aprovado na Câmara passa a considerar, como critério para o enquadramento, o critério de localização da atividade ou empreendimento (§ 1º do art. 17). Essa inclusão, já praticada em alguns estados e municípios, permite que haja tratamento diferenciado para um mesmo projeto a depender da sensibilidade da área em que se pretende construí-lo e operá-lo.

Embora o texto aprovado pela Câmara dos Deputados tenha frustrado expectativas de padronização para o enquadramento e triagem, o projeto avança ao estabelecer que a natureza da atividade ou empreendimento terá sua designação baseada na Classificação Nacional de Atividades Econômicas (CNAE). A partir desse padrão, os entes federativos estabelecerão suas listas positivas, indicando as atividades e empreendimentos que se sujeitam ao licenciamento ambiental, ou listas negativas, indicando para as quais não se aplica o procedimento.

Pela forma como as listas positivas e negativas são fixadas atualmente, sem uma regra geral, há dificuldade em comparar o procedimento aplicado em cada estado ou município para empreendimentos ou atividades similares. Com a adoção do CNAE, a transparência e a comparabilidade devem ser favorecidas.

Na delimitação do escopo, faz-se a indicação do conteúdo necessário aos estudos ambientais, em termos de abrangência e profundidade, que servirão de subsídio à tomada de decisão sobre a viabilidade do empreendimento ou atividade. Aqui o projeto endereça solução para a crítica dos estudos extensos e focados em diagnóstico ao estabelecer que o termo de referência “deve ser elaborado considerando o nexo de causalidade entre os potenciais impactos da atividade ou empreendimento e os elementos e atributos dos meios físico, biótico e socioeconômico suscetíveis de interação com a respectiva atividade ou empreendimento” (§ 3º do art. 24).

Como bem explicado pelo Ministério Público Federal[2] em estudo realizado em 2004:

O Estudo de Impacto Ambiental (EIA) deve ser capaz de descrever e interpretar os recursos e processos que poderão ser afetados pela ação humana. Nesse contexto, o diagnóstico ambiental não é somente uma das etapas iniciais de um EIA: ele é, sobretudo, o primeiro elo de uma cadeia de procedimentos técnicos indissociáveis e interdependentes, que culminam com um prognóstico ambiental consistente e conclusivo. (BRASIL, 2004, p. 20)

Assim, ao bem delimitar o termo de referência, a proposição dá o primeiro passo para que esse encadeamento lógico seja garantido. Com um diagnóstico aderente às necessidades da avaliação de impactos ambientais, os recursos são otimizados em prol de uma decisão mais efetiva e realista.

E para resolver o problema da demora da emissão de termos de referência, o texto aprovado na Câmara dos Deputados estabelece que “extrapolado o prazo fixado no § 4º, faculta-se ao empreendedor o protocolo dos estudos para análise de mérito com base no termo de referência padrão da respectiva tipologia, disponibilizado pela autoridade licenciadora” (§ 5º do art. 24).

Após a elaboração dos estudos, estes passam por uma verificação de aderência ao que foi exigido no termo de referência, procedimento também conhecido como “check list”. Trata-se de uma etapa que deveria se concentrar em uma análise expedita de atendimento ao TR, sem adentrar no mérito em si. Mas não é o que tem se verificado na prática, especialmente na esfera federal, fazendo com que muitos estudos fiquem parados por muito tempo nessa etapa, demandando inclusive atualizações quando de fato chegam à análise de mérito.

Outro motivo verificado na esfera federal para que o check list acabe demorando mais do que o esperado é a distribuição do processo para verificação apenas quando há equipe técnica disponível para a sequência do processo, mascarando eventuais atrasos decorrentes da falta de estrutura, já que os prazos só passam a contar a partir do aceite para análise de mérito. Nesse contexto, o projeto aprovado pela Câmara dos Deputados estabelece que “o requerimento de licença ambiental não deve ser admitido quando, no prazo de 15 (quinze) dias, a autoridade licenciadora identificar que o EIA ou outro estudo ambiental protocolado não apresente os itens listados no TR, gerando a necessidade de reapresentação do estudo, com reinício do procedimento e da contagem do prazo” (§ 2º do art. 43).

Com essa redação, não havendo rejeição do estudo nesse prazo de 15 dias, segue-se para análise de mérito. Não se vislumbra perda de qualidade no procedimento, tendo em vista que quaisquer deficiências poderão ser supridas via pedido de complementação, como já ocorre hoje.

E na linha de melhorar a qualidade dos estudos ambientais o projeto aprovado buscou fomentar a competição entre consultorias ao estabelecer que “a autoridade licenciadora deve manter disponível […] cadastro de pessoas físicas e jurídicas responsáveis pela elaboração de estudos e auditorias ambientais com o histórico individualizado de aprovações, rejeições, pedidos de complementação atendidos, pedidos de complementação não atendidos e fraudes” (parágrafo único do art. 30).

Seguindo-se com a análise do projeto de lei, tem-se como ponto de destaque a fixação de prazos máximos de análise para a decisão sobre o requerimento das licenças. Embora suscite divergências, nota-se que o texto não traz implicações em caso de extrapolação dos prazos, além do que já dispõe a Lei Complementar nº 140, de 8 de dezembro de 2011. Nos termos da referida Lei Complementar, o decurso dos prazos de licenciamento, sem a emissão da licença ambiental, não implica emissão tácita nem autoriza a prática de ato que dela dependa ou decorra, mas instaura a competência supletiva.

Assim, impor prazos mais exíguos apenas ampliaria a probabilidade de instauração da competência supletiva, podendo levar ao órgão federal um número maior de requerimentos. De todo modo, a fim de demonstrar a amplitude da alteração legislativa proposta, o comparativo apresentado no Quadro 1 mostra que, pelo menos na esfera federal, há norma vigente com prazos ainda menores do que o texto aprovado pela Câmara dos Deputados.

                                                      Quadro 1

   Comparativo de prazos de análise do licenciamento ambiental

Texto aprovado na Câmara dos Deputados Resolução Conama nº 237/97[3] Instrução Normativa Ibama nº 184/2008[4]
LP com EIA 10 meses 12 meses 6 meses
LP sem EIA 6 meses 6 meses
LI 3 meses 6 meses 75 dias
LO 3 meses 6 meses 45 dias

Verifica-se que, mais importante do que a fixação de prazos é o encadeamento lógico do processo de forma a garantir previsibilidade e equilíbrio, privilegiando-se as etapas com maior valor agregado ao processo decisório.

Outro problema que o projeto de lei buscou solucionar na fase de análise e tomada de decisão foi a falta de conexão entre a avaliação de impactos ambientais e as medidas mitigadoras e compensatórias. Nesse quesito, a proposição estabeleceu a hierarquia de mitigação, segundo a qual o gerenciamento dos impactos e a fixação de condicionantes das licenças ambientais devem atender à seguinte ordem de prioridade (art. 13):

  1. prevenir os impactos ambientais negativos;
  2. minimizar os impactos ambientais negativos;
  3. compensar os impactos ambientais negativos, na impossibilidade de evitá-los ou mitigá-los.

Adicionalmente, o texto estabeleceu que “as condicionantes ambientais devem ser proporcionais à magnitude dos impactos ambientais da atividade ou empreendimento identificados nos estudos requeridos no licenciamento ambiental, bem como apresentar fundamentação técnica que aponte seu nexo causal com esses impactos, não se prestando a mitigar ou compensar impactos ambientais causados por terceiros e em situações em que o empreendedor não possua ingerência ou poder de polícia” (§ 1º do art. 13).

Ainda no curso das análises técnicas são realizadas as audiências públicas, além das oitivas específicas para comunidades indígenas e tribais, nos termos da Convenção OIT 169, da qual o Brasil é signatário. Nesse último caso, o diálogo tem início ainda antes da elaboração dos estudos, com o debate do plano de trabalho que dará concretude ao que se solicita em termos de referência específicos.

O projeto inova ao trazer outras modalidades de participação:

  • consulta pública: modalidade de participação remota no licenciamento ambiental, pela qual a autoridade licenciadora recebe contribuições, por escrito e em meio digital, de qualquer interessado (inciso VI do art. 3º);
  • reunião participativa: modalidade de participação no licenciamento ambiental, de forma presencial ou remota, pela qual a autoridade licenciadora solicita contribuições para auxiliá-la na tomada de decisões (inciso VII do art. 3º);
  • tomada de subsídios técnicos: modalidade de participação presencial ou remota no licenciamento ambiental, pela qual a autoridade licenciadora solicita contribuições técnicas a especialistas convidados, com o objetivo de auxiliá-la na tomada de decisões (inciso VIII do art. 3º).

Esse tipo de inovação é particularmente importante, pois passa-se a ter, no âmbito da norma legal, a oportunidade de ampliação da participação pública e, consequentemente, um maior universo de informações que podem subsidiar o processo analítico do órgão ambiental.

Após todas essas etapas, o processo segue instruído para a tomada de decisão. Aqui, cabe registrar outro aprimoramento importante trazido pelo projeto aprovado na Câmara dos Deputados, que se refere à aferição da efetividade das condicionantes para a finalidade a que foram criadas (inciso II do § 2º do art. 7º). Assim, não basta verificar se a condicionante foi executada como exigida, mas sim se ela alcançou o efeito esperado. O licenciamento deixa, portanto, de ser focado somente na emissão de licenças, como apontado por órgãos de controle, para dar mais foco ao acompanhamento da melhoria contínua da gestão.

Com esses dispositivos, o projeto de lei traça um eixo estruturante bem delimitado, que permeia o licenciamento ambiental do início ao fim, inserindo a análise dos impactos de forma equilibrada em cada fase para que sejam devidamente gerenciados no decorrer da maturação do projeto. Esses dispositivos conferem tecnicidade ao procedimento e agregam valor à tomada de decisão.

Uma expectativa que tende a ser frustrada em relação ao Projeto de Lei Geral do Licenciamento Ambiental diz respeito a colocar ordem nos milhares de normativos existentes sobre meio ambiente no País. Um levantamento realizado por Pedrosa et al. (2020)[5] estimou a existência de aproximadamente sessenta e quatro mil atos normativos e regramentos técnicos ambientais vigentes no País, os quais abrangem as três esferas da federação e não se restringem à temática afeta ao licenciamento.

Por ter escopo restrito ao licenciamento ambiental, a proposta de lei geral não teria a capacidade de racionalizar espectro tão amplo de normativos. Além disso, é preciso reconhecer que o projeto de lei pouco conflita com as regras atuais aplicáveis ao instrumento, o que leva a crer que a maior parte das normas infralegais permanecerá em vigor sem a necessidade de muitos ajustes.

Nesse contexto de atos numerosos e pouco organizados, merece destaque a proposta do Governo Federal trazida pelo Decreto nº 10.139, de 29 de novembro de 2019, que dispõe sobre a revisão e a consolidação dos atos normativos inferiores a decreto, editados por órgãos e entidades da administração pública federal direta, autárquica e fundacional. O decreto aplica-se a:

I – portarias;

II – resoluções;

III – instruções normativas;

IV – ofícios e avisos;

V – orientações normativas;

VI – diretrizes;

VII – recomendações;

VIII – despachos de aprovação;

IX – qualquer outro ato inferior a decreto com conteúdo normativo.

Esse Decreto sim, aplicável à esfera federal, tem o potencial de organizar e racionalizar o cabedal normativo do licenciamento, seja pela revogação, revisão ou consolidação dos atos nessa esfera de competência. O processo tende a ser ainda mais qualificado se aplicadas técnicas de avaliação prévia de impacto regulatório.

Diante do exposto, verifica-se que o projeto de lei tem gerado muita expectativa em relação à redução de prazos de tramitação de processos e redução de normativos diversos, o que depende de uma regulamentação equilibrada para produzir o efeito esperado. Por outro lado, a proposição traz dispositivos importantes que qualificam etapas frequentemente criticadas no processo de licenciamento ambiental, como a elaboração dos estudos e a fixação de condicionantes, tornando-o mais efetivo.

Ao exigir que o termo de referência observe a relação da atividade ou empreendimento com o ambiente no qual se insere, o texto favorece a formulação de estudos mais objetivos e úteis à tomada de decisão. Da mesma forma, ao fortalecer a hierarquia de mitigação e exigir que as condicionantes ambientais estejam relacionadas aos impactos previamente mapeados, o projeto fortalece o aspecto técnico do procedimento, cuja efetividade é aferida periodicamente.

Com o avanço dos debates no Senado, acredita-se ser possível chegar a um texto final que promova a otimização do procedimento e preserve o núcleo técnico do licenciamento ambiental, cuja aplicação se alinha ao objetivo da Política Nacional do Meio Ambiente de compatibilizar o desenvolvimento econômico e social com a preservação da qualidade do meio ambiente e do equilíbrio ecológico.

Vale registrar, por fim, que muito pode ser feito em termos de incremento da efetividade do licenciamento mesmo sem o marco legal, o que inclui o fortalecimento dos mecanismos de diálogo e participação, a aplicação de tecnologia, a elaboração de manuais técnicos e normativos e o fortalecimento das carreiras técnicas e gerenciais que atuam na temática. É com esse entendimento que temos trabalhado incessantemente em busca da verdadeira sustentabilidade ambiental para os projetos prioritários do Governo Federal.

 

1] Disponível em: https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=2010521&filename=PEP+1+CFT+%3D%3E+PL+3729/2004.

[2] BRASIL. Ministério Público Federal. Deficiências em estudos de impacto ambiental: síntese de uma experiência – Brasília. Ministério Público Federal. 4ª Câmara de Coordenação e Revisão: Escola Superior do Ministério Público da União, 2004. 48 p.

[3] Resolução do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) nº 237, de 19 de dezembro de 1997.

[4] Instrução Normativa Ibama nº 184/2008, que dispõe sobre o Licenciamento Ambiental Federal (alterada pela Instrução Normativa Ibama nº 14/2011).

[5] PEDROSA, Deivison; FONSECA, Enio; CARNEIRO, Ricardo. Legislação ambiental no Brasil: panaceia ou equação impossível? Algumas reflexões. Direito Ambiental. Mar.2020. Disponível em: https://direitoambiental.com/legislacao-ambiental-no-brasil/. Acesso em: 04 ago. 2021.

 

* Rose Hofmann é secretária de Apoio ao Licenciamento Ambiental e à Desapropriação do Programa de Parcerias de Investimentos do Ministério da Economia. Tecnóloga em Química Ambiental, especialista em Gestão e Engenharia Ambiental, especialista em Regulação de Serviços Públicos e mestre em Poder Legislativo.

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