Allan Coelho Duarte – Brasil, economia e governo https://www.brasil-economia-governo.com.br Mon, 17 Jun 2019 12:39:32 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=6.7.2 Você realmente sabe o que são juros? https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=3224&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=voce-realmente-sabe-o-que-sao-juros Thu, 13 Jun 2019 19:18:16 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=3224 1 – Introdução

Atualmente, tramitam no Legislativo inúmeros projetos de lei e propostas de emenda à Constituição que visam impor restrições às taxas de juros praticadas no Brasil, seja mediante a determinação de um preço máximo ou impedindo a utilização do método de juros compostos, em detrimento dos juros simples, na contabilização de contratos financeiros.

Da mesma forma, existem incontáveis processos judiciais em andamento sobre os assuntos supracitados, além de inúmeras decisões controversas sendo tomadas nas últimas décadas.

Na esfera legislativa, a aprovação de proposições impondo limitações aos juros pactuados, e, na esfera judicial, a tomada de decisões nesse mesmo sentido, podem causar enorme impacto financeiro negativo e grave insegurança jurídica, como veremos adiante.

Sendo assim, ante a imensa relevância do tema e o grande impacto potencial sobre a população e o desenvolvimento do nosso País, tentarei esclarecer, de maneira acessível e concisa, os principais conceitos relacionados às taxas de juros, a fim de melhor orientar tomadas de decisões quanto ao tema, bem como elucidar para a opinião pública possíveis confusões acerca desse conteúdo.

O foco do texto será na análise econômica das taxas de juros, partindo de um ponto de vista Austríaco, portanto, fazendo uso da praxeologia e do individualismo metodológico como instrumento epistemológico.

2 – O preço intertemporal

Ao contrário do que é afirmado por muitos, juros não são “meios de exploração”, mas simplesmente preços, que surgem a partir das preferências temporais inatas dos seres-humanos[1][2][3]. Afinal, qualquer um prefere receber um valor X hoje que o mesmo X no futuro. Na verdade, essa preferência temporal é hiperbólica: vários estudos científicos comprovam que o ser-humano não apenas prefere o mesmo valor hoje que no futuro, mas que prefere, até mesmo, um valor muito menor hoje a outro muito maior no futuro[4]. Logo, dinheiro à disposição agora vale mais que a mesma quantia monetária no futuro.

Quem poupa e, portanto, empresta dinheiro abre mão de ter um montante disponível hoje – e, consequentemente, de realizar um consumo imediato – e posterga para o futuro a satisfação que obteria com os produtos e serviços que poderia adquirir no presente – exatamente o oposto do que faz aquele que toma o crédito, que prefere realizar um gasto no presente, ainda que não possua recursos disponíveis para isso, ao invés de apenas consumir em uma data futura.

Sendo assim, à medida que os indivíduos fazem avaliações e propostas quanto ao valor do tempo e do uso de recursos monetários, surge um “preço intertemporal” no mercado, que embute a preferência temporal supracitada, bem como riscos de crédito (levar um calote) e expectativas de inflação (corrosão do poder de compra). Todo esse argumento torna-se ainda mais óbvio quando racionalizamos de forma pessoal: basta você avaliar se emprestaria o dinheiro que poupou para desconhecidos sem receber nada em troca. Simplesmente não faz sentido.

Portanto, uma vez que é o “preço do tempo”[5], a taxa de juros equilibra a propensão a poupar de uns com o desejo de pegar emprestado de outros. Sem ela, não existe crédito e, obviamente, crescimento econômico. Logo, qualquer interferência inadequada nas taxas de juros tem o potencial de causar distorções e consequências desastrosas para a economia de um país.

 

3 – Por que os juros são altos no Brasil?

Antes de avançarmos na análise, cumpre esclarecer o que é a “taxa básica de juros da economia”, a chamada taxa Selic: é a taxa de juros derivada das negociações de empréstimos lastreados em títulos públicos federais realizadas pelos bancos em operações overnight gerenciadas pelo Sistema Especial de Liquidação e de Custódia (daí o nome Selic).

Como o Banco Central utiliza tais operações para manipular a oferta monetária, comprando títulos em posse dos bancos e expandindo tal oferta (consequentemente, reduzindo os juros artificialmente) ou vendendo títulos para os bancos e reduzindo a oferta monetária (consequentemente, aumentando os juros artificialmente), tem-se que a Selic é considerada a taxa básica de juros da economia[6].

Tendo em mente todos os conceitos explicitados anteriormente, podemos agora nos questionar por que o valor dos juros cobrados pelos bancos e financeiras excedem, e muito, a taxa Selic.

No entanto, antes de realizarmos prejulgamentos, vale a pena analisarmos esse ponto mais a fundo: afinal, por que existe uma diferença (spread) tão grande entre o valor da Selic e das taxas cobradas pelas instituições financeiras do consumidor final?

Existe grande debate sobre o motivo dessa discrepância[7] e o Banco Central vem atuando na tentativa de reduzir esse gap. De qualquer maneira, existem alguns fatores primordiais indiscutíveis para que tanto os juros quanto os spreads bancários praticados no Brasil sejam elevados:

  1. Baixa concorrência no setor bancário[8]: as regulamentações criadas pelo próprio Banco Central impedem o fácil estabelecimento de novas instituições, que trariam mais concorrência para os grandes bancos. Assim, o sistema bancário funciona como uma espécie de cartel que se sustenta em razão do excesso de regulação do Estado.
  2. Grande insegurança jurídica: o Judiciário é excessivamente leniente com o devedor no Brasil, o que obriga os bancos a fazerem altas provisões contra calotes e a compensarem o risco excessivo de não receber, em virtude das decisões judiciais corriqueiramente favoráveis ao devedor, cobrando mais caro do tomador de empréstimo, inclusive daqueles que pagam em dia, já que é difícil discernir bons de maus pagadores previamente (há um subsídio cruzado) – e tudo isso culmina em juros maiores.

III. Governo: o governo é a razão não só de spreads elevados, em função da alta burocracia administrativa, contábil e tributária imposta a todas empresas, inclusive as financeiras, como também é o responsável primordial pelos elevados juros, em termos absolutos, no País. Afinal, o maior devedor da economia brasileira é o Estado.  Como não consegue financiar todas as suas atividades meramente por meio da arrecadação de impostos, razão dos constantes déficits fiscais e da elevada dívida, o Tesouro Nacional precisa recorrer a financiamentos, via emissão de títulos, em grande volume. O resultado é que boa parte da poupança privada e do capital disponível é desviado para cobrar os rombos públicos.  Logo, o dinheiro que poderia ir para o setor produtivo na forma de crédito acaba indo para o setor não produtivo na forma de empréstimos públicos (que serão pagos via impostos, inflação ou via mais empréstimos – ou seja: o governo se endivida para pagar dívidas antigas.)

  1. Elevados custos de intermediação financeira: segundo o Relatório de Economia Bancária do Banco Central, publicado em 2017[9], as maiores causas dos altos spreads são elevadas provisões contra inadimplência (o que está relacionado com a insegurança juridíca e dificuldade de recuperação de créditos não pagos), despesas administrativas e carga tributária.

 

4 – É possível limitar os juros impondo um valor máximo?

Em decorrência da imensa complexidade do mercado, que é um processo dinâmico de ações variadas de milhões de pessoas, mudando e evoluindo constantemente ao longo do tempo, intervir erroneamente ou tentar reduzir “na marra”, com uma “canetada”, o spread bancário, determinando um valor máximo permitido legalmente para os juros – na tentativa de diminuir os juros cobrados pelas instituições financeiras –, não vai funcionar.

A única saída é atacar as reais causas dos elevados juros e spreads, explicitadas na seção anterior, a começar pelo desenvolvimento de um ambiente institucional e jurídico mais seguro (que gere menos aversão a riscos por parte de investidores) e pela diminuição dos gastos governamentais, responsáveis por déficits tremendos que sugam todo capital disponível.

Caso contrário, na hipótese de se tentar definir legalmente um preço máximo para os juros, as limitações equivocadas culminarão em uma redução de todas as formas de crédito disponíveis e, até mesmo, no fim das linhas de crédito mais arriscadas, como as sem garantias reais, do rotativo do cartão de crédito, cheque especial etc. Ainda, os clientes de baixo poder aquisitivo e com menor capacidade de oferecer alguma forma de garantia colateral serão os mais afetados e terão ainda menos acesso a crédito. Em última instância, haverá grande redução nos investimentos e no crescimento econômico do país[10].

 

5 – Os juros compostos são um problema?

Existe um argumento popularmente difundido e respaldado por muitas decisões judiciais de que a cobrança de juros compostos seria uma “artimanha” utilizada pelos bancos para ludibriar a população e aumentar os seus lucros.

Avaliaremos, em seguida, se a imposição de juros simples para contratos financeiros é uma medida válida. Porém, antes, precisamos compreender melhor as diferenças entre juros simples e compostos e um exemplo irá nos ajudar com essa tarefa.

Pelo método de juros simples, caso o mutuante faça um empréstimo (sem amortizações e pagamentos parciais) no valor de 100 reais, a uma taxa de 10% ao ano, deverá receber, ao final de 10 anos, o valor de 200 reais (o principal somado aos juros de 10% * 10 anos * principal). Já pelo método de juros compostos, o valor emprestado, ao final do primeiro ano, seria de 110 reais (principal somado aos juros de 10%); sobre esse valor, novamente, seriam aplicados 10% de juros, resultando em 121 reais; e assim sucessivamente até o fim do décimo ano, quando o valor da aplicação seria de 259 reais.

No entanto, não se engane. Os juros compostos não proporcionam maiores ganhos para os bancos e tampouco são responsáveis pelos spreads elevados. Conforme vimos em seção anterior, juros são preços e o valor que o mutuante recebe é devido ao custo de se abrir mão de consumo no presente (ao contrário do mutuário). Logo, após a passagem de um período temporal, por exemplo, um ano, o rendimento recebido consiste no pagamento por essa transação intertemporal. Obviamente, o valor auferido incorpora-se ao patrimônio do mutuante. Portanto, ao abrir mão novamente desse valor emprestado em um período temporal sucessivo, é esperado que o novo preço (no caso, os juros) seja cobrado sobre o novo valor que, mais uma vez, não está sendo gasto, mas sim cedido ao mutuário, pelo mutuante. Assim, é indubitável, a partir de uma simples reflexão lógica, que a cobrança de juros compostos é a única possível aplicação.

Caso contrário, se os mutuantes fossem impedidos de contabilizar os juros de forma composta e fossem obrigados a definir juros simples, não haveria uma “economia” para os tomadores de crédito.  O custo não seria menor. As taxas seriam recalculadas de forma a incorporar o fato de os juros não poderem ser calculados de forma composta. Assim, no exemplo anterior, o emprestador, em vez de fazer um contrato com juros de 10% ao ano, faria um contrato com juros simples de 15,9% ao ano, o que lhe renderia, ao final do contrato, os mesmos 159 reais que obteria se fossem cobrados juros compostos de 10% ao ano.

O problema é que esse tipo de contrato aumenta muito os custos de transação, pois deverão ser calculadas infinitas taxas de juros diferentes, de acordo com cada prazo de vencimento possível. Além disso, aumenta o risco para o credor, pois, se o devedor atrasar o pagamento, o valor a ser recebido será menor. Voltando ao exemplo, se o devedor, em vez de pagar a dívida nos 10 anos pactuados, pagar em 11 anos, os juros adicionais seriam de R$ 15,9, se calculados de acordo com o juros simples, e de R$ 25,90 (=10% de R$ 259) se fossem juros compostos – o que implicaria, na prática, juros iniciais ainda maiores que os cobrados pelo método composto para compensar mais esse risco adicional.

Dessa forma, ao obrigar os credores a cobrar juros simples, o custo final ao consumidor deverá ser maior, pois, como vimos,  os juros calculados pelo método simples assumiriam um valor muito superior ao que é pactuado sob o método composto, a fim de tentar compensar a falta de um regime de capitalização, e os custos de transação e os riscos são igualmente mais altos. Afinal, como já ficou claro, juros são preços e não há como pensar neles de outra forma. Para que essa compreensão fique ainda mais cristalina: caso a lógica de um sistema de rentabilidade simples fosse ampliada além da ótica financeira, uma vez que salários, tal qual os juros também são rendimentos (precificados pelo serviço prestado), os trabalhadores deveriam possuir um “salário base” e ter seus aumentos subsequentes incorporados apenas ao valor base. No entanto, é óbvio que não é isso o que acontece – o aumento remuneratório, pelos mesmos motivos explicitados, se dá de forma composta.

Outro argumento lógico, prático e incontestável, corroborando a análise teórica acima, é que, caso seja obrigatória a aplicação de juros simples, seria muito mais vantajoso que o mutuante encerrasse o empréstimo anualmente e re-emprestasse o montante auferido (agora elevado pela incidência dos juros prévios) de forma sucessiva, simulando o efeito dos juros compostos.

Em virtude de toda análise efetuada, fica óbvio por que os juros compostos são o método utilizado no Brasil e em todo o mundo. Os juros simples praticamente não são utilizados como instrumento financeiro e, nas raras ocasiões em que são, é apenas para simplificar o cálculo do rendimento de operações de prazos curtos, inferiores a um ano ou um mês.

 

6 – Por que insistem em intervir no tema?

A resposta para essa pergunta realmente é uma incógnita e poderíamos apenas especular sobre os motivos, indo de uma tentativa de manutenção de influência (poder) sobre a opinião pública – que, muitas vezes é desinformada e, portanto, tende a ser influenciada pela ideia de uma diminuição forçada dos juros ou de um antagonismo utópico entre vilões (que querem juros altos) e mocinhos (que querem os juros baixos) –, ou mesmo uma completa incompreensão do tema (o que parece ser o caso mais provável).

O debate sobre a limitação e a capitalização dos juros no Brasil república vem ao menos desde o Decreto-Lei nº 22.626, de 1933, a chamada Lei da Usura, que dispõe sobre os juros nos contratos.

A Lei dispõe, nos arts. 1º e 2º, que não é válida a cobrança de juros acima do dobro da taxa legal, que, de acordo com o Código Civil vigente na época, seria, no máximo, de 6% ao ano – ou seja, a taxa máxima de juros seria de 12% ao ano.  Já em seu art. 4º, a norma afirma que é proibido contar juros dos juros, ou seja, juros sobre juros, a chamada capitalização, exceto a “acumulação de juros vencidos aos saldos líquidos em conta corrente de ano a ano”.

Sob um prisma histórico, esse decreto, emitido por Getúlio Vargas, anulava a liberação de mútuos introduzida pelo Código Civil de 1916 e revigorava o regime do Código Comercial de 1850, que proibia os juros compostos.

Ao tratar do tema, a Súmula nº 121, de 1963[11], do Supremo Tribunal Federal (STF), corroborando a norma varguista, afirma o seguinte: “é vedada a capitalização de juros, ainda que expressamente convencionada”[12].

Evidentemente, com a expansão do setor bancário e dos mercados de capitais na segunda metade do século XX, as normas supracitadas, por sua falta de razoabilidade e consequente inaplicabilidade, tornaram-se letra morta e a Súmula 121 foi parcialmente revogada pela nº 596, de 1976[13], do STF, que afirma que “as disposições do Decreto 22.626/33 não se aplicam às taxas de juros e aos outros encargos cobrados nas operações realizadas por instituições públicas ou privadas, que integram o sistema financeiro nacional.”

Perdendo a oportunidade de não interferir mais no assunto e para tornar ainda mais incongruente a questão, o próprio STF afirmou, no Recurso Extraordinário (RE) nº 100.336-PE, de 1984[14], que “a conformidade dos julgados que informam a Súmula 121, a proibição do anatocismo[15] constitui ius cogens[16]. Da proibição posta no enunciado não estão excluídas as instituições financeiras. A Súmula 596 não afasta a aplicação da Súmula 121, na espécie”. Em outras palavras, a capitalização prevista na Lei da Usura seria vedada mesmo a operações de instituições financeiras.

Em outro julgado, o  RE nº 1.285, de 1989[17], o STF dispõe que “a Súmula 121 não está superada pela de nº 596. Na verdade, embora relacionadas ambas com juros e com o Decreto 22.626/33, apresentam nítida distinção. Enquanto o enunciado nº 596 se refere ao art. 1º do Decreto 22.626/33, o verbete 121 se apoia no art. 4º do mesmo diploma, guardando sintonia com a regra que veda o anatocismo, ou seja, juros de juros ou capitalização de juros”. Ou seja, em 1989, uma turma do STF afirma que a Súmula 596, de 1976, mesmo se referindo às disposições do Decreto-Lei, estaria, na realidade, apenas tratando do seu art. 1º, que se refere à proibição de se estipular em quaisquer contratos taxas de juros superiores ao dobro da taxa legal. Logo, de acordo com essa interpretação, a Súmula nº 596, de 1976, somente teria revogado essa limitação, permanecendo em vigor o impedimento de utilização dos juros compostos.

Na tentativa de solucionar o imbróglio, o art. 5º da Medida Provisória nº 2.170-36, de 23 de agosto de 2001[18], previu que “nas operações realizadas pelas instituições integrantes do Sistema Financeiro Nacional, é admissível a capitalização de juros com periodicidade inferior a um ano”. Após inúmeras contestações, 14 anos depois, em 2015, o STF reconheceu a constitucionalidade da MP no que tange os requisitos de relevância e urgência[19]. Todavia, o mérito da questão (ou seja, a possibilidade da capitalização de juros em períodos inferiores a um ano), questionado pela Ação de Direta de Inconstitucionalidade (ADI) nº 2316[20] continua em aberto, sem decisão do STF.

Para piorar ainda mais, em 2016, o STF concedeu inúmeras liminares completamente absurdas, alterando o regime dos juros cobrados pelas dívidas dos estados com a União do tipo composto para o simples[21]. Caso tamanho disparate permanecesse, vários estados deixariam de ser devedores e passariam a ser credores da União, conferindo perdas de bilhões de reais ao contribuinte. Pior ainda, causaria enorme insegurança jurídica e abriria um precedente perverso para que a mesma lógica fosse aplicada a diversos instrumentos financeiros, como caderneta de poupança, CDBs, títulos do Tesouro, dentre outros, o que, em última instância, sepultaria o sistema financeira pátrio[22][23].

Tendo em vista que praticamente todos os contratos firmados no Brasil (e no mundo) fazem uso de juros compostos, as reiteradas mudanças de entendimento e tentativas de intervenção nos temas acabam por gerar gravíssima insegurança jurídica.

Corroborando tal entendimento, em 2009, um grupo de 32 especialistas em matemática financeira e acadêmicos das principais universidades brasileiras lançaram um manifesto a favor dos juros compostos e contrariamente às decisões judiciais a favor da aplicação dos juros simples e aos milhões de processos que ainda tramitavam sobre o tema, com base na Súmula nº 121, do STF[24].

Segundo o manifesto, eventual proibição dos juros compostos “é contrária a tudo que se faz no mundo real, não só no que se refere às práticas internacionais no mercado financeiro e de capitais, como também em tudo o que se ensina nas universidades e nos textos dos livros de finanças dos autores mais conceituados. Pode-se assegurar que a quase totalidade das operações financeiras realizadas no mundo, bem como todos os estudos de viabilidade econômico-financeira, são efetivados com base no critério de juros compostos, ou capitalização composta. Proibir a capitalização dos juros implica colocar na marginalidade os fundamentos de uma ciência matemática respeitada, aplicada e reconhecida no mundo inteiro. Apenas para ilustrar, seguem algumas operações realizadas no nosso mercado, calculadas com base nesse critério, começando pelas aplicações financeiras: cadernetas de poupança, fundos de investimento em renda fixa, fundos de previdência, fundos de pensão, fundo de garantia por tempo de serviço (FGTS), títulos de capitalização, títulos de renda fixa privados e todos os títulos da dívida pública federal, estadual e municipal, sejam eles com rendimentos pré ou pós-fixados; do lado dos empréstimos e financiamentos tem-se o crédito pessoal parcelado, financiamento de veículos, todas as formas de crediário de lojas, empréstimos para aposentados, financiamentos e repasses de recursos feitos pelo BNDES, todas as modalidades de financiamentos habitacionais realizados dentro e fora do SFH e muitos outros. Em contrapartida, o número de operações calculadas com base em juros simples é insignificante; entre as mais conhecidas estão as de juros de mora, adiantamento sobre contratos de câmbio (ACC) e as de cálculo de juros sobre saldos devedores dos cartões de crédito.

Do ponto de vista matemático, operacional e contábil, o critério de juros compostos é coerente e consistente, quaisquer que sejam os valores, taxas e prazos envolvidos, e quaisquer que sejam as formas de pagamentos. O mesmo não ocorre com o critério de juros simples que, se utilizado, provoca distorções irreversíveis, principalmente nas operações de empréstimos ou de aplicações financeiras envolvendo dois ou mais pagamentos.

A preocupação sobre o tema aumenta na medida em que se toma conhecimento de pronunciamentos e decisões judiciais fundamentadas em argumentos equivocados, que contrariam a lógica e o bom senso, afetando negativamente o ensino da ciência financeira e da própria ciência jurídica. Membros dos poderes Legislativo e Judiciário têm enorme responsabilidade perante a sociedade brasileira no que diz respeito à elaboração e aplicação das leis; os professores universitários também se sentem responsáveis perante essa mesma sociedade no que se refere à formação técnica e científica dos estudantes e dos profissionais que atuam no mercado financeiro e de capitais. E é em nome da responsabilidade perante o ensino que se propõe uma revisão das regras que ainda restringem a capitalização de juros”.

Quanto aos limites legais para cobrança de juros, existe sobre o assunto um emaranhado de leis (por exemplo, vários artigos do Código Civil, Código Tributário, Lei da Usura e Lei nº 8.692, de 28 de julho de 1993), de proposições em tramitação no Legislativo e de decisões judiciais.

O art. 591 do Código Civil, por exemplo, diz que “destinando-se o mútuo a fins econômicos, presumem-se devidos juros, os quais, sob pena de redução, não poderão exceder a taxa a que se refere o art. 406, permitida a capitalização anual”. Por sua vez, o art. 406 afirma que “quando os juros moratórios não forem convencionados, ou o forem sem taxa estipulada, ou quando provierem de determinação da lei, serão fixados segundo a taxa que estiver em vigor para a mora do pagamento de impostos devidos à Fazenda Nacional”. No entanto, não esqueçamos que a Lei da Usura diz que a cobrança somente poderá ser até o dobro do valor legal e que esta foi editada quanto este valor seria o equivalente a 12% ao ano.

O resultado é que, atualmente, ninguém sabe exatamente quais são limites às taxas de juros pactuadas, especialmente para contratos de mútuo entre particulares[25][26]. Essa insistência em intervir erroneamente no assunto apenas causa distorção e confusão, prejudicando o mercado de crédito e o crescimento do país (afinal, como já cansamos de ver, mas sempre vale repetir: juros são preços, não números mágicos, letras mortas suscetíveis a canetadas arbitrárias ou “meios de expropriação”).

Felizmente, apesar da confusão de decisões judiciais, prepondera o entendimento de que não há limites para a cobrança de juros por instituições financeiras e, tampouco, é obrigatória a imposição do método de juros simples – até porque, como ficou evidente pela nossa análise, tais comandos seriam letra morta, inaplicáveis em termos práticos, já que trariam completo caos para o sistema financeiro com reflexos diretos perversos na atividade produtiva, no crescimento econômico e na qualidade de vida dos brasileiros.

Ainda assim, algumas instituições públicas, como Receita Federal[27], Procuradoria-Geral da Fazenda, Instituto Nacional do Seguro Social (INSS)[28][29], Tribunal de Contas da União (TCU)[30], Justiça Federal e Eleitoral[31], devido a determinações legislativas e jurisprudenciais, continuam aplicando os juros simples nos seus cálculos de juros de mora e dívidas, tanto a pagar quanto a receber.

Em suma, o Judiciário e, especificamente, o STF, ao tomarem inúmeras decisões divergentes ao longo das últimas décadas, muitas vezes contrárias ao interesse da população e à lógica elementar do sistema financeiro, deixa clara a sua incompreensão do assunto. A realidade acerca da matéria, que o Supremo optou por não reconhecer, é que o Decreto de 1933, que estabelece a chamada “Lei da Usura”, foi editado em um período completamente diverso do atual, em que ideias que visavam ao controle estatal e eram contrárias à liberdade proliferavam em nosso país. O próprio decreto supracitado é reflexo disso: foi editado durante a Era Vargas, pouco antes da instituição do Estado Novo, um dos períodos mais autoritários e ditatoriais da história do nosso país. Portanto, resta nítido, embora ainda não tenha sido reconhecido definitivamente o fato pelo STF, que tal decreto não é compatível com a Constituição Federal de 1988.

O argumento contrário (de compatibilização da Lei da Usura com a CF/1988) poderia se apoiar no fato de que a redação inicial do §3º do art. 192 da Constituição Federal impunha tabelamento de 12% ao ano para os juros. No entanto, essa premissa não procede, já que esse dispositivo nunca sequer pôde ser implementado, justamente em virtude da sua completa inconsistência, e foi revogado pela Emenda Constitucional 40/2003. Afinal, a Carta Magna e o seu “espírito”, indiscutivelmente, pressupõem uma economia de mercado, o que é plenamente incompatível com limitações às taxas de juros praticadas na economia. Sendo assim, uma norma fria e literal, incompleta e inaplicável em sua essência, jamais poderia suplantar o espírito constitucional do próprio Legislador originário, que, aliás, apenas incluiu esse dispositivo também por sua incompreensão do assunto.

Na verdade, ao intervir desnecessariamente e impedir a livre pactuação dos valores e do método a ser utilizado para cálculo de taxas de juros nos contratos, pode-se considerar que há uma intromissão indevida do Estado na ordem econômica e na livre iniciativa, fato que contrariaria princípios constitucionais basilares emanados dos arts. 1º, IV, e 170 da Carta Magna de 1988.

 

7 – A solução é mais liberdade e menos intervenção

Portanto, é evidente que os juros compostos não são um problema, mas uma solução, por facilitar cálculos matemáticos que poderiam se tornar complexos em uma situação diversa. Se existe um problema quanto às taxas de juros praticadas no Brasil, tal problema não está no método utilizado para se calcular os juros, mas nos valores elevados, tantos dos juros básicos quanto dos spreads bancários, cujas raízes estão no excesso, e não na falta, de regulação e intervenção governamental e jurídica – que, conforme vimos na seção 3, além de criarem ambiente inóspito para a concorrência no setor bancário, consomem todo capital poupado que poderia ser utilizado como crédito privado, obviamente elevando as taxas de juros.

Nesse sentido, há que se continuar o estímulo à concorrência e o processo de quebra de monopólio de certos serviços financeiros que vêm sendo efetuados pelo Banco Central. Recentemente, foram criadas as Sociedades de Crédito Direto (SCD) e de Empréstimo entre Pessoas (SEP)[32], que visam a facilitar a oferta de crédito e financiamentos por fintechs, com potencial de desburocratizar o setor e diminuir os spreads bancários. Um passo seguinte, por parte tanto do BC quanto do Congresso Nacional e, quanto à jurisprudência, do Poder Judiciário, deveria ser o de permitir que pessoas físicas ou jurídicas não financeiras emprestem seus próprios recursos, sem os limites impostos pelo Código Civil e pela Lei da Usura. Isso também aumentaria a concorrência e permitiria ampliação da oferta de crédito e, consequentemente, queda de juros.

Outra maneira de se amenizar o problema está na maior disseminação de conhecimento sobre finanças, desde a escola. Apesar de poucos efeitos imediatos e de ser um projeto de longo prazo, a implementação de uma adequada educação financeira pode contribuir tanto para diminuição das taxas de juros, por aumentar a capacidade de poupança privada, quanto para melhor compreensão e utilização dos instrumentos financeiros. Afinal, como vimos, esse problema afeta, até mesmo, ocupantes de altos cargos da República com poder de tomar decisões de imensas repercussões.

Por falar nisso, o Poder Judiciário, que tem a oportunidade de pacificar a questão, simplesmente declarando a inaplicabilidade da “Lei da Usura” (seja anunciando sua não-recepção por vícios de constitucionalidade material, por violar, como vimos, diversos princípios essenciais da CF/1988, ou emitindo uma súmula vinculante para pacificar a jurisprudência), ao optar por imiscuir-se indevidamente em assunto que não compreende, causa grave insegurança jurídica e permite reiteradas judicializações do tema, por parte de pessoas que ou também não entendem o conceito ou optam por agir de má-fé. Evidentemente, esse ativismo judicial aumenta os riscos dos investidores (que ofertam o crédito necessário para o crescimento econômico do país) e gera mora, burocracia e custos desnecessários ao mercado – o que, evidentemente, também contribui para alta dos juros.

Uma alternativa ante o intervencionismo e imbróglio judicial é simplesmente a revogação formal da Lei da Usura pelo Legislativo. Dessa maneira, não haveria interpretações conflitantes e errôneas sobre limitações ao valor máximo das taxas de juros e à utilização dos juros compostos como método de contabilização.

Apesar de extremamente subestimada, muitas vezes, a via negativa, da não intromissão, é muito mais produtiva que a da ação. “Fazer algo” é superestimado, especialmente em virtude do seu “apelo humano”. Frequentemente, somos levados a crer que precisamos intervir em algo para tentar “consertá-lo”, quando, na realidade, a melhor solução seria não fazer nada além de se ter paciência para que os processos e ajustes naturais prevaleçam. Isso vale tanto na economia quanto, por exemplo, na medicina, em que, infelizmente, o paciente sempre espera uma ação do médico. Logo, existe uma percepção disseminada de que se o médico, obrigatoriamente, “não fizer algo” este “é ruim”. Por isso, muitos são levados a sempre prescrever um tratamento – ainda que esta tenha efeitos meramente paliativos e, eventualmente, até cause mais efeitos colaterais que benefícios no longo prazo –, quando, na verdade, a melhor receita seria esperar, não intervir e deixar o organismo se curar sozinho[33]. Avançando na metáfora, um governo interventor é como um médico que pretende tratar milhões de pacientes com o mesmo remédio. A prescrição homogênea será benéfica para alguns (principalmente para aqueles que são amigos próximos do médico e, portanto, podem “influenciar” na decisão sobre qual remédio será prescrito), mas certamente prejudicará a grande maioria. E é exatamente isso que vem acontecendo em virtude dos excessos de intervenções que objetivam impor limites a um preço que deveria ser formado naturalmente pelo mercado.

Em suma, recapitulando rapidamente os principais pontos de tudo o que vimos, juros são preços e, portanto, sua manipulação pode ocasionar graves distorções. Assim, tentar impedir a cobrança de juros compostos ou impor um limite às taxas praticadas pelo mercado, ao invés de combater as causas estruturais dos elevados juros básicos e spreads bancários, causa malefícios à economia e pode trazer repercussões negativas justamente para as pessoas que o administrador (no âmbito do Executivo), o legislador (no Legislativo) ou o juiz (no Judiciário) pretendem proteger – ou seja, o cidadão brasileiro.

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[1] MISES, Ludwig Von. Ação Humana. Págs. 555-662

[2] https://www.mises.org.br/Article.aspx?id=1105

[3] https://www.mises.org.br/Article.aspx?id=552

[4] http://www.behaviorlab.org/Papers/Hyperbolic.pdf

[5] Existe o argumento de que, a rigor, juros não poderiam ser considerados preços, uma vez que não respeitariam a lei da utilidade marginal. No entanto, uma análise mais rigorosa pode demonstrar outro ponto de vista. A dificuldade de compreensão da ideia de juros como preços do tempo se dá em virtude do grande grau de abstração do conceito tempo. Sendo assim, uma análise que faça uso da noção de limites pode facilitar a compreensão. Afinal, se considerarmos o tempo de uma forma assintótica, ou seja, se este tendesse ao infinito e nós fôssemos imortais, a utilidade marginal dessa grande “abundância” de tempo à disposição tenderia a zero, da mesma forma que o seu preço (as taxas de juros), pois sempre existiriam pessoas dispostas a abrir mão de consumir agora para obter um ganho mínimo no futuro, já que esse futuro seria certo e eterno. Inversamente, se soubéssemos que nosso tempo tende a zero, ou seja, que morreríamos em breve, a utilidade desse tempo extremamente escasso tenderia ao infinito, assim como as taxas de juros, pois não teríamos nenhum incentivo para esperar para consumir em um futuro que jamais chegaria. Portanto, já que somos mortais e que somos confrontados sempre, ainda que psicologicamente, com essa escassez iminente (não sabemos quando vamos morrer), tempo presente é “mais caro”, e o quão mais caro será precificado pelos juros, que tempo futuro – e essa conclusão está plenamente de acordo com a lei da preferência temporal. Também é errado dizer que, se é o preço do tempo, então os juros devem ser iguais para todas atividades que considerem períodos temporais idênticos. O que ocorre é que a dimensão temporal é diferente para diferentes atividades, já que cada uma dessas dimensões guarda pressupostos, possibilidades e riscos específicos. Assim, é natural que os juros cobrados em uma atividade de alto risco seja muito mais elevado que os cobrados de uma atividade praticamente sem riscos, já que, embora o tempo newtoniano de ambas possa ser o mesmo (por exemplo, um ano), as diferentes possibilidades/probabilidades de acontecimentos dentro de cada fluxo temporal torna esses tempos completamente distintos.

[6] Para não estender o texto excessivamente, não vou entrar do mérito das consequências e da validade ou não da manipulação da política monetária pelo Banco Central. Porém, caso você queira se aprofundar no assunto, recomendo os seguintes textos: https://www.mises.org.br/Article.aspx?id=1538 e https://www.mises.org.br/Article.aspx?id=223

[7] Recomendo o excelente texto sobre o tema: https://www.mises.org.br/Article.aspx?id=1094

[8] https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2018/03/20/concentracao-bancaria-e-uma-das-causas-do-alto-spread-no-brasil-apontam-debatedores

[9] https://www.bcb.gov.br/pec/depep/spread/REB_2017.pdf

[10] Caso queira se aprofundar no tema, recomendo o seguinte texto, do Consultor Legislativo Marcos Köhler: https://www12.senado.leg.br/publicacoes/estudos-legislativos/tipos-de-estudos/outras-publicacoes/volume-iv-constituicao-de-1988-o-brasil-20-anos-depois.-estado-e-economia-em-vinte-anos-de-mudancas/politica-economica-e-monetaria-o-limite-constitucional-dos-juros-do-voluntarismo-ao-aprimoramento-da-gestao-fiscal

[11] http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/menuSumarioSumulas.asp?sumula=2000

[12] https://www.conjur.com.br/2014-jul-24/isaias-coelho-mito-juros-compostos-judiciario

[13] http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=596.NUME.%20NAO%20S.FLSV.&base=baseSumulas

[14] Ementa: Juros. Capitalização. A capitalização semestral de juros, ao invés da anual, só é permitida nas operações regidas por leis ou normas especiais, que expressamente o autorizem. Tal permissão não resulta do art. 31 da Lei 4.595, de 1964. Decreto nº 22.626/1933, art. 4º. Anatocismo: sua proibição. Ius cogens. Súmula 121. Dessa proibição não estão excluídas as instituições financeiras. A Súmula 596 não afasta a aplicação da Súmula 121. Exemplos de leis específicas, quanto à capitalização semestral, inaplicáveis à espécie. Precedentes do STF. Recurso extraordinário conhecido, por negativa de vigência do art. 4º, do Decreto nº 22.626/1933, e contrariedade do Acórdão com a Súmula 121, dando-se-lhe provimento (RTJ do STF, v. 124/616).

[15] Termo jurídico para juros compostos.

[16] De acordo com o art. 53 da Convenção de Viena, internalizada pela Lei nº x, o termo jus cogens se refere a “uma norma aceita e reconhecida pela comunidade internacional dos Estados como um todo, como norma da qual nenhuma derrogação é permitida e que só pode ser modificada por norma ulterior de Direito Internacional geral da mesma natureza.” Logo, é curiosa a sua aplicação no recurso extraordinário analisado, uma vez que os juros compostos são praticados em todos os países do mundo.

[17] Ementa: Direito Privado. Juros. Anatocismo. Vedação incidente também sobre instituições financeiras. Exegese do enunciado nº 121, em face do nº 596, ambos da súmula do STF. Precedentes da Excelsa Corte. A capitalização de juros (juros de juros) é vedada pelo nosso direito, mesmo quando expressamente convencionada, não tendo sido revogada a regra do art. 4º do Decreto 22.626/33 pela Lei nº 4.595/64. O anatocismo, repudiado pelo verbete nº 121 da súmula do Supremo Tribunal Federal, não guarda relação com o enunciado nº 596 da mesma súmula. (Revista do STJ, ano 3, nº 22, junho de 1991).

[18] http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/MPV/2170-36.htm

[19] http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=284716

[20] http://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=1857067

[21] https://www.valor.com.br/brasil/4520755/juro-simples-na-divida-de-estados-geraria-perda-uniao-de-r-313-bi

[22] https://www.valor.com.br/brasil/4521727/especialistas-atacam-uso-de-juros-simples-para-dividas-dos-estados

[23] https://economia.estadao.com.br/noticias/geral,juros-simples–consequencias-severas,10000025864

[24] https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2009/10/635024-leia-a-integra-do-manifesto-de-academicos-a-favor-dos-juros-compostos.shtml

[25] https://nicholastavares.jusbrasil.com.br/artigos/185520765/dos-juros-remuneratorios-nos-contratos-de-mutuo

[26] https://jus.com.br/artigos/63710/juros-moratorios-qual-a-taxa-maxima-legal

 

[27] http://normas.receita.fazenda.gov.br/sijut2consulta/link.action?idAto=42297&visao=anotado

[28] http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8212cons.htm

[29] http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9430.htm#art61

[30] https://portal.tcu.gov.br/sistema-atualizacao-de-debito/

[31] https://www.cjf.jus.br/phpdoc/sicom/arquivos/pdf/manual_de_calculos_revisado_ultima_versao_com_resolucao_e_apresentacao.pdf

[32] https://www.bcb.gov.br/pre/normativos/busca/downloadNormativo.asp?arquivo=/Lists/Normativos/Attachments/50579/Res_4656_v1_O.pdf

[33] Para descrever situações desse tipo, inclusive em cenários socioeconômicos, Nassim Nicholas Taleb (autor de “Antifrágil”, “Arriscando a própria pele”, entre outros livros) generalizou o termo “iatrogenia”, utilizado na Medicina para se referir a complicações, doenças e efeitos adversos causados pela própria prática médica.

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Em tempos de impeachment e “golpismo”, o que é verdade e o que é mentira? https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=2645&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=em-tempos-de-impeachment-e-golpismo-o-que-e-verdade-e-o-que-e-mentira https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=2645#comments Wed, 21 Oct 2015 13:55:47 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=2645 A conjuntura atual é conturbada. A economia vai mal, a política nem se fala. Em tempos de crise fiscal e instabilidade no Congresso, propagam-se falácias e teorias descabidas acerca do futuro do país. Há quem clame por mudança e quem brade “golpismo”.

Mas, afinal, quem assume em caso de queda da presidente da República? Por quais meios ela pode ser destituída? É real a possibilidade de um impeachment? E a cassação pelo TSE? Quais os riscos que o desenrolar de tal processo poderia trazer para o país? Qual o papel do povo brasileiro e como a opinião pública influencia no processo?

A seguir, tentarei responder a cada uma dessas questões.

Hipótese 1: Impeachment

As buscas no Google combinando as expressões “impeachment” e “quem assume” cresceram cerca de 350% neste ano. As pesquisas sobre o vice-presidente, Michel Temer, também dispararam, demonstrando que há grande interesse público acerca do tema. No entanto, o que é verdade e o que é mentira?

Em primeiro lugar, cabe esclarecer que o impeachment consiste em processo instaurado com base em denúncia de crime de responsabilidade contra certas autoridades, como o presidente da República, o vice-presidente, ou os Ministros do Supremo Tribunal Federal.

Especificamente no caso do presidente da República, o art. 85 da Constituição Federal de 1988 define que são crimes de responsabilidade os atos que atentem contra a Constituição e, especialmente, contra: a existência da União; o livre exercício do Poder Legislativo, do Poder Judiciário, do Ministério Público e dos Poderes constitucionais das unidades da Federação; o exercício dos direitos políticos, individuais e sociais; a segurança interna do País; a probidade na administração; a lei orçamentária; e o cumprimento das leis e das decisões judiciais.

Ademais, o parágrafo único do art. 85 afirma que os crimes supracitados serão definidos em lei especial, que também estabelecerá o processo de julgamento. Essa norma já existe, é a Lei nº 1.079, de 10 de abril de 1950, que define inúmeras hipóteses, amplas e genéricas, de crimes de responsabilidade, como, por exemplo, “infringir, patentemente, e de qualquer modo, dispositivo da lei orçamentária”, “permitir, de forma expressa ou tácita, a infração de lei federal de ordem pública” ou mesmo “proceder de modo incompatível com a dignidade, a honra e o decoro do cargo”.

Ora, resta claro que tanto a Constituição quanto a Lei nº 1.079, de 1950, deixaram significativo espaço para interpretações acerca do que se enquadra no conceito de crime de responsabilidade. Assim, a perda de apoio político e social certamente facilita a deflagração do processo, uma vez que, conforme acima exemplificado, não é difícil, ao contrário do que muitos propagam, encontrar uma justificativa jurídica válida para abertura do processo.

Até porque, quanto a isso, a Constituição e a Lei permitem que qualquer cidadão faça a denúncia contra o presidente da República por crime de responsabilidade perante a Câmara dos Deputados, à qual caberá a admissão da acusação e a consequente abertura do processo de impeachment mediante voto de dois terços de seus membros, ou seja, 342 deputados federais dos 513 existentes (Constituição Federal, art. 51, I). Não há demais exigências. A Lei permite, em seu art. 16, até mesmo que os documentos comprobatórios da denúncia não sejam apresentados inicialmente, exigindo apenas a indicação do local onde estes possam ser encontrados futuramente.

Portanto, caso a Câmara considere que as artimanhas utilizadas pelo Tesouro Nacional – com consentimento da presidência da República, para artificialmente inflar os cofres públicos, mediante atraso no repasse de bilhões aos bancos públicos nos últimos anos – se enquadram em qualquer um dos itens da Lei nº 1.079, de 1950, que definem os crimes de responsabilidade, haverá justificativa jurídica mais que válida para início do processo, desde que seja obtido o quórum de dois terços naquela Casa. Até porque, conforme acima exposto, diante da vastidão conceitual deixada pelo legislador constitucional e infraconstitucional, a decisão de se enquadrar uma prática como crime de responsabilidade é, acima de tudo, política.

Ou seja, as “pedaladas” podem, sim, configurar subsídios mais que suficientes para abertura de um processo de impeachment. Acerca do tema, vale destacar que cabe ao Tribunal de Contas da União (TCU) apenas apreciar anualmente as contas do presidente da República, mediante a emissão de parecer prévio, conforme ocorreu recentemente, quando o órgão, em votação unânime, ofereceu parecer orientando pela rejeição das contas. Pronto, o TCU não tem mais nenhum papel direto no julgamento das contas presidenciais, que deverá ser feito pelo Congresso, conforme inciso IX do art. 49 da Constituição.

No entanto, ao contrário do que se propaga, a rejeição das contas, que sequer exige quórum qualificado, não deflagra a abertura do processo de impeachment. Apenas pode servir de justificativa para a abertura de um processo, que só será instaurado, não custa repetir, com aprovação de dois terços da Câmara. Ademais, não necessariamente o Congresso precisa rejeitar as contas da presidente para que existam subsídios para um impeachment. A abertura de um processo e a eventual cassação do mandato presidencial são atribuições do Poder Legislativo que não estão obrigatoriamente interligadas a tal rejeição. Conforme anteriormente exposto, se os deputados federais considerarem que as pedaladas fiscais ou quaisquer outros atos do governo são contrários, por exemplo, à dignidade, à honra e ao decoro do cargo de presidente da República, pode ser deflagrado o impeachment, conforme item 7 do art. 9º da Lei nº 1.079, de 1950.

A partir daí, é com o Senado. Se a Câmara oficializar a acusação ao chefe do Poder Executivo, este será suspenso das suas funções (e terá metade de sua remuneração cortada) imediatamente após a instauração do processo pelo Senado1. No caso de crime de responsabilidade quem decide é o Senado. O único papel do Supremo Tribunal Federal (STF) é ceder seu presidente, que presidirá o julgamento do acusado. Entretanto, quem condena são os senadores, mediante voto de dois terços de seus membros, ou seja, 54. Em caso de condenação, a presidente da República ficará oito anos impossibilitada de exercer qualquer exercício de função pública2. Não poderá nem mesmo realizar concurso público. E isso sem prejuízo das demais sanções judiciais cabíveis. 3

O rito previsto na Lei de Crime de Responsabilidade e na Constituição é esse. Exigências extras, como as definidas pelo presidente da Câmara, Eduardo Cunha, que estabelecem, por exemplo, a formação de uma comissão especial para analisar previamente o pedido de impeachment, são determinações processuais previstas no art. 218 do Regimento Interno da Câmara dos Deputados, que é uma resolução e, portanto, também é norma primária, hierarquicamente no mesmo nível que qualquer lei ordinária ou complementar. A diferença é apenas que, precipuamente, uma resolução disciplina assuntos políticos e administrativos internos da respectiva Casa Legislativa. Dessa forma, a decisão liminar do STF de suspender tais ritos aparentemente invadem assuntos interna corporis do Legislativo e exaltam um excesso de intervencionismo do Judiciário. A Câmara não está descumprindo o ordenamento jurídico. As exigências legais e constitucionais, como o quórum de dois terços para a abertura do processo, continuarão tendo de ser atendidas. A Casa apenas regulamentou, de forma legal, o rito da matéria antes da votação de mérito, o que acontece também, por exemplo, com as Medidas Provisórias, regulamentadas pela Resolução nº 1, de 2002-Congresso.

Mas, após todo o rito processual ter sido cumprido, se realmente ocorrer a perda do mandato, quem assume? O art. 79 da Constituição afirma que é o vice-presidente da República, a quem caberá completar o tempo de mandato do impeachmado.

Porém, no caso de cassação também do vice, o presidente da Câmara dos Deputados não se torna presidente da República. O que ocorre é que o art. 80 da Carta Magna diz que, em caso de impedimento ou vacância do presidente e do vice, serão sucessivamente chamados ao exercício da presidência o presidente da Câmara dos Deputados, o do Senado e o do Supremo Tribunal Federal. Mas esse exercício é apenas temporário. Se realmente houver vacância dos cargos de presidente e vice-presidente da República, há realização de novas eleições, conforme art. 81 da Constituição.

Nesse caso, se as vacâncias ocorrerem nos dois primeiros anos do mandato, ou seja, até o fim de 2016 se considerarmos o mandato presidencial em curso, haverá novas eleições diretas para presidente e vice, noventa dias após a abertura da última vaga; porém, se as vacâncias se derem nos dois últimos anos (2017-2018), as eleições para ambos os cargos serão indiretas, ou seja, não serão os cidadãos que votarão, mas os parlamentares que compõem o Congresso, e ocorrerão dentro de trinta dias após a última vacância. Por fim, sobre o tema, vale ressaltar que os eleitos, em quaisquer das hipóteses analisadas, não serão empossados para um novo mandato de quatro anos, mas apenas para governar durante o tempo que faltava para que os impeachmados cumprissem seus mandatos. É o chamado “mandato-tampão”.

HIPÓtese 2: Cassação do mandato pelo TSE

Quem nunca recebeu uma corrente de Whatsapp ou Facebook conclamando o povo brasileiro a votar nulo nas eleições, pois, caso mais da metade da população assim o fizesse, não haveria eleitos e teria de ser convocado um novo pleito. Lembram-se disso? Pois é, podem esquecer de uma vez por todas.

A confusão se dá devido ao art. 224 do Código Eleitoral afirmar que, se a nulidade atingir mais da metade dos votos do país nas eleições presidenciais, estaduais ou municipais, julgar-se-ão prejudicadas as demais votações e o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) marcará dia para nova eleição. Todavia, essa nulidade a que se refere nossa legislação não é o voto nulo ou em branco, os quais sequer entram no cômputo dos votos totais ou para determinação do quociente eleitoral. Eles são simplesmente ignorados, como se nunca tivessem existido. Portanto, ao contrário do que as citadas correntes dizem, em tese, se o País inteiro votar nulo ou em branco e apenas uma pessoa votar em um candidato, este será eleito, sem necessidade de novas eleições.

Essa nulidade a que diz respeito o art. 224 supracitado tem grande relevância para nosso estudo. Ela se refere à constatação de alguma fraude no processo eleitoral, como, por exemplo, compra de votos ou recebimento de recursos ilegais durante a campanha. Em tais hipóteses, a Lei é clara ao afirmar que deverão ser convocadas novas eleições se a nulidade abarcar mais de 50% dos votos.

Entretanto, o TSE considera que esse dispositivo se aplica para candidatos eleitos em primeiro turno4, uma vez que, em tal caso, a decretação, pela Justiça Eleitoral, da nulidade dos votos do candidato vencedor já significa que houve a nulidade de mais da metade dos votos válidos. Em razão do silêncio normativo acerca de quando a nulidade englobar menos de 50% dos votos válidos no primeiro turno, ou seja, quando o candidato tiver sido eleito no segundo turno, o TSE vinha aplicando o entendimento de que o segundo mais votado deveria assumir, se este tivesse maioria absoluta dos votos em primeiro turno, após se considerar a exclusão dos votos anulados do universo dos votos válidos; ou, caso o segundo mais votado não tivesse obtido maioria absoluta após as anulações, o entendimento de que deveria haver um novo segundo turno entre os dois candidatos mais votados no primeiro, excluído o cassado5.

Alguns Governadores estaduais devem seus mandatos a tal decisão. No ano de 2009, o TSE decidiu cassar os diplomas do governador do Maranhão, Jackson Lago, e de seu vice, Luiz Carlos Porto, acusados de terem comprado votos e abusado do poder econômico durante a campanha eleitoral. Concomitantemente, foi decido que a segunda colocada nas eleições, Roseana Sarney deveria ser empossada, juntamente de seu vice, João Alberto, uma vez que, após exclusão dos votos nulos de Jackson Lago, ela tinha maioria absoluta dos votos válidos no primeiro turno. O mesmo ocorreu na Paraíba, também em 2009, quando o mandato do então governador, Cássio Cunha Lima, foi cassado pela Justiça Eleitoral, que deu posse ao segundo colocado, José Maranhão.

Outro exemplo é o do ex-governador do Tocantins, Marcelo Miranda, e de seu vice, Paulo Sidnei, que haviam sido eleitos em primeiro turno nas eleições de 2006, mas tiveram seus mandatos cassados em 2009, por abuso de poder político. Conforme o entendimento da Justiça Eleitoral supracitado, o segundo colocado geral não assumiu, já que houve nulidade de mais da metade dos votos válidos, uma vez que Marcelo Miranda tinha sido eleito em primeiro turno, ou seja, com mais de 50% dos votos válidos. Assim, foi realizada nova eleição, que foi indireta, realizada pela Assembleia Legislativa do Tocantins, já que faltavam menos de dois anos para o término do mandato do cassado.

Ocorre que o TSE atualmente investiga, em quatro processos distintos, a entrada de doações ilegais à campanha do PT na eleição presidencial de 2014. Nesse caso, havendo declaração de nulidade dos votos dados à presidente Dilma Rousseff e a consequente perda de mandato, diferentemente dos casos de crime de responsabilidade, não há que se falar em autorização de abertura de processo pela Câmara ou em julgamento pelo Senado, tudo se resolve no âmbito do Poder Judiciário. Ademais, uma vez que a presidente não obteve mais de 50% dos votos válidos em primeiro turno e, considerando que o candidato Aécio Neves teria a maioria absoluta votos já em primeiro turno se os votos direcionados à candidata do PT fossem anulados (Dilma obteve 41,59% e Aécio 33,55% dos votos válidos em primeiro turno. Logo, excluindo-se o percentual da presidente, Aécio teria 57,43% dos votos válidos), levando em consideração a supracitada jurisprudência do TSE, este poderia ser empossado sem a realização de novas eleições.

No entanto, cumpre informar que a Lei nº 13.165, de 29 de setembro de 2015, acrescentou § 3º ao art. 224 do Código Eleitoral, para impedir que o entendimento do TSE acima explanado continuasse a se propagar. De acordo com o novo parágrafo, a decisão da Justiça Eleitoral que implique no indeferimento do registro, na cassação do diploma ou na perda do mandato de candidato eleito em pleito majoritário acarreta, após o trânsito em julgado, a realização de novas eleições, independentemente do número de votos anulados, afastando, assim, casos similares aos anteriormente examinados.

Porém, especificamente em relação às últimas eleições presidenciais, tal dispositivo poderia ser inócuo, pois foi aprovado apenas em 2015. À primeira vista, o parágrafo acrescido ao Código não modifica o processo eleitoral propriamente dito, devendo, portanto, ser aplicado de imediato, o que impediria a posse de Aécio em caso de cassação da presidente pela Justiça Eleitoral. Todavia, caso o STF decida que ocorreu, sim, alteração do processo eleitoral, a mudança terá de respeitar o princípio da anterioridade eleitoral, o qual, nos termos do art. 16 da Constituição, define que a lei que alterar o processo eleitoral entrará em vigor na data de sua publicação, não se aplicando à eleição que ocorra até um ano da data de sua vigência. Nesse sentido, não custa lembrar que a decisão acerca da aplicação ou não do princípio da anterioridade eleitoral costuma ser controversa e polêmica. Recentemente, o STF decidiu que a Lei da Ficha Limpa alterava, sim, o processo eleitoral e, consequentemente, não poderia ser aplicada às eleições do ano de sua publicação, 2010. O detalhe é que o STF só tomou essa decisão após a nomeação do Ministro Luiz Fux, que desempatou a votação (que foi de seis a cinco), a favor do respeito ao princípio da anterioridade. Logo, fica claro que existem divergências de interpretação entre os Ministros do Supremo acerca do que altera, ou não, o processo eleitoral.

Portanto, existe um problema de complexidade jurídica que permite que o TSE tente aplicar a jurisprudência anterior ou altere seu entendimento, já absorvendo a mudança legislativa realizada, o que seria o mais prudente. Se o TSE tentar manter o seu entendimento em situações de cassação similares, antes da alteração do Código Eleitoral, o caso deverá ser decidido pelo STF.

No caso de cassação do mandato, novamente, não há assunção definitiva ao poder do presidente da Câmara ou de qualquer outro. Se cassados os mandatos tanto da presidente quanto de seu vice, deverá haver a convocação de novas eleições, diretas ou indiretas, dependendo de a cassação se efetivar nos dois primeiros ou nos dois últimos anos do mandato; ou a posse do segundo colocado, Senador Aécio Neves, juntamente de seu candidato a vice, Senador Aloysio Nunes. Qual entendimento irá prevalecer dependerá da decisão do TSE acerca da aplicação, ou não, da jurisprudência até então utilizada pelo Tribunal, e da decisão do STF, sobre a validade do princípio da anterioridade eleitoral para o caso.

Desfecho

Seja qual for o desfecho desse imbróglio, o país sairá indiscutivelmente deteriorado da atual crise política e se encontrará em um horizonte ainda mais incerto. A definição do que se qualifica como crime de responsabilidade, em razão da amplitude do ordenamento jurídico aplicável e do poder decisório do Poder Legislativo na questão, tem um viés político muito significativo. Ademais, caso o TSE venha a optar por manter a jurisprudência até então utilizada e dê posse ao segundo mais votado nas eleições de 2014, estará ignorando uma mudança legislativa recente e legitimando um governo que, de fato, não foi eleito pela maioria dos brasileiros, o que abriria caminho para uma agrura política sem precedentes.

Portanto, uma vez que o Legislativo costuma se guiar pelo “clamor das ruas” e o TSE não tem uma linha de atuação absolutamente definida em caso de cassação do mandato presidencial, a manifestação popular terá papel importantíssimo na definição dos rumos do país, tanto na potencial deflagração de um processo de impeachment quanto nas ilações posteriores, no caso de uma condenação.

Apesar de, à primeira vista, poder parecer sedutora a ideia de simplesmente se derrubar o governo atual e se buscar uma nova ordem neste momento de crise política, econômica e social, os cidadãos pátrios precisam refletir e avaliar as repercussões de um possível impeachment. Precisamos assumir nossa responsabilidade como eleitores. Entender o relevante papel social que existe no voto e que a crítica deve também ser prévia a este e não apenas posterior. Não podemos apenas culpar presidentes e parlamentares e solicitar a queda destes quando não mais estiverem satisfazendo os nossos próprios desejos egoístas. Ao contrário, nos cabe assumir que eles são, sim, reflexo e representantes de seus eleitores, por mais que a nossa tendência seja imediatamente a de negar tal realidade perturbadora. Afinal, foram eleitos com milhares, ou milhões, de votos. Obviamente, não deve preponderar a irresponsabilidade de quem seja culpado pelo cometimento de crimes, mas deve existir uma análise séria e meticulosa do que é culpa de fato e do que é impaciência, egocentrismo e sede de benefícios individuais em detrimento do bem comum.

O Brasil tem apenas 27 anos de democracia. Nesse intervalo, foram quatro presidentes eleitos por voto popular, direta e democraticamente: Fernando Collor de Mello, Fernando Henrique Cardoso, Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff. O primeiro foi deposto por corrupção em 1992. Os outros dois sofreram ameaças de cassação: FHC sofreu 17 denúncias solicitando o seu impeachment e perdeu grande parte do apoio popular durante o seu segundo mandato quando fez reformas duras, mas necessárias; já Lula recebeu 34 denúncias, especialmente durante o “mensalão”, em 2005. Assim, caso confirmado o impeachment de Dilma, esta seria a deposição do segundo presidente da República – entre quatro, em um curtíssimo intervalo de tempo, principalmente se ponderado perante o parâmetro de tempo da História.

A mensagem que isso transmite é a de uma democracia ainda pouco consolidada. Composta por políticos impossibilitados de governar a médio e longo prazo, seja por erros próprios ou pelas exigências individualistas de uma população extremamente impaciente, incapaz de arcar com as consequências de um governo eleito democraticamente que não mais a agrada e que, por isso, pressiona seus governantes a agirem pensando apenas em aumentar sua popularidade no curto prazo para garantir a vitória nas próximas eleições. Ou seja, há problemas nas expectativas, nos incentivos e nas ações tanto dos representantes quanto dos representados.

Conclusão

Diante de todo o exposto, é possível concluirmos que:

1) O impeachment é uma opção viável, resguardada constitucional e legalmente. Para se deflagrar o processo, basta que dois terços dos deputados federais decidam que algum ato da presidente da República se enquadra em alguma das vastas hipóteses de crime de responsabilidade. Após deflagração do processo, caberá ao Senado julgar a presidente, necessitando de voto de dois terços de seus membros para confirmar a condenação. Se o impeachment se efetivar, o vice deve assumir. Caso este também seja impeachmado, deverão ser convocadas novas eleições diretas, se o processo finalizar nos primeiros dois anos do mandato presidencial (até o final de 2016), ou indiretas, se o processo finalizar nos dois últimos anos (a partir de 2017). O presidente da Câmara dos Deputados não é sucessor definitivo do presidente da República;

2) A cassação do mandato da presidente e do vice-presidente da República pelo TSE também é uma opção juridicamente válida. Caso o Tribunal decida que houve abuso de poder econômico, compra de votos, recebimento de recursos ilícitos ou quaisquer outras ilegalidades durante a campanha, poderá declarar a nulidade dos votos. Se tal hipótese se confirmar, o TSE terá de decidir se convoca novas eleições, adotando o novo dispositivo incluído no Código Eleitoral neste ano de 2015, ou se tenta invocar a anterioridade eleitoral e mantém a jurisprudência até então utilizada e dá posse ao segundo mais votado, Senador Aécio Neves. Se prevalecer o último entendimento por parte do TSE, a decisão final acerca do tema, após recurso, caberá ao STF;

3) Uma vez que a previsão de impeachment é constitucional, legal e só ocorrerá se houver apoio da maior parte da população, em razão desta conduzir as ações dos parlamentares, não há que se falar em “golpismo”. O tratamento legal e constitucional pouco objetivo acerca do crime de responsabilidade e do processo de impeachment deixa a cargo do Legislativo definir quando deve ocorrer a cassação de um mandato presidencial, se tornando um equivalente manco, porém semelhante, ao voto de desconfiança, ou censura, previsto em regimes parlamentaristas, o que deixa o regime presidencialista nacional mais flexível e ágil para responder à opinião pública. Ocorre que os congressistas são guiados pela vontade do povo, que, muitas vezes, como nos mostra a História, é inconsequente e autocentrada. Logo, o país terá sua democracia e suas instituições políticas cada vez mais fortalecidas à medida que sua população passar a ser mais crítica, tanto em relação aos atos de seus governantes quanto aos seus próprios.

_______________

1 Lei nº 1.079, de 1950, art. 23, § 5º.

2 A Lei, em seu art. 2º, fala em cinco anos. No entanto, esse trecho foi revogado pela Constituição Federal de 1988, que, no parágrafo único de seu art. 52, afirmou que o impedimento é de oito anos.

3 Constituição, art. 52, parágrafo único, e Lei nº 1.079, de 1950, art. 80, parágrafo único.

4 Acórdão 21.320, relator Min. Luiz Carlos Madeira, 09. 11.2004.

5 Consulta 1.657/PI, relator Mln. Eliana Calmon, 19.12.2008.

 

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