Cesar van der Laan – Brasil, economia e governo https://www.brasil-economia-governo.com.br Thu, 28 Jul 2016 13:07:01 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=6.5.3 É crível o seguro-garantia como mecanismo anticorrupção nas obras públicas? https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=2825&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=e-crivel-o-seguro-garantia-como-mecanismo-anticorrupcao-nas-obras-publicas Thu, 28 Jul 2016 13:07:01 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=2825 A investigação da Lava-Jato tem desvelado a magnitude da prática generalizada de desvio de recursos públicos no Brasil por meio do superfaturamento de contratos, vertendo montantes bilionários para a classe política e as grandes empreiteiras. Com a opinião pública exigindo mudanças, a classe política tem procurado apresentar uma resposta apressadamente.Todavia,isso pode dar espaço para soluções ineficientes.

A ampliação e obrigatoriedade do seguro-garantia com cobertura integral das obras públicas passou a ser vista como medida essencial para extinguir a corrupção. Isso surgiu a partir de sua defesa em uma série de reportagens em revista semanal de grande circulação nacional nos primeiros meses do ano1, e acatada por alguns parlamentares no Congresso Nacional.

A ideia é adotar o modelo americano de performance bondspara obras públicas, baseado na garantia compulsória do valor integral do contrato por seguro, afastando as outras modalidades de caução em dinheiro ou títulos públicos ou fiança bancária, em valores de cobertura de até 10% do valor contratual.Isso incentivaria a Seguradora a fiscalizar de perto a obra – pois depende da fiel execução contratual para não incorrer em perda pelo acionamento do seguro e garantir seu lucro –, passando a ser a verdadeira fiscal da obra, o que criaria uma distância entre a empreiteira e o governo – de fato, uma relação comprovadamente viciada. Chegou-se a defender um percentual de garantia de até 120% do valor contratual da obra (ainda que injurídico), para já permitir cobrir eventuais gastos extras futuros, talvez para aumentar esse incentivo às seguradoras.

Neste contexto, foi apresentado o Projeto de Lei do Senado (PLS) nº 59, de 2016, para estabelecer a obrigatoriedade de prestação de seguro-garantia de 100% do valor do contrato em obras, serviços e fornecimento de bens de valor estimado superior a 200 milhões de reais2.Mais recentemente, surgiu o PLS nº 274, de 2016, que torna obrigatória a contratação integral do seguro-garantia nas contratações acima de 10 milhões de reais – com alcance para a administração pública em todas as esferas3.

O foco de sua justificação, todavia, baseia-se no aumento da adesão contratual da empreiteira e não na questão da corrupção.O argumento principal é que os problemas de atrasos e abandonos de obras públicas se associam, primordialmente, à falta de proteção do Poder Público nos contratos com empresas privadas, atribuindo-lhes a responsabilidade por esse quadro. O seguro-garantia, por não ser compulsório e estar limitado a patamar baixo de cobertura, não incentivaria a execução regular dos contratos, que seria dependente da fiscalização pelas seguradoras. Assim, assume que a fiscalização pública, bem como os pagamentos feitos conforme a execução física da obra ou a aplicação de multas por atrasos contratuais,seriam insuficientes para garantir a execução eficiente dos contratos pelas empresas contratadas, que se caracterizariam por uma ineficiência inerente. Apenas a ampliação do seguro-garantia incentivaria a melhor avaliação de risco pela seguradora e garantiria, assim, o fiel cumprimento tempestivo dos contratos.

Na verdade, essa concepção parte de prerrogativa equivocada acerca do funcionamento do mercado de seguros. A garantia compulsória do valor integral do contrato por seguro não irá incentivar a Seguradora a fiscalizar de perto a obra, pois ela não depende da fiel execução contratual para garantir seu lucro. Isso porque o prêmio cobrado para assunção de risco, independentemente do valor coberto, já embute a expectativa de ocorrência de sinistro, que está atrelada ao risco do segurado e da própria viabilidade inerente ao projeto a ser segurado.Ou seja, o risco contratado fica desde já precificado, independentemente de fiscalização da seguradora em relação ao comportamento efetivo do risco assumido ao longo da maturação do contrato. Para isso, faz a avaliação técnica atuarial do tomador e a análise de histórico mercadológico, bem como dos métodos de controle e gerenciamento de riscos adotados na gestão da empresa. Também é prática comum a análise de risco partir da avaliação de anteprojeto executivo da obra, assim como alterações contratuais posteriores já são objeto de anuência pelas Seguradoras, como estabelece a normatização vigente4.

A ocorrência do sinistro torna-se, assim, uma questão meramente probabilística, já embutida na precificação ofertada pela companhia seguradora. Não há incentivo para uma fiscalização mais de perto pela seguradora – se assim o fosse, já ocorreria dentro dos limites atuais de seguro-garantia da Lei de Licitações, mas é antieconômico tanto para o tomador quanto para a companhia seguradora.

Também se parte de uma visão distorcida acerca da qualidade da gestão nas grandes empresas privadas do País, pois o risco de atraso ou abandono de obra pela empreiteira é desprezível. Daí que a constituição de garantia em parcela de até 100% do valor contratual, e não mais no limite vigente de até 10%, não mudará o nível atual de adimplência contratual a partir do cumprimento fiel do contrato pela empresa privada, simplesmente porque sua adesão já é adequada.

Os dados estatísticos divulgados pela Superintendência de Seguros Privados (Susep) sobre seguro-garantia corroboram essa visão, sugerindo ser baixa a inadimplência de contratações públicas derivada de inadimplência das empresas contratadas: do total de prêmio emitido em 2015 de R$ 1,5 bilhão na contratação de seguro-garantia para o setor público (pago por ele), os sinistros ocorridos totalizaram apenas R$ 54 milhões naquele ano (que é efetivamente devolvido ao setor público). Assim, a cobertura de 100% pode representar um custo da ordem de R$ 20 bilhões apenas com contratação de seguro-garantia, enquanto o retorno aos cofres públicos, derivado da inadimplência da empreiteira, continuará sendo baixo.

Esses dados são coerentes com a realidade empresarial, pois a empresa privada não tem interesse econômico em atrasar a entrega de uma obra, pois sua existência depende da qualidade de seu trabalho. Além disso, no mais das vezes, o causador da paralisação de uma obra ou serviço é o próprio Poder Público, diante de mudanças ou indefinições contratuais, bem como da falta de pagamento por contingenciamento orçamentário. Os atrasos também passam por desacordos comerciais envolvendo questões controversas em que não há como atribuir, de antemão, a responsabilidade exclusivamente ao contratado – como demonstram as inúmeras dessas desavenças que acabam em discussões prolongadas no Judiciário5 –, o que afasta um papel mais amplo ao seguro-garantia.

A proposta de ampliação e obrigatoriedade de cobertura integral do seguro-garantia baseia-se na premissa de que, uma vez que o seguro-garantia cubra valores contratuais mais elevados, as seguradoras teriam maiores incentivos em fiscalizar o andamento dos contratos, constituindo, indiretamente, instrumento de combate à corrupção em obras públicas – mas,para tanto, seria necessário ter ingerência sobre definição de preços. De qualquer forma, é pequena a probabilidade de que a seguradora questione preços que estejam superfaturados. Não há incentivo econômico para esse comportamento, o que inviabiliza a concretização do objetivo dessa proposta.

O próprio conflito de interesse na relação entre seguradora e ente público impõe restrições à atuação da seguradora, pois busca que seu faturamento seja o maior valor possível que possa receber – no caso, preços superfaturados. Ou seja: quanto mais cara uma obra, mais ela ganha. Também não se pode dizer que a Seguradora garantirá o preço mínimo que seja suficiente para a execução do serviço contratado, pois o risco assumido está fixado na apólice, em reais, independente de estar o preço subfaturado ou não6. Daí que a companhia seguradora, dependente dos recursos públicos, não tem espaço suficiente para atuar contra irregularidades promovidas pelos agentes no próprio setor público.

O superfaturamento dos contratos está diretamente associado à dificuldade em definição de preços, dada a singularidade de cada obra e a magnitude dos valores envolvidos, que geram espaço para corrupção. O próprio processo de contratação, baseado em exigências inadequadas, restringe a concorrência e resulta a que apenas poucas grandes empreiteiras do País atuem nesse mercado, o que dá margem à constituição de cartéis, como a Lava-Jato mostrou. A contratação mais ampla do seguro-garantia pode até acentuar essa tendência, que é o cerne da corrupção. No caso da Petrobras, por exemplo, se a Estatal contratar a construção de plataformas com seguro-garantia de 10% ou de 100%, isso não interferirá na definição do preço pago ao contratado, se superfaturado ou não – tão somente impondo custo adicional com o qual a Estatal arcará.

O seguro-garantia integral compulsório traria impactos negativos sobre a concorrência e a concentração de mercado, já que exigiria não apenas um bom perfil de crédito do licitante como, principalmente, elevada capacidade econômico-financeira para prestar contragarantias, em ativos líquidos, às seguradoras, de até 100% do risco contratado – que é da ordem de bilhões de reais para as grandes obras públicas7. Isso inviabiliza, na prática, essa proposta, além de aumentar consideravelmente o custo de contratação pelo Estado, que já é alto.

Por sua vez, atrasos de cronograma já são puníveis com multas estipuladas em contrato, além de imporem, naturalmente, a redução do próprio faturamento e da rentabilidade da empresa pela redução da produtividade. Já há, portanto, incentivos econômicos suficientes para aderência contratual das empreiteiras, assim como ocorre em obras no setor privado – que se baseia na retenção de percentual dos pagamentos mensais da execução da obra e, eventualmente, cobrança de multa por atraso, que funciona muito bem.Trata-se de princípio basilar da execução de uma obra, pois não é de interesse da empreiteira ter sua margem reduzida por falhas operacionais, além de incorrer em maiores custos fixos por ineficiência própria.

Na verdade, estamos falando das maiores empreiteiras do País, que são exportadoras de tecnologia de obras de infraestrutura, com faturamento da ordem de bilhões, com corpo técnico e gerencial composto pelos melhores quadros profissionais disponíveis no mercado de trabalho. Não há porque supor ineficiência, até porque não há racionalidade econômica por trás dessa hipótese. Controle de perda é primordial para a gestão privada, cujo resultado é dependente de sua própria atuação.

Se cabe falar em ineficiência, é muito mais plausível que isso esteja associado a questões inerentes aos processos do próprio setor público como também das próprias características de obras de grande vulto, em que acaba sendo humana e tecnicamente impossível prever a totalidade dos serviços que efetivamente serão necessários, diante dos riscos não quantificados envolvidos. Daí ser da natureza do setor trabalhar com aditivos contratuais para cobrir serviços não previstos inicialmente, diante de riscos geológicos ou de montagem e execução de obras, que podem decorrer de simples reavaliação técnica construtiva, mas que acaba sendo essencial para execução de uma obra – fato reconhecido pelo legislador, que permite a contratação de aditivos, com limites estabelecidos na Lei de Licitações.

Por outro lado, há especialistas que apontam como empecilho a incapacidade de o mercado segurador brasileiro suprir a demanda que seria gerada com a exigência legal de cobertura integral de todas obras públicas no País, especialmente quando envolvem cifras bilionárias. Isso porque o setor securitário opera com base em limites técnicos e operacionais em função do risco assumido, já a partir das diretrizes do Decreto-Lei nº 73, de 1966. Decorre que a capacidade de retenção de risco das seguradoras autorizadas, como função do patrimônio líquido ajustado8, mesmo com operações estruturadas, mostra-se insuficiente nesses casos.

A própria abertura do mercado de resseguros doméstico, em 2007, esteve associada a essa mesma necessidade de contratação de seguros de grandes obras públicas, incluindo os investimentos bilionários no Pré-Sal. À época, já se considerava limitada a capacidade do setor privado de seguros de garantir grandes projetos governamentais – dúvida que ainda é relevante, sendo o percentual de até 30%, e opcional, uma alternativa mais crível, defendida pela Susep na revisão da Lei de Licitações9.Também é considerado viável pelo mercado de seguros, sendo o patamar praticado em países europeus10.

Há, portanto, dúvidas consistentes que questionam a viabilidade e utilidade da criação de novo mercado cativo para o mercado segurador –uma opção que foi afastada quando das discussões da criação da Lei de Licitações – para o fim almejado de combate à corrupção. Seguro constitui tão somente garantia adicional ofertada ao contratante, que encarece a obra pública – reduzindo a já baixa capacidade de investimento do setor público, mais grave para os Estados deficitários e Municípios pequenos já com baixa capacidade de resposta às demandas sociais –, além de, infelizmente, não constituir a panaceia contra a corrupção no Brasil. O assunto envolve uma série de outras questões institucionais, como, por exemplo, o preenchimento dos quadros de direção no Executivo por critérios políticos e não técnicos.

De qualquer forma, de modo similar às propostas de ampliação do seguro-garantia, também seria esperado que a cobertura mais ampla de garantia da modalidade da fiança bancária traga os mesmos benefícios. Isso daria ao Banco o mesmo incentivo para impor o fiel cumprimento dos contratos públicos e reduzir a corrupção, além do benefício adicional de evitar a criação de monopólio legal para o setor de seguros – ainda que sofra de suas mesmas limitações intrínsecas como mecanismo anticorrupção.

Uma alternativa mais crível pode estar na remodelagem da superveniência dos órgãos de controle interno e externo do setor público, já constituídos e com expertise operacional. A adoção de uma solução doméstica, baseada na atuação just in time, e não ex post, da CGU ou do TCU pode ser adequada. A reconfiguração da atuação desses órgãos de controle não apenas apresenta o melhor custo-benefício como também supera o conflito de interesse inerente à introdução de uma seguradora como juiz de contratos públicos. Isso pode ser efetivamente eficiente.

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1 Entre outras, ‘Simples e Eficiente’, Editorialda Revista VEJA, de 13 de janeiro de 2016; ‘Seguro contra atrasos’, reportagem na edição de 20 de janeiro de 2016; ‘Fórmula anticorrupção’. Entrevista com Modesto Carvalhosa, edição de 2 de março de 2016.

2 Do Senador Eduardo Amorim.

3 Do Senador Cássio Cunha Lima.

4 Circular Susep nº 477, de 2013

5 A recente MPV nº 678, de 2015, que reconhece a matriz de riscos como instrumento para estimar o valor de contratação de obra, introduz mecanismo de arbitragem para resolução de disputas no âmbito das contratações públicas, o que reduzirá o tempo de paralisação das obras públicas.

6 Inexiste a possibilidade de contratação de seguro acima do valor (subfaturado) do contrato inicial de execução de obra, que fica atrelado ao seguro – sob pena de enriquecimento sem causa do Setor Público, no caso.

7‘Performance bonds’, artigo de Jairo Saddi, Jornal Valor, edição de 28 de março de 2016.

8 Resolução CNSP nº 321, de 2015.

9 Veja em: http://www.sonhoseguro.com.br/2015/01/joaquim-levy-aprova-o-projeto-nova-susep-mas-quer-seguradoras-como-investidores-institucionais/

10 Veja em:

http://www2.camara.leg.br/camaranoticias/radio/materias/RADIOAGENCIA/494242-DEBATEDORES-DEFENDEM-AMPLIACAO-DO-SEGURO-GARANTIA-PARA-OBRAS-PUBLICAS-LICITADAS.html

 

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Novos Pilares de Responsabilidade Fiscal https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=2767&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=novos-pilares-de-responsabilidade-fiscal https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=2767#comments Mon, 18 Apr 2016 13:07:46 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=2767 A flexibilização da austeridade e a concomitante deterioração das contas públicas demonstram que a manutenção do equilíbrio fiscal ainda depende de novos avanços orientados ao fortalecimento do ambiente institucional público. Trata-se não de medidas conjunturais de contingenciamento de gastos, mas do estabelecimento de marcos complementares aos inicialmente introduzidos pela Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF).

Na nossa história econômica recente, a LRF constitui um dos mais relevantes marcos para o equilíbrio das contas públicas. A partir dos anos 2000, a busca pelo equilíbrio das contas públicas deixou de ser apenas um discurso e passou a estar efetivamente institucionalizada como um próprio código de conduta fiscal de observação cogente pelos gestores públicos em todos níveis federativos, com destaque para os limites de despesas de pessoal e de endividamento que passaram a ser regra rígida.Contudo, pilares institucionais como o conselho de gestão fiscal não foram ainda constituídos. Da mesma forma, a indefinição quanto ao limite do montante da dívida consolidada da União, exigido pelo art. 48, XIV, da Constituição, coloca em relevo a atuação do Legislativo nesse assunto.

 

Conselho de Gestão Fiscal e Instituição Fiscal Independente

A LRF estatuiu que o acompanhamento e a avaliação, permanente, da política e da operacionalidade da gestão fiscal devem ser realizados por um conselho de gestão fiscal (CGF). Esse seria constituído por representantes de todos os Poderes e esferas de Governo, do Ministério Público e de entidades técnicas representativas da sociedade, nos termos de lei ordinária (§ 2º do art. 67 da LRF). Referida lei, contudo, não foi editada e o CGF não foi instituído, passados mais de 15 anos após a edição da LRF.

Isso se explica pela composição do Conselho. Nos termos definidos pelo Projeto de Lei (PL) nº3.744, de 2000, de iniciativa do Poder Executivo1, em tramitação na Câmara dos Deputados desde sua apresentação, os potenciais conflitos de interesse entre partes interessadas na expansão e controle do gasto acabariam afastando uma formatação técnica, como esperado para esse tipo de instituição de controle. Tamanha abrangência e diversidade de participantes poderia ser problemática do ponto de vista da convergência de interesses, tendo em vista, ainda, que a responsabilidade precípua pelo desempenho fiscal é do governo federal. De fato, no lado do governo, a composição deveria estar restrita a quadros do Executivo, que é o responsável por consolidar e apresentar as peças orçamentárias2 – lembrando que essa é a lógica observada na política monetária, desde a edição do Plano Real em 1994, para a composição do Conselho Monetário Nacional, cujos membros são agentes do Executivo Federal.

Recentemente, entretanto, a concepção de conselho de gestão fiscal acabou perdendo força,diante dos debates em torno da Instituição Fiscal Independente (IFI). Essa alternativa passou a ser discutida pelo Senado Federal, em 2015, e foi recentemente aprovada em 2016, nos termos do Projeto de Resolução do Senado nº 61, de 2015. Esta terá caráter técnico e auxiliará o Senado em sua competência de fiscalização do Executivo, reforçando o acompanhamento legislativo das contas públicas, que hoje carece de uma institucionalidade mais efetiva, como demonstra o não funcionamento, ainda que regimentalmente previsto, dos subcomitês permanentes de Fiscalização da Execução Orçamentária e da Avaliação da Receita no âmbito da Comissão Mista de Planos, Orçamentos Públicos e Fiscalização (CMO), vis-à-vis a existência de constrangimento político e de conflito de interesse na relação entre parlamentares e Governo.

No sistema presidencialista, essa autonomia da IFI em relação ao Executivo pode ser considerada mais adequada do que a instituição de um conselho de gestão fiscal composto por quadros do próprio Executivo, composição que conflitaria com o princípio básico de gestão de recursos financeiros, que impõe a execução das funções de execução e controle em pessoas distintas. A IFI pode efetuar controle just in time sobre as contas públicas, em complementação às prerrogativas do Tribunal de Contas da União (TCU), cuja atuação possui ótica essencialmente ex post, ou de julgamento de contas efetivamente realizadas pela União, e à própria CMO.Além disso, a IFI pode ocupar papel central não apenas no controle das contas pelo Legislativo, como também na própria etapa de aprovação das peças orçamentárias anuais, seguindo o exemplo do veterano Congressional Budget Office dos EUA.

De fato, no âmbito global, o estabelecimento de instituições fiscais independentes tem representado uma das principais tendências, tendo sido criadas para controlar a expansão ampla do setor público, como resposta anticíclica que caracterizou o pós-crise 2008 nas economias centrais. Visam robustecer o arcabouço institucional para garantir o equilíbrio duradouro das contas públicas, bem como sinalizar um compromisso tempestivo em prol da sustentabilidade fiscal – finalidades que são aplicáveis e apropriadas também para o setor público brasileiro. No atual momento fiscal doméstico, a constituição de uma instituição técnica como a IFI representa uma possibilidade de elevar a qualidade do debate público sobre a política fiscal, a partir da promoção de maior grau de adequação orçamentária, prestação de contas e accountability.

Isso decorre de sua competência, dentre outras, em estimar parâmetros e variáveis relevantes para a construção de cenários fiscais e orçamentários, com base técnica e não política – por definição, mais crível –, reduzindo a politização em torno das projeções orçamentárias de receitas e despesas. No limite, pode até contrapor a reiterada superestimativa de receitas orçamentárias, que ocorre tanto no âmbito do Executivo quanto no próprio Legislativo, até como meio para dar margem à introdução das emendas impositivas. Com caráter técnico e apartidário, a IFI pode impor maior custo político à eventual indisciplina fiscal,já a partir do processo legislativo orçamentário, estimulando a adoção de políticas fiscais mais sólidas com base em peças orçamentárias mais críveis. Isso pode até evitar casos de revisão de meta fiscal como a que estamos vendo, decorridos apenas poucos meses de execução orçamentária – não que a revisão ao final de um exercício proporcione alguma credibilidade à gestão pública.

Quando falamos em responsabilidade fiscal, o foco sempre esteve voltado à execução financeira da programação orçamentária, mas o ciclo fiscal é mais amplo e começa já a partir das definições e estimativas das peças orçamentárias. Na verdade, a falta de sinceridade na fixação da despesa e na previsão da receita é um grande desafio do orçamento público – por isso o processo legislativo orçamentário deve ser tutelado por um sistema adequado de freios e contrapesos. A integridade e a qualidade das projeções orçamentárias, do planejamento fiscal e, posteriormente, da execução orçamentária devem ser promovidas mediante rigorosa aderência ao conceito de qualidade do gasto público, partindo da reestimativa séria de receitas anuais no Congresso. No presidencialismo de coalizão, a IFI pode mitigar o descompromisso dos parlamentares com o ciclo fiscal, muito mais afetos a ganhos políticos de curto prazo do que com o efetivo controle fiscal-orçamentário.

 

Limite Constitucional para a Dívida Consolidada da União

A responsabilidade fiscal em muito se sustenta em “regras de teto”, que estabelecem limites ou metas quantitativas claras para agregados relevantes como despesas de pessoal, resultados primário ou nominal e dívida pública. São mecanismos de gestão que visam atender à preocupação clássica que diz respeito ao controle de dívida e déficits excessivos.

Ao lado do que já ocorre para os outros entes federados, a regra de “convergência” da dívida da União constitui limitação prudencial e ao mesmo tempo terminativa para o endividamento público federal, nos termos do projeto de Resolução do Senado Federal (PRS) nº 84, de 2007, ainda em tramitação, que propõe a fixação delimite para a dívida federal. A proposição, gestada logo após a introdução da LRF, nada mais constata que há limites para o financiamento do Estado, que precisa estar dentro de uma trajetória crível. Naturalmente, o efeito esperado do indicador proposto é a limitação dos gastos públicos, caminho que o próprio mercado já apontou pelo rebaixamento do grau de risco da dívida soberana brasileira – custo com externalidade negativa para a economia brasileira como um todo, que teria sido evitado diante de um limite já posto legalmente.

Uma preocupação refere-se à factibilidade e ao impacto do nível de endividamento definido – de 4,4 RCL para a dívida bruta –, ainda que seja bem mais amplo do que o estabelecido para os Estados e Municípios (de 2 e 1,2 RCL, respectivamente), para comportar suas atribuições de gestão macroeconômica.Ainda que a definição do indicador envolva incerteza, trata-se de um número crível, que é bem superior ao valor inicialmente apresentado na proposta inicial do Executivo, de 3,5 RCL quando o endividamento estava na ordem de 2 RCL e a preocupação era de ser muito elevado e estimular ainda mais o endividamento da União. O cenário, hoje, é outro, com a deterioração do estoque da dívida para o patamar de 6 vezes a RCL, mostrando a conveniência e a necessidade do novo limite legal.

A sistemática para alcançá-lo mitiga eventual descompasso maior ao setor público, pois, de acordo com a proposta em tramitação, a convergência da dívida com a implementação da regra será gradual em horizonte temporal amplo de 15 anos, com o limite proposto sendo atingido apenas após 2030.Essa sistemática é consistente ao indicar um caminho longo de convergência fiscal, com a proporção de redução de 1/15 por ano,que equivale a menos de 1,5% do PIB – o próprio histórico de esforço fiscal e geração de superávit primário (com valores chegando a 3% do PIB) mostra capacidade de adequação e convergência do setor público.Além disso, traz ressalvas e condições de flexibilização fiscal em situações adversas, uma sistemática que já encontra respaldo na própria LRF.

De fato, há uma tendência global de estabelecimento de regras fiscais múltiplas, controlando mais de um agregado de política fiscal não apenas no curto prazo, como se observa nas economias centrais. O mais comum são regras que controlam o resultado fiscal e a dívida pública simultaneamente, mas, no caso da Europa, mergulhada em grave situação fiscal a partir da crise de 2008, o descontrole orçamentário e da trajetória de endividamento forçou a imposição de um novo conjunto de regras para a convergência e disciplina fiscal, especialmente nos países do Sul, voltadas para a própria estabilização e manutenção do regime monetário da zona do Euro. O Pacto Fiscal Europeu,complementou, em 2012, as regras do Tratado de Maastricht (1992) – que estabeleceu limite de endividamento bruto de 60% do PIB e restringiu o déficit nominal nos países-membros a 3% do PIB. Assim, estipulou limite de 1% do PIB para o chamado déficit nominal estrutural (um indicador de balanço fiscal de médio prazo, ajustado a variações do ciclo econômico), se o estoque da dívida é inferior a 60% do PIB, ou 0,5% do PIB, caso maior. Também faz parte desse pacto fiscal um mecanismo automático de correção, caso seja detectado desvio significativo da meta ou da respectiva trajetória de ajustamento – o que reforça o comprometimento, ex ante, dos governos em cumpri-las, na mesma linha do que está sendo proposto no PRS nº 84, de 2007.

Endividamento público é salutar tanto para o Estado quanto para o agente superavitário e a própria economia, mas encontra limite no tamanho e na trajetória da dívida.Daí que o limite de endividamento proposto pode ser benéfico para corrigir a trajetória de gastos, especialmente se indicadores de esforço primário e, mais ainda, resultado nominal, estabelecidos anualmente, estão sendo reiteradamente desconsiderados ou revisados. Por estar na competência privativa de controle do Senado, esse indicador terá maior estabilidade institucional para equacionar a dívida em uma trajetória sustentável no médio e longo prazo.

O projeto original dessa regulamentação, de 2000, do Executivo, foi desdobrado, no Senado, em duas proposições[3], uma que cuida da União e outra, dos demais entes federados. Esta segunda parte se transformou na Resolução nº 40, de 2001. Assim como o PL nº 3.744, de 2000, que tramita na Câmara, esta também se encontra praticamente no estágio em que foi apresentado – o que sugere uma simetria entre Senado e Câmara evidenciando que os impedimentos à tramitação desses temas não têm cores partidárias.

 

Nova Lei de Finanças Públicas

Também tramita no Senado Federal o Projeto de Lei Complementar (PLS) nº 229, de 2009, que visa introduzir nova lei geral de finanças públicas. O texto estabelece normas sobre orçamento, controle e contabilidade pública, além de contemplar temas como planejamento e orçamento; execução orçamentária; contabilidade e classificação da receita e da despesa. Também abrange aspectos relativos ao reconhecimento e pagamento de obrigações de exercício anterior, e diretrizes contábeis aplicáveis a fundos públicos.

Sua introdução deverá beneficiar o próprio processo legislativo orçamentário nacional, à medida que incorporará várias regras de cunho normativo geral, isto é, aplicáveis também para as demais esferas federadas, além de normas já aplicadas na esfera federal,que são, a cada ano, inseridas nas leis de diretrizes orçamentárias e que já deveriam estar consolidadas como regramento perene.

É relevante a nova regra de que a estimativa de receita orçamentária que o Poder Legislativo aprovar na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) deverá ser mantida tanto nesse projeto quanto no texto da Lei Orçamentária Anual (LOA) enviado para sanção presidencial – mecanismo que visa tornar mais crível o processo de previsão orçamentária das receitas, contrapondo-se ao viés altista não só do Executivo como do Legislativo para abarcar as emendas impositivas. O projeto também reformula o Plano Plurianual (PPA) para simplificá-lo com base no programa de governo eleito com o novo Presidente da República, acabando com o descasamento entre mandato presidencial e PPA.

Na esfera do planejamento, o Sistema Nacional de Projetos de Investimento agregará os dados dos sistemas dos municípios com mais de 200 mil habitantes, constituindo banco de dados único de projetos, cuja inclusão será pré-requisito para inserção no orçamento de cada ente federado. Esse mecanismo reforçará o papel da LDO, com a finalidade de os governos de todas as esferas federadas passarem a fazer um planejamento fiscal de médio prazo consistente, deixando de assumir obrigações futuras sem fontes de financiamento definidas. Para isso, prevê a projeção de todas obrigações já contratadas ou esperadas para os anos seguintes e, a partir da meta fiscal definida, a determinação do espaço disponível para novos projetos, contemplando que os projetos anteriormente aprovados sejam adequadamente observados. Esse detalhamento maior permitirá aprovar somente o que seja efetivamente viável em ser iniciado na prática.

 

Medidas Legislativas Complementares

A responsabilidade fiscal tem na apreciação das contas do Presidente da República pelo Congresso importante pilar institucional, mas a prerrogativa parlamentar acaba esvaziada se for intempestiva – como mostra as contas do governo Collor (1990-1992) que ainda aguardam parecer. A falta de prazos para apreciação de contas destoa do prazo fixo de 60 dias para apresentação das contas pelo Presidente da República e do prazo de 60 dias para emissão de parecer pelo TCU. O estabelecimento de prazo específico é uma necessidade para o exercício tempestivo da função fiscalizadora do Congresso Nacional, uma de suas prerrogativas básicas. Isso porque eventual reprovação de contas, por exemplo no primeiro semestre do ano seguinte ao ano de prestação das contas, pode constituir fato político relevante, além de subsidiar a sociedade sobre a qualidade do gestor público, permitindo-lhe formar melhor julgamento acerca da conveniência da reeleição de um político ou não. Trata-se de importante omissão de controle fiscal.

Também decorre daí a necessidade de sanção mais efetiva a políticos com contas reprovadas. Sanções de baixo custo ao agente político são ineficazes para coibir crime de responsabilidade, ou o desvio da conduta esperada do gestor público. No caso,a sanção de inelegibilidade política do mandatário com contas reprovadas não afeta o curso do próprio mandato, o que não gera uma preocupação tempestiva de curto prazo para o político, nema concomitante aderência às normas de finanças públicas. Talvez seja a hora de aprimorar as regras de gestão com foco nesse horizonte temporal.

O equacionamento da prática de contingenciamento e do uso da rubrica de Restos a Pagar (diante da falta de limite quantitativo específico) também merece avaliação, para valorizar a função de planejamento dos gastos. Se, por uma via, o contingenciamento é medida preventiva que favorece o equilíbrio das contas, sua utilização excessiva compromete a qualidade do gasto, distorcendo o planejamento das ações públicas, em especial por congelar, prioritariamente, despesas de investimentos, o que emperra o desenvolvimento. Sua prática reiterada mostra um enfraquecimento do PPA, que é o instrumento estratégico de investimentos. Hoje, o abuso do contingenciamento desarticula a execução orçamentária ao longo do exercício, que acaba, muitas vezes, concentrada no final do ano, quando sobra pouco tempo para se realizarem as despesas de forma eficiente e racional. Na prática, o Executivo costuma reter os recursos durante o exercício para, após a certeza do cumprimento das metas, pela realização da receita estimada, já próximo ao fim do ano, liberá-los em grandes quantidades para que sejam realizados. Este procedimento leva a sérias dúvidas quanto à qualidade do gasto e à observância do planejamento orçamentário, ensejando licitações aceleradas e preços oportunamente elevados pelos fornecedores.

Um aspecto importante do contingenciamento e da acumulação de contas a pagar no exercício fiscal seguintes é que acaba constituindo um segundo orçamento para competir com o novo orçamento aprovado. A existência de valores expressivos em Restos a Pagar indica, por definição, que será feito novo contingenciamento no ano fiscal seguinte, o que é ruim não apenas para o setor público como para a organização do próprio setor produtivo privado que é contratado. Nesse caso, a prática reiterada e abusiva do poder de contingenciamento e a não execução das despesas orçamentárias previstas acaba transformando o orçamento em uma peça de ficção, pois muitas das despesas previstas simplesmente deixam de ser executadas, ou apenas pagas. Ainda que o contingenciamento seja uma resposta do Executivo ao excesso de autorizações orçamentárias do Legislativo com base em superestimação da arrecadação, o fato é que Congresso Nacional e sociedade acabam não contando com o planejamento orçamentário para direcionar as ações públicas que serão efetivamente realizadas.O processo de planejamento precisa trazer previsibilidade dos gastos e resgatar a credibilidade e a importância do orçamento como mecanismo central da ação pública, que acaba sendo chamado, de forma pejorativa, como mera “carta de intenções”.

O ciclo fiscal é mais complexo do que apenas a etapa de execução dos gastos, pois parte do planejamento orçamentário, de receitas e despesas em equilíbrio, quando da elaboração das peças orçamentárias (com observação das regras de teto), e vai até a fiscalização e aprovação posterior das contas pelo Legislativo. Daí a capacidade de pilares como instituição fiscal independente,limite de endividamento federal e a introdução de novas normas de controle de finanças públicas,como citado, constituírem mecanismos institucionais críveis, que complementarão o arcabouço normativo atinente à gestão fiscal e conduzirão a gestão pública a uma trajetória de maior qualidade e sustentabilidade.

_____________

1http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=20145
2Nesse sentido, o projeto de lei do Senado nº 141, de 2014, tramita para corrigir a fixação de uma composição geral excessivamente extensa ao CGF, com vistas a definir a composição do conselho de forma mais simples.
3http://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/44833

 

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É benéfica a supressão do terceiro dígito em preços de combustíveis? https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=2438&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=e-benefica-a-supressao-do-terceiro-digito-em-precos-de-combustiveis https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=2438#comments Mon, 16 Mar 2015 14:45:51 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=2438 Introdução

A definição de preços em milésimos de reais é prática comum do setor varejista de combustíveis. Todavia, existe o argumento de que não seria adequado sob a ótica consumerista, sob a alegação de que não permitiria formar ideia precisa de valor do produto vendido.O contratempo decorreria da própria insignificância de um milésimo de Real, tornando impossível constituir noção de valor e comparar preços de produto se serviços. Isso não ocorreria com preços expressos com até duas casas decimais, expressos no padrão legal, de uso generalizado. Com efeito, um milésimo de Real, ou R$ 0,001, é um número muito pequeno, e não faz parte do meio de pagamento corrente das transações diárias.

O assunto não é mesmo pacífico, tendo ensejado ações judiciais. O Judiciário já se pronunciou contrário a ações estaduais que buscam restringir a fixação do preço a duas casas decimais. Em Mato Grosso do Sul, um acordo chegou a ser firmado entre o Sindicato dos Postos de Combustíveis (Sinpetro-MS) e o Ministério Público Estadual (MPE) para garantir a legalidade do terceiro decimal pelos postos de combustíveis.

Cabe questionar se a supressão do terceiro dígito constitui medida benéfica para o consumidor. O presente texto argumenta que não.

 

Aspectos legais e racionalidade subjacente de preços com fracionamento especial

ALei nº 9.069, de 29 de Junho de 1995 (“Lei do Real”), sempre permitiu a prática de mais de duas casas decimais, ainda que como exceção à regra geral. O fracionamento especial é usado para fixar preço de unidades de referência que servem para compor o cálculo do preço que será pago ao final. Dificilmente representa uma quantidade efetivamente comprada pelo consumidor. Mercado financeiro – especialmente para cotação de câmbio –, e de capitais – principalmente para cotação de ações e fundos mobiliários –, comumente adotam expressão monetária com mais de duas casas decimais. A Ptax800, taxa de câmbio oficial do Bacen e principal referência de preço da moeda nacional, é divulgada com quatro casas, por exemplo. E isso possui sentido, pois constitui preço-base para transações envolvendo cifras elevadas e troca de grandes quantidades referenciadas na taxa divulgada. Na conversão de milhares de reais em dólares, por exemplo, a terceira casa decimal faz diferença no valor final da transação. É, de fato, muito comum e não confunde ninguém.

Na esfera pública, verifica-se cobrança de tributos, pela Secretaria da Receita Federal (SRF), também com base em mais de duas casas decimais, por exemplo para o PIS e Cofins sobre o litro de bebida. Não constitui prática abusiva nem gera confusão alguma para os contribuintes. Serve também para referenciar preços em contratos de concessões públicas. A Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) chega a utilizar valores com cinco casas decimais para precificação de tarifa de pedágio em rodovias federais concedidas, com base em quilômetro. Trata-se de prática comum de formação de preço baseada em cálculo econômico, cuja precisão é necessária diante da repercussão econômico-social. Pode-se, portanto, afirmar que possui caráter favorável para uma economia de mercado: quanto melhor definido é o preço, mais eficiente torna-se uma economia baseada em trocas.

Ocorre, também, na cobrança de preço em estacionamentos públicos com base em milésimos de real por minuto. Possui, da mesma forma, racionalidade econômica favorável ao consumidor. Ao permitir o pagamento com base em unidade de referência (temporal) menor, cria-se o benefício da maior precisão e constituição do preço justo. Isso permite que não se pague hora cheia sem se usufruir do correlato serviço. Não ocorre, assim, o que se costuma chamar de “enriquecimento sem causa”, que se refere ao pagamento sem a devida contraprestação em produto ou serviço.

No setor econômico específico de distribuição de combustíveis, a ANP não apenas autoriza como determina a cobrança de três casas decimais para o consumidor nos postos de combustíveis. De acordo com a Resolução ANP nº 41, de 5 de novembro de 2013,

“Art. 20. Os preços por litro de todos os combustíveis automotivos comercializados deverão ser expressos com três casas decimais no painel de preços e nas bombas medidoras” (grifo adicionado).

A política de informação de preços segue, portanto,determinação regulatória federal.A medida justifica-se em decorrência de que “diversos itens da estrutura de preços não têm representatividade com apenas duas casas decimais”. De fato, o preço da gasolina é calculado com base em custos de produção, de distribuição e de revenda. Para tanto, o uso de três dígitos favorece o cálculo econômico, especialmente porque permite competitividade entre as empresas de frete, que cobram com base no litro transportado, por exemplo. A competição via preço ocorrerá com base nessa unidade de referência. Nesse caso, cada milésimo de real faz diferença para o preço total do caminhão, para o transporte em grande escala.

Porém, para o pagamento da compra, o valor total final será quitado considerando-se apenas duas casas decimais, desprezando-se a terceira – ou seja, sem arredondamento para cima, seguindo determinação legal e regulatória. Não há prejuízo ou cobrança indevida alguma: mesmo com precisão de milésimos, só se paga com reais e centavos de reais.Assim, por exemplo, uma compra de 41 litros de gasolina a R$ 3,459 por litro resultará em preço com apenas duas casas decimais significativas, conforme abaixo:

img_2438_1

Forma ainda mais comum é a compra de combustível equivalente a uma quantia em Reais. Por exemplo, o abastecimento de 50 reais de gasolina, com o preço de R$ 3,459 por litro, resultará na compra efetiva de 14,45 litros.

Ainda que possa parecer que não, para um produto com valor unitário baixo, uma casa decimal a mais faz diferença no preço total. Tanto para o ofertante como para o consumidor, a terceira casa decimal impõe diferenciação entre os preços praticados no setor. Na verdade, ainda que possa dificultar a comparação de preços entre os postos de combustíveis (o consumidor se vê obrigado apela memorização do terceiro dígito pelo consumidor), há argumentação de que permite a comparação de preços da mesma forma que se faz para produtos de valor unitário mais elevado. Um preço a R$ 3,459 é e sempre será maior do que outro a R$ 3,458, por definição matemática, e qualquer cidadão com ensino primário pode constatar. Comparar um produto que custa em torno de R$ 3,459 com similares constitui o mesmo processo de comparação de produtos de R$ 1,99 ou de R$ 1.999 com outros de mesma faixa de preço. A diferença será proporcional à unidade do preço de referência – se centavos ou milésimos, ou dezenas e centenas de reais.

Agora, a proibição do uso de três casas não tem capacidade suficiente para, per se, alterar a prática de preços do setor. Ocorre que se está diante de um setor com forte inelasticidade-preço de demanda, o que impõe maior poder de mercado ao ofertante, por definição1.Isso sem falar nas fortes suspeitas de cartelização na definição do preço, que tem sido objeto de sucessivas investigações pelos órgãos de preservação da concorrência.

Na verdade, como os preços vigentes no setor apresentam, via de regra, o dígito “9” na terceira casa, eventual proibição do fracionamento milesimal gerará arredondamento de preços para cima. Nesse caso, o preço de mercado modal de Brasília, que é de R$ 3,459, não cairá para R$ 3,45, mas subirá para R$ 3,46 em decorrência apenas de ajuste regulatório impedindo preços com três casas decimais. Mantidas todas as demais condições constantes, não se espera que um preço cotado a R$ 3,459 ou a R$ 3,455 caia a R$ 3,45. Não há porque perder margem ou faturamento em um setor econômico caracterizado pela baixa concorrência.A regra é a do tabelamento de preço, ainda que informal.

Nesse cenário, não é plausível esperar queda de preço. Assim, para o abastecimento de 41 litros, não há como o consumidor “ganhar”, ou deixar de pagar R$ 0,36, apenas pelo afastamento do terceiro dígito. Ele vai, no mínimo, pagar mais R$ 0,05.Note que, ainda que possa parecer pequena a diferença, a supressão do milésimo seria financeiramente negativa para o consumidor. Para 41 litros de gasolina à cotação unitária de R$ 3,46, paga-se o total de R$ 141,86 e não de R$ 141,81 calculado com o preço unitário com três casas, a R$ 3,459. É uma diferença a maior, ainda que de apenas quatro centavos, conforme ilustrado abaixo.

img_2438_2

Supondo um motorista que em média gaste 100 litros de gasolina por mês, isso significa majoração de somente R$ 1,2 ao ano. Mas considerando a frota de carros do País,que ultrapassa 50 milhões de unidades, isso significa ganho de faturamento da ordem de R$ 60 milhões por ano. A maximização do bem-estar do consumidor ocorrerá com preços calculados com três casas decimais, e não duas.

A legislação consumerista não pode apontar um caminho regulatório que vai de encontro ao interesse do consumidor, por definição, impondo tendência de majoração de preços. Não se pode afirmar que seja benéfica a proibição do terceiro dígito de preços para o motorista urbano médio, sendo mais provável a hipótese contrária. O mesmo raciocínio é ainda mais válido para o setor de transporte de cargas terrestres, já que é maior o consumo de combustível por esse segmento.A base de transporte de cargas no País é estruturada sobre o modelo rodovia-caminhão, e o combustível é preço administrado com alta representatividade na formação de custos domésticos, com alto índice de repasse para os demais preços. No limite, pode-se imprimir viés inflacionário, a ser repassado a uma série de outras cadeias produtivas.

Há indícios de que o consumidor médio tem noção da irrelevância do milésimo de real para diferenciação de preço. Veja a prática da falta de troco na economia na magnitude dos centavos. Isso é muito comum em caixas de supermercado e também pelo comércio em geral, mas não apresenta relevância sistêmica. É socialmente aceitável a imprecisão do troco na magnitude de centavos nas trocas diárias com dinheiro em espécie. Se centavos de Real não são relevantes para o cidadão comum, milésimos não podem ser. Da mesma forma que para a cotação de câmbio, o consumidor não memoriza os milésimos de reais para fins comparativos de preços, pois não há relevância – daí ser desnecessário gravar-se mais do que dois dígitos, em ambos os casos. Simplesmente porque não faz diferença econômica.

Isso aponta que a preocupação com o milésimo não constitui questão estritamente econômica. Não se trata nem mesmo de questão legal, pois o Real é divisível além de centavos, para permitir cálculo econômico mais preciso. Daí chega-se ao predomínio da ótica consumerista, de que a prática de preços induziria a se achar que o preço é menor, em decorrência da leitura apenas de duas e não de três casas decimais – ainda que não faça diferença de facto e seja, na verdade, favorável para o consumidor.

Há, sobretudo, uma visão de que a prática constitui propaganda que confundiria o consumidor. A preocupação funda-se também no fato de que o terceiro dígito após a vírgula não representa valor monetário que realmente expressa preço inteligível. Decorreria, daí, dificuldade para formação de noção de valor, com prejuízo para comparação de preços, base de escolha do consumidor.Um argumento é que se se adquirir um litro de combustível, o fornecedor não teria como devolver R$ 0,001 de troco, porque não existe esse fracionamento de moeda em circulação.

Entretanto, trata-se de questão muito mais teórica do que prática. Além de não se parar num posto de combustível para comprar um litro apenas, a lei e a regulação são claras quanto à forma de cobrança do produto com apenas duas casas decimais. Por fim, dificilmente o posto de gasolina teria moedas de R$ 0,01 para dar de troco. Assim, mesmo que o preço do litro seja anunciado e cobrado com três casas, no resultado final será sempre desprezado o que ultrapassar a casa dos centésimos. Na hipotética compra de um litro de combustível, cujo preço está em R$ 3,459, paga-se apenas R$ 3,45.

 

Considerações finais

Por fim, um argumento adicional seria que a exibição de preços de combustíveis com unidade de milésimo em fonte menor que as demais constituiria prática abusiva, já que destacaria apenas parte do preço – até os centavos. Isso criaria falsa sensação de que o produto é mais barato do que realmente está sendo cobrado: um produto de R$ 3,459, teria destaque até R$ 3,45. Todavia, trata-se de prática geral de comércio varejista e também muito comum nos supermercados, carregando uma racionalidade subjacente. Qual seja: a de destacar a parte do preço de maior relevância, justamente da parte que realmente importa para o consumidor poder assimilar e comparar com sua capacidade econômico-financeira.

Na verdade, é benéfica tal prática tanto para o consumidor – que assimila a parte relevante do preço – quanto para o fornecedor – pela maior sensibilização do cliente, com efeito sobre a demanda efetiva.A definição de preços com três casas decimais impõe maior precisão e eficiência a uma economia de mercado – possuindo finalidade econômica e financeira. É desnecessária, portanto, a proibição de fracionamento especial de preços no setor de combustíveis, sob pena de impor prejuízos aos agentes econômicos.

 

(Este texto é baseado no estudo “Adequação Regulatória e Racionalidade de Preços de Varejo de Combustíveis com Três Casas Decimais” – Boletim do Legislativo nº 23 do Núcleo de Estudos e Pesquisas da Consultoria Legislativa do Senado, disponível em: http://www.senado.gov.br/estudos)

_______________

1 Veja o caso recente do cartel de postos no Maranhão. Disponível em: http://blogs.diariodepernambuco.com.br/economia/?p=19386. Acesso em: 21 fev, 2015.

 

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Quem deve ficar com as receitas do ISS incidente sobre cartões magnéticos? https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=2409&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=quem-deve-ficar-com-as-receitas-do-iss-incidente-sobre-cartoes-magneticos https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=2409#comments Mon, 02 Mar 2015 14:38:19 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=2409 Introdução

O Imposto Sobre Serviços (ISS) é de competência municipal, sendo arrecadado pela cidade onde está registrada a empresa prestadora do serviço. Ocorre que novas tecnologias têm ampliado o alcance dos serviços prestados por organizações empresariais, o que tem gerado discussões em torno da competência tributária para arrecadação do ISS sobre vários serviços elencados na “Lei do ISS” (Lei Complementar nº 116, de 2003).

Empresas registradas em um determinado município acabam prestando serviços em várias outras cidades. Assim, por exemplo, uma empresa de locação de veículos com sede no município A, que alugue carros que circulam no município B, acaba por usar serviços públicos providos por este último, mas só paga impostos ao município A. Os casos mais notórios têm envolvido serviços relativos a operações de leasing e à administração de planos de saúde, na busca da repartição do tributo com base onde o serviço é de fato demandado, adquirido e usufruído.

Há preocupação também com a repartição do imposto sobre cartões magnéticos, calculado com base no preço do serviço de intermediação financeira – este, via de regra, um percentual sobre os gastos comandados por meio do cartão. Hoje, a arrecadação do ISS imponível a esses serviços está concentrada em alguns poucos Municípios, diante do pequeno número de administradoras e credenciadoras de cartões, que transferiram seu domicílio fiscal para municipalidades cuja cobrança do ISS fosse mais favorável. São poucas, portanto, as unidades federativas que se beneficiam do uso generalizado de cartões como meio de pagamento ocorrendo em todos os Municípios do País – e também fora, no caso de uso de cartões no exterior.

Daí a natureza justa e distributiva das proposições em análise pelo Congresso Nacional. Basicamente, propõem repartir o ISS com base no local “onde for efetuada a operação”, ou “onde esteja instalado o terminal de vendas (POS)”, para as operações realizadas com o uso de cartões. É a mesma ótica da proposta de redistribuição do ICMS em consonância com o “princípio do destino”, que estabelece o local de consumo do bem ou serviço, e não sua origem atrelada à sede da empresa fornecedora, como critério para definição da competência tributária.

Uma alternativa crível seria considerar ocorrido o fato gerador do imposto quando estiver sendo utilizado o cartão, mas observando-se que o imposto será devido ao Município de domicílio fiscal do titular do cartão de crédito ou de débito e congêneres.

 

É viável alterar o critério de incidência tributária sobre serviços relativos a cartões magnéticos?

Como regra, o ISS é devido onde são consumadas as situações necessárias e suficientes à ocorrência do serviço.  Todavia, o ganho de escala empresarial tornou o alcance da organização ofertante do serviço, muitas vezes, muito mais amplo do que os limites da jurisdição de um só Município. Também é comum a oferta de um serviço envolver uma série de atividades encadeadas ocorrendo em mais de um local físico.

Esse é especialmente o caso em que, para a consumação do serviço, há ingerência de uma organização administrativa e de suporte tecnológico concentrada em um ou poucos locais, mas associada a outras estruturas laborais conectadas para alcançar os clientes nos mais diversos Municípios – como, por exemplo, as maquininhas leitoras de cartões espalhados pelos estabelecimentos comerciais, ou na oferta de serviços de TV a cabo.

Daí surge o arbítrio legal do fato gerador tributário, especificando o que é necessário e suficiente à consumação do tipo tributário, à luz do Código Tributário Nacional (CTN). É natural a arbitragem do momento temporal para determinar o fato gerador. É quando o titular do cartão efetua o pagamento de uma compra com o cartão que se materializam as condições para o surgimento do ISS. O ISS surge nesse momento pelo simples motivo de que o serviço já está prestado: é uma questão de segundos para se ter o serviço realizado. Assim, o fato gerador se concretiza quando os dados são capturados e transmitidos à administradora/instituição financeira, com imediato retorno de informação para a maquininha. Nesse sentido, a execução dos fluxos de pagamentos, gerados com o uso dos cartões nas maquininhas, é o cerne do serviço prestado, objetivo da empresa administradora de cartões. É tão somente para concretizar cada operação financeira que existe toda a estrutura por trás dos sistemas de pagamentos com cartões, e que produzem todos os lançamentos contábeis e transferências financeiras derivadas.

Por sua vez, uma série de atividades acessórias é executada nas agências bancárias espalhadas pelo País, até porque as administradoras de cartões são integrantes de conglomerados financeiros. Os bancos centralizam o contato com os clientes, fornecendo o cartão, geralmente com as duas funções de crédito e de débito. É a instituição financeira responsável pela relação com o titular do cartão, quanto à habilitação, identificação e autorização; liberação de limite de crédito ou saldo em conta corrente; fixação de encargos financeiros; cobrança de fatura, e definição de programas de benefícios. São atividades realizadas, precipuamente, dentro das dependências dos estabelecimentos bancários, por meio do gerente de contas, constituindo etapa integrante do serviço prestado de cartão magnético como meio de pagamento.

Sob essa ótica, o negócio cartão magnético já possui, per se, uma territorialidade muito mais ampla do que apenas a jurisdição do Município eleito como domicílio fiscal centralizador do ISS recolhido pelas administradoras de cartões. É clara a necessidade de contatar os clientes nas agências bancárias em que possuem conta, onde o limite de crédito é analisado e acompanhado, e onde também é feito o monitoramento do risco de crédito envolvido.

Para caracterizar o serviço contratado, não basta, portanto, a administradora possuir equipamentos e pessoal concentrados num endereço, como em sua sede ou no Município onde está formalmente registrada para exercer sua atividade laboral. É preciso que ocorra o início do serviço pelo acionamento do cartão pelo titular, em qualquer lugar fora de sua sede administrativa. Ali também não ocorre nem a atividade de suporte aos usuários, pois call centers são estruturas remotas terceirizadas pelas empresas. Por isso, é plausível que se adote o momento de uso do cartão pelo titular como parâmetro determinante do fato gerador do ISS. É nesse instante que ocorre a quitação financeira da transação comercial subjacente. As atividades administrativas de suporte a todo o sistema de pagamento com cartões magnéticos são apenas acessórias, não podendo caracterizar per se o momento e, por conseguinte, o local de consumação do fato gerador do tributo.

De forma didática, além do serviço de administração de cartões (item 15.01), a lista anexa à LC nº 116, de 2003, leva à identificação de mais duas tipologias de serviços relacionados a cartões. O serviço de administração de cartões (item 15.01) e o de transmissão de dados para pagamentos com cartões (item 15.16) guardam grande similaridade com o grupo de serviços imponíveis do ISS cuja prestação ocorre basicamente fora do estabelecimento prestador, ou da sede da empresa, conferindo competência para exigir o ISS ao Município onde os serviços são executados. Sob esse prisma, não importa se a sede ou escritório da empresa (onde se executem diversas atividades para a prestação efetiva daquele serviço), ou se seu domicílio fiscal esteja em outro Município. É essencial apenas observar que o serviço é concretizado precipuamente fora do estabelecimento fiscal do prestador de serviço.

Por sua vez, os serviços relativos a fornecimento e reemissão de cartões magnéticos (item 15.14) constituem atividades acessórias para viabilizar o sistema de pagamento com cartões. Por isso, e pelo fato de constituir serviço cuja receita é muito marginal às administradoras (quando cobram pela emissão do cartão), é oportuno adotar o mesmo critério aplicável aos demais serviços relativos a esse setor de pagamentos financeiros, o que já proporciona uma distribuição mais equânime dos recursos, a nosso ver. O mesmo raciocínio se aplica a serviços de captura e transmissão de dados, para pagamento com cartões (item 15.16). A captura e transmissão de dados é a situação concreta, e o local onde é realizada correspondente à consumação desse tipo tributário. Os dados magnéticos, armazenados nos cartões, somente podem ser capturados onde estão fisicamente, e também somente são transmitidos a partir de onde se encontram originalmente. Nesse caso, pode-se desprezar o aparato tecnológico que as empresas credenciadoras possuem em suas sedes, para fins de incidência tributária. Mesmo importantes, constituem atividade preparatória ou auxiliar do serviço de captura e transmissão de dados.

 

Competência tributária sobre serviços relacionados ao uso de cartões no exterior e em pagamentos em sites domésticos e estrangeiros

A descentralização tributária deve considerar o uso crescente de cartão de crédito no exterior. Logo, não se pode eleger o local do uso do cartão como critério de determinação do sujeito tributário ativo, pois significaria a delegação de competência tributária a entes estranhos ao federalismo brasileiro. Isso prejudicaria todos os Municípios brasileiros, pois nenhum receberia receitas derivadas do uso de cartão no exterior. Diante da crescente representatividade dos gastos externos na base de cálculo do ISS, não se pode desonerar as receitas provenientes da prestação de serviços relativos ao uso de cartões internacionais, sob pena de redução expressiva da base de cálculo do ISS. Isso aponta que a alternativa crível é adotar como critério da competência tributária o domicílio fiscal não do prestador do serviço (a administradora ou credenciadora de cartões), mas do titular do cartão.

A atribuição do ISS ao Município onde estiver sendo efetuada a operação com o cartão acaba também por se deparar com dificuldades técnicas no caso de compras na internet. Não há simplesmente como identificá-lo. Não apenas pela importante questão da preservação da privacidade do usuário na rede, mas também pela própria dificuldade de identificação de computadores por meio de endereços IPs – que é o que hackers mais objetivam. É impossibilidade tecnológica. Esse também é o caso de compra em sites estrangeiros, não hospedados no Brasil e que vendem produtos em moeda estrangeira, com alcance por meio do computador de qualquer residente.

A alternativa para desconcentrar o ISS sobre serviços relativos a pagamentos com cartões na internet também é considerar o domicílio do titular do cartão, como meio para determinar a competência tributária, identificando o sujeito ativo da relação e melhor distribuindo a arrecadação do tributo.

Essa prescrição também é mais ampla do que a proposta corrente apresentada pelo PLP nº 34, de 2011, em trâmite na Câmara dos Deputados, que acabaria reduzindo o universo do fato gerador do ISS apenas ao uso dos cartões nas maquininhas terminais de vendas (POS). Não parece conveniente desonerar grande parte das receitas correntes das administradoras e credenciadoras de cartões, derivadas de serviços relativos a cartões na internet, cuja tendência de uso é crescente.

 

Custos operacionais e a centralização do recolhimento do ISS:

Qualquer redistribuição de ISS sobre serviços relativos a cartões esbarra na questão do grande universo esperado de sujeitos ativos potenciais, de mais de cinco mil Municípios. Isso requer abordagem específica.

Por um lado, não é intuito da lei onerar as empresas administradoras e credenciadoras de cartões para aumentarem suas estruturas administrativas para executar o pagamento desconcentrado do ISS – inclusive para atender as demandas de fiscalização dos mais diversos Municípios brasileiros. Impor-se-ia custo regulatório que aumentaria o chamado “custo-Brasil”, gerando ineficiência econômica e reduzindo a produtividade doméstica. Nesse caso, é conveniente a centralização do recolhimento do ISS no âmbito da União, a exemplo de outros impostos como o ITR e o IRPF, e como as obrigações tributárias das micro e pequenas empresas.

A Secretaria da Receita Federal (SRF) já possui estrutura tecnológica e administrativa suficiente para gerenciar o ISS sobre serviços relacionados a cartões, o que faz muito sentido no caso de recolhimento por poucas empresas com prestação de serviço em âmbito nacional. A operacionalização da cobrança do tributo não ficará mais complexa, já que o recolhimento continuará sendo feito de forma centralizada, mas agora junto à SRF e não mais ao Município eleito domicílio fiscal. A medida também não gerará confusão aos departamentos jurídicos das empresas, que não terão de lidar com a legislação de ISS de todos os municípios do País – mas apenas uma, unificada, com abrangência nacional. Isso também beneficia os Municípios, especialmente os menores, que prescindirão de novas estruturas próprias para administrar essa nova arrecadação.

 

Considerações finais

Como regra, parte essencial do serviço de pagamentos com cartões apenas se concretiza no momento em que o titular paga algum bem ou serviço – geralmente por meio da leitura dos cartões nos terminais POS, hoje disseminados pelo comércio. Todavia, o crescente uso de cartões para pagamentos na internet aponta estipular o domicílio do comprador, titular do cartão, como critério mais adequado para repartição do ISS. É também o único critério aplicável a serviços relacionados a uso de cartões no exterior, como alternativa à regra corrente. Os serviços intermediários de transmissão de dados dos cartões, providos pelas credenciadoras e pelas facilitadoras de pagamentos, também requerem comando legal mais abrangente do que a prestação do serviço junto dos estabelecimentos comerciais, ou uma referência a maquininhas leitoras de cartões – sob pena de redução da base tributária.

Deve-se mencionar, por fim, que a visão apresentada pode ser considerada polêmica para alguns Municípios, pois qualquer reconfiguração de distribuição de tributos não é neutra. Todavia, a efetiva implantação de um novo padrão tributário – mais moderno, simples e eficiente – tende a contribuir para reduzir desigualdades sociais e fortalecer o pacto federativo. Mas, a nosso ver, faz muito sentido de ser perseguido, especialmente para serviços com abrangência espacial ampla, envolvendo valores crescentes e não desprezíveis.

 

(Este texto é baseado no estudo “Prestação de Serviços com Alcance Nacional na Agenda de Reforma Tributária: Considerações sobre a Repartição do ISS imponível a Cartões Magnéticos” – Boletim do Legislativo nº 162 do Núcleo de Estudos e Pesquisas da Consultoria Legislativa do Senado, disponível em: http://www.senado.gov.br/estudos)

 

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Deve o governo regular bitcoins? Riscos e limites no uso de moedas virtuais privadas https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=2372&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=deve-o-governo-regular-bitcoins-riscos-e-limites-no-uso-de-moedas-virtuais-privadas https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=2372#comments Tue, 20 Jan 2015 13:25:59 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=2372 As moedas virtuais têm ganhado destaque na mídia como possível alternativa aos sistemas monetários tradicionais, com o bitcoin sendo a espécie mais proeminente do gênero. Ainda que esteja longe de constituir uma moeda factível, teria capacidade de prover estabilidade monetária associada à vantagem da privacidade financeira a seus usuários (veja Ulrich, 2014). Na esfera pública, a questão que se coloca é se é assunto relevante com potencial de constituir, de facto, moeda de uso e aceitação generalizada, em substituição à tradição construída por séculos com base nas moedas soberanas1. Este texto apresenta considerações a respeito.

 

Moedas virtuais: aspectos conceituais envolvidos

Algumas moedas virtuais são emitidas e intermediadas por entidades não financeiras, tipo ilustrado pelos tradicionais programas de milhagens das companhias aéreas, forma de fidelização de cliente como o Programa Smiles no Brasil. Nesse caso, ocorre a perfeita identificação do emissor do arranjo virtual de pagamentos2.

Outras não possuem entidade responsável por sua emissão. Nessa esfera, há a controversa e ainda desconhecida figura do bitcoin, moeda virtual ainda com pouca aceitação em sites de empresas no Brasil, baseada em um sistema descentralizado de criação de “moeda”.

Em ambos os casos, entidades e pessoas que emitem ou fazem a intermediação desses ativos virtuais não são reguladas nem supervisionadas por autoridades monetárias de qualquer país. Pode-se, portanto, qualificar tais meios de pagamento como instrumentos de uso privado e restrito. Ainda que não tenham garantia estatal ou lastro em uma moeda soberana, convivem em paralelo aos sistemas monetários oficiais, sem suscitarem regulação específica até o momento – até pela baixa relevância sistêmica corrente que apresentam.

Sua principal vantagem estaria na desintermediação financeira que proporcionaria. No momento em que impõem concorrência às transações financeiras cursadas pelo sistema financeiro regulado, arranjos de pagamento do tipo bitcoin podem permitir redução de custos de transação geralmente não desprezíveis, especialmente em operações de pagamentos transfronteiriços. Isso seria feito pela independência dos sistemas bancários tradicionais para a liquidação financeira.

Baseadas em unidades de referência alternativas às moedas nacionais, moedas virtuais privadas constituiriam meio de troca, mas com alcance restrito a um particular conjunto de agentes na esfera da internet. A função monetária básica de unidade de conta parece não existir ainda (até por sua baixa disseminação), pois se trata muito mais de um sistema de pagamento virtual do que propriamente de uma nova moeda com as três funções clássicas.

Na verdade, a modalidade de moeda criptografada parece, hoje, muito mais apenas um meio de transferir recursos, mas ainda calculados com base nas moedas nacionais correntes. Sua pequena disseminação não permite formação de preços em bitcoins na economia real. As bruscas oscilações de conversão nas moedas soberanas impedem basicamente constituir parametrização para o agente econômico avaliar se está caro ou barato um bem ou serviço referenciado naquela moeda.

Naturalmente, seu alcance está atrelado à credibilidade de seu instituidor e ao grau de confiança dos agentes para ter aceitação, assim como é o caso para qualquer moeda transacionada em uma economia de produção. É característico, todavia, que as chamadas moedas virtuais não sejam emitidas nem garantidas por autoridades monetárias, sendo livres de responsabilidade legal.

Com efeito, a emissão centralizada tem sido a regra das sociedades contemporâneas, com a história econômica mostrando ter suplantado sistemas anteriores desregulados de emissão monetária múltipla por bancos privados – o modelo free banking.

As próprias demandas sociais do pós-1929 mostraram ser necessário impedir a continuidade de sistemas bancários totalmente livres e sem nenhuma regulamentação, levando à criação de bancos centrais como regra nas economias modernas a partir de então. A garantia governamental aos bancos passou a ser fundamental para os sistemas monetários funcionarem com menor risco da contraparte bancária. O curso forçado legal, ao prover a sustentação inicial ao sistema monetário moderno, tradição disseminada de forma generalizada pelas economias centrais após a crise de 1929, permitiu a superação do padrão-ouro e de seu viés deflacionário.

Esse contexto institucional, construído ao longo de muitos anos e de forma generalizada nas economias modernas, torna difícil considerar factível uma mudança repentina de padrão monetário em direção a moedas virtuais. Outras razões apontam nesse sentido.

 

Riscos e limites à disseminação de moedas virtuais

Riscos inerentes a novos arranjos monetários, à margem de regulação do Estado, tornam o amplo uso de novas moedas uma difícil tarefa. Por definição, a existência de um mercado concorrencial de moedas virtuais, em substituição a uma única moeda soberana, pressupõe que não exista uma moeda predominante, o que compromete per se sua expectativa de vida – e a própria capacidade de universalização de apenas uma como padrão monetário. Isso é mais verdadeiro no âmbito virtual, onde é implícita a concorrência, pela liberdade e descentralização de comunicação pela própria internet.

Nada garante que uma moeda muito líquida em dado instante e lugar não seja substituída por outra, em um processo competitivo, podendo até mesmo ser desconsiderada, no futuro, como uma moeda propriamente dita. É plenamente plausível supor que surja uma nova moeda virtual com mais vantagem tecnológica do que o bitcoin. Daí passaria a ser apenas mais uma unidade que, como no passado, já foi empregada como bem monetário.

Também não há garantia alguma de conversão de bitcoins em dólar ou outra moeda soberana. Na verdade, seu objetivo é substituir as demais moedas e não voltar ao dólar ou a qualquer outra moeda (Ulrich, 2014).

Além disso, não há controle algum sobre ativos em bitcoins, que ficam a mercê das arbitrariedades de especuladores, diante da alta volatilidade de suas cotações para outras moedas. A determinação do valor da moeda virtual é prejudicada, pois não constitui mercado organizado com liquidez e uso mais amplo. Não há, portanto, reserva de valor, constituindo-se como um mix de sistema de pagamento e de mercado bursátil.

Esquemas de moedas virtuais, inerentemente instáveis, parecem funcionar como sistemas de pagamento de varejo apenas dentro de comunidades virtuais específicas e com alcance restrito – por isso não constituem risco corrente disseminado pela economia real. Todavia, à medida que e se adquirirem escala, eventuais perdas econômicas vultosas com tais novos ativos não raro podem afetar os demais mercados financeiros, inclusive a economia real. Logo, risco sistêmico fora dessas comunidades é esperado de se materializar apenas diante de volume expressivo operado por tais arranjos – caso que necessariamente requererá regulação, para fins de proteção da economia popular e do próprio funcionamento normal dos demais mercados. Daí que não perdurará um sistema monetário desregulamentado.

Além disso, um limite potencial no uso de moedas virtuais privadas está na sua capacidade de constituir nova unidade de conta básica de uma economia, com o risco de afetar a eficácia e eficiência da política monetária e sua implementação. Em tese, o aumento per se no uso de moedas virtuais levaria ao decréscimo no uso da moeda soberana, daí reduzindo sua circulação necessária para compensar as transações econômicas diárias, e prejudicando o alcance das políticas monetárias.

Isso implica que a própria transmissão das mudanças de juros pelos bancos centrais pela economia, e o controle sobre moeda e crédito, poderiam tornar-se menos efetivos. A própria capacidade de implementar políticas anticíclicas, que ajudaram a proteger o nível de atividade e de emprego domésticos diante de crises como a de 2008, seria reduzido. No limite, extinguir-se-iam instituições como bancos centrais, quando não existiria mais política monetária nem creditícia – diante de apenas uma oferta inelástica exógena de moeda – a la padrão-ouro –, e sem um sistema de reservas fracionárias. Ganhos de senhoriagem também seriam afetados.

A própria ideia da coexistência de várias moedas em paralelo em uma mesma economia é heterodoxa ao pensamento monetário convencional, especialmente pela limitação que impõe a políticas monetárias. Há uma tendência lógica de um único bem preponderar como moeda, sobre demais alternativas, de maneira a garantir a aceitação universal. No caso, moedas virtuais não representam alternativa consistente ao uso das moedas soberanas, pelo curso restrito e alta volatilidade impondo baixa qualidade monetária, e até pelo fato de que as economias não são totalmente virtuais. As pessoas precisam ainda carregar moeda no bolso, o cartão pré-pago do transporte ou o cartão magnético de acesso ao sistema financeiro convencional, para realizarem as transações diárias – sem falar no crédito, essencial para uma economia monetária funcionar.

 

É preciso regular bitcoins e assemelhados?

Dado seu restrito alcance atual, sobretudo no Brasil, não se vislumbra risco sistêmico para o funcionamento da economia doméstica ou mesmo para a poupança popular. Constitui, atualmente, assunto muito mais relacionado a preocupações com lavagem de dinheiro e a atividades ilícitas internacionais.

De qualquer forma, autoridades governamentais têm se manifestado a respeito da necessidade, ou não, de regular as moedas virtuais, até como resposta aos riscos implícitos relativos à lavagem de dinheiro e à segurança de seus usuários. Por não passarem pelo sistema financeiro regulado e, por isso, não serem regulados por nenhuma autoridade, há preocupações em vários países sobre o assunto. Organizações ilegais ou que tiveram seus recursos bloqueados nos sistemas financeiros, por exemplo, sem acesso a contas bancárias, podem se beneficiar das facilidades de transferências de dinheiro entre países ao não passarem pelos sistemas convencionais, em contraposição às autoridades domésticas. Isso tem suscitado estudos internacionais, especialmente de órgãos de prevenção à lavagem de dinheiro (veja FATF, 2014).

No Brasil, o Bacen já alertou a população sobre os riscos das moedas virtuais, ou criptografadas, especialmente sobre a grande volatilidade de seus preços em relação a moedas soberanas – comprometendo sua função de reserva de valor –, vis-à-vis sua baixa aceitação como meio de troca e a falta de percepção clara sobre sua fidedignidade, “podendo até mesmo levar à perda total de seu valor”3.

Na verdade, em decorrência de seu restrito alcance e aceitação como meio de troca, a circulação de moedas virtuais não se mostra capaz de oferecer riscos ao uso do Real ou a moedas conversíveis como o Dólar e o Euro.

De qualquer forma, a legislação brasileira já ampara novos arranjos de pagamentos. Ainda que seu uso no País seja prejudicado pelo curso legal do Real, permitiria sua utilização em operações com o exterior, como qualquer outro meio para efetuar transferências internacionais de recursos, envolvendo moedas distintas.

A Lei n° 12.865, de 2013, dá esteio a arranjos de pagamentos internacionais, justamente para darem curso às operações externas, necessárias para qualquer economia aberta cada vez mais integrada com o exterior. Por isso, não se vislumbra necessidade de se criar normativo legal específico adicional para amparar transações em meio eletrônico utilizando dólares, euros, pontos smiles ou bitcoins.

Além disso, a própria Lei já estabelece que sejam regulados apenas os arranjos de pagamentos que possam ter importância sistêmica. Em particular, o bitcoin não é grande o suficiente, ou sistemicamente relevante como meio de pagamento, para ser atualmente sujeito à regulação do Bacen.

Importa frisar também que, como já declarou, o Bacen tem acompanhado a evolução da utilização de tais instrumentos de pagamento e as discussões nos foros internacionais sobre a matéria – em especial sobre sua natureza, propriedade e funcionamento –, para fins de adoção de eventuais medidas no âmbito de sua competência “se for o caso”. Isso implica que, por ora, o emprego de bitcoins não é de relevância para o sistema financeiro brasileiro, por sua pequena disseminação na economia doméstica.

 

Considerações finais

Deve-se mencionar, por fim, que o verdadeiro potencial desse novo sistema de pagamentos ainda está por ser visto. Por constituírem arranjos de pagamento incipientes e em construção, ainda não existem conclusões mais robustas sobre o assunto, ainda que os bancos centrais estejam acompanhando seu desenvolvimento. Será sua magnitude que determinará a verdadeira relevância desses novos serviços financeiros.

(Este texto é baseado no estudo “É Crível uma Economia Monetária Baseada em Bitcoins? Limites à disseminação de moedas virtuais privadas” – Texto para Discussão nº 163 do Núcleo de Estudos e Pesquisas da Consultoria Legislativa do Senado, disponível em: http://www.senado.gov.br/estudos)

 

________________

1 Como meio de pagamento, levantou preocupações de autoridades públicas, com o registro de manifestação a respeito por autoridades e profissionais do mercado financeiro em várias jurisdições. Vide, por exemplo, Ali et al (2014), ECB (2012), Gans e Halaburda (2013), ICBA (2014).

2 Programas de fidelidade na forma de vouchers, cupons e pontos existem há muito tempo, e podem demandar uma série de outros bens e serviços que não apenas voos de avião, diárias em hotéis, ou aluguel de carros. Entretanto, não possuem relevância sistêmica como meio de pagamento e de demanda de bens e serviços. Não podem, em regra, ser convertidos novamente em moeda – apenas em mercado negro, ou não oficial, muito limitado e não organizado, o que lhes restringe, por definição, o alcance.

3 Comunicado Bacen n° 25.306, de 19 de fevereiro de 2014.

 

Referências

ALI, R.; BARRDEAR, J.; CLEWS, R.; SOUTHGATE, J. (2014). The Economics of Digital Currencies. Quarterly Bulletin 2014 Q3. Bank of England

ALI, R.; BARRDEAR, J.; CLEWS, R.; SOUTHGATE, J. (2014). Innovations in payment Technologies and the emergence of digital currencies. Quarterly Bulletin 2014 Q3. Bank of England

EUROPEAN CENTRAL BANK – ECB (2012). Virtual Currency Schemes. Oct, 2012. Disponível em: http://www.ecb.europa.eu/pub/pdf/other/virtualcurrencyschemes201210en. pdf. Acesso em: 26 nov, 2014

FINANCIAL ACTION TASK FORCE (2014). Virtual Currencies Key Definitions and Potential AML/CFT Risks. FATF REPORT. June 2014

GANS, J.; HALABURDA, H. (2013). Some Economics of Private Digital Currency. Currency Department, Bank of Canada. Working Paper 2013-38

INDEPENDENT COMMUNITY BANKERS OF AMERICA – ICBA (2014).  Virtual Currency: Risks and Regulation. June 23, 2014. Disponível em: http://www.icba.org/files/ ICBASites/PDFs/VirtualCurrencyWhitePaperJune2014.pdf. Acesso em: 26 nov, 2014

ULRICH, F. (2014). Bitcoin: a moeda na era digital. São Paulo: Instituto Mises Brasil. 1ª Ed, 100p

 

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