Roberto Macedo – Brasil, economia e governo https://www.brasil-economia-governo.com.br Fri, 21 Oct 2022 16:16:59 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=6.5.3 PIB brasileiro está mal internacionalmente, segundo o FMI https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=3682&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=pib-brasileiro-esta-mal-internacionalmente-segundo-o-fmi Fri, 21 Oct 2022 16:14:55 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=3682 PIB brasileiro está mal internacionalmente, segundo o FMI

 

Por Roberto Macedo* 

 

O Fundo Monetário Internacional (FMI) publicou recentemente, no dia 11, nova edição do seu World Economic Outlook (Perspectiva Econômica Mundial), que mais uma vez deixou o Brasil mal na foto. Como já apontei várias vezes neste espaço, desde 1980 o Brasil está numa fase de estagnação, que segundo meu dicionário, não significa crescimento econômico nulo, e sim abaixo do seu potencial. Creio que o leitor concordará que com uma boa arrumada nosso país poderia crescer muito mais.

Os dados abaixo mostram essa foto:

Dados do FMI de projeções do PIB por regiões e Brasil

Note-se que em 2022 taxa de crescimento prevista para o PIB do Brasil só é superior à das economias avançadas, que em geral avançam menos que o PIB mundial, que as economias emergentes e em desenvolvimento, e que a América Latina e o Caribe. E o Brasil fica abaixo da América Latina e Caribe, onde estão ele e seus vizinhos.

O governo federal vem alardeando a importância desse desempenho, mas ele veio principalmente da recuperação do setor de serviços, estimulado pelo alívio da Covid-19 e maior retorno da população às compras, bem como por maiores saques da caderneta e estímulos governamentais político-eleitorais.

Como na sua maioria são situações provisórias, a previsão para o PIB brasileiro em 2023 é bem menor, de apenas 1%, e fica abaixo do previsto para os grupos listados, o que indica que a estagnação continuará pesando, como vem fazendo há muito tempo.

Nos debates da eleição para presidente, os dois candidatos que restaram para o segundo turno vêm se esquivando sobre o que vão fazer na economia se vencerem. Eles devem ter seus planos, mas uma divulgação deles pode não agradar segmentos de seus próprios apoiadores, com o que preferem se omitir quanto à discussão do assunto.

Felizmente, falta pouco para determinar quem vai assumir a Presidência da República em 2023, num quadro agravado pelo custo fiscal das medidas eleitorais do atual incumbente. Mas quem assumir não terá como se omitir diante do assunto, e certamente teremos muita discussão em torno dos rumos que a política econômica governamental vai tomar.

 

*Roberto Macedo é economista (UFMG, USP e Harvard), professor sênior da USP e membro do Instituto Fernand Braudel.

 

Artigo publicado no site da Fundação Espaço Democrático, em 20 de outubro de 2022.

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Poupança cai e também estimula o PIB https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=3680&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=poupanca-cai-e-tambem-estimula-o-pib Fri, 07 Oct 2022 20:48:02 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=3680 Poupança cai e também estimula o PIB

Maiores saques das cadernetas tiveram efeito expansivo sobre o Produto Interno Bruto, principalmente em 2022.

 

Por Roberto Macedo*

 

No ano mais crítico da pandemia de Covid-19, 2020, a captação líquida (depósitos menos retiradas) das cadernetas de poupança, conforme dados do Banco Central, foi recorde, atingindo R$ 166 bilhões no ano, e pela primeira vez o saldo final das contas superou R$ 1 trilhão. Isso resultou de três fatores principais. A pandemia levou muitos consumidores à reclusão doméstica, indo menos às compras de bens e serviços e recorrendo também ao comércio eletrônico, mesmo que em menor escala. Atuou, ainda, o efeito precaução, que expande a poupança em face de incertezas quanto ao que virá à frente. E veio o auxílio que o governo passou a pagar, parte do qual foi poupado nas cadernetas.

Nesse contexto, em 2020 o Produto Interno Bruto (PIB) caiu 3,9%. Em 2021, passou à recuperação, crescendo 4,6%, os consumidores começaram a voltar às compras e a captação líquida da poupança foi negativa em R$ 35,5 bilhões. Em 2022 esse movimento se acentuou, e até agosto a captação líquida negativa foi de R$ 85,2 bilhões, em razão do que no mesmo mês o saldo final caiu abaixo de R$ 1 trilhão – e só não caiu mais em razão do crédito de rendimentos, que o Banco Central não inclui na avaliação da captação líquida. Em agosto, esse crédito alcançou um total de R$ 6,6 bilhões.

Com isso, o crescimento do PIB se ampliou e as previsões de sua taxa de crescimento anual, segundo o boletim Focus, do Banco Central, divulgado semanalmente com estimativas de analistas do mercado financeiro, passaram de 0,28%, na primeira edição de janeiro, para 2,75%, na última de setembro.

O governo Bolsonaro vem apregoando que esse resultado decorre de suas políticas econômica e social, mas parece-me que o maior efeito veio do retorno da população às compras de bens e serviços.

A mais recente ampliação dos benefícios sociais veio em setembro, mas os citados dados da poupança correspondem ao período até agosto, quando a recuperação já se evidenciava. Lembro, também, que o citado movimento de queda da poupança começou em 2021, quando a captação líquida negativa alcançou o citado valor de R$ 35,5 bilhões, e acrescento que isso ocorreu principalmente no segundo semestre, já trazendo um estímulo ao PIB que se consolidou em 2022, com o referido valor de R$ 85,2 bilhões.

Para fins de comparação, segundo o site economania.com.br, em 13 de julho passado, a partir de fontes governamentais, o valor total dos novos benefícios – aumento de R$ 200 no Auxílio Brasil, aumento do vale-gás, do auxílio-caminhoneiro, transporte gratuito para idosos com mais de 65 anos, subsídio para a produção do etanol e auxílio para taxistas – foi estimado em R$ 40,8 bilhões, sendo que o primeiro benefício citado é o maior deles (R$ 26 bilhões).

Contudo, a questão sob análise não pode parar aqui, porque a dúvida que emerge é se a despoupança que vem acontecendo nas cadernetas tem sido toda dirigida ao consumo, uma vez que pode ser também destinada a outras aplicações em renda fixa e em renda variável. Quanto a isso, meu amigo e ex-professor o economista Carlos Antonio Rocca vem realizando uma análise ímpar do chamado fluxo de fundos da economia, ou seja, de onde o dinheiro vem e para onde ele vai.

Rocca lidera o Centro de Estudos de Mercado de Capitais (Cemec), ligado à Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (www.cemecfipe.org.br). A nota Cemec 05/2022, publicada em maio, trata da poupança financeira da economia no primeiro trimestre deste ano. Mostra que houve queda dos depósitos de poupança, conforme já assinalado, dos fundos de investimento, das ações e dos depósitos à vista, que se destinaram à compra de títulos da dívida pública, de títulos corporativos, mais depósitos a prazo e maior captação bancária, como via Letras de Crédito Imobiliário (LCIs) e Letras de Crédito do Agronegócio (LCAs).

O resultado final foi negativo, totalizando R$ 32,4 bilhões, com destaque para os depósitos de poupança, que, como já dito, devem ter contribuído para a expansão do PIB.

O relatório do segundo trimestre ainda não foi publicado, mas Rocca teve a gentileza de adiantar dados de meu interesse, abrangendo o primeiro semestre como um todo. Desta vez, nos fluxos citados, do lado das saídas o maior destaque foi para os fundos de investimentos, com queda de R$ 109 bilhões, seguida pela da poupança, no valor de R$ 62 bilhões; e, do lado das entradas, o maior aumento foi na captação bancária, que cresceu R$ 91 bilhões. Soube que a alta de juros foi determinante do lado da captação, acrescida do fato de que papéis como LCIs e LCAs são isentos do Imposto de Renda.

Com os dados semestrais, o efeito da queda da poupança parece menor, porque foi de R$ 10,2 bilhões no segundo trimestre, o que contrasta com outros valores apresentados. Em retrospecto, creio ser claro o efeito do total das quedas ampliando o consumo, mas tenho mais a aprender com o professor Rocca, em particular como entra o aumento da renda em cálculos como os apresentados.

 

* Roberto Macedo é economista (UFMG, USP e Harvard), professor sênior da USP e membro do Instituto Fernand Braudel.

 

Artigo publicado no jornal O Estado de S. Paulo em 6 de outubro de 2022.

 

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PIB seguirá estimulado em 2022, mas 2023 é outra história https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=3678&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=pib-seguira-estimulado-em-2022-mas-2023-e-outra-historia Thu, 22 Sep 2022 22:46:52 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=3678 PIB seguirá estimulado em 2022, mas 2023 é outra história

 

O crescimento da economia deve continuar no segundo semestre, com os novos estímulos governamentais, como o aumento do Auxílio Brasil e o vale gás

 

Por Roberto Macedo

 

O IBGE divulgou no dia 1º deste mês um crescimento de 1,2% do PIB do segundo trimestre deste ano, relativamente ao trimestre anterior. Uma boa taxa e a melhoria decorreu de vários fatores. Do lado da demanda, seu maior componente, o consumo das famílias, aumentou 2,9% no período; os investimentos, 4,8%. Em contrapartida, caiu 0,9% o consumo do governo. As importações subiram 7,6%, também mostrando a força da demanda, ainda que neste caso atuando negativamente sobre o PIB brasileiro, embora com pequena participação no seu conjunto.

Influenciando a demanda estiveram estímulos como os decorrentes da busca de mais atividades fora do âmbito doméstico, busca essa que veio do alívio da pandemia da Covid-19. Houve também antecipação de metade do 13º aos aposentados e pensionistas do INSS e liberação de parte do FGTS, representando estímulos determinados pelo governo.

Setorialmente, a grande força esteve no setor de serviços, o mais amplo da economia, que avançou 1,3%, estimulado pelo referido aumento do consumo das famílias, mas o resultado mais forte foi na indústria, que avançou 2,2%. O maior peso no setor serviços fica evidente porque a sua taxa de crescimento, 1,3%, foi a que esteve mais perto da do PIB (1,2%).

O crescimento da economia deve continuar no segundo semestre, no qual já atuam novos estímulos governamentais, como o aumento do Auxílio Brasil e o vale gás, além de benefícios novos para caminhoneiros e motoristas de táxi. O mercado está prevendo, conforme o relatório Focus do Banco Central, de 2 de setembro, que o crescimento do PIB em 2022 alcançará a taxa de 2,26%, taxa essa que vem seguindo ininterruptamente há 10 semanas[1].

Já para 2023, a visão do mesmo relatório é de um crescimento próximo de apenas 0,47%. O que explica tamanho contraste relativamente à previsão para este ano? Antes de responder, vale lembrar que estimativas se baseiam em hipóteses quanto ao futuro. Essa do relatório Focus supõe que a força do alívio da pandemia se estabilizará e que o efeito da maior taxa de juros mostrará um impacto negativo maior. Há alguma incerteza quanto à manutenção do Auxílio Brasil no seu valor atual, mas se mantido poderá também aumentar a desconfiança quanto à situação fiscal do governo, inibindo investimentos privados. Em síntese, há maior incerteza quanto à taxa do PIB em 2023, o que também é típico de previsões, pois, quanto mais distantes do horizonte imediato, maior é essa incerteza.

A quem se interessar pela evolução semanal das previsões do PIB, da inflação e de outras variáveis por analistas do mercado financeiro, sugiro consultar o site do Banco Central, buscar a conexão Publicações e Pesquisa, e dentro dela o Focus – Relatório de Mercado. Na mesma conexão Publicações e Pesquisa, se houver interesse em receber esse relatório toda segunda-feira, há um local para essa finalidade, onde o e-mail do interessado deve ser colocado.

 

Roberto Macedo é economista (UFMG, USP e Harvard), professor sênior da USP e membro do Instituto Fernand Braudel.

 

Artigo publicado no site do Espaço Democrático em 5 de setembro de 2022.

 

[1] No relatório Focus de 19 de setembro, a expectativa de crescimento para este ano subiu para 2,65% e para 2023  subiu para 0,50%.

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A queda da poupança em 2022 https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=3648&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=a-queda-da-poupanca-em-2022 Tue, 12 Jul 2022 23:22:46 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=3648 A queda da poupança em 2022

 

Por Roberto Macedo* 

 

O Banco Central acabou de publicar seu relatório mensal sobre a caderneta de poupança, com dados mensais até junho de 2022. Na publicação, esses dados aparecem junto com os dados mensais de 2019, 2020 e 2021, cobrindo assim os três últimos anos e o primeiro semestre de 2022.

Este último semestre mostrou um comportamento atípico, pois se comparado com os primeiros semestres do período 2019-2021, foi o que mostrou mais meses (cinco) de capitalização líquida (depósitos menos retiradas) negativa, mesmo com o aumento dos rendimentos creditados que subiram. Estes voltaram a ser 0,5% ao mês mais o valor da taxa referencial, que voltou a ser positivo, depois de muito tempo com o valor zero. Especificamente, a última remuneração mensal total, divulgada pelo Banco Central em 7 de julho, foi de 0,7008.

O comportamento da poupança no primeiro semestre de 2022 contrastou mais fortemente com o que aconteceu com ela em 2020, que teve apenas dois meses de captação líquida durante todo o ano, e o saldo final de todas as contas passou de R$ 845 bilhões em dezembro de 2019 para R$ 1,035 trilhão no mesmo mês de 2020, resultado do auxílio emergencial de R$ 600 que o governo federal pagou em 2020, que muitos depositantes preferiram poupar.

Olhando à frente, a perspectiva é de um auxílio adicional de R$ 200, mas em cima dos R$ 400 do Auxílio Brasil. Talvez muita gente optará por poupá-lo no todo ou em parte, mas sem o maior impacto do auxílio emergencial de 2020.

Outro dado interessante é que o saldo final de todas as contas no mês de junho de 2022 foi de R$ 1,013 trilhão, abaixo do valor de R$ 1,030 trilhão em 2021. Ou seja, uma queda de R$ 17 bilhões. Isso apesar de as contas de poupança terem recebido rendimentos de R$ 30,5 bilhões durante do ano 2021 e R$ 33,5 bilhões no primeiro trimestre de 2022. Ou seja, sem esses R$ 64 bilhões o saldo final de todas as contas teria caído muito mais.

Noutra visão, no seu todo e de um modo geral, os depositantes da caderneta de poupança passaram a usá-la para suprir suas carências de renda em 2021 e 2022, na sua média mantendo os seus saldos finais, mas consumindo o que veio de rendimentos mensais. Mas essa é uma das finalidades da poupança, enfrentar tempos de dificuldades. E esses movimentos da poupança sinalizam que elas existem e estão sendo enfrentadas.

 

* Roberto Macedo é economista (UFMG, USP e Harvard), professor sênior da USP e membro do Instituto Fernand Braudel.

 

Artigo publicado no site da Fundação Espaço Democrático, em 12 de julho de 2022.

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Mais e graves pecados fiscais e eleitorais https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=3646&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=mais-e-graves-pecados-fiscais-e-eleitorais Thu, 07 Jul 2022 15:36:57 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=3646 Mais e graves pecados fiscais e eleitorais

 

PEC do ‘estado de emergência’ descumpre mandamentos de uma adequada política fiscal e de regras eleitorais sem privilégio.

 

Por Roberto Macedo*

 

Tendo como pretexto o forte aumento do preço dos combustíveis, o desgoverno Bolsonaro se excedeu imaginando um “estado de emergência” com sua Proposta de Emenda Constitucional (PEC) recém-aprovada no Senado, com apenas um voto em contrário, do senador José Serra, que honrou o seu mandato.

Entre outros gastos, ela contempla ampliação do Auxílio Brasil, aumento do vale-gás e bolsa-caminhoneiro e para motoristas de taxi. Quando eu escrevia este texto, essa PEC estava na Câmara dos Deputados e a previsão é de que ali será também aprovada por larga margem, pois a dita oposição não quer ir contra um pacote de benesses na proximidade de eleições, ainda que muito defeituoso, populista, oportunista e favorável ao seu adversário. Segundo o jornal O Globo de 1/7/2022, “parlamentares fizeram duras críticas, mas não tiveram coragem de figurar em lista contra a proposta que aumenta verbas públicas para programas sociais, mesmo dando vantagem eleitoral ao presidente”.

Esta “emergência” da referida PEC só existe, mesmo, é nas hostes governistas, pois seu candidato presidencial à reeleição corre alto risco de perdê-la, conforme as pesquisas de intenção de voto. E, assim, ele partiu para a violência fiscal e eleitoral. Só não digo que partiu para a ignorância porque sabe muito bem o que está fazendo.

As instituições fiscais e eleitorais são como mandamentos que regem um Estado Democrático de Direito, e a PEC atua contra um desses mandamentos ao promover a gastança num momento em que o governo não dispõe de recursos, o que aumenta a desconfiança de agentes econômicos na gestão fiscal do governo. Isso traz consequências que não foram ponderadas pelos senadores, como o fato de que as incertezas desses agentes pressionam a taxa de câmbio, um dos ingredientes da alta dos preços dos combustíveis.

Manchete deste jornal ontem mostrou, também, outro efeito: Risco fiscal eleva juro pago pela União. A inflação, que já é alta, será pressionada para cima por essa expansão de gastos, o que vai contra a política anti-inflacionária do Banco Central, que será pressionada por juros altos, prejudiciais aos gastos dos consumidores e aos investimentos em geral.

No plano eleitoral, um mandamento moral e ético é o de que as leis não podem favorecer este ou aquele candidato, e a PEC em questão viola esse mandamento ao beneficiar claramente o presidente e candidato Jair Bolsonaro num período eleitoral. É como uma compra de votos. Espero que os eleitores brasileiros não caiam nessa.

Diante do quadro social, alguém poderia perguntar: mas você não está se mostrando insensível ao sofrimento dos mais pobres? Ora, sempre defendi uma política social em favor deles e desde que nasceu o Bolsa Família sempre o elogiei, mas o desgoverno atual andou mexendo no programa. Entre outras coisas, passou a oferecer um valor mínimo por família, o que estimula a separação delas para receber benefícios em dobro.

Soube que o número de famílias “de um só integrante” beneficiárias do Auxílio Brasil saltou de 2,2 milhões para 3,7 milhões entre novembro de 2021 e abril de 2022. Segundo o economista Marcelo Neri, reconhecido especialista em políticas sociais, o “valor de R$ 600 é bom de divulgação, mas não de desenho” (Folha de S.Paulo, 3/7/2022). É esse valor que virá com a citada PEC.

Sigo vários especialistas em políticas sociais que apontam que o conjunto de políticas sociais do governo, alegadamente em benefício dos mais pobres, precisa de uma revisão quanto ao cumprimento de seus objetivos e ao desenho de seus cadastros. Também sou favorável a uma expansão seletiva dessas políticas, financiada a partir de impostos diretos mais altos e mais progressivos. Mas isso não se faz às pressas e caberia fixar um prazo suficiente para que um projeto a respeito fosse subsidiado por estudos de especialistas quanto ao seu desenho e impacto distributivo de renda.

Acrescento que esta PEC também pode prejudicar o crescimento econômico. Embora aumente os gastos no período de sua duração, isso, como já dito, poderá ter impactos desfavoráveis nas finanças públicas, ampliando incertezas quanto à obediência do mandamento de uma gestão fiscal equilibrada, com efeito desfavorável nas taxas de câmbio e de juros.

Outro problema é que os R$ 200 a mais do Auxílio Brasil cessariam em dezembro deste ano, ou seja, é um “estado de emergência” com duração definida. Haverá pressão para a manutenção deste e de outros benefícios em 2023, ano para o qual as previsões de crescimento são desanimadoras, em particular porque o governo vindouro se verá diante de um cenário econômico altamente complicado para a sua gestão.

Cabe destacar o voto isolado do senador José Serra. Entre outras justificativas, ele disse que “esta PEC viola a Lei de Responsabilidade Fiscal e fura o teto de gastos”. Estes são, também, mandamentos da boa gestão fiscal, que eticamente deveria ser em prol do bem comum. Mas a maioria dos congressistas não se revela preocupada com isso nem com o crescimento econômico do País.

 

* Roberto Macedo é economista (UFMG, USP e Harvard), consultor econômico e de ensino superior e membro do Instituto Fernand Braudel.

 

Artigo publicado no jornal O Estado de S. Paulo, em 7 de julho de 2022.

 

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PIB do segundo semestre de 2022 não começou bem https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=3643&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=pib-do-segundo-semestre-de-2022-nao-comecou-bem Sat, 02 Jul 2022 02:47:01 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=3643 PIB do segundo trimestre de 2022 não começou bem

 

Por Roberto Macedo*

 

Dados setoriais de abril, já divulgados pelo IBGE, indicam que o PIB do segundo trimestre não começou bem. Segundo esses números, a indústria de transformação cresceu 0,1% no mês, relativamente ao mês anterior (março). Nos demais setores, o crescimento foi de 0,9% no comércio varejista, 0,7% no comércio varejista ampliado e 0,2% no setor de serviços, que é o mais importante – vale lembrar que no mês anterior sua taxa foi de 1,4%.

Com base nesses e noutros dados a Fundação Getúlio Vargas (FGV), do Rio de Janeiro, por meio do seu Monitor do PIB, estimou que o crescimento do PIB no mês foi de 0,3%.

Conforme já apontado neste espaço, há um fator que já favorece o crescimento do PIB em 2022. Se este ficasse no mesmo valor do primeiro trimestre de 2022, quando cresceu 1% e chegou ao índice de 174,13 (fazendo a média de 1995 = 100), ele cresceria 1,5% em 2022, pois o índice médio de 2021 foi 171,6 e dividindo-se 174,13 (que seria o índice médio de 2022 na hipótese acima) por ele, essa seria a taxa de crescimento. Esse pequeno aumento em abril também contribuiria para a elevação dessa taxa anual.

Vale lembrar também que com esse índice de 174,13 no primeiro trimestre deste ano e esse pequeno aumento em abril, o PIB ainda não voltou ao índice que já havia alcançado no quarto trimestre de 2014 (!), de 175,2. Ou seja, desde então entrou numa depressão que se revela duradoura.  E desde 1980 o PIB vem mostrando um desempenho inferior a seu potencial.

Nesse contexto, o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, numa palestra em Lisboa no último dia 27, colocou a previsão de um crescimento do PIB de 1,7% em 2022, enquanto a última previsão do Relatório Focus, pesquisado pelo mesmo Banco Central junto a analistas de mercado, estava em 1,5% no início de junho. Em princípio, portanto, Campos Neto parece já ter incorporado essa taxa de 0,3% em abril, da FGV, na sua previsão, e está supondo que até o fim do ano o PIB ainda crescerá mais um pouquinho. Mas também pode acontecer alguma queda, em face de problemas como a inflação alta que corrói remunerações, e questões fiscais do governo que prejudicam expectativas de investidores. Quanto a isso, os investimentos, na forma de formação bruta de capital fixo, vêm mostrando taxas negativas desde o início do ano, inclusive em abril, conforme apontado pelo Monitor do PIB da FGV.

Pode-se concluir que há analistas prevendo mais pequenos aumentos até o fim do ano, enquanto outros apontam a perspectiva de quedas. O resultado final da taxa anual ainda não pode ser determinado, e nosso palpite é que ficará perto de 2%, o que não seria uma boa taxa, mas apenas a confirmação de que a nossa economia não mostra forças suficientes para superar sua tendência histórica de baixo crescimento, que já dura décadas.

 

* Roberto Macedo é economista (UFMG, USP e Harvard), professor sênior da USP e membro do Instituto Fernand Braudel.

 

Artigo publicado no site da Fundação Espaço Democrático em 30 de junho de 2022.

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O PIB após a taxa de 1% no 1º trimestre https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=3634&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=o-pib-apos-a-taxa-de-1-no-1o-trimestre Fri, 17 Jun 2022 07:15:15 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=3634 O PIB após a taxa de 1% no 1º trimestre

 

As baixas taxas de crescimento observadas no período recente demonstram que esse fraco desempenho já se tornou uma questão estrutural de difícil solução no curto prazo.

 

Por Roberto Macedo*

 

O IBGE anunciou no último dia 2 que o PIB cresceu 1% no primeiro trimestre, se comparado ao último trimestre de 2021. Isoladamente, a taxa não é das piores, mas precisaria se manter ou se ampliar no restante do ano para que o crescimento em 2022 fosse maior.

Há um fator que já favorece o crescimento do PIB em 2022. Se este ficasse no mesmo valor do primeiro trimestre de 2022, quando chegou ao índice de 174,13 (fazendo a média de 1995 = 100), cresceria 1,5% em 2022, pois o índice médio de 2021 foi 171,6 e dividindo-se 174,13 (que seria o índice médio de 2022 na hipótese acima) por ele, esta seria a taxa de crescimento.

Para olhar à frente, vale lembrar que com esse índice de 174,13 no primeiro trimestre deste ano o PIB ainda não voltou ao índice que já havia alcançado no quarto trimestre de 2014 (!), ou seja, 175,2. Ou seja, desde então entrou numa depressão que se revela duradoura. E desde 1980 o PIB vem mostrando um desempenho inferior ao seu potencial.

As baixas taxas de crescimento do PIB que também vêm sendo observadas em média no período recente demonstram que esse fraco desempenho já se tornou uma questão estrutural de difícil solução no curto prazo. E as expectativas de analistas do mercado financeiro são de um crescimento idêntico ao do primeiro trimestre, neste trimestre em andamento, e taxas ainda menores, ou mesmo negativas, nos dois últimos trimestres do ano, cujas dificuldades se prolongariam em 2023. Conforme atualização parcial do Relatório Focus do Banco Central em 6 de junho, a previsão é de que o PIB cresça 1,2% em 2022 e 0,76% em 2023, este último número indicando que as dificuldades do segundo semestre de 2022 se prolongariam no ano seguinte.

A razão é que há uma série de fatores que apontam nessa direção, entre eles muitas incertezas ligadas à má-situação fiscal do governo e à sua reação diante dela, as quais poderão aumentar a cotação do dólar, dificultando ainda mais o combate da inflação, que tem corroído os rendimentos reais e diminuído o poder aquisitivo da população. A guerra na Ucrânia permanece sem solução, o que deverá manter a pressão sobre o preço do petróleo e das commodities. No primeiro trimestre deste ano, por conta da inflação o consumo das famílias aumentou apenas 0,7%, ou seja, foi inferior ao crescimento do PIB, e o consumo do governo cresceu apenas 0,1%, indicativo de dificuldades fiscais. E a política monetária vem elevando a SELIC, o que encarece empréstimos e financiamentos de investimentos.

Do lado positivo, a pressão da guerra na Ucrânia sobre os preços das commodities poderá ser aliviada se pelo menos se mantiverem onde estão. Internamente, os gastos eleitorais e a expansão de gastos públicos, em particular nos estados, que estão em melhor situação financeira, poderão trazer algum alívio. Tomara que venha uma taxa de crescimento maior, mas não se espera nada de excepcional, com a economia mantendo-se na rota de crescimento abaixo do seu potencial. Essa questão estrutural deve sobrar novamente para o próximo governo.

 

* Roberto Macedo é economista (UFMG, USP e Harvard), professor sênior da USP e membro do Instituto Fernand Braudel.

 

Artigo publicado no site da Fundação Espaço Democrático em 7 de junho de 2022.

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Fragmentação política e políticas públicas https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=3617&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=fragmentacao-politica-e-politicas-publicas Thu, 02 Jun 2022 15:44:22 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=3617 Fragmentação política e políticas públicas

Para Marcos Mendes, o atual sistema político-eleitoral é o principal fator por trás do fracasso dessas políticas.

 Por Roberto Macedo*

Marcos Mendes é um economista de destaque entre seus pares e tem recebido merecida atenção da mídia, como neste jornal e na Folha de sábado passado, ao lançar outro livro. Tem graduação e mestrado em Economia pela Universidade de Brasília e doutorado na mesma área pela Universidade de São Paulo (USP). É consultor legislativo do Senado Federal – cargo obtido por concurso público –, e tem se afastado para exercer outras atividades da sua área de interesse, finanças públicas. Em 2016, no governo Temer, tornou-se assessor especial do ministro da Fazenda.

Seu livro mais conhecido é Por que é difícil fazer reformas econômicas no Brasil? (Elsevier, 2019). Adotei-o como livro-texto do curso de Economia Brasileira que atualmente leciono na USP. Fui atraído pela pergunta que intitula o livro, pois sei dessa dificuldade, procurando entendê-la e buscar soluções, conforme se depreende de artigos meus neste espaço.

O livro começa examinando a dificuldade de que trata seu título, inclusive internacionalmente, ao abordar exemplos de vários países, como Índia e México. Dedica um capítulo à coesão social, cuja ausência dificulta o processo de reforma, no que examina o caso da Austrália.

Ensina que “(…) a maior propensão a fazer reformas liberalizantes, voltada à estabilidade fiscal e aumento da produtividade, ocorre em países que: são pequenos; fizeram reformas antes da abertura política; estão num dos extremos da escala de democracia – plenamente democráticos ou autoritários –; têm sistemas político-eleitorais que facilitam a formação de maiorias no Parlamento; têm clara delimitação e separação dos Poderes Judiciário, Legislativo e Executivo; são países com governos unitários; têm Constituições pouco detalhistas ou facilmente alteráveis; são vizinhos de outros países que foram bem-sucedidos na promoção de reformas; têm oportunidade de aderir a blocos econômicos com países vizinhos que tenham economias maiores e mais desenvolvidas; e têm elevado nível de coesão social, representado por baixa desigualdade de renda e baixos índices de violência, que levam a alto nível de confiança mútua. O Brasil não possui essas características”.

Contudo, Mendes não desiste e busca o enfrentamento dos difíceis problemas. Ressalta que “(…) precisamos estar preparados para mais de duas décadas de debates e resistência ao novo (…), não sendo uma corrida de 100 metros, e mais uma maratona”. Dedica um capítulo à dificuldade para fazer reformas no Brasil e o capítulo final, com o título O que fazer, tem 20 seções temáticas que se desdobram num grande número de propostas específicas.

No novo livro, Para não esquecer: políticas públicas que empobrecem o Brasil, que ainda não li, Mendes organizou uma coletânea em que especialistas discutem políticas que fracassaram. Na entrevista a este jornal, citada no início deste meu artigo, indagado sobre o principal fator por trás da baixa qualidade das políticas públicas, apontou o sistema político-eleitoral que gera representação muito fragmentada, com muitos partidos que, de sua parte, também têm interesses muito pulverizados. E, muitas vezes, os parlamentares respondem mais ao interesse de grupos específicos – quando não ao próprio interesse, acrescento – do que ao de uma programação político-partidária.

No momento, por exemplo, estão focados na sua reeleição ou na eleição de outros, recorrendo, inclusive, a mecanismos espúrios, como as emendas de relator, que cevam clientelas políticas municipais em troca de votos. Essas emendas constituem um financiamento indireto de campanhas eleitorais, beneficiando desigualmente os incumbentes, e estes sendo também beneficiados relativamente a candidatos sem mandato, embora a Constituição, no seu artigo 5.º, estabeleça que todos são iguais perante a lei. Mas o que ocorre é um show de desigualdades mediante essas emendas.

Em que pese a fragmentação política, Mendes argumentou, no primeiro livro citado, que uma reforma política não seria a “mãe de todas as reformas”. Após examinar as dificuldades de uma reforma rápida desse tipo, propôs uma gradual e citou a dos regimentos internos da Câmara e do Senado Federal, elaborados à época do regime militar, com seu sistema bipartidário. E argumentou que: “Sua extensão para o contexto multipartidário (…) torna a tramitação dos projetos morosa e muito sujeita a chicanas e obstruções excessivas”. Em conversa recente, contudo, ele disse que os regimentos foram revistos, infelizmente com maus resultados, pois o Centrão os tornou mais expeditos para passar suas boiadas, também impulsionadas pelas sessões remotas trazidas pela pandemia de Covid.

Mas ao menos uma obstrução ainda ocorre pela prerrogativa que o presidente da Câmara tem de decidir isoladamente sobre o andamento de pedidos de impeachment do presidente da República. Soube que há muitos pedidos desse tipo, mas ele não coloca o assunto em discussão. É um presente do Centrão ao presidente da República. E que custa muito caro para o País.

 

* Roberto Macedo é economista (UFMG, USP e Harvard), professor sênior da USP e membro do Instituto Fernand Braudel.

 

Artigo publicado no jornal O Estado de S. Paulo em 2 de junho de 2022.

 

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Agilidade organizacional no setor público https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=3615&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=agilidade-organizacional-no-setor-publico Fri, 20 May 2022 22:21:22 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=3615 Agilidade organizacional no setor público

Essa característica requer muito esforço e exige líderes visionários, muito escassos no País atualmente.

 Por Roberto Macedo

Nossos governantes em geral não têm pressa, e muitos problemas de interesse público têm sua solução procrastinada. Alguns exemplos vieram às manchetes nos últimos dias, como o de que tomou décadas a negociação entre o governo paulistano e o federal quanto ao que fazer com o Campo de Marte; e na cidade a cracolândia continua de pé. Há anos ouço falar da privatização da Eletrobras, mas o assunto continua empacado e foi, também, desvirtuado com emendas do Congresso. E as reformas administrativa e tributária não escaparam à lentidão do setor público.

Alguns problemas, se fossem objeto de melhor e mais rápida agilidade organizacional do setor público, teriam impacto positivo na produção e na produtividade da economia, colaborando para o seu maior crescimento. Vejo esse crescimento como prioritário em termos de políticas públicas, em face da estagnação da economia desde a década de 1980, no sentido de um crescimento econômico abaixo do seu potencial.

Mas nossos políticos, salvo exceções cada vez mais excepcionais, têm suas prioridades aéticas, pois não visam ao bem comum e são rápidos só no encaminhamento de assuntos de interesse pessoal ou de grupos. No momento, a prioridade é a reeleição dos incumbentes de mandatos, no Congresso recorrendo, inclusive, às indecentes emendas parlamentares do relator do Orçamento, assunto que ganhou enormes proporções, mas felizmente vem recebendo grande atenção da imprensa, que desvendou o chamado “orçamento secreto”, o que levou a uma decisão do Supremo Tribunal Federal pró-transparência.

Neste contexto, foi com satisfação que vi o assunto de que trata o título deste artigo sendo objeto de texto da consultoria internacional McKinsey, que costuma abordar assuntos de interesse público nos seus estudos. Não tenho espaço para uma visão completa do texto, mas a quem quiser acessá-lo sugiro procurá-lo no Google pelo seu título: Better and faster: Organizational agility for the public sector.

O texto, que também faz referência a outros estudos da McKinsey, destaca os seguintes aspectos (tradução livre): 1) metodologias ágeis podem transformar a maneira como um governo planeja, opera e entrega seus produtos e serviços; 2) como cada nível de uma organização governamental tem diferentes papéis e prioridades, os mais eficazes princípios básicos da agilidade serão também diferentes; 3) os resultados poderão ser maior produtividade e melhores serviços para os cidadãos; 4) metodologias do setor privado podem ajudar no desempenho e na saúde organizacional; 5) pesquisa da McKinsey mostrou que 70% de organizações ágeis ficam no quartil superior de saúde organizacional; 6) características podem tornar entidades governamentais dificilmente adaptáveis a um modelo ágil, como o mais longo horizonte dos seus orçamentos, usualmente anuais, e a competição interna por volume fixo de recursos, que pode desencorajar a colaboração dentro do governo – como os retornos dos investimentos são frequentemente dispersos dentro dele e publicamente, pode ser difícil de motivar funcionários a trabalharem para melhoria que não necessariamente veem ou experimentam; 7) esses aspectos recomendam a adoção de princípios ágeis, como o de trabalhar com objetivos e resultados com avaliações trimestrais; 8) a estrutura hierárquica – com sua cultura e seus modos de trabalhar – também pode tornar difícil a implementação de metodologias ágeis, como organizações menos hierarquizadas e interações rápidas.

Prosseguindo: 9) uma abrangente implementação ágil é uma enorme tarefa, que requer sólidos compromissos de poder, recursos e um foco de ponta a ponta no interesse de quem terá os benefícios; 10) a perspectiva de esforço tão significante poderá desencorajar muitos líderes governamentais de assumirem compromissos, com o que essas transformações requerem líderes visionários.

Concluindo o resumo: 11) o texto volta a enfatizar dois princípios de agilidade, o de trabalhar na direção de objetivos e resultados com avaliações trimestrais; 12) também propõe a colaboração entre diferentes setores do governo, pois vários trabalham de forma isolada, e não em ações comuns entre eles, e dá como exemplo uma colaboração entre líderes em áreas como saúde, educação e trânsito em apoio a cidadãs grávidas. Noutro exemplo, uma agência de transporte público interessada em aumentar a clientela criou um time envolvendo especialistas em planejamento de transportes, engenharia de dados, operações, serviço ao consumidor e marketing.

Como dito anteriormente, a agilidade organizacional do setor público requer muito esforço e líderes visionários. Ora, tais líderes são muito escassos no Brasil, com a maioria dos políticos mais voltada para seus próprios interesses e de grupos. Por isso venho insistindo, neste espaço, em que a sociedade brasileira precisa se organizar para cobrar dos políticos medidas voltadas para o bem comum. Incluirei essa agilidade entre os pilares de plano que já apresentei neste espaço enfatizando essa cobrança.

 

Roberto Macedo é economista (UFMG, USP e Harvard), professor sênior da USP e membro do Instituto Fernand Braudel.

 

Artigo publicado no jornal O Estado de S. Paulo em 19 de maio de 2022.

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Políticos negligenciam o crescimento econômico https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=3613&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=politicos-negligenciam-o-crescimento-economico Sat, 07 May 2022 00:59:57 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=3613 Políticos negligenciam o crescimento econômico

Tanto o presidente da República como parlamentares estão mais preocupados com seus interesses pessoais e eleitorais.

 Por Roberto Macedo*

Insisto novamente – e vou continuar nesta linha – na minha pregação de que há tempos a economia brasileira enveredou por um caminho que prejudicou muito seu crescimento econômico e que a sociedade precisa cobrar dos políticos um sério e rápido enfrentamento desse problema.

Desde a década de 1980, a economia brasileira, que em meados do século passado foi uma das que mais cresceram mundialmente, passou a taxas de crescimento muito baixas relativamente a seu potencial, ficando para trás diante da maioria dos países.

A década passada teve o pior desempenho médio anual do PIB desde a década de 1900. Olhando números do governo Bolsonaro, de 2019 a 2022, segundo cálculos do economista José Roberto Mendonça de Barros, em artigo publicado neste jornal no dia 1.º de maio, o crescimento anual médio será de 0,55%, se o PIB crescer 0,5% em 2022, ou de 0,68%, se neste ano avançar 1% – previsões que são referendadas por outros analistas do assunto.

São taxas inferiores à do crescimento populacional, estimada em 0,7% ao ano, o que levaria a uma queda do PIB per capita no mesmo governo. Mas não vejo Jair Bolsonaro tratando deste problema, mais preocupado que está em se reeleger na próxima eleição presidencial e com seguir suas convicções políticas, que, entre outros casos, provocam atritos com o Supremo Tribunal Federal (STF), prestigiando até manifestações contra esse tribunal. Os episódios mais recentes foram o indulto ao deputado federal Daniel Silveira, além de voltar a insistir equivocadamente contra a lisura do processo eleitoral.

Entendo que o maior problema da economia está na política e que foram políticos, salvo exceções cada vez mais excepcionais, que nas últimas quatro décadas se comportaram de forma a contribuir para o mau desempenho econômico do Brasil.

O que leva ao crescimento econômico é, principalmente, a realização de investimentos em formação bruta de capital fixo (máquinas, equipamentos, infraestrutura e outros), pois geram produção, empregos e renda, com efeitos que se disseminam pela economia além do próprio investimento em si. Nesse contexto, os investimentos públicos se destacaram por sua queda. Tenho à vista um gráfico dos investimentos públicos de 1947 a 2019 produzido pelo Observatório de Política Fiscal da Fundação Getúlio Vargas. Ele mostra esses investimentos como proporção do PIB, e a série começa com valor perto de 3% e sobe até seu pico, próximo de 10%, nos anos 1970, aqueles em que a economia apresentou seu maior avanço desde 1900. Depois, a taxa de investimento público/PIB volta a cair, atingindo um valor um pouco abaixo desses 3% em 2019. Ou seja, esses investimentos perderam quase todo o seu papel na promoção de um maior crescimento econômico.

Visto de outra forma, esse gráfico mostra que as despesas obrigatórias, como salários e previdência, cresceram mais, a ponto de sacrificar os investimentos. Como a carga tributária aumentou e o governo continua se endividando, a economia sofre com esta maior transferência de recursos de empresas e famílias para o governo, que investe muito menos do que essas fontes de tributos e empréstimos. Vejo isso como altamente prejudicial ao crescimento econômico, mas praticamente nada se faz para corrigir o problema.

Ao contrário, no caso federal, tanto o presidente da República como o Congresso se empenham em agravar essa redução dos investimentos públicos. Para realizá-los, é preciso haver recursos. Um exemplo: segundo matéria do jornal O Globo no dia 3/5, o governo abriu mão de R$ 40 bilhões em impostos, o que, além de prejudicar investimentos, deixa uma conta para o próximo governo, pois o atual vem contando com um aumento de arrecadação provocado, em grande parte, pela maior inflação. E essa renúncia também tem sido causada por interesses eleitoreiros.

No Congresso, a Câmara é dominada pelo Centrão, que também tem força no Senado, e a preocupação reinante é distribuir recursos para as bases dos congressistas para colher vantagens eleitorais. E o fazem por meio de absurdas emendas parlamentares, conhecidas como “de relator”, arbitrariamente determinando os municípios que as receberão, em proveito de seus autores. E outra aberração apareceu também no jornal citado. Trata-se de emendas chamadas de “cheque em branco” ou “pix orçamentário”, em que a verba vai diretamente para o caixa das prefeituras, sem a necessidade de um projeto específico. Segundo a reportagem, emendas desse tipo passaram de R$ 557 milhões, em 2020, para R$ 1,87 bilhão, em 2021, e no Orçamento atual estão previstos R$ 3,28 bilhões com essa “destinação”.

Chamar isso de investimento público pode até valer do ponto de vista contábil, se for apurado esse uso da verba. Mas as emendas em geral são recursos pulverizados seguindo o interesse de parlamentares e fogem à ética do bem comum, que deveria orientar os investimentos públicos. Ou seja, além da mudez quanto ao crescimento econômico, os parlamentares se engajam em práticas que o prejudicam.

 

* Roberto Macedo é economista (UFMG, USP e Harvard), professor sênior da USP e membro do Instituto Fernand Braudel.

 

Artigo publicado no jornal O Estado de S. Paulo em 5 de maio de 2022.

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Pacheco e os quinquênios para juízes e promotores https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=3611&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=pacheco-e-os-quinquenios-para-juizes-e-promotores Fri, 22 Apr 2022 14:25:49 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=3611 Pacheco e os quinquênios para juízes e promotores

 

Em lugar do adicional salarial de 5% a cada cinco anos, deveriam ser reduzidos os salários iniciais dessas carreiras.

 

Por Roberto Macedo*

 

Refiro-me a Rodrigo Pacheco, presidente do Senado, e à matéria intitulada Pacheco defende penduricalho para juízes e promotores, mas critica supersalários, no site da Folha de S. Paulo no dia 25 do mês passado. A matéria tem razão ao chamar de penduricalho a ideia de recriar os quinquênios a que tinham direito os membros da magistratura e do Ministério Público. Isso significaria adicional salarial de 5% a cada cinco anos, e seria mais um privilégio descabido, por razões que apresentarei mais adiante.

A ideia integra a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 63, conhecida como PEC do Quinquênio, apresentada em 2013, ou seja, há quase dez anos, e que “(…) passou os últimos dez anos praticamente esquecida no Senado”. Se isso ocorreu, já é um bom sinal de sua inconveniência, na avaliação de senadores, mas recentemente retornaram as pressões para que essa PEC voltasse a andar, e o assunto chegou a manchetes como a da matéria citada.

Pacheco criticou a falta de progressão nas remunerações de juízes e promotores ao longo da carreira. Textualmente: “(…) temos de entender que também não é lógico, é uma distorção um profissional, promotor de Justiça, no início da carreira receber a mesma remuneração de alguém no final da carreira”.

Nisso ele tem razão, mas o problema está na solução proposta pela PEC, de recriar os quinquênios, pois trata-se de um bônus automático que não estimula a busca do aprimoramento profissional e até incentiva a não opção pela aposentadoria com o objetivo de ampliar a coleção individual de quinquênios.

Para corrigir o problema, minha sugestão parte da referida constatação de salários idênticos no início e no final da carreira. Mas cabe perguntar: que salários são esses? Num site voltado para ensinar candidatos a concursos, soube da existência de um, para juiz federal substituto e juíza federal substituta da Terceira Região, e nesse site é dito que o salário inicial (!) mensal é de R$ 32.004,65 (!). Certa vez, ouvi que num cursinho para concursos os que buscavam o de juiz discutiam entre si qual o carro que comprariam se passassem, um Audi, um BMW ou outro na mesma linha. Não sei se isso de fato ocorreu, mas faz sentido.

Insisto: é neste altíssimo salário inicial que está a distorção. Se fosse a metade, já estaria ótimo. Com o que conheço do mercado de trabalho, não sei de outra carreira, fora da magistratura e do Ministério Público, que tenha um salário inicial tão alto. Se começasse com a metade desse valor para os novos ingressantes, poderiam ser criadas funções ao longo da carreira para quem demonstrasse qualificações para a ascensão funcional.

Perguntei a alunos do curso de Economia da Universidade de São Paulo (USP) já próximos da formatura qual seria o salário que poderiam ter logo depois, para início de carreira. A resposta foi que um salário em torno de R$ 10 mil mensais seria considerado adequado.

Vou dar, também, o exemplo da carreira de magistério na USP, onde, depois de me aposentar, voltei a lecionar em 2019 como professor voluntário. O cargo inicial da carreira é de professor assistente, para o qual já se exige o título de doutor. Depois de alguns anos, é preciso mostrar serviço, como publicações e carga docente, para obter o título de livre-docente, que credencia seus diplomados a disputar o concurso de professor adjunto. Finalmente, há o concurso para professor titular, com número limitado de cargos, e só uns poucos chegam a eles.

Dei uma olhada no edital de concurso de juízes e vi que é aberto a bacharéis em Direito formados há mais de três anos e que comprovem exercício profissional na área num período de mesma duração. Entre os degraus da carreira proposta, poderia haver uma combinação de carreira acadêmica via mestrado, doutorado e livre-docência, com a experiência profissional ao longo dela, como o número e o alcance de decisões processuais e o exercício de cargos administrativos. Mais alternativas poderiam ser discutidas, se houver a opção por um salário inicial menor, o que também poderia alcançar outras carreiras, no contexto da reforma administrativa que vem sendo discutida.

O altíssimo salário inicial também pode ser enquadrado na discussão dos supersalários no setor público. Disse Rodrigo Pacheco: “Ninguém defende o supersalário, por isso que existe um projeto no Senado, para poder disciplinar o que é subsídio e o que é verba indenizatória”. Mas há que discutir valores, e talvez Pacheco não tenha percebido que o salário inicial citado é, também, um supersalário. E as carreiras que a PEC contempla também são beneficiadas com férias de 60 dias, o que aumenta o salário médio por mês de trabalho efetivo.

Ainda sobre a verba indenizatória, soube que os quinquênios estão sendo solicitados como indenizações para escapar ao teto de remuneração e evitar a incidência do Imposto de Renda. É a primeira vez que ouço dizer que quinquênio não é remuneração, mas indenização. Quem defende isso deveria é ser multado por falta de lógica.

 

Roberto Macedo é economista (UFMG, USP e Harvard), professor sênior da USP e membro do Instituto Fernand Braudel.

 

Artigo publicado no jornal O Estado de S .Paulo, em 21 de abril de 2022.

 

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Contas públicas: um trabalho a recuperar e aplicar https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=3599&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=contas-publicas-um-trabalho-a-recuperar-e-aplicar Thu, 07 Apr 2022 22:11:53 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=3599 Contas públicas: um trabalho a recuperar e aplicar

 

Estudo feito pelo Banco Mundial em 2017, a pedido do governo Temer, seria um bom começo para presidente que assumir em 2023.

 

Por Roberto Macedo

 

É sabido que a situação das contas públicas brasileiras é lastimável. Cronicamente desequilibradas nos seus aspectos econômico-financeiros, levam a endividamento exagerado, que paga juros altos, prejudica o crescimento econômico e alimenta incertezas quanto à solvência da dívida pública, o que inibe investimentos privados e repercute negativamente sobre mercados como o de câmbio. Os impostos carecem de reformas – projetos nessa linha existem, mas a coisa não anda ou anda mal. E, do lado das despesas, elas só tendem a aumentar, e sem os cuidados necessários quanto à sua eficácia e eficiência.

Essa questão fiscal é o grande nó que emperra a gestão governamental e prejudica o avanço econômico-social do Brasil, que tem ficado para trás na corrida internacional deste avanço. Carece de estudos aprofundados, que levassem a propostas concretas de solução dos muitos e complexos problemas existentes. Da atual administração não se pode esperar nada, pois é pautada pelo desgoverno. O presidente que assumir ou reassumir em 2023 terá de se debruçar sobre o problema logo após o resultado da eleição, empenhar-se em buscar um profundo e efetivo diagnóstico do assunto e avançar na execução das mudanças propostas.

Um bom começo seria um documento do Banco Mundial intitulado Um ajuste justo – análise da eficiência e equidade do gasto público no Brasil, que pode ser encontrado buscando esse título no Google. Concluído em 2017, teve a colaboração de dezenas de especialistas, e sugiro que seja consultado por estudiosos do assunto, cidadãos em geral e, particularmente, pelos candidatos a presidente da República e seus assessores.

Creio que esse estudo tenha se perdido por desconhecimento, desinteresse ou falta de empenho do governo que se seguiu, que efetivamente não se pauta por um plano de reestruturação fiscal e tem até contribuído para agravar ainda mais os problemas das contas públicas. O texto tem 160 páginas, lista os membros da equipe do Banco Mundial que o elaboraram, a pedido do governo Temer, num trabalho que também contou com especialistas brasileiros e internacionais, e recebeu comentários de vários integrantes da equipe econômica de então, de outros funcionários do governo federal, de colaboradores do Banco Mundial e de Teresa Ter-Minassian, ex-diretora do Departamento de Assuntos Fiscais do Fundo Monetário Internacional (FMI), em cuja condição participou de várias missões ao Brasil desde a década de 1990 e tratava de questões ligadas ao País.

Para quem não quiser encarar as 160 páginas do texto, uma boa visão vem das 16 páginas iniciais, que abrangem um prefácio, um sumário na forma de índice e um resumo executivo, este com dez páginas.

Alguns trechos destacam a importância do conteúdo: “O principal achado de nossa análise é que alguns programas governamentais beneficiam os ricos mais que os pobres, além de não atingir de forma eficaz os seus objetivos. (…) A análise é baseada nas melhores práticas internacionais e na revisão da eficiência dos gastos entre as diferentes entidades e programas governamentais. Com ela, queremos estimular que os debates considerem não apenas a alocação dos recursos públicos, mas também as premissas que devem nortear os gastos de forma a promover a eficácia nos serviços prestados e igualdade social. (…) é um grande desafio. Abrangerá mais de um mandato presidencial e exigirá um diálogo extenso, incluindo governos subnacionais, movimentos sociais, sindicatos, associações empresariais e muitos outros grupos. Acreditamos que, quanto antes o País iniciar esse debate e enfrentar seus problemas, mais cedo será possível transformar sua realidade e retomar o caminho da prosperidade compartilhada com todos”.

O resumo executivo termina com tabela de uma página que sintetiza as opções de políticas públicas para os setores analisados e seu impacto na eficiência, na equidade e no potencial de economia fiscal – este num período que, na data do relatório, se estenderia até 2026. Esse potencial alcançaria 8,36% do PIB, um valor expressivo, que dá substância ao termo ajuste que marca o título do documento. Seria um ajuste mesmo.

Para administrar projeto como este, entendo necessária a recriação do Ministério do Planejamento, cujas atividades passaram ao Ministério da Economia, onde ficam em posição secundária, pois este é muito voltado para o dia a dia das finanças do governo, sem que seu ministro dê a devida atenção a um projeto voltado para um horizonte mais longo, como este que o documento elaborado pelo Banco Mundial propõe.

É indispensável que o novo ou reeleito presidente assuma a liderança do projeto de levar adiante um ajuste como este, num contexto de articulação política em que também cobraria medidas para serem implementadas já no seu mandato. O objetivo, em última análise, seria o de retirar o Brasil da armadilha da renda média em que caiu a partir dos anos 1980 – da qual até agora não saiu –, em larga medida armada por governos incompetentes que o País teve na maior parte desse período.

 

 

Roberto Macedo é economista (UFMG, USP e Harvard), professor sênior da USP e membro do Instituto Fernand Braudel.

 

Artigo publicado no jornal O Estado de S. Paulo em 7 de abril  de 2022.

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Investimentos também crescem muito pouco https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=3597&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=investimentos-tambem-crescem-muito-pouco Sat, 19 Mar 2022 13:10:23 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=3597 Investimentos também crescem muito pouco

 

Em linha com o fraco desempenho da economia, números da Formação Bruta de Capital Fixo também estão fragilizados.

 

 Por Roberto Macedo*

 

Prossigo minha pregação de que a situação da economia brasileira é muito pior do que se vê no noticiário e nas discussões sobre o assunto. Aliás, o fraco crescimento da economia não é sequer discutido seriamente pelo Congresso Nacional, ao qual também caberiam providências para tratar dela, e o Executivo passa por uma fase de desgoverno populista e eleitoreiro, que tampouco dá a devida atenção ao crescimento.

Começarei com um retrato muito feio da economia, com o propósito de difundi-lo e, quem sabe, despertar reações em contrário da sociedade e do governo. Em seguida, passarei aos investimentos em Formação Bruta de Capital Fixo (FBCF), como em máquinas e equipamentos, que têm grande impacto sobre o crescimento e que também, em linha com o fraco desempenho deste, estão fragilizados.

Olhando a economia desde a década de 1900, os dados mostram inicialmente um crescimento médio do PIB perto de 4,5% ao ano, e alcançando a expressiva taxa de 8,8% na década de 1970, tornando-se, então, uma das economias que mais cresciam no mundo.

Contudo, a partir da década de 1980 e até a década de 2010, que vai até 2019, este crescimento despencou para uma taxa média anual de apenas 2,4%. Esta década de 2010 teve um crescimento médio de apenas 1,4% e foi a de pior desempenho de toda a série de dados, que cobriu 12 décadas(!).

A década de 2020 já começou pior ainda, pois, principalmente pelo efeito da pandemia de covid-19 nos seus dois primeiros anos, o PIB teve um crescimento anual médio de ínfimo 0,35%, que não cobriu sequer o crescimento da população, estimado em 0,7% ao ano, caindo, assim, o PIB per capita. Este período pós 1980 pode ser visto como de estagnação, que meu dicionário define como uma economia crescendo abaixo do seu potencial. Como muita gente, acredito que com uma boa arrumação o Brasil poderia crescer bem mais. Com este desempenho desde 1980, o Brasil é tido como um país que caiu na chamada armadilha da renda média.

Além dessa desastrosa estagnação, desde 2014 o Brasil entrou numa depressão – algo mais longo do que as duas recessões ocorridas neste período –, e essa depressão ainda não foi superada, pois até hoje o PIB não voltou ao valor que tinha naquele ano (!). Portanto, este retrato da economia em estagnação e depressão é algo realmente lamentável, mas ainda não despertou um movimento em sentido contrário do País e de seu governo. É preciso que a sociedade perceba este desastre, cobrando providências dos governantes e dos políticos em geral.

Passando aos investimentos em FBCF, eles são importantes para o crescimento porque aumentam a oferta de bens e serviços, ao mesmo tempo que estimulam a sua demanda ao expandirem o emprego e o pagamento de salários e de lucros.

O mais recente relatório do IBGE sobre as contas nacionais trimestrais – do quarto trimestre de 2021 – apresenta um gráfico em que a FBCF aparece como porcentagem do PIB desde 2000, começando com o valor de 18,3% e alcançando 20,9%, o valor máximo de todo o período, em 2013. A partir daí, passou a cair até 14,6%, em 2017, ficando um pouco acima disso nos dois anos seguintes. Contudo, em 2020 e 2021, surpreendeu ao passar para 16,6% e 19,2%, respectivamente, de forma inconsistente com o crescimento do PIB neste período, que, conforme mostrado acima, apresentou taxas muito baixas.

Buscando uma explicação, consultei o economista Cláudio Considera, da FGV-Rio, conhecedor reconhecido das Contas Nacionais, que me sugeriu um artigo recente do economista Gilberto Borça Jr. O texto, apropriadamente intitulado Investimento em alta no Brasil, mas nem tudo que reluz é ouro, esclareceu que cerca de 40% do aumento da porcentagem da relação FBCF/PIB entre 2018 e 2021 foram devidos ao crescimento dos preços dos bens de capital acima do índice de preços do PIB e à internacionalização contábil de plataformas de exploração de petróleo, de alto custo, até então contabilizadas no exterior. Estes 40% não significaram, assim, um crescimento real da FBCF.

Cabe examinar, também, o investimento público, componente do investimento total, pois sua queda foi mais forte. No site do Observatório de Política Fiscal do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre), da Fundação Getúlio Vargas (Rio), há o gráfico de uma série de 1947 a 2020 deste investimento como porcentagem do PIB. Depois de subir, desde o início da série, de perto de 3% do PIB para o recorde de cerca de 10%, em 1974 – na década de 1970, a de maior crescimento do PIB em 12 décadas, conforme apontado acima –, ele foi caindo até chegar a perto de apenas 2% do PIB, em 2020, revelando-se como um dos fatores que levaram à armadilha da renda média.

Para o leitor ter uma ideia da importância da taxa de investimento em FBCF relativa ao PIB, no período em que a China crescia perto de 10% ao ano, essa taxa chegou próxima de 45% ao ano. O Brasil jamais chegaria a tanto, mas ao menos poderia começar com a meta de 25% ao ano.

 

* Roberto Macedo é economista (UFMG, USP e Harvard), professor sênior da USP e membro do Instituto Fernand Braudel.

 

Artigo publicado no jornal O Estado de S. Paulo em 17 de março de 2022.

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Crescimento do PIB dentro de 2021 foi de apenas 1,3% https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=3585&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=crescimento-do-pib-dentro-de-2021-foi-de-apenas-13 Mon, 07 Mar 2022 19:06:36 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=3585 Crescimento do PIB dentro de 2021 foi de apenas 1,3%

 

Resultado de 4,6% veio mais do buraco de 2020 do que do desempenho no ano passado

 Por Roberto Macedo

O IBGE anunciou nesta sexta-feira, 4, que entre 2020 e 2021 o PIB cresceu 4,6%, o que dá uma visão enganosa da variação do PIB dentro de 2021, que foi de apenas 1,3%. O gráfico que acompanha este artigo explica essa diferença.

Nota-se que em 2020 o índice do PIB teve um movimento em V, ou seja, de queda e recuperação, com esta se completando só no primeiro semestre de 2021, cujo índice do PIB, de 171,8, foi bem próximo daquele do quarto trimestre de 2019 (171,2). Com esse movimento em V o índice do PIB trimestral médio de 2020, ficou em 163,5, e sabe-se que isso levou a uma queda de 3,9% relativamente à média de 2019.

Índice de Volume Trimestral do PIB – Série encadeada

(média de 1995 =100)

2019.IV, 2020.I, II, III e IV

                                                                                Fonte: IBGE

Já em 2021 o índice do PIB trimestral médio foi de 171,6, o que, comparado com a média de 2020 produziu o crescimento de 4,6%. O gráfico também mostra que após a recuperação em V ele passou a um formato similar ao símbolo da raiz quadrada, com o PIB crescendo muito pouco em 2021, inclusive com dois trimestres de variação negativa. Tomando-se o PIB médio de 2021 e comparando-o com o PIB do último trimestre de 2020, chega-se à taxa de 1,3% já citada.

Creio ser importante mostrar essa outra taxa, pois a de 4,5%, que deve dominar o noticiário, é ilusória quanto ao crescimento dentro de 2021, e seu resultado veio mais do buraco de 2020 do que do desempenho no ano passado.

Roberto Macedo é economista (UFMG, USP e Harvard), professor sênior da USP e membro do Instituto Fernand Braudel.

Artigo publicado no jornal O Estado de S. Paulo em 5 de março de 2022.

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Mais sobre o plano CASGIP https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=3580&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=mais-sobre-o-plano-casgip Fri, 04 Mar 2022 02:06:36 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=3580 Mais sobre o plano CASGIP

Caberia perguntar a Bolsonaro e aos presidentes das Casas do Congresso o que fizeram para o País crescer economicamente.

 

 Por Roberto Macedo

 

Meu artigo passado, neste espaço, tratou de um plano de governo diferente, porque fiquei frustrado com a fragilidade normativa e executiva de planos apresentados por candidatos em campanhas anteriores. Planos como estes devem reaparecer nos debates da eleição presidencial deste ano, e, assim, optei por outro plano, a ser cobrado de governantes e de políticos em geral.

Adotei para ele a sigla CASGIP, que sintetiza seus pilares e facilita referências a ele, inclusive para o interessado se lembrar do seu significado. Também voltarei a ele futuramente neste espaço, pois carece de esclarecimentos adicionais a alguns já apresentados a seguir.

A sigla vem dos nomes dos seis pilares do plano, com letras maiúsculas apontando o aspecto central de cada um deles, que são: Crescimento econômico mais acelerado, Ambientalmente sustentável, Socialmente inclusivo, com efetiva Governança do Estado, maior inserção Internacional do Brasil e intensa Participação da sociedade na cobrança de governantes e políticos.

Note-se a presença das letras ASG na sigla do plano, o que é uma tentativa de trazer os temas da conhecida plataforma ESG para o âmbito nacional, pois originalmente ela é limitada a empresas e investidores. O E desta plataforma representa o environment, ou meio ambiente, em inglês. As outras duas letras de ESG se referem a termos quase idênticos nas duas línguas.

Abordarei, agora, a questão do crescimento econômico. Sem ele, não haverá recursos para avançar nos quatro pilares no centro da sigla. O impacto sobre esse crescimento deveria ser parâmetro de decisões sobre políticas públicas. Ele depende fundamentalmente de mais investimentos em capital produtivo, o que gera empregos, renda e tributos, ou recursos para o setor público. E há o investimento privado e o investimento público, do qual tratarei a seguir.

À minha frente tenho um gráfico do investimento público como porcentagem do PIB no período 1947-2020, elaborado pelo Observatório de Política Fiscal do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre), da Fundação Getúlio Vargas (FGV), do Rio de Janeiro.

Sobre 2020, falou-se muito de uma recuperação em V do PIB dentro do ano, mas ficou nisso, pois ao longo de 2021 o crescimento foi muito fraco. Este gráfico do investimento tem, também, um formato de V, mas invertido, pois começa com uma taxa perto de 3%, em 1947, e sobe até alcançar 10% na segunda metade da década de 70 do século passado – coincidentemente a década em que o PIB brasileiro mais cresceu no mesmo século. Depois disso, a linha do gráfico cai, até voltar a cerca de míseros 2%, em 2020.

Esse investimento público não é só federal, mas abrange as demais esferas de governo. E a relação dele com o crescimento econômico é evidente, carecendo de medidas para que volte a crescer.

Quanto a isso, é preciso atuar contra a frágil governança do governo federal e do setor público em geral. Ela sucumbiu ao populismo ao acomodar um amplo leque de interesses políticos e econômicos que prejudicou o Orçamento. Este, ainda que ampliado pelo forte aumento da carga tributária, passou a apresentar déficits primários que excluem o pagamento de juros, e agora, com o aumento da Selic, esses juros voltaram a preocupar.

O que fazer? É preciso passar um pente-fino nas despesas públicas, seguindo prioridades, em particular a de abrir espaço para investimentos e a de criar confiança na gestão fiscal. Exemplo de medida nesta linha seria uma reforma administrativa que buscasse aumentar a eficácia e a eficiência do setor público, como ao combater supersalários e “indenizações” autoconcedidas, como ocorre no Judiciário.

Alguma elevação da carga tributária será necessária, e chamo a atenção para os chamados gastos tributários, que reduzem a tributação de diversos grupos econômicos e sociais. Como as demais despesas, esses gastos tributários precisam ser revistos, cabendo também aí um pente-fino. Falta, ainda, transparência quanto a esses incentivos, como no caso dos que reduziram encargos sociais para expandir o emprego, pelo que sei, sem que isso fosse cobrado dos setores beneficiados.

E há questões cujo conhecimento é muito restrito, mas que também merecem atenção. Por exemplo, no dia 27 passado, o renomado economista Affonso Celso Pastore, num artigo neste jornal, sugeriu a tributação de ganhos auferidos pelos “fundos fechados e offshores, taxando seus proprietários com a alíquota do Imposto de Renda igual à de todos os demais rendimentos”. Poucos sabem o que são esses objetos da proposta de Pastore.

Como fica? O governo e a classe política não dão bola para propostas como esta, pois a cabeça de ambos é outra, voltada para seus interesses pessoais – em particular a reeleição – e de grupos que os apoiam. Por isso é preciso que a sociedade passe a cobrar de governantes e de políticos um plano adequado.

Por exemplo, caberia perguntar ao presidente Bolsonaro e aos presidentes da Câmara e do Senado: o que já fizeram pelo efetivo crescimento econômico do País?

 

Roberto Macedo é economista (UFMG, USP e Harvard), professor sênior da USP e membro do Instituto Fernand Braudel.

 

Artigo publicado no jornal O Estado de S. Paulo em 3 de março de 2022.

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Um plano para a sociedade cobrar https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=3578&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=um-plano-para-a-sociedade-cobrar Fri, 18 Feb 2022 17:42:58 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=3578 Um plano para a sociedade cobrar

 

Em vez de um plano para candidatos, este tem seis pilares para a sociedade cobrar do governo e de políticos em geral.

 

 Por Roberto Macedo

 

Já atuei na elaboração de planos para candidatos a governador de São Paulo e a presidente da República, inclusive em propostas apresentadas a todos os candidatos, num trabalho para a Associação Comercial de São Paulo, em 2010. Mas perdi o entusiasmo por esses planos e optei por outro, desta vez para a sociedade cobrar do governo e dos políticos em geral.

Há tempos sigo os debates eleitorais presidenciais, e em geral os candidatos focam muito pouco num plano de governo. É preciso ter um, porque alguém pode cobrar, mas fica por aí. Minha impressão é de que temem apresentar propostas mais elaboradas, com receio de repercussões negativas de suas ideias. Seus marqueteiros se preocupam mais com explorar as ditas virtudes pessoais de cada um e criticar as dos demais candidatos. Eleitores tampouco cobram planos, nem se interessam pelos apresentados.

Apresentada a seguir, sucintamente, em razão da limitação de espaço, minha proposta também foi influenciada por estudo da consultoria internacional McKinsey, propositivo e dirigido a quem promove mudanças nos negócios, no governo e na sociedade. Este estudo, que abordei aqui no meu artigo passado, propõe maior crescimento econômico, socialmente inclusivo e ambientalmente sustentável.

Seguem-se os seis pilares do plano: além dos três citados acima, uma eficaz e eficiente governança do Estado, maior inserção internacional do País e participação efetiva da sociedade cobrando a sua execução.

Explicando os pilares: sem um bem maior crescimento econômico do Brasil, com aumento de produtividade, a solução de problemas pelo governo é dificultada pela carência de recursos. O impacto sobre este crescimento deveria ser um parâmetro de decisão quanto a políticas públicas.

O crescimento também gera empregos, e sem isso a inclusão social deixa de ocorrer. Com o maior crescimento, eles ajudam na progressão social dos cidadãos, o que é indispensável neste país de forte desemprego e herdeiro de desigualdades que remontam à sua colonização.

Crescimento ambientalmente sustentável é necessidade imperiosa neste país beneficiado pela natureza, mas muito desleixado ao cuidar dela. Esse desleixo hoje pontifica na região amazônica, praguejada por grandes desmatamentos ilegais que danificam o meio ambiente e também pelos que praticam a mineração sem cuidados com a natureza, tudo isso em prejuízo também dos povos indígenas. Vários estudos argumentam que a biodiversidade da Amazônia pode ser explorada economicamente para o sustento de seus habitantes, inclusive cobrando dos países ricos parte do trabalho ambiental, em face do seu impacto favorável de alcance mundial.

A governança do Estado também é lastimável. Olhando apenas o caso federal, o Executivo já não era grande coisa, mas a situação se agravou sob o desgoverno Bolsonaro. Os investimentos públicos, como em infraestrutura, seguem escassos, há grande resistência a privatizações e concessões e parcerias público-privadas não vieram com a intensidade necessária. Na educação e na saúde ainda há muito por arrumar.

O Judiciário é muito lento, custoso e injusto ao ostentar privilégios. O Legislativo foi dominado pelo Centrão. Em particular, acomoda interesses de grupos, só quer saber da reeleição dos seus membros e não dá a mínima para o fraco crescimento econômico. Alguém já viu este tema ser discutido seriamente pelo Congresso? A frágil governança também se espelha pela necessidade de reformas como a tributária e a administrativa, pois, se é preciso reformar e as reformas não vêm, a governança é frágil.

Quanto à maior inserção internacional, o País também é muito carente e, como é enorme, acha que pode produzir tudo aqui, mesmo que com produtividade muito baixa e em benefício de grupos influentes nas decisões políticas, sempre em busca desta ou daquela vantagem. O sucesso do agronegócio decorreu de seu empenho em buscar o mercado externo. Outros setores precisam fazer o mesmo, em particular a indústria. Foi isso que levou ao forte crescimento da indústria chinesa e de outros países da região.

O sexto pilar, o da efetiva cobrança do governo pela sociedade, é uma inovação em planos, porque em geral são feitos por governos que não querem saber disso. Os diversos segmentos da sociedade precisam se agrupar em torno deste objetivo, inclusive criando instituições para essa finalidade. Grupos de cidadãos, jornalistas, entidades de classe, trabalhadores e empresários, representações da sociedade civil e outros segmentos não podem continuar alheios às barbaridades que vêm do governo e que desde 1980 conduziram o Brasil a uma estagnação do seu crescimento, no sentido de crescer abaixo do seu potencial, depois de cair na chamada “armadilha da renda média” e não reagir a contento.

Creio que os leitores concordariam que, com uma boa arrumação, o Brasil poderia crescer muito mais e dar melhores condições de vida à sua população. Passemos, então, a essa arrumação.

 

 

Roberto Macedo é economista (UFMG, USP e Harvard), professor sênior da USP e membro do Instituto Fernand Braudel.

 

Artigo publicado no jornal O Estado de S .Paulo, em 17 de fevereiro de 2022.

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PIB pode surpreender em 2022 https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=3577&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=pib-pode-surpreender-em-2022 Thu, 17 Feb 2022 14:22:14 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=3577 PIB pode surpreender em 2022

 

Para economista, por enquanto as previsões sobre o crescimento da economia são muito baixas, mas há fatores pesando a favor de uma taxa maior, a exemplo dos gastos normais em ano eleitoral

 

Por Roberto Macedo

 

A previsão da taxa anual de variação do PIB mais acompanhada pelo noticiário dos meios de comunicação é a do Relatório Focus, do Banco Central, que semanalmente recorre a opiniões de analistas do mercado financeiro para calculá-la. Essa previsão, e de outros indicadores econômico-financeiros, é levantada toda sexta-feira e divulgada na segunda-feira seguinte. A última veio no relatório publicado no dia em que este texto era escrito (14/2), e apontava uma baixíssima taxa, de apenas 0,3%, insuficiente até para cobrir o crescimento da população, hoje estimado em 0,7% ao ano, e assim levaria a uma queda do PIB per capita.

Mas trata-se de uma previsão, e há fatores que, ao estimular a demanda agregada da economia, apontam para um impacto favorável. 2022 é um ano eleitoral e marca a eleição mais ampla de todas, pois abrange a do presidente da República, de governadores estaduais, de senadores e de deputados federais e estaduais. Eleição envolve muitos gastos pelos candidatos, e desta vez foi disponibilizado um fundo recorde de R$5,7 bilhões, que será entregue aos partidos políticos para distribuir entre seus candidatos.

Sabe-se também que vários Estados estão em boa situação financeira, pois entre outras razões, como o crescimento econômico local e a inflação, sua arrecadação cresceu bastante. E governos estaduais devem gastar mais em obras e outros dispêndios, pois estarão em campanha para governadores em busca de reeleição ou de outros voos, como em direção ao Senado ou até a presidência da República. Ou também simplesmente para apoiar outros candidatos.

O caso de São Paulo serve como exemplo, pois seu PIB cresceu mais que o do país, gerando mais arrecadação, e seu governador, candidato à Presidência, está empenhado em obras e em distribuir benesses que levam dinheiro a consumidores. Recentemente, enviou à Assembleia Legislativa proposta de um reajuste salarial de 20% para policiais militares e trabalhadores do setor de saúde e de 10% para os demais funcionários. A partir de março, se a proposta for aprovada, o que é bem provável, todos os servidores poderão aumentar seus gastos, a partir de um aumento de suas remunerações que totalizará R$5,6 bilhões em 2022.

Decisões desse tipo, ainda que não de mesma magnitude e prazo de vigência, já estão ocorrendo em outros Estados. Segundo matéria publicada na Folha de S. Paulo também do dia 14 de fevereiro, neste ano eleitoral os reajustes a servidores já ocorreram em 13 Estados. O INSS também reajustou suas aposentadorias e pensões em 10,16%. Não consegui dados sobre o impacto financeiro dessa medida, mas sei que alcança dezenas de milhões de beneficiários, aliviando efeitos da inflação ampliada, sobre o consumo.

De sua parte, entre outras medidas pró aumento de gastos dos consumidores, o governo federal criou um programa ampliado que substituiu o Bolsa Família, o Congresso deve gastar mais com suas emendas parlamentares, e por aí vai.

Mas, vale lembrar, nem toda a ampliação de rendimentos irá para o consumo. Em 2020, por exemplo, parte significativa do Auxílio Emergencial de R$600 por mês foi parar nas contas de poupança, numa atitude de precaução diante das incertezas que cercam o futuro da economia e do desempenho também muito fraco do mercado de trabalho.

Ainda quanto a fatores atuando em sentido contrário do lado da demanda, há grande incerteza quando ao futuro da economia, que também está sujeita a instabilidades ligadas à fragilidade fiscal do governo federal, ao lado da inflação que levou ao aumento da taxa básica de juros e das taxas de juros em geral, o que também desestimula consumidores e investidores a tomar crédito para ampliar seus dispêndios.

Ou seja, há fatores pesando a favor de uma taxa maior do PIB em 2022 do que a previsão citada, e outros que poderiam levar a uma taxa ainda menor do que ela. Deve-se lembrar que previsões do tipo citado envolvem uma distribuição de frequências de opiniões, colhidas a partir de uma amostra, que no caso citado foi de 100 analistas atuantes no mercado financeiro, com o BC utilizando a mediana de suas previsões.

Ao longo do ano continuaremos acompanhando a evolução das previsões sobre a variação do PIB e dos fatos que irão afetá-las, e voltaremos ao assunto neste espaço.

 

Roberto Macedo é economista (UFMG, USP e Harvard), professor sênior da USP e membro do Instituto Fernand Braudel.

 

Artigo publicado no site da Fundação Espaço Democrático, em 16 de fevereiro de 2022.

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Visão tipo ESG, com crescimento econômico https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=3574&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=visao-tipo-esg-com-crescimento-economico Fri, 04 Feb 2022 12:33:43 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=3574 Visão tipo ESG, com crescimento econômico

 

Estudo se dirige a quem promove mudanças nos negócios, no governo e na sociedade

 

Por Roberto Macedo

 

Depois de procurar em várias fontes, cheguei a essa visão a partir de um estudo da McKinsey, grande e famosa empresa de consultoria internacional com escritórios em mais de 130 cidades e mais de 65 países, em versão divulgada em outubro do ano passado. O acesso a esse estudo será indicado no final deste texto. Tem quatro autores, inclusive Tracy Francis, do staff da empresa no Brasil, e pareceu-me repleto de ideias interessantes, originais e estimuladoras de ações.

Em tradução livre, o título do estudo é Nossas vidas futuras e sobrevivência: ambientalmente sustentáveis, socialmente inclusivas e com crescimento econômico. Lembra a sigla ESG, que ganhou grande espaço no noticiário dos últimos dois anos, a qual prega uma agenda de empresas e investidores voltada para o meio ambiente (environment), a inclusão social e a governança, só que colocando o crescimento econômico em lugar dessa última. Poderia ser chamada de ESC.

O texto a que me refiro é longo, tem oito páginas e resume outro de mesmo número de páginas, mas com fonte menor. Aqui vou resumi-lo ainda mais, transcrevendo textos mediante tradução própria. Num artigo futuro pretendo voltar ao assunto para tratar do caso brasileiro, avançando além do que representam essas três letras.

O estudo é dirigido a quem promove mudanças nos negócios, no governo e na sociedade, de forma a tratar os problemas nele abordados, e em busca de soluções. Argumenta que sem crescimento econômico “(…) como poderíamos alcançar prosperidade e bem-estar ou pagar pelas transições necessárias para tornar a economia mais ambientalmente sustentável e socialmente inclusiva? Sem sustentabilidade, como poderíamos estruturar o crescimento para a geração atual e outras que virão? Sem inclusão – uma oportunidade para o trabalho produtivo e uma vida satisfatória para todos os cidadãos –, como poderíamos assegurar a demanda necessária para impulsionar o crescimento?’’.

Enfatizando o crescimento, em face de sua importância para a sustentabilidade e para a inclusão, aponta que ele vem caindo nas economias desenvolvidas do G-7 desde a crise financeira de 2008. Nas economias emergentes, com exceção de países como China e Índia, o crescimento tem sido menor do que no início dos anos 2000. Retratando a pobreza, é dito que mais de 600 milhões de pessoas ainda viviam em pobreza extrema em 2017, e que mais 100 milhões se juntaram a esse grupo, como resultado da pandemia de Covid-19. De sua parte, um futuro sustentável exigirá enormes investimentos, para zerar emissões líquidas de carbono, prevendo investimentos anuais perto de US$ 5 trilhões até o ano 2030 e US$ 4,5 trilhões até 2050. É muito dinheiro. E pondera que, “para os líderes atuais, as questões são muitas e profundas – e solucionáveis”.

Explica que o ciclo virtuoso começa com o crescimento, e que este inclui, entre outros aspectos, a ambição de prosperidade crescente e bem-estar, inclusive crescimento do lucro para empresas, do PIB das nações e medidas que tragam vida satisfatória para os cidadãos. A inclusão social significa igualdade de oportunidades e amplo avanço de resultados para todos – especialmente a suficiência de padrões de vida – e o estreitamento de desigualdades entre gêneros, idades, etnias, status familiares e lugares de residência. Em sustentabilidade, busca-se maior resiliência ambiental, que começa reduzindo o risco do clima, e inclui também a preservação muito mais ampla do capital natural, assim como do equilíbrio entre gerações.

O estudo também aponta que medidas adotadas segundo sua agenda podem trazer efeitos contrários para parte da sociedade. Por exemplo, os grandes investimentos para realizar a transição das fontes energéticas, embora gerando muitos empregos na chamada economia verde, poderão afetar trabalhadores de baixa renda, que precisarão de treinamento para se adaptarem a novos empregos.

Ao concluir, o estudo aponta seis desafios em escala global que as nações precisam encarar para enfrentar as três questões centrais envolvidas na sigla ESC mencionada acima: 1) como deslanchar o crescimento via maior produtividade; 2) como reduzir os custos de transição da descarbonização; 3) como financiar e suavizar o custo da transição energética, país por país, setor por setor, de uma forma que não prejudique o crescimento da economia; 4) como retreinar e empregar os milhões de trabalhadores estagnados em ocupações que se reduzem em razão do progresso tecnológico; 5) como fortalecer o contrato social com o atendimento de necessidades básicas dos cidadãos medianos; e 6) como apoiar os segmentos mais vulneráveis da população, como, por exemplo, a sua quinta parte mais pobre?

Para acessar o texto inicialmente citado, sugiro recorrer ao Google consultando “economic growth for the good of all: sustainable and inclusive McKinsey”, e na primeira página de resultados buscar o texto divulgado pela empresa em 26/10/21.

 

 

Roberto Macedo é economista (UFMG, USP e Harvard), professor sênior da USP e membro do Instituto Fernand Braudel.

 

 Artigo publicado no jornal O Estado de S. Paulo, em 3 de fevereiro de 2020.

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Emendas parlamentares, aqui e nos EUA https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=3557&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=emendas-parlamentares-aqui-e-nos-eua Mon, 24 Jan 2022 05:45:56 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=3557 Emendas parlamentares, aqui e nos EUA

 

No Brasil, o dinheiro das emendas é pulverizado em pequenos projetos nas bases eleitorais dos congressistas

 

 Por Roberto Macedo

 

Minha indisposição quanto a essas emendas é antiga. Meu primeiro artigo aqui sobre o assunto foi em 7/7/2011(!), intitulado Porcas emendas parlamentares, inspirado pela forma com que o assunto é encarado nos EUA, onde permanece como problema, ainda que não tão sério como no Brasil. Hoje vou comparar com mais detalhes as emendas nos dois países.

Lá, verbas desse tipo têm via metáfora uma conotação pejorativa, e é comum chamá-las de pork barrel. Consultando dicionário de inglês, vi que se trata da “apropriação legislativa destinada a prestigiar legisladores diante de seus constituintes”. Mas pork é carne de porco, e barrel é barril, lembrando tempos antigos quando a carne cozida era guardada em barricas com banha de porco. Eram mesmo uma porcaria, com seu conteúdo gorduroso, pegajoso e sanitariamente vulnerável.

Nos EUA há a organização CAGW (Citizens Against Government Waste, ou Cidadãos Contra o Desperdício Governamentalwww.cagw.org), que procura identificar emendas desse tipo no orçamento federal, considerando como pork as que satisfazem ao menos um destes critérios: são solicitadas só por uma das Casas do Congresso; não são especificamente autorizadas; não são competitivamente concedidas; não foram solicitadas pelo Executivo; não passaram por audiências no Congresso; servem apenas a interesse local ou especial.

Listando porks, a CAGW faz todo ano um balanço do assunto, que em 2021 completou a sua 29.ª(!) edição, com o título (tradução parcial): Livro de Pork Congressional – Resumo, tendo na capa o desenho de um porco gordo com faixa de autoridade, e o subtítulo O livro que Washington não quer que você leia. Mensalmente, um congressista é apontado como porcalhão do mês, por ter apresentado a emenda mais descabida. O Congresso dos EUA havia colocado uma moratória nas emendas. Contudo, mais recentemente elas cresceram de 163 em 2017 para 285 em 2021, e o valor em bilhões de dólares passou de 6,8 para 16,8 no mesmo período.

Aqui o número de emendas é bem superior a 285, e creio que com participação maior no Orçamento, em termos relativos. O valor orçado em 2021 foi de R$ 35,4 bilhões, sendo que chamadas emendas de relator ficaram em R$ 18,5 bilhões, conforme informação da CNN. Elas não têm seus objetivos explicitados no Orçamento, e parece-me que podem ser definidas no próprio ano de execução. O Supremo já se manifestou contra essa falta de transparência, mas o assunto ainda não teve solução.

Nos EUA há uma restrição importantíssima: os congressistas que apresentam essas emendas devem certificar que eles, seus cônjuges e sua família não têm interesse nos seus projetos, uma regra não seguida no Brasil, onde em geral os congressistas fazem as emendas com o objetivo de favorecer municípios para ter apoio numa campanha de reeleição. Mas, segundo o referido balanço, “…não há restrição a que seja feita uma contribuição para a campanha de reeleição do congressista em troca de uma emenda”. Aqui também não há essa restrição.

Outra diferença é que lá, quando examinei o assunto em 2011, soube que dezenas de congressistas declararam sua oposição às emendas. O último relatório da CAGW mencionou o caso do famoso e já falecido senador do Partido Republicano John McCain, ex-candidato à presidência do país, que assim enfrentou os adeptos delas: “O problema com todos os argumentos deles é: quanto mais poderoso você seja, maior é a probabilidade de emplacar emendas. Assim, é um sistema corrupto”. Isto ocorre também no Brasil.

Em retrospecto, as grandes diferenças do Brasil relativamente aos EUA são que aqui as emendas vêm em maior número e custam relativamente mais; a regra de não beneficiar o próprio congressista e seus parentes não existe; é imensa a falta de transparência das emendas de relator, que lá inexistem. São usadas no troca-troca com o Congresso, de apoio em geral ao governo e em votações específicas. Com o domínio do Parlamento e do presidente pelo Centrão, este passou a controlar a maior parte do orçamento discricionário em seus objetivos, ao contrário das despesas obrigatórias de pessoal e Previdência. Como resultado, o ampliado dinheiro das emendas é pulverizado em pequenos projetos nas bases eleitorais dos congressistas, prejudicando investimentos tipicamente federais de alcance regional e nacional, como na proteção à Amazônia, e também em saúde, educação e inclusão social.

Ou seja, aqui a situação é muito mais grave. Sem o trabalho da imprensa, muito menos saberíamos sobre as emendas, com o destaque recente deste jornal e suas matérias sobre as emendas de relator, que consagraram o uso da expressão “orçamento secreto” para descrevê-las.

Falta disseminar o conhecimento sobre todas, realizar pesquisas junto aos congressistas para saber quem é contra ou a favor, em particular separando as do relator, e que surgissem entidades como a CAGW para acompanhar de perto o assunto e o chiqueiro político em torno dele.

 

Roberto Macedo é economista (UFMG, USP e Harvard), professor sênior da USP e membro do Instituto Fernand Braudel.

Artigo publicado no jornal O Estado de S. Paulo em 20 de janeiro de 2022.

 

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Cenário do PIB em 2022 é pior que resultado de 2021 https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=3554&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=cenario-do-pib-em-2022-e-pior-que-resultado-de-2021 Fri, 07 Jan 2022 13:32:23 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=3554 Cenário do PIB em 2022 é pior que resultado de 2021

 

Previsão do Boletim Focus para a variação do produto deste ano vem caindo, e a queda desta semana foi bem mais forte.

 

Por Roberto Macedo

 

O primeiro Boletim Focus, do Banco Central, de 2022, publicado na segunda-feira passada, revelou cenário mais difícil para o Produto Interno Bruto (PIB) deste ano do que o observado em 2021. O boletim é semanal e suas previsões são colhidas de analistas do mercado financeiro, na sexta-feira anterior à sua publicação.

A previsão para a variação do PIB de 2022 deste boletim é de apenas 0,36% – na semana anterior, estava em 0,42%, e há quatro semanas era de 0,51%. Ou seja, vem caindo, e esta última queda foi bem mais forte.

Quanto a 2021, a previsão é de uma taxa de 4,5%, mas é enganosa quanto ao desempenho do PIB dentro do ano. Ela é calculada usando o PIB previsto para 2021 relativamente ao de 2020, ou seja, entre esses dois anos. Como em 2020 o PIB caiu 3,9%, essa queda faz com que a comparação entre 2021 e 2020 leve a uma taxa bem mais alta do que a que ocorreria se o PIB houvesse permanecido estável em 2020. Vista de outra forma, a taxa de 4,5% é mais determinada pela queda do PIB de 2020 do que pelo seu fraco desempenho em 2021.

Resumindo, fiz cálculos sobre o assunto e concluí que o crescimento do PIB medido apenas dentro de 2021 foi estimado em apenas 0,9%, o que contrasta fortemente com o referido aumento de 4,5%, que o Boletim Focus apresenta.

Acrescente-se que em 2020 o crescimento do PIB foi bem maior no primeiro do que no segundo semestre, em larga medida impulsionado pelo desempenho do agronegócio no primeiro trimestre, que coincide com o auge das colheitas no meio rural. Mas, em seguida, o desempenho da economia foi se deteriorando até chegar à situação já mencionada, em que os analistas do mercado financeiro viraram o ano reduzindo, ainda mais e fortemente, a sua visão do crescimento do PIB em 2022.

Ainda sobre o PIB, os dados do IBGE de 2019 e de 2020, mais as previsões do Boletim Focus para 2021 e 2022, já permitem obter uma visão do PIB durante todo o governo Bolsonaro. As taxas anuais do PIB obtidas dessas fontes são: 2019 (1,2%), 2020 (-3,9%), 2021 (4,5%) e 2022 (0,4%), o que leva à média de 0,6%, inferior ao crescimento da população, estimado em 0,7% ao ano. Assim, o PIB total cresceu muito pouco e o PIB per capita caiu. Bolsonaro deverá ser cobrado por isso nos debates eleitorais deste ano.

O que fazer? Sou economista, mas entendo que o principal problema da economia brasileira é na esfera política. Nossos políticos, em particular no momento em curso, estão longe de se preocupar com os problemas econômicos do País, ressalvadas exceções cada vez mais excepcionais. Começando pelo presidente da República, é como se não tivéssemos um. E, pior, nem se pode dizer que seja algo como um zero à esquerda. É pior do que isso, pois seu comportamento tem efeitos econômicos negativos. Não tem capacidade nem demonstra interesse por uma gestão presidencial eficaz, a ponto de ter designado o ministro Paulo Guedes como seu “Posto Ipiranga” para questões sobre a economia. Mas parece que o próprio presidente não se interessa mais por seus conselhos ao decidir.

Também não o vejo interessado em liderar uma pauta política de discussões centradas nos principais problemas econômicos do País. Frágil politicamente, e obsessivamente focado só em sua reeleição, optou pelo Centrão para se sustentar no poder e obter um novo mandato a um custo brutal para a economia, pois esse aliado só sabe atuar para atender aos interesses paroquiais dos congressistas, cuja maioria também não está aí para servir o País. Matéria de página inteira deste jornal no dia 26/12/2021 teve este título: Congresso controla mais de 50% dos investimentos do Orçamento. Entrevistado sobre o assunto, o deputado Samuel Moreira (PSDB-SP) afirmou: “Num sistema presidencialista, é complicado ter um Orçamento parlamentarista”.

Um dos resultados é o agravamento do endividamento público, pelo qual o mercado financeiro passou a cobrar mais caro, o que também agrava a dívida. Título de matéria no jornal Valor de ontem ilustra essa dificuldade: Risco fiscal piora e juros disparam. E as preocupações quanto à solvência do governo pressionam, também, a taxa de câmbio e geram efeitos inflacionários.

O que precisa acontecer em 2022 para o Brasil seguir por um caminho ao menos não tão ruim como este evidenciado pelo péssimo desempenho do PIB? Primeiro, é preciso que Bolsonaro não seja reeleito, pois, a julgar pelo que faz no seu mandato, não se credencia a um novo. É preciso que os eleitores atentem para essa questão. Quem ainda o apoia precisa examinar o mal que ele trouxe ao País, que poderia ser sintetizado na expressão um período de desgoverno. Quem ao seu redor ainda o chama de mito e seus apoiadores em geral precisam perceber que ele é mito noutro sentido, de que não é verdadeiro, ao não governar conforme prometeu. E quem não o apoiou ou se desiludiu com o seu desempenho precisa atuar no seu meio social para mudar as crenças dos incautos que ainda pensam em reelegê-lo.

 

Roberto Macedo é economista (UFMG, USP e Harvard), professor sênior da USP e membro do Instituto Fernand Braudel.

 

Artigo publicado no jornal O Estado de S. Paulo em 6 de janeiro de 2022.

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