Adolfo Sachsida – Brasil, economia e governo https://www.brasil-economia-governo.com.br Fri, 18 Mar 2016 13:53:12 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=6.5.3 Um guia para o ajuste fiscal na economia brasileira: as 23 medidas https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=2742&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=um-guia-para-o-ajuste-fiscal-na-economia-brasileira-as-23-medidas https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=2742#comments Wed, 16 Mar 2016 12:37:45 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=2742 1. Introdução

Apesar da constante negativa dos técnicos do governo, resta evidente que a situação fiscal da economia brasileira tem se deteriorado nos últimos anos. Tanto isso é verdade que, desde 2011, a equipe econômica do governo vem anunciando seguidos ajustes fiscais. Por exemplo, no início de 2011 o governo anunciou um ajuste da ordem de R$ 50 bilhões. Já em fevereiro de 2012 outro pacote fiscal foi anunciado, desse feita da ordem de R$ 55 bilhões.Em 2015 novo pacote de ajustes foi anunciado. A rigor nenhum desses ajustes foi levado a termo, contudo seu simples anúncio denota a preocupação das autoridades nacionais.

Em favor da estabilidade das contas públicas pode-se fazer referência aos seguidos superavits primários obtidos. Contudo, três observações se fazem necessárias nesse assunto: 1) boa parte do superávit tem sido obtida por meio de aumento na arrecadação de tributos, e não com a redução do gasto; 2) ocorreu uma verdadeira operação de maquiagem das contas públicas; e 3) mesmo se levando em consideração os itens 1 e 2, ainda assim o superavit primário tem se reduzido, tendo se convertido em déficit a partir de 2014. Isto é, a sustentabilidade fiscal da economia brasileira suscita dúvidas pertinentes

Do ponto de vista macroeconômico não restam dúvidas de que o lado fiscal desempenha papel importante no desenvolvimento econômico de longo prazo do país. Certamente existem agendas políticas e econômicas distintas. Contudo, é consenso geral de que o equilíbrio fiscal é uma meta de política econômica a ser perseguida. No momento em que escrevemos esse texto, nossa compreensão do cenário atual sugere a necessidade de um forte ajuste fiscal na economia Brasileira.

Este ensaio é apartidário, não se refere a nenhum candidato ou preferência ideológica específica. Aqui constatamos apenas que um forte ajuste fiscal terá que ser levado a cabo nos próximos anos. Este texto é então um guia prático para a realizaçào de tal ajuste. Além dessa introdução, na Seção 2 apresentamos um panorama geral do ajuste fiscal necessário para colocar a economia brasileira numa trajetória sustentável. A Seção 3 traz mais detalhes sobre cada proposta elaborada na seção anterior.A Seção 4 conclui este ensaio.

 

2. Panorama Geral do Ajuste Fiscal

O orçamento federal para o ano de 2012 era de R$ 866 bilhões, com o “corte” anunciado de R$ 55 bilhões ele se reduziu para R$ 811 bilhões. Contudo, dependendo de considerações técnicas, o governo federal teve uma despesa primária no ano de 2011 entre R$ 724 e R$ 757 bilhões. Isto é, o Brasil passou a ser o primeiro país no mundo que anunciou um ajuste fiscal que aumentavaem mais de 50 bilhões de reais (ao invés de diminuir) o gasto público.Mesmo em termos reais, o anunciado ajuste fiscal implicava aumento de despesas! No ano de 2015 não tem sido diferente, o governo anuncia cortes em relação ao orçamento, mas tem pouca capacidade de cortar os gastos em relação ao executado no ano anterior. No Brasil, ajuste fiscal deve ser feito por cortes de gastos em relação ao ano anterior, e não por anúncio de cortes orçamentários (que tal como no exemplo acima, podem implicar aumento de gastos).

Quando se conhece a estrutura do gasto público no Brasil, o primeiro detalhe que chama a atenção é a impossibilidade de se fazer grandes cortes de gastos num único ano. Assim, qualquer pacote fiscal deve ter em mente um horizonte mínimo de 3 a 4 anos. Grandes ajustes dependem de consistentes alterações ao longo dos anos. Essa é a única maneira de se produzir um ajuste fiscal sério no país. Junto com a redução do gasto público deve ser realizada uma reforma que reduza a carga tributária no Brasil.

Quem conhece contas públicas sabe que só existem 5 maneiras de se realizar grandes cortes orçamentários num único ano: 1) cortar investimentos; 2) cortar gastos sociais e transferências; 3) congelar o salário mínimo; 4) aumentar impostos; e 5) inflação. Estou desconsiderando a possibilidade de aumentar os restos a pagar, pois isso apenas transfere a dívida de um ano para outro – ainda assim, o Governo Dilma utilizou reiteradamente este instrumento.

Abaixo estão especificadas as medidas necessárias para a promoção de um ajuste fiscal duradouro na economia Brasileira. Frisamos novamente que a estrutura do gasto público impede sua redução se não forem feitas reformas importantes. De pouco adiantam medidas pontuais aqui. É fundamental que tanto a sociedade quanto a classe política compreendam que sem esse ajuste a situação de longo prazo de nossa economia tende a patamares inviáveis. Muitas vezes ouvimos a grande mídia repercutir sobre os ajustes fiscais ocorridos em alguns paises europeu, tais como na Grécia, como se os mesmos fossem uma questão de escolha política. Não, tais ajustes não foram questão de escolha, foram a consequência inevitável do colapso fiscal de determinados países.

No ritmo em que caminha a situação fiscal brasileira, em breve seremos obrigados a fazer ajustes dolorosos, independente de vontade ou negociação política. Sendo assim, sugerimos que devemos realizar tais ajustes antes do colapso fiscal, isto é, devemos realizar esses ajustes enquanto ainda existem margens de manobra e espaço para negociação política.

 

3. O Ajuste Fiscal Proposto

Dividimos essa seção em duas partes: a) redução do tamanho do Estado na economia pelo lado da despesa; e b) redução do tamanho do Estado na economia pelo lado da receita.

 

A. REDUÇÃO DO TAMANHO DO ESTADO NA ECONOMIA: LADO DA DESPESA

Medida 1: Tesouro – BNDES.

A mais fácil medida a ser tomada para o ajuste fiscal é o fim imediato das operações entre Tesouro Nacional e BNDES. Tais operações geram pesados ônus ao erário, e ao mesmo tempo fragilizam a situação fiscal do país.

De acordo com relatório do TCU,em 2011, o valor dos subsídios decorrentes das operações Tesouro-BNDES foram de R$ 19,2 bilhões (mais R$ 3,6 bilhões de custo orçamentário). Dados da Secretaria do Tesouro Nacional indicam que tais subsídios foram de R$ 7,6 bilhões em 2010, e R$ 1,4 bilhão em 2009. Observem a velocidade da evolução desses custos. Em 2014, após a aprovação da MP 633, o BNDES (e a FINEP) tiveram autorização para emprestar mais R$ 50 bilhões de reais a juros subsidiados. O custo para o contribuinte, apenas em relação a equalização de juros da expansão de R$ 50 bilhões, será de R$ 12,3 bilhões. No ano de 2015 outros R$ 30 bilhões foram transferidos do Tesouro para o BNDES. Tais transferências precisam parar imediatamente.

 

Medida 2: Substituir Investimento Público por Parcerias ou Concessões

Reduzir os gastos com investimento público. Essa é a maneira mais efetiva de se diminuir gastos no curto prazo. Em compensação o estímulo a parcerias público-privadas, ou a concessão a entes privados, pode ser uma política muito mais efetiva para melhorar a infra-estrutura do país.

Sem incluir empresas estatais, o investimento do governo central, estados e municípios é de aproximadamente de 2,3% do PIB.

 

Medida 3: Acabar com a regra atual de reajuste do salário mínimo.

Tal regra implica umpesado ônus para as contas públicas. Além disso, os efeitos deletérios dessa política sobre o mercado de trabalho podem parecer pequenos quando a economia está aquecida e a taxa de desemprego está baixa. Contudo, numa situação de retração econômica e de desemprego alto, esta regra de reajuste tem potencial para aumentar a taxa de desemprego entre os trabalhadores menos qualificados.

Congelar o salário mínimo ajuda muito nas contas da previdência e nas contas de alguns estados e municípios. Cada 1 real de aumento no salário mínimo pode impactar nas contas públicas em algo em torno de 350 milhões de reais/ano.

 

Medida 4: Minimizar os custos decorrentes da Copa do Mundo de 2014.

A escolha de sediar a Copa do Mundo foi um equívoco. Os recursos destinados à construção de estádios poderiam ter sido melhor utilizados numa série outra de programas. Dado que essa alternativa não é mais viável, faz-se necessário uma política pública que minimize os custos de manutenção com estádios. Nesse sentido, propomos duas frentes: a) recuperar o investimento público que foi feito por meio de empréstimos para a construção de estádios; e b) repassar a administração dos estádios a iniciativa privada.

 

Medida 5: Minimizar os custos decorrentes de sediar as Olimpíadas de 2016.

As mesmas ressalvas do item anterior se aplicam aqui. Afinal, num país sem esgoto e sem água encanada, isso não pode ser prioridade de políticas públicas.

 

Medida 6: Projeto de Lei que aumente a idade mínima para aposentadoria para 67 anos.

Não apenas a idade mínima de aposentadoria por idade deve ser aumentada, com uma regra de transição, como a aposentadoria por tempo de serviço deve ser extinta (novamente com regra de transição). Além disso, tanto homens como mulheres devem se aposentar com a mesma idade. Não se deve tentar corrigir problemas do mercado de trabalho (como a discriminação e a jornada dupla da mulher) no sistema de previdência. ESSA MEDIDA É FUNDAMENTAL PARA O EQUILÍBRIO DE LONGO PRAZO DAS CONTAS PÚBLICAS.

 

Medida 7: FIM da aposentadoria por tempo de serviço.

É simplesmente insustentável permitir que um trabalhador saudável se aposente aos 50 anos de idade.

 

Medida 8: Não elevação dos gastos com o bolsa família e implementação de uma regra compulsória de saída.

O problema do bolsa família não está na falta de recursos e nem em sua abrangência (com quase 14 milhões de famílias atendidas e orçamento para o ano de 2015 de R$ 27,7 bilhões). O problema do bolsa família está na ausência de uma regra de saída. Além disso, existem limites para o tamanho da população que pode ser mantida dentro desse sistema. Hoje aproximadamente 1 em cada 4 brasileiros depende do bolsa família. Não parece ser necessário aumentar ainda mais essa proporção.

 

Medida 9: Pente fino na necessidade de se realizar novos concursos públicos

Em anos de ajuste fiscal, a contratação de novos servidores deve ser vista com cautela. O que for possível postergar deve ser postergado.

 

Medida 10:Congelar o Salário dos Servidores Públicos.

Cada caso deve ser analisado separadamente. A regra de ouro aqui é, gradativamente, diminuir parte da excessiva atratividade do setor público. Salários altos, e risco, são características do setor privado. Quem quer ir para o setor público terá menos risco, mas ao custo de um salário menor. Sugestão pontual: congelar o salário dos servidores em 2016 (economia estimada de R$ 15 bilhões).

 

Medida 11: Forte redução com gastos de publicidade.

Deve-se incluir nessa redução não somente o gasto em publicidade do governo federal, mas também o gasto das empresas estatais e dos bancos públicos em propaganda.

 

Medida 12: Proibição do Banco do Brasil e da CEF de comprarem participação em bancos privados.

Tais operações costumam ser onerosas e cheias de risco. Se isso não for legalmente possível, então é melhor vendê-los.

 

Medida 13: Forte redução na quantidade de Ministérios.

Não faz o menor sentido uma estrutura federal composta de 39 ministérios. Tal número deve ser reduzido com a imediata redução do número de funcionários comissionados não concursados presentes nos mesmos. Reduzir o número de ministérios para 20, cortando em torno de 3000 cargos comissionados, e redução de estruturas físicas, tem o potencial de gerar uma economia entre R$ 500 milhões e R$ 1 bilhão (dependendo de quais estruturase de quais cargos seriam cortados).

 

Medida 14: Imediata auditoria nos repasses para todas as ONG´s

Escândalos recentes mostram como é importante, do ponto de vista de moralidade do gasto público, verificar com rigor o repasse de entes governamentais a Organizações Não-Governamentais, abrindo inclusive processo judicial quando se fizer o caso. Inclui-se aqui também o fim do repasse para qualquer ONG ligada a movimentos ilegais (tais como as ligadas ao MST).

 

Medida 15: Revisão das Concessões de Indenização aos grupos denominados “Perseguidos Políticos”

Já se aproxima da casa de R$ 1 bilhão de reais por ano o valor de benefícios concedidos aos anistiados políticos. É fundamental rever o valor das indenizações que esse grupo recebeu nos últimos anos, inclusive com ações judiciais para recuperar somas indevidamente pagas. Adicionalmente, devem ser suspensos novas concessões de indenização a pessoas que dizem ter sido perseguidas pelo regime militar até que sejam esclarecidas as dúvidas aqui levantadas (sobre a utilização desse fundo para beneficiar grupos que nada ou pouco perderam em decorrência da perseguição sofrida durante o regime militar). Caberia, ainda, cassar as indenizações de quem for condenado em crimes contra o erário.

 

Medida 16: Regra para o “Restos a pagar”

Em grande parte das ocasiões, “restos a pagar” é uma maneira de o governo enganar a opinião pública (dizendo que economizou um dinheiro que na verdade gastou). É fundamental para a transparência das contas públicas a aprovação de uma lei que regule “restos a pagar”, impondo limites ao montante de despesa que pode ser postergado para outros exercícios..

 

Medida 17: Redução nas despesas com saúde

De acordo com dados preliminares é possível reduzir os gastos federais com saúde numa magnitude ao redor de 3 bilhões.

 

Medida 18: Redução dos gastos federais em educação

De acordo com dados preliminares é possível reduzir os gastos federais com educação numa magnitude ao redor de 3 bilhões.

 

Medida 19: Abandonar, pelos próximos 4 anos, os grandes projetos tais como o programa Minha Casa Minha Vida ou o PAC

Tais programas são dispendiosos, e antes de se aventurar neles é fundamental sanar as contas públicas do país. O governo deve finalizar imediatamente tais programas, passando imediatamente àiniciativa privada a responsabilidade por tais obras. Na ausência de interesse do setor privado recomenda-se a extinção de TODOS esses grandes projetos quando tal alternativa se faça possível.

 

B. REDUÇÃO DO TAMANHO DO ESTADO NA ECONOMIA: LADO DA RECEITA

Medida 20: Suspensão de vários dos incentivos tributários concedidos nos últimos anos

Não há espaço orçamentário para muitas concessões. Entre os incentivos tributários concedidos ao longo dos últimos anos, a mais famosa foi a desoneração sobre a folha de pagamentos, mas um amplo conjunto adicional de medidas foi implementado para levar benefícios fiscais a setores específicos da economia. Tais incentivos devem ser revogados. Apenas em 2014 essa conta chegou a R$ 88 bilhões. Pelo menos 1/3 desses benefícios deve ser revisto, gerando uma economia aproximada de R$ 30 bilhões.

 

Medida 21: Fim da Isenção de IR para LCI e LCA

Igualar as regras de Imposto de Renda que já incide sobre os CDB’s nas Letras de Crédito Imobiliário (LCI) e nas Letras de Crédito do Agronegócio (LCA). Receita estimada R$ 5 bilhões.

 

Medida 22: Grande processo de privatização de empresas públicas

Captar ao menos R$ 50 bilhões com a venda de ativos públicos (empresas públicas e participações acionárias em empresas privadas).

 

Medida 23: Ampla revisão da legislação ambiental

Essa legislação é um embaraço constante a realização de investimentos privados. Além disso, tal legislação trava também as parecerias público-privadas, e os próprios investimentos públicos.

 

4. Considerações Finais

Ajuste fiscal é isso. Ajuste fiscal corta gastos e corta projetos que talvez sejam importantes, mas que não são urgentes. As medidas anunciadas aqui são certamente impopulares, mas são necessárias para colocar o Brasil novamente numa trajetória fiscal sustentável.

Adicionalmente, faço um alerta: existe uma maneira política mais fácil de se fazer o ajuste fiscal. O nome da saída fácil é inflação. Na presença de taxas de inflação elevadas, os gastos do governo sofrem considerável redução (principalmente a folha de salários, que corresponde a aproximadamente 4,5% do PIB). Além disso, não devemos esquecer que o imposto inflacionário também é uma fonte extra de receita para o governo. Sendo assim, e como o governo é capaz de indexar seus tributos, altas taxas de inflação melhoram as contas públicas. Espero que tenhamos a sabedoria de não incorrer nesse caminho fácil. Querer melhorar as contas públicas por meio de inflação é o mesmo que decepar a mão para se livrar da unha encravada. De maneira alguma devemos recorrer ao expediente inflacionário para sanar nossos problemas fiscais.Infelizmente o governo já está indo nessa direção.

Por fim, deve-se ressaltar que as contas fiscais dos estados e municípios também estão em situação precária, com vários dos entes federativos a beira do colapso fiscal. Em vez de realizar um trabalho sério, e doloroso, de ajuste fiscal, o governo prefere ajustes fiscais fictícios que se baseiam em aumento da arrecadação, truques contábeis, e ganhos com o processo inflacionário. Esse não é o caminho para estabilizar as contas públicas brasileiras no longo prazo.

 

Download:

  • Veja este artigo também em versão pdf (clique aqui).
]]>
https://www.brasil-economia-governo.com.br/?feed=rss2&p=2742 3
Como os impostos afetam o crescimento econômico? https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=368&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=como-os-impostos-afetam-o-crescimento-economico https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=368#comments Wed, 16 Mar 2011 04:09:10 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=368 Somente a morte e os impostos são inevitáveis” (Benjamin Franklin)

I. Introdução

Os impostos cumprem uma importante função na sociedade moderna. Com os recursos arrecadados via tributação, o Estado consegue financiar-se e prover bens públicos à população. Educação, saúde e segurança pública são alguns exemplos de bens que o governo fornece gratuitamente à sociedade em troca do recebimento de impostos.

Quanto maior é o Estado, maior é a necessidade de se arrecadar recursos junto à sociedade. Quanto mais ineficiente for o setor público, tanto mais custoso será ao trabalhador manter a estrutura estatal. Dessa maneira, um Estado pequeno e extremamente eficiente é algo desejável aos trabalhadores. Afinal, em tal arcabouço o Estado se limitaria a um conjunto específico de funções e as exerceria com maestria, provendo à população um bem público de qualidade, e a um custo acessível.

Do ponto de vista econômico o crescimento do Estado gera a necessidade do aumento da carga tributária (total de contribuições obrigatórias e impostos arrecadados dividido pelo PIB). Contudo, o aumento da carga tributária torna o recebimento dos bens públicos mais onerosos para os trabalhadores. Isto é, são obrigados a trabalharem mais horas para pagarem seus impostos. De maneira semelhante, o crescimento desordenado do Estado também onera os empresários, fazendo com que estes invistam menos. Sendo assim, um aumento da carga tributária acima de determinado patamar afeta negativamente o padrão de vida de longo prazo de uma sociedade.

O objetivo desse artigo é analisar os efeitos de curto e de longo prazo da carga tributária brasileira sobre o crescimento econômico. Para tanto utilizamos dados trimestrais, referentes ao PIB e a carga tributária, do período 1995 a 2009. De maneira geral, os resultados mostram um efeito negativo do aumento da carga tributária sobre o crescimento econômico. A implicação de política econômica desse fato é óbvia: a carga tributária brasileira está por demais elevada, e uma redução da mesma levaria a uma dinamização do crescimento de longo prazo da economia brasileira.

Além dessa introdução, este artigo apresenta na seção 2 uma explicação mais detalhada do efeito da carga tributária sobre o crescimento econômico. A seção 3 detalha a base de dados utilizada nesse estudo. A seção 4 reporta os resultados estatísticos. Por fim, a seção 5 disserta sobre as conclusões e implicações de política econômica advindas desse texto.

II. A perda de eficiência econômica associada a uma alta carga tributária

Existe uma ampla literatura especializada que estuda os impactos dos impostos sobre o nível de bem estar de uma sociedade. Dentro dessa literatura existem fatos estabelecidos e questões em aberto. Por exemplo, os modelos teóricos são claros ao afirmar que impostos que incidem sobre a movimentação financeira (similares a antiga CPMF) são péssimos do ponto de vista econômico. Impostos sobre a movimentação financeira causam muitas distorções na economia, afetando negativamente a eficiência econômica de uma sociedade. Essa perda de eficiência se traduz em queda de produtividade, que em última instância reduz o crescimento econômico[1].

Do ponto de vista empírico, existe ampla evidência de que impostos sobre bens suntuosos (de altíssimo luxo) são ruins para o trabalhador. Ao contrário do que a maioria acredita, quando o governo taxa produtos de altíssimo luxo quem paga a conta não é o rico, mas sim o trabalhador que é empregado nesse ramo de comércio. De maneira semelhante, os estudos têm demonstrado que impostos sobre o trabalho (por mais paradoxal que pareça) são mais eficientes para promover o crescimento econômico de longo prazo do que impostos sobre o capital[2].

Existem ainda muitas outras evidências empíricas e teóricas sobre qual a melhor maneira de se promover a arrecadação tributária. Mas o resultado mais forte dessa literatura é: não use a carga tributária para promover distribuição de renda. Distribuição de renda deve ser feita via gastos públicos, e não via tributação. Existem também assuntos onde os estudos não têm uma resposta definitiva. Por exemplo, ainda é uma questão em aberto se impostos sobre o consumo são mais eficientes que impostos sobre a renda[3].

De maneira geral, os impactos negativos dos impostos sobre o crescimento econômico vêm de algo que os economistas chamam de “peso morto dos impostos”. O “peso morto” é a perda de eficiência associada a um imposto específico. Toda vez que o governo aumenta ou cria impostos, uma quantidade de trocas que antes era realizada na economia deixa de ser realizada. Essa redução nas trocas econômicas é justamente o peso morto do imposto. Por exemplo, suponha que você aceite pagar 10 reais para que lavem seu carro. Suponha também que exista alguém disposto a lavar seu carro por 7 reais. Sendo assim, você terá seu carro lavado por um preço entre 7 e 10 reais. No caso do preço acordado ser de 8 reais, você teve um acréscimo de 2 reais em seu bem-estar (toparia pagar 10 reais e pagou apenas 8 reais). E o lavador de carro teria um acréscimo de 1 real em seu bem estar (toparia lavar o carro por 7 reais e recebeu 8 reais). Isto é, o bem estar da sociedade aumentou em 3 reais. Suponha agora que o governo crie um imposto de 4 reais sobre cada carro lavado. Neste caso, a troca anterior passa a ser impossível. Conseqüentemente, o bem estar da sociedade é reduzido em 3 reais. Esta redução no bem estar da sociedade decorrente do imposto é o que chamamos de peso morto dos impostos.

Quanto maior o peso morto de um imposto, maior será o número de trocas que deixarão de ser realizadas na economia, e maior será o impacto negativo desse imposto sobre o crescimento econômico de longo prazo. Alguns especialistas dizem, erradamente, que a CPMF era um bom imposto. Afirmam isso dizendo que a CPMF arrecadava muito e tinha um custo de arrecadação baixo. Do ponto de vista econômico, a qualidade de um imposto é medida por três fatores: a) facilidade e custo da arrecadação; b) montante arrecadado; e c) peso morto associado ao imposto. A CPMF tinha bom desempenho nos itens “a” e “b”, mas é um desastre no item mais importante, o item “c”. A CPMF distorce demais as transações financeiras, com impactos diretos sobre a taxa de juros da economia. Dessa maneira, antes de qualificarmos um imposto como sendo “bom” é fundamental que chequemos as distorções que o mesmo gera na economia.

Quanto mais distorções um imposto gera, maior é o número de trocas que deixa de ser realizada, reduzindo assim a eficiência e a produtividade da economia, e maior será o impacto negativo desse imposto para o crescimento econômico de longo prazo.

III. Base de Dados

Este estudo fez uso de dados trimestrais para o período 1995:01 a 2009:04. A carga tributária bruta trimestral total foi obtida junto ao IPEA. O PIB real foi obtido junto ao IBGE. Abaixo incluímos os gráficos referentes ao PIB trimestral e a carga tributária trimestral.

Como pode ser visto na figura abaixo, a carga tributária apresentou forte evolução no período. Em 1995 a carga tributária bruta se situava ao redor de 27,4% do PIB, mas terminou o ano de 2009 atingindo aproximadamente 34,4% do PIB. Isto é, um aumento de 7 pontos percentuais do PIB num período de 15 anos. A rigor, em 2008 a carga tributária foi ainda mais alta atingindo 34,9% do PIB. As isenções tributárias adotadas pelo governo para combater a crise reduziram levemente a carga tributária de 2009.

A próxima figura mostra o desempenho do PIB nos últimos 15 anos. Sinalizando para um crescimento médio aproximado do PIB de 2,8% ao ano. Se descontarmos do crescimento do PIB a taxa de crescimento populacional, teremos que o PIB per capita brasileiro cresceu, em média, aproximadamente 1% ao ano nos últimos 15 anos. Isto é, desempenho semelhante ao da década de 1980, conhecida por década perdida.

A figura abaixo mostra a taxa de crescimento do PIB e da carga tributária bruta nos últimos 15 anos. Como podemos observar, existe uma forte correlação negativa entre essas duas séries. Isto é, quando a carga tributária sobe o PIB cai, e vice-versa. A correlação entre essas taxas de crescimento é de -0,78[4].

IV. Resultados Estatísticos

A correlação mostrada na figura acima é apenas um indício inicial de que a carga tributária pode afetar o crescimento do PIB ou de que a variação do PIB pode afetar a carga tributária.  Vamos fazer um exercício estatístico supondo que a relação de causalidade parte da carga tributária para o PIB: ou seja, um aumento da carga tributária pelo governo teria impacto sobre o PIB.

A partir daí lançamos mão de procedimentos estatísticos padronizados, em uma “análise de regressão”[5]

Na regressão que procura estimar a relação de longo prazo entre carga tributária e PIB encontramos que um aumento de 1% da carga tributária bruta geraria uma redução de 3,86% do PIB no longo prazo. Esse é um efeito extremamente negativo do crescimento da carga tributária sobre o desempenho econômico de longo prazo.

Na regressão de curto prazo, encontramos que um aumento de 1% na taxa de crescimento da carga tributária reduziria a taxa de crescimento do PIB em 0,42%. Os resultados indicam uma velocidade de ajustamento aproximada de 4,68% por trimestre.

Claro que os resultados desse texto devem ser observados com cuidado. Este trabalho é apenas um primeiro passo, e certamente ainda há muito que fazer. Também devemos ressaltar que uma série grande de variáveis que afetam o PIB não foram incluídas nas regressões[6]. Por fim, é importante lembrar que uma desagregação da carga tributária em diferentes tipos de impostos e contribuições também poderia fornecer resultados interessantes.

Em vista de ser esta uma exploração preliminar dos dados, devemos ver os resultados contidos nesse estudo apenas como uma aproximação, como uma linha de observação. Mais importante do que a magnitude dos efeitos estimados, é o fato de termos obtido indícios dos impactos deletérios da atual carga tributária brasileira sobre o crescimento econômico de longo prazo de nosso país.

V. Conclusões e Sugestões de Política Econômica

Este artigo aponta indícios de que o aumento da carga tributária, nos últimos 15 anos, teve impacto sobre o baixo desempenho econômico da economia brasileira. Os resultados encontrados sugerem uma alta sensibilidade do PIB à carga tributária. Isso quer dizer que, no longo prazo, o aumento da carga tributária tem impactos negativos, e de magnitude expressiva, sobre o crescimento econômico. Nossos resultados preliminares sugerem que, tomado isoladamente, o aumento de 1% da carga tributária reduza o PIB no longo prazo em até 3,8%. Como mencionado anteriormente, mais importante do que a magnitude da redução do PIB (que devido aos problemas estatísticos anteriormente mencionados deve ser vista como um limite superior), é o indício de que a carga tributária brasileira está se colocando como um obstáculo ao crescimento de longo prazo da economia brasileira.

Em relação ao curto prazo, encontramos que um aumento de 1% na taxa de crescimento da carga tributária gera uma redução de 0,42% na taxa de crescimento do PIB. Ou seja, mesmo no curto prazo, o desempenho do PIB seria severamente prejudicado por aumentos na carga tributária.

A conclusão de política econômica desse artigo é óbvia: possivelmente a redução da carga tributária brasileira atual teria potencial para dinamizar o crescimento econômico de curto, e sobretudo, de longo prazo da economia brasileira.

Downloads:

  • veja este artigo também em versã o pdf (clique aqui).

Para ler mais sobre o tema:

Albuquerque, P. H. (2006): “BAD Taxation: Disintermediation and Illiquidity in a Bank Account Debits Tax Model,” International Tax and Public Finance, 13 (5), 601-624

Blanchard, O. J. e Fischer, S. (1989) “Lectures on Macroeconomics”. MIT Press: Cambridge, Massachusetts.

Kaplow, L. (2010) “The theory of taxation and public economics”. Princeton University Press, 472 p.

Romer, D. (1996) “Advanced Macroeconomics”. McGraw-Hill.

Leitura para não-economistas:

Mankiw, N. G. (1999) “Introdução à Economia: Princípios de Micro e Macroeconomia”. Editora Campus: Rio de Janeiro. (ler páginas 247 a 261).


[1] Mais detalhes sobre esse fato podem ser obtidos em Albuquerque (2006).

[2] Mais detalhes em Blanchard e Fischer (1989) cap. 2, e Romer (1996) cap. 2.

[3] Uma ampla revisão da literatura sobre taxação pode ser encontrada em Kaplow (2010).

[4] Correlação é uma medida de associação estatística entre variáveis. Tal medida varia de -1 a 1. Uma correlação negativa indica que as variáveis variam em direções opostas. Uma correlação positiva indica que variam na mesma direção. Uma correlação próxima de zero indica que não há possibilidade de associar o movimento de uma variável com o da outra. Deve-se sempre lembrar que o fato de variáveis serem correlacionadas entre si não quer dizer que a variação de uma seja a causa da variação da outra. A correlação pode ser mera coincidência ou pode ser causadas por outras variáveis não consideradas na análise.

[5] Nota para economistas – Todas as variáveis estão em logaritmo. Dessa maneira, os parâmetros encontrados nas regressões representam as elasticidades. Para verificar a ordem de integração das séries, foram realizados os testes de Dickey-Fuller, DF-GLS, PP, KPSS, ERS e Ng-Perron. No conjunto, tais testes indicaram que tanto o PIB real como a carga tributária bruta são integradas de ordem 1 (I(1)). Para lidar com o problema de regressões espúrias, nós verificamos a co-integração das séries. Os testes indicam que as séries co-integram, isto é, podemos fazer inferência sobre os resultados encontrados. Na regressão do PIB incluímos além da carga tributária, dummies sazonais e uma variável de tendência.

[6] Nota para economistas – Questões referentes a causalidade e endogeneidade das séries também não foram analisadas. Procedimentos estatísticos associados a mudança de regime, quebras estruturais e parâmetros variáveis também seriam estratégias interessantes de serem seguidas do ponto de vista de modelagem econométrica.

]]>
https://www.brasil-economia-governo.com.br/?feed=rss2&p=368 17