Pedro Jucá Maciel – Brasil, economia e governo https://www.brasil-economia-governo.com.br Mon, 29 Feb 2016 12:44:21 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=6.7.2 Contas públicas estaduais em 2015: melhora do resultado primário, mas piora do perfil fiscal https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=2730&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=contas-publicas-estaduais-em-2015-melhora-do-resultado-primario-mas-piora-do-perfil-fiscal Mon, 29 Feb 2016 12:44:21 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=2730 Introdução

A crise econômica iniciada em 2014 agravou sobremaneira o equilíbrio das contas dos estados brasileiros. Muitos estão com dificuldades para pagar despesas básicas, como folha de pagamento e manutenção. Este texto busca avaliar a evolução deste quadro, utilizando os dados mais recentes disponíveis.

Trata-se de analisar o comportamento das finanças públicas estaduais pelo resultado fiscal na metodologia “acima da linha”, com base nos Relatórios Resumidos de Execução Orçamentária (RREO). Essa metodologia permite avaliarmos os principais componentes do resultado primário, como os tipos de receitas e as despesas pública. O critério da apuração das despesas foi a liquidação, com objetivo de aproximar os resultados à ótica de caixa.

São as seguintes as principais conclusões da análise:

  • O ano de 2015 foi caracterizado pela melhora do resultado primário dos estados, fruto da forte restrição financeira que sofreram, dada sua incapacidade de elevar seu endividamento.
  •  Nenhum estado conseguiu apresentar crescimento real positivo nas receitas primárias, ocasionado pelo baixo dinamismo econômico e queda das transferências legais e voluntárias.
  • Piora do perfil fiscal dos estados: incapacidade de segurar o aumento das despesas de pessoal, cujo crescimento foi acima da inflação para a maioria dos entes, e forte retração dos investimentos.

 

É importante registrar que não existe uma metodologia uniforme para a contabilização das receitas e despesas primárias. Assim, a comparação entre estados pode não refletir, necessariamente,uma situação fiscal melhor ou pior, mas simplesmente formas diferentes de contabilização.

Em 2015, observa-se maior esforço fiscal dos entes estaduais, medido pelo resultado primário reportado, em relação ao ano anterior. Na maioria dos estados, a barra azul (resultado primário de 2015) é superior a barra amarela (resultado primário de 2014). Dos 25 estados analisados (cujos dados estão disponíveis), 19 apresentaram melhora no seu resultado primário, enquanto 6 pioraram. Os estados que reportaram pior resultado, em termos proporcionais às suas receitas primárias, foram o Distrito Federal, Rio de Janeiro, Ceará, Rio Grande do Sul, Acre e Bahia. Entanto Roraima, Amapá, Mato Grosso, Alagoas e Rondônia reportaram os melhores.

Gráfico 1: Superávit primário reportado em 2015 e 2014, em % das Receitas Primárias

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É importante fazer algumas observações sobre o resultado apresentado. Houve o mapeamento da utilização dos depósitos judiciais para o financiamento de despesas por pelo menos três estados. O Rio de Janeiro utilizou R$ 6,7 bilhões, Minas Gerais R$ 2 bilhões e o Rio Grande do Sul R$ 1,8 bilhão. Apesar da utilização dos depósitos judiciais terem características muito semelhantes a uma operação de crédito, uma vez que os estados devem ressarcir em algum dia e também pagam juros sobre o saldo utilizado, os estados classificaram como receitas primárias, o que melhorou o resultado do ano. Se fosse o ajuste do resultado retirando esses depósitos, o Rio de Janeiro passaria um resultado de -20% das receitas primárias em 2015.

Assim como ocorre com os depósitos judiciais, pode fazer outras formas “criativas” de registrar as receitas e despesas que podem distorcer o resultado apresentado. Os estados do Mato Grosso do Sul e do Rio Grande do Norte ainda não divulgaram o RREO do 6º bimestre, por isso foram retirados da análise. O Paraná e a Paraíba ainda não tiveram seu balanço homologado pelo Tesouro Nacional, podendo ainda sofrer alterações nos números. O Distrito Federal teve mudança de classificação das receitas e despesas das transferências do FCDF, de forma que foram feitos ajustes para manter a base comparável.

O resultado primário é um indicador de esforço fiscal, porém não mensura a perda ou melhora da qualidade (ou perfil) das finanças públicas. Dessa forma, foi avaliada a poupança corrente dos estados, calculada pela subtração das receitas correntes menos as despesas correntes dos entes (não são computados os investimentos). Ou seja, é o montante de recursos arrecadado pelo estado (sem se endividar) que não está alocado para despesas de manutenção da máquina pública (correntes). Trata-se de mensurar o quanto sobra para utilizar em despesas de forma discricionária dos recursos próprios dos entes.

Gráfico 2: Poupança Corrente em 2015 e 2014, em % das Receitas Primárias

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Dos 25 estados analisados, 18 pioraram sua situação, contra 7 de melhora. Da mesma forma que os resultados anteriores, a utilização dos depósitos judiciais melhorou artificialmente os resultados dos estados que os utilizaram. O que podemos diagnosticar é que a melhora do resultado primário dos estados em 2015 está associada a uma piora do perfil do gasto público. Este trabalho enumera 3 motivos para esse comportamento das finanças públicas em 2015.

Motivo 1: Menor dinamismo das receitas

O ano de 2015 foi caracterizado por uma forte retração econômica. O indicador de atividade do Banco Central registrou uma retração de 4,1% da economia no ano. Essa recessão provocou efeitos negativos sobre a arrecadação em todos os níveis de governo, uma vez que a base tributária se reduziu. A inflação no ano, calculada em 10,7% a.a. pelo IPCA, contribui para reduzir esses efeitos, porém 6 estados ainda apresentaram variação nominal negativa entre 2014 e 2015, no que tange às receitas.

O Gráfico 3 apresenta a variação das receitas primárias de 2015 em relação a 2014, em termos nominais. Observa-se que, em todos os estados (sem exceção), o crescimento das receitas não foi suficiente para recompor a inflação. Ou seja, observou-se um crescimento real negativo das receitas primárias dos estados. O estado do Rio de Janeiro foi o que apresentou o pior resultado, motivado, majoritariamente, pela queda das rendas e da atividade do setor do petróleo e gás.

Gráfico 3: Receitas Primárias em 2015, variação nominal anual, em %

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Motivo 2: Incapacidade dos governos em cortar despesas obrigatórias, notadamente pessoal

O Gráfico 4 apresenta a variação das despesas de pessoal de 2015 em relação a 2014, em termos nominais. Pode-se observar que a maioria dos estados apresentaram crescimento real positivo das despesas de pessoal, acima de 10% neste ano.

Gráfico 4: Despesas de Pessoal em 2015, variação nominal anual, em %

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Parte dos novos governantes receberam uma conta amarga do seu antecessor, os reajustes salariais parcelados com repercussão financeira no mandato seguinte. Trata-se de uma brecha ainda existente na LRF que provoca efeitos nefastos sobre as finanças públicas. Há o Projeto de Lei do Senado nº 389/2015, de autoria do Sen. Ricardo Ferraço, que tramita no Congresso e objetiva fechar essa lacuna na LRF.

Motivo 3: Ajuste fiscal pelo corte dos investimentos

Com a piora da arrecadação e aumento das despesas obrigatórias, a restrição financeira fez com que os estados fizessem o ajuste nas despesas discricionárias, notadamente nos investimentos. Infelizmente é o componente do gasto que gera maior efeito de longo prazo por ampliar a infraestrutura, além de promover maior efeito multiplicador na atividade econômica e ajudar o país a sair da recessão.

Um problema adicional em cortar investimentos se deve a paralisação de obras. Quando isso ocorre, os projetos passam necessariamente por uma revisão (para cima) nos preços, pelos custos associados à desmobilização de pessoal e equipamentos das obras. Trata-se de algo muito perverso do ponto de vista econômico e social. Os investimentos são as despesas que mais precisam de previsibilidade e são as que mais sofrem flutuações, não é à toa que a qualidade do gasto público é baixíssima no Brasil.

Observa-se que, em termos médios, os estados cortaram em mais de 50% os investimentos neste ano, se comparado com o ano anterior. Assim, o corte das despesas no investimento explica a melhora no resultado primário dos governos estaduais ao mesmo tempo que a poupança corrente piorasse, já que se observou menor crescimento das receitas e maior gasto com despesas corrente.

Gráfico 5: Despesas com investimentos em 2015, variação nominal anual, em %

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Resultados e Conclusões

Podemos observar que os estados passam por um forte processo de ajuste fiscal em relação ao ano anterior. Esse resultado está consistente com os dados apurados pela metodologia “abaixo da linha” do Banco Central. No entanto, devido a rigidez legal e orçamentária do setor público brasileiro, o ajuste fiscal foi de baixa qualidade com menor dinamismo da arrecadação, maior comprometimento com despesas obrigatórias (notadamente pessoal) e corte drástico nos investimentos públicos. Dessa forma, os estados atuam de forma pró-cíclica e agravam os efeitos recessivos da crise econômica sobre a atividade local.

Já passou da hora de revisitarmos as regras que regem o setor público objetivando garantir capacidade de reduzir as despesas obrigatórias e melhorar a qualidade do gasto por meio da flexibilização gerencial. Caso contrário, estaremos fadados a conviver com uma carga tributária cada vez maior e revivendo momentos de crise como o atual.

 

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Capacidade de investir com recursos próprios dos estados https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=2696&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=capacidade-de-investir-com-recursos-proprios-dos-estados https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=2696#comments Mon, 07 Dec 2015 11:32:27 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=2696 O presente trabalho tem o objetivo de mensurar a capacidade fiscal dos estados brasileiros de investir com recursos próprios. A ideia desse indicador é complementar a informação trazida pelo resultado primário, adicionando na avaliação um critério qualitativo do perfil da receita e do gasto público.

O resultado primário é definido como a diferença entre as receitas e as despesas não financeiras do governo. De uma forma simplificada, ele indica o quanto sobra das receitas fruto do esforço fiscal (ex. tributárias) após o pagamento das despesas não financeiras (ex. pessoal, custeio e investimentos) com o objetivo de honrar os compromissos de pagamento da dívida (veja mais nesse site sobre o conceito de resultado primário clicando aqui).

Para melhorar o resultado primário, por exemplo, tanto faz o governo cortar despesas de pessoal ou de investimentos. O impacto fiscal será o mesmo, porém, o impacto econômico é completamente diferente. Boa parte dos investimentos serve para ampliar e modernizar a infraestrutura, elevando a capacidade de crescimento futuro do país por meio da redução dos custos de congestionamento e do aumento da competitividade e da produtividade da economia como um todo.

Ademais, é importante estimar um indicador fiscal que consiga captar, de alguma forma, a “margem de manobra” que os governos têm para honrar suas obrigações financeiras. Uma característica peculiar do Brasil em relação a outros países é o nível de rigidez orçamentária. Quando o governo decide ampliar o tamanho do estado no período de “vacas gordas”, dificilmente ele consegue reduzir quando “as vacas estão magras”, pelas várias regras inflexíveis que regem o setor público brasileiro.

Dessa forma, este trabalho sugere um indicador para medir qualitativamente como está a situação fiscal a partir da capacidade de investir dos entes. Além disso, esse indicador revela o grau de discricionariedade que o ente dispõe para gerenciar as contas públicas.

Para a estimativa desse indicador, parte-se das informações da classificação econômica das receitas e despesas constantes no Relatório Resumido de Execução Orçamentária dos estados. Porém, é necessário fazer uma ressalva importante. Ainda não existe uma padronização bem estabelecida no registro contábil dos entes subnacionais. Trata-se de uma lacuna na legislação para aplicação dos limites estabelecidos na LRF de forma apropriada. Observa-se, para alguns entes e para algumas situações, o registro inapropriado de algumas operações que ajudam a melhorar artificialmente os indicadores fiscais. Este trabalho utilizou a informação oficial constante nos balanços.

Para explicar o cálculo do indicador, é necessário entender alguns conceitos da classificação econômica das receitas e despesas (Manual Técnico de Orçamento 2015, MPOG).

Do lado das receitas:

Receitas Correntes: são as receitas que aumentam as disponibilidades financeiras do Estado, em geral com efeito positivo sobre o Patrimônio Líquido, e constituem instrumento para financiar as políticas públicas. Classificam-se como correntes as receitas provenientes de tributos; de contribuições; da exploração do patrimônio estatal (Patrimonial); da exploração de atividades econômicas, etc.

Receitas de Capital: são as provenientes da realização de recursos financeiros oriundos da constituição de dívidas; conversão, em espécie, de bens e direitos; recebimento de recursos de outras pessoas de direito público ou privado.

Do ponto de vista da sustentabilidade fiscal, é mais importante o ente ter mais receitas correntes que de capital, uma vez que as correntes estão sob controle da administração estadual e não geram obrigação futura. Boa parte das receitas de capital são fruto do endividamento ou da venda de ativos, algo que não é sustentável se utilizado em excesso.

Do lado das despesas:

Despesas Correntes: são aquelas que não contribuem, diretamente, para a formação ou aquisição de um bem de capital. Exemplo: pessoal, juros e encargos e custeio.

Despesas de Capital: são aquelas que contribuem, diretamente, para a formação ou aquisição de um bem de capital. Exemplo: investimentos, inversões financeiras ou amortizações da dívida.

Em relação ao perfil do gasto, de maneira geral, é interessante ter uma participação maior das despesas de capital que das despesas correntes já que as despesas de capital estão associadas à criação ou aquisição de ativos para a sociedade (investimentos ou inversões financeiras) ou para amortizar dívidas e reduzir suas obrigações financeiras. Uma exceção a essa lógica são as despesas em educação, que em grande parte é com pessoal e promove efeitos econômicos importantíssimos de longo prazo.

Figura 1: Classificação Econômica das Receitas e Despesas

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A capacidade de investir com recursos próprios é calculada da seguinte forma:

Capacidade de  Investir com  Recursos Próprios =  Rec. Correntes (-) Desp correntes (-) Amortizações (-) Inv. Financeiras (Finc.)1 (-) Restos a pagar inscritos para despesas correntes (+) Restos a pagar cancelados para despesas correntes

 

Ou seja, o indicador mede o que sobra da arrecadação própria (sem depender do endividamento, alienação de ativos ou transferências para investimentos do governo federal), após o pagamento das obrigações correntes e das amortizações da dívida, para realizar despesas de investimentos e inversões financeiras primárias (aquisição de ativos). Trata-se de uma aproximação do grau de discricionariedade (“margem de manobra”) que o governo dispõe para honrar seus compromissos e realizar despesas de acordo com suas prioridades.

Ademais, é importante que esse indicador capte as restrições financeiras que os entes passam. Ao contrário do governo federal, que tem capacidade mais frouxa de elevar seu endividamento, os estados e municípios precisam de autorização da união para se endividar e, dessa forma, qualquer eventual necessidade de caixa inviabiliza a execução da despesa. Assim, o indicador também incluiu os compromissos da execução orçamentária de exercícios anteriores que ainda precisam ser pagos neste ano, os chamados restos a pagar.

 

Figura 1: Capacidade de Investir com Recursos Próprios, em % da Rec. Primárias (Dados acumulados até o 4º Bimestre)

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As estimativas revelam que a capacidade dos estados em investir com recursos próprios está negativa em 2%, no total até o 4º bimestre deste ano. Trata-se de uma situação de “stress financeiro” grave. Dos 27 estados, apenas 3 estados possuem o indicador de capacidade de investir com recursos próprios acima de 10%, nível minimamente razoável. Dessa forma, pode-se esperar a tendência de atraso no pagamento das obrigações dos entes em pior situação financeira, não apenas para fornecedores, mas até para a folha de pagamento.

Revela-se que a situação fiscal é complexa e necessita de uma ampla agenda de reformas para seu equacionamento:

1º) Reforço do marco legal existente: restrição dos limites de endividamento, de concessão de garantias do governo federal, de permissão das excepcionalidades das garantias dos empréstimos e brecha legal que permite a concessão de aumentos salariais com repercussões no mandato posterior.

2º) Falta de padronização dos critérios para aplicação dos limites da LRF: cada estado interpreta a lei e seus limites de uma forma diferente e, por vezes, oportunista. Deve-se dar especial atenção ao limite de despesa dos poderes e órgãos com autonomia orçamentária, como o Judiciário, o Ministério Público, a Defensoria Pública e o Legislativo.

3º) Reformas estruturais do gasto público: reduzindo o comprometimento das despesas de pessoal por meio da melhor aplicabilidade dos critérios de exoneração (CF e LRF), redução da jornada de trabalho, normatização do direito de greve dos servidores, critérios de reajuste salarial. Ademais, é necessário revisar as regras de aposentadorias dos servidores, de forma a estabelecer idade mínima de 65 para homens e mulheres, revisão de aposentadorias especiais para algumas categorias e revisão do sistema de pensões. Flexibilizar os critérios de aplicação mínima das despesas de custeio para torna-la mais flexível e permitir a adoção do caráter anticíclico da política fiscal.

4º) Reforma nas regras orçamentárias (Relatório do PLS 229/2009): buscar o realismo orçamentário, elevar a capacidade de planejamento do espaço fiscal de médio prazo, estabelecer fundamentação técnica para a elaboração de projetos de investimentos, limitação das despesas de restos a pagar para a disponibilidade financeira em todos os anos do mandato, reforço técnico dos instrumentos de avaliação dos programas (ex-ante e ex-post) e convergência da contabilidade aos padrões internacionais.

5º) Reformas gerenciais: focar nas atividades essenciais do estado, focar no atendimento ao cidadão (front office), integrar melhor a formulação e a execução, fusão de órgão públicos, controle e avaliação por meio do diálogo permanente, compartilhamento dos serviços de suporte, adotar novas tecnologias nos sistemas de compras e melhorar coordenação entre órgãos do governo.

Não há dúvidas que os desafios são grandes e a agenda de reformas necessárias envolve paradigmas consolidados na sociedade brasileira. Dado que nossa carga tributária se aproxima de 40% do PIB, o caminho fácil da elevação de tributos mostra-se cada vez mais restrito. O tamanho do setor público e sua ineficiência está chegando ao limite. Se não adotarmos medidas estruturais para resolvermos os problemas, estaremos em uma tendência crescente de elevação da carga tributária ou estarmos sempre fadados a reviver momentos de crise como o atual.

______________

1 Inversões financeiras são despesas que abrangem os gastos com aquisição de imóveis em utilização, aquisição de bens para revenda, aquisição de títulos de crédito de títulos representativos de capital já integralizado, constituição ou aumento de capital de empresas concessão de empréstimos, entre outros.

 

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O Copom e a Dominância Fiscal https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=2594&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=o-copom-e-a-dominancia-fiscal https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=2594#comments Wed, 02 Sep 2015 12:17:07 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=2594 Nesta semana, o Banco Central irá se reunir para definir a taxa de juros básica da economia, que atualmente se encontra em 14,25% ao ano. A maior parte do mercado espera que o Copom mantenha inalterada a taxa de juros nesta reunião, assim como não faça qualquer alteração até o final do ano. Neste ano, o Banco Central elevou a taxa Selic de 11,75% para 14,25% ao ano, uma alta de 2,5 pontos percentuais. Em relação aos indicadores de atividade, com a divulgação do péssimo resultado do PIB do 2º trimestre, o mercado reduziu a projeção do PIB para retração de 2,3% do PIB neste ano e de retração de 0,4% em 2016. Além disso, foi divulgada a elevação da taxa de desemprego para 8,3% no 2º trimestre, maior taxa desde o início da série em 2012.

Em condições normais, a decisão de elevação das taxas de juros pela autoridade monetária promove efeitos sobre a economia para combater a inflação por pelo menos três canais. O primeiro é o impacto da Selic sobre as taxas de crédito ao consumidor e às empresas. Por esse canal, o aumento tende a reduzir o consumo e os investimentos e, por conseguinte, o nível da atividade econômica. O segundo canal é sobre o câmbio, onde o aumento da Selic torna as aplicações financeiras no país mais atrativas para o capital estrangeiro, incentiva o ingresso de capitais, tende a valorizar o real e, por conseguinte, reduz a pressão inflacionária. Por fim, existe o componente das expectativas. Por meio da credibilidade da autoridade monetária e seu comprometimento em alcançar as metas estabelecidas, a elevação da taxa de juros diminui as expectativas de inflação futura e, consequentemente, reduz a pressão sobre reajustes de preços.

Existe uma situação, no entanto, em que a efetividade de parte dos canais da política monetária deixa de funcionar. Trata-se da dominância fiscal. O termo cunhado pelos economistas para descrever a circunstância onde a política monetária perde liberdade e a efetividade de sua estratégia por causa dos seus efeitos sobre as contas públicas. Em uma situação onde o nível de endividamento é elevado, há alto custo de carregamento e as contas públicas não estão equilibradas, o aumento da taxa de juros pode elevar a probabilidade de default da dívida pública, tornar o mercado de títulos menos atrativo ao investidor estrangeiro ou local, causar depreciação cambial e pressão inflacionária. Nessa circunstância, a política fiscal (e não a política monetária) é o melhor instrumento para controlar a inflação por meio da redução das despesas públicas.

Olivier Blanchard, Economista Chefe do FMI, publicou o artigo Fiscal Dominance And Inflation Targeting: Lessons From Brazil em 2004, onde indica que o país se encontrou na situação de dominância fiscal na crise enfrentada pelo país em 2002 e 2003, após as incertezas do processo eleitoral. De acordo com o autor, o fator determinante para a formação da dominância fiscal do período foi o elevado nível de endividamento, sua composição, com alta participação de títulos atrelados ao dólar, e o ambiente de aversão ao risco de investidores. Nessa circunstância, o aumento dos juros provavelmente levou a uma depreciação cambial.

O tema da dominância fiscal está muito presente das discussões econômicas no pós-crise 2008. Como vários países tiveram que se endividar fortemente para evitar o colapso do sistema econômico, há preocupação sobre a solvência das contas públicas no momento em que os bancos centrais tiverem que aumentar juros novamente. Michael Woodford no seu artigo Fiscal Requirements for Price Stability analisa o papel da política fiscal na determinação da estabilidade inflacionária. Chega-se a um regime ótimo em combinar uma regra de Taylor (regra que define a política de juros com base no desvio da inflação em relação à meta e no hiato do produto) para a política monetária com uma meta de comprometimento para o déficit nominal como regra fiscal.

Analisando a atual conjuntura do Brasil, observa-se que, em relação a alguns indicadores, o país está mais preparado para enfrentar crises que no ano de 2002. Primeiro, o Tesouro Nacional realizou um importante trabalho de reduzir a participação da dívida atrelada ao dólar nos últimos anos, o que deixou a dívida menos vulnerável a variações cambiais. Ademais, o montante de reservas internacionais acumuladas hoje é bem superior. No caso da política monetária, o choque de juros implementado pelo Banco Central para o processo de retomada da convergência da inflação à meta, neste ciclo, foi bem inferior ao necessário em 2003, quando a Selic chegou a atingir 26,5% a.a.

No entanto, há outros fatores fiscais que são mais desafiadores neste ciclo em relação à crise de 2002. Primeiramente, a situação fiscal brasileira se encontra em um processo contínuo de deterioração desde 2011, sem que se tivesse tomado medidas efetivas para mitiga-lo. Acumulou-se um montante enorme de despesas represadas que teve seu processo de regularização iniciado no final de 2014. Em relação às receitas, o baixo dinamismo econômico traz um cenário futuro desafiador para esse componente. Quanto ao perfil do gasto público, as despesas obrigatórias assumiram uma tendência expansionista recente que surpreendeu vários analistas. Destaco as despesas previdenciárias, que muitos imaginavam que era um problema apenas de médio-prazo, mas que resolver bater em nossa porta já neste ano.

Por fim, e talvez o mais importante, a forte crise política que vivemos neste momento é um fator de forte instabilidade. Por um lado, o regime “presidencialista de coalisão” mostra sinais de esgotamento, por outro, a baixa popularidade do governo faz com que os parlamentares se distanciem da agenda governamental, votando, inclusive, medidas que deterioram a situação fiscal, como na votação do fim do fator previdenciário e nas propostas de aumento salarial dos servidores públicos. Dessa forma, o necessário processo de ajuste fiscal torna-se extremamente custoso e eleva o nível de incerteza dos agentes econômicos.

É nesse ambiente de deterioração fiscal, com o déficit nominal atingindo 8,8% do PIB em 12 meses, sem perspectivas de o Congresso cooperar e elevado nível de incerteza dos agentes econômicos que a situação de dominância fiscal pode ocorrer. Essa é uma avaliação que deve estar na mesa na reunião do Copom desta semana. Como a atividade econômica já se encontra em retração e o desemprego em alta, será que o aumento ou manutenção da taxa Selic neste patamar irá contribuir para reduzir as expectativas de inflação ou para gerar mais incertezas sobre as condições de solvência da política fiscal? No meu ponto de vista, essa é a questão mais importante da agenda monetária nos próximos meses.

 

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As Finanças Públicas do Governo de Pernambuco no Período Recente e o Processo de Ajuste em 2015 https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=2504&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=as-financas-publicas-do-governo-de-pernambuco-no-periodo-recente-e-o-processo-de-ajuste-em-2015 Mon, 11 May 2015 13:05:52 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=2504 Recentemente publiquei neste blog uma análise agregada das contas fiscais dos estados. O presente texto faz avaliação similar, focada no Estado de Pernambuco. Mostro que esse Estado seguiu a mesma rota de deterioração fiscal observada para a média dos estados e que ele já iniciou o processo de ajuste em 2015, com forte redução das despesas de investimentos.

A preços de 2014 (descontando a inflação), o Estado saiu de uma posição fiscal poupadora (superávit) de R$ 280 milhões em 2010 para o registro de um déficit de R$ 2,1 bilhões em 2014.

Gráfico 1: Superávit Primário em R$ bilhões de 2014

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Essa deterioração fiscal ocorreu pela combinação de menor dinamismo das receitas (crescimento médio real anual de 5,9%), principalmente de transferências do Governo Federal, combinada com a manutenção do crescimento das despesas em patamar mais elevado (crescimento médio real de 6,9%).

Ocorreu uma péssima combinação de deterioração do balanço fiscal do governo de superavitário para deficitário, elevação da carga tributária sobre a sociedade (crescimento das receitas tributárias em 7,1% a.a., em comparação com a previsão de crescimento do PIB Estadual médio anual de 4,4% a.a.) e piora do perfil do gasto público.

Em relação às receitas primárias do estado, pode-se observar a perda de participação das receitas de transferências do Governo Federal. O crescimento médio real das receitas de transferências foi de 3,6% a.a. entre 2010 e 2014, ante crescimento de 9,9% a.a. de 2006 a 2009. Esse comportamento também foi observado nos demais estados brasileiros e é justificado pelo menor repasse do Fundo de Participação dos Estados (FPE) do Governo Federal. O FPE é calculado como uma proporção do Imposto de Renda e Imposto de Produtos Industrializados (IPI). Nesse período, o Governo Federal realizou uma série de desonerações tributárias com o IPI (exemplo: automóveis e eletrodomésticos) e, além disso, houve redução da base tributária para a arrecadação desse tributo devido ao menor dinamismo do mercado interno.

Gráfico 2: Receitas Primárias, participação em relação ao total, em %

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Em relação às despesas públicas, o primeiro fato importante a ser notado é o crescimento do tamanho do estado na economia pernambucana. As despesas públicas cresceram em média 6,9% a.a. no período de 2010 a 2014, ante crescimento médio estimado para o PIB do estado de 4,4% a.a.. As despesas primárias passaram de 98,8% do total das receitas primárias em 2010 para 107,8% em 2014, o que explica a deterioração da situação financeira do Estado.

O crescimento da participação do estado na economia não é necessariamente ruim. O estado pode ser um importante indutor do crescimento por meio da ampliação dos investimentos em infraestrutura ou em capital humano, com despesas na área de educação. Porém, nesse período analisado, não foi isso que parece ter ocorrido.

Ao analisar o montante das despesas primárias nas três grandes categorias do gasto público: pessoal, custeio e investimentos, observa-se que o componente que mais cresceu no período entre 2010 e 2014 foi a despesa de pessoal, em 5,6 p.p. do total arrecadado pelo estado. Entre 2010 e 2014, o custeio cresceu 4,2 p.p. do total arrecadado e os investimentos1 tiveram uma ligeira retração de 0,5 p.p., após ter atingido seu valor máximo em 2013, possivelmente com os preparativos para a Copa do Mundo.

Gráfico 3: Despesas Primárias, % do Total das Receitas Primárias

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Observa-se, no Gráfico 4, que as despesas na área de educação não cresceram sua participação no total arrecadado pelo Estado de Pernambuco. Em suma, apesar do observado aumento da participação das despesas públicas na economia pernambucana, esse aumento parece não ter sido alocado para os necessários investimentos em infraestrutura e em educação.

Gráfico 4: Despesas em Educação, em % do Total das Receitas Primárias

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Um comportamento observado em Pernambuco, que também ocorreu com os demais estados da federação, foi o aumento do endividamento para compensar a queda das receitas de transferências. O Governo Federal autorizou uma série de operações de crédito para diversos estados entre 2012 e 2014. Pernambuco utilizou esse espaço financeiro apenas parcialmente para expandir os investimentos. Apesar do salto das receitas fruto de endividamento de um patamar de 2,5% das Receitas Primárias em 2011 para uma média de 9,7% das Receitas Primárias entre 2012 e 2014, os investimentos cresceram de 12% em 2011 para uma média ligeiramente maior, de 13,5%. Ou seja, maior parte do espaço financeiro que o estado teve fruto do endividamento foi canalizado para despesas de pessoal, notadamente em 2014.

Gráfico 5: Receitas de Operações de Crédito, em % do Total das Receitas Primárias

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Gráfico 6: Poupança Corrente (Capacidade de Investir), em % das Receitas Primárias

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Outro indicador orçamentário importante para mensurar a capacidade de um ente da federação em ser um propulsor de desenvolvimento, por meio da expansão dos investimentos, é a poupança corrente. Esse indicador mede o quanto de receitas próprias (excluindo endividamento) sobra após o pagamento das despesas obrigatórias (por exemplo, pessoal e custeio) para investir. Pelo Gráfico 6, observa-se que a poupança corrente do Estado apresentou forte deterioração, já que houve crescimento das despesas obrigatórias (com maior disponibilidade financeira pelo endividamento) e menor crescimento das receitas tributárias e de transferência. Ao final de 2014, o que sobra da arrecadação do estado para expandir investimentos, sem se endividar, é apenas 2,4% das receitas.

E temos um novo ciclo de ajuste fiscal iniciado em 2015…

O retrato da evolução das finanças públicas do Governo de Pernambuco é semelhante ao ocorrido na maior parte dos estados brasileiros. Observou-se, nos últimos 20 anos no Brasil, que o comportamento das finanças públicas é cíclico. Há períodos de bonança, quando os estados estão pouco endividados e a atividade econômica se aquece e, nesse momento, abre-se espaço fiscal para ampliar as despesas. O ideal seria que os estados pudessem “poupar” nesses períodos de bonança para enfrentar os períodos de “vacas magras” sem forte arrocho sobre as políticas públicas, notadamente os investimentos. Infelizmente, os ciclos políticos combinados com falta de planejamento fiscal de médio prazo inibem as instituições públicas agirem de forma mais eficiente para cumprir com os legítimos anseios da sociedade.

O que os últimos dados disponíveis de 2015 informam sobre o processo de ajuste fiscal implementado por Pernambuco? É possível ver pela Tabela 1 que o ciclo de ajuste já se iniciou e que ele segue o comportamento padrão que os demais entes do país adotam. Devido à alta rigidez orçamentária brasileira2, o saneamento das contas públicas passa necessariamente por medidas fiscais que trazem os efeitos mais perversos à economia, como a ampliação da carga tributária e corte nas despesas discricionárias, principalmente os investimentos públicos.

Observa-se o forte esforço fiscal que o Governo de Pernambuco implementou neste início do ano para restaurar as contas públicas. O superávit primário no primeiro bimestre de 2015 foi R$ 470 milhões superior ao mesmo período de 2014, um aumento de 63%. Essa poupança fiscal pode ser atribuída a 51% expansão das receitas de tributos e 49% pela redução das despesas. Em relação às despesas, destaca-se o forte corte sobre os investimentos públicos que caíram 68% em relação ao ano anterior. É importante também observar que as receitas de operações de crédito (endividamento) caíram bastante neste ano, com a tendência atual de restringir novas autorizações de endividamento para os Estados. Neste novo ciclo, haverá maior restrição financeira para a execução das despesas.

Tabela 1: Componentes do Resultado Primário, em R$ mil

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O processo de rigidez orçamentária (que explicado de uma forma simples, trata-se da falta de capacidade de cortar despesas do governo) é extremamente elevado no Brasil devido às regras obsoletas e ineficientes que regem o nosso serviço público. Essas regras prezam pela forma e pelo rito ao invés de buscar resultados concretos. Cria-se a cultura de que para ampliar ou melhorar as políticas públicas deve-se, necessariamente, contratar mais servidores e elevar custos, como se não houvesse ganhos de produtividade e redução de ineficiências no serviço público a serem perseguidas. Pobre do investimento público, que tanto a economia brasileira precisa para se modernizar e para crescer de forma sustentável no longo prazo, necessário para dar melhores condições de vida para a sociedade, mas que sempre é a opção escolhida para se fazer o ajuste fiscal.

* Os dados levantados neste estudo foram extraídos do Relatório Resumido de Execução Orçamentária do Estado de Pernambuco.

___________

1 Inclui-se na série de investimento as despesas também com inversões financeiras por se tratar da mesma natureza.
2 Cita-se como referência artigo “House of Cards e o Brasil” no Valor Econômico do dia 17/4/2015, em http://www.portalvalor.com.br/opiniao/4011216/house-cards-e-o-brasil

 

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O que explica a deterioração recente das finanças públicas estaduais e quais são as perspectivas? https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=2451&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=o-que-explica-a-deterioracao-recente-das-financas-publicas-estaduais-e-quais-sao-as-perspectivas https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=2451#comments Tue, 07 Apr 2015 15:27:36 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=2451 Introdução

Este trabalho tem o objetivo de apresentar os fatores condicionantes para a recente deterioração das finanças públicas estaduais e indicar as perspectivas futuras para avaliação do cenário fiscal de médio prazo. Utilizou-se como critério metodológico a abertura do resultado primário dos estados pelo resultado “acima da linha”, onde é possível analisar os componentes das receitas e despesas dos governos estaduais. Essa metodologia permite explicar os principais condicionantes da variação do resultado fiscal, assim como estabelecer critérios de avaliação das perspectivas futuras.

Foi interessante observar que, nos últimos 25 anos, a evolução das finanças públicas estaduais seguiu um comportamento cíclico. No período de 1992 a 1997, houve um processo de forte deterioração das contas públicas, onde o resultado primário saiu da estabilidade em proporção do PIB para um déficit de 0,8%. De acordo com Rigolon e Giambiagi (1999), após o lançamento do Plano Real, em 1994, agravaram-se os desequilíbrios financeiros dos estados e de seus bancos. O fim da hiperinflação e a elevação da taxa de juros real elevaram os compromissos financeiros, reduziram as receitas inflacionárias e anteciparam as crises de liquidez dos bancos estaduais.

Os bancos estaduais foram utilizados como instrumento para financiamento da expansão das despesas e, consequentemente, da elevação do endividamento dos entes. O maior problema encontrava-se na estrutura de incentivos que lastreiam o relacionamento entre os bancos estaduais e seus acionistas controladores majoritários (os governos). A intervenção do Banco Central em diversos bancos estaduais e as trocas de títulos dos estados por títulos federais não foram suficientes para conter o crescimento explosivo das dívidas e a deterioração patrimonial e de liquidez dos bancos estaduais. O governo central foi, então, forçado a negociar novo programa de ajuste fiscal para os governos subnacionais.

No processo de renegociação da dívida dos estados, a União assumiu R$ 101,9 bilhões de dívida estadual para ser parcelada em 30 anos a uma taxa de juros de 6% a 9% a.a., mais a correção monetária do IGP-DI. Em troca, o governo federal exigiu disciplina fiscal dos estados por meio de um contrato com metas relacionadas à: (i) dívida financeira em relação à receita líquida real; (ii) resultado primário; (iii) despesas com funcionalismo público; (iv) arrecadação de receitas próprias; (v) privatização, (vi) permissão ou concessão de serviços públicos, (vii) reforma administrativa e patrimonial e (viii) despesas de investimento.

De fato, pelos dados agregados, o programa de ajuste fiscal de 1997-98 foi bem sucedido nos seus objetivos. Como pode ser observado no Gráfico 1, o resultado primário dos governos estaduais saiu de um déficit acima de 0,4% do PIB em 1998 para um superávit de 1% do PIB em 2007. Esse comportamento, no entanto, iniciou tendência de deterioração em 2008, com a crise internacional até 2010. Em 2011, observamos comportamento de recuperação do resultado, seguindo o esforço observado pelo Governo Federal na época. Porém, desde 2012, o resultado primário dos estados apresentou tendência de deterioração de maneira drástica, registrando déficit de 0,3% em dezembro de 2014.  A seção seguinte busca mostrar os principais determinantes desse comportamento.

Gráfico 1: Resultado Primário dos Governos Estaduais acumulado em 12 meses, em % PIB

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Detalhamento dos Dados de Receitas e Despesas Primárias

A fonte de dados utilizada neste estudo foram os relatórios de execução orçamentária por meio do Siconfi (Sistema de Informações Contábeis e Fiscais do Setor Público Brasileiro), aberto ao público, pela Secretaria do Tesouro Nacional. O período de análise foi de 2002 a 2013 (último dado disponível para o resultado fiscal acima da linha). Foram realizados ajustes no banco de dados com o objetivo de padronizar as informações dos estados e corrigir mudanças metodológicas na medida do possível. Há estados, por exemplo, que contabilizam despesas de inativos e pensionistas como custeio. Utilizou-se o padrão de contabilização do Governo Federal para a reclassificação das despesas. Além disso, seguiu-se a definição do resultado primário conforme Relatório Resumido de Execução Orçamentária (RREO).

O Gráfico 2 apresenta a taxa de crescimento real das receitas e despesas primárias. Observa-se que, no período pré-crise, tanto as receitas como as despesas primárias cresciam a uma taxa bastante elevada. Além disso, o crescimento das receitas acima das despesas permitiu os ganhos observados no resultado primário até 2007. No período, a taxa de crescimento real das receitas em 6,5% a.a., superior ao do crescimento do PIB, implicou o aumento do tamanho do estado na economia.

Gráfico 2: Receitas e Despesas Primárias, taxa de crescimento real, em % a.a.

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Gráfico 3: Receitas e Despesas Primárias, em % PIB

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Após 2008, observa-se um quadro de deterioração fiscal com as despesas crescendo a taxas elevadas, enquanto as receitas já não conseguiram crescer com mesmo dinamismo. Essa tendência levou os estados a um resultado fiscal deficitário em 2013 (Gráfico 3).

Desagregando as receitas primárias em tributárias, transferências do governo federal e demais receitas primárias (Gráfico 4), verifica-se que a maior contribuição da arrecadação dos estados entre 2003 e 2008 veio das receitas de transferências, explicando a melhora em 0,9 p.p. do PIB na arrecadação. Essas receitas são influenciadas pela arrecadação do IPI, Imposto de Renda e CIDE. Nesse período, as políticas de transferência de renda do governo federal, estímulo ao consumo pela expansão do crédito e aumento da formalização do trabalho, ampliaram bastante a base de cálculo desses tributos. As demais receitas primárias e as receitas tributárias contribuíram com 0,3 p.p. e 0,2 p.p. do PIB respectivamente. No total, as receitas cresceram 1,4 p.p. do PIB (elevação da carga tributária) até 2008.

Gráfico 4: Receitas Primárias, em % PIB

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No período após 2008, observa-se que as receitas de transferência iniciam trajetória declinante, chegando a perder 0,5 p.p. do PIB até 2013 (último dado disponível). Essa trajetória das receitas de transferência é explicada pela política de desonerações do IPI (carros, eletrodomésticos, etc) e CIDE do Governo Federal, como forma de combater os efeitos da crise. Observou-se que a manutenção dessa estratégia política levou a uma trajetória de queda contínua das transferências.

As receitas tributárias sofreram pequena queda de 0,1 p.p. do PIB no período, mesmo com um crescimento menor do PIB no período. Parte significativa das receitas tributárias se concentra em ICMS sobre energia elétrica, telefone e combustíveis (preços administrados), que cresceram a uma taxa menor que a inflação média no período. A compensação da queda das duas classificações acima foi dada pelas demais receitas primárias, como juros e mora de tributos e “receitas diversas”. É possível que os estados tenham elevado seus esforços em reaver dívidas anteriores por meio de programas de desconto na renegociação com contribuintes inadimplentes.

Do lado das despesas (Gráfico 5), observamos uma tendência clara de expansão das despesas de pessoal pelos estados, a despeito da dificuldade de elevar, de forma significativa, os tão necessários investimentos públicos. Separando as despesas nos dois períodos de análise (2003-2008 e 2009-2013), observa-se que as despesas de pessoal, de custeio e de investimentos cresceram cada 0,4 p.p. do PIB entre 2003 e 2008. No total, as despesas totais cresceram 1,2 p.p. do PIB (inferior ao crescimento das receitas).

Gráfico 5: Despesas Primárias, em % PIB

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Após 2008, observa-se um forte crescimento das despesas de pessoal, com expansão de 0,7 p.p. do PIB até 2013, enquanto o custeio cresceu 0,1 p.p. e os investimentos 0,2 p.p. do PIB. No total, as despesas primárias cresceram 1,0 p.p. do PIB, superior ao 0,1 p.p. do crescimento das receitas, o que explica a deterioração das contas públicas no período. Dessa forma, a deterioração das contas públicas dos estados ocorrida entre 2008 e 2013 pode ser explicada 70% pela elevação das despesas de pessoal, 10% do custeio e apenas 20% dos investimentos.

É importante ressaltar que a redução temporária do resultado primário, em teoria, pode ser salutar, desde que os recursos sejam empregados na expansão da capacidade da economia, como por meio dos investimentos em infraestrutura ou em educação. O que observamos, nos dados acima, é que os investimentos não cresceram. Foi também feito um levantamento das despesas na função orçamentária educação dos estados. Em 2008, essas despesas equivaliam a 2,2% PIB e, em 2013, caíram para 2,0% do PIB. Ou seja, houve redução de 0,2 p.p. do PIB.

O que podemos verificar nos dados citados é que a participação dos investimentos em infraestrutura e em educação nas despesas totais dos estados caíram. Houve piora da situação fiscal (resultado primário) ao mesmo tempo em que houve piora do perfil do gasto público. É o pior cenário possível. Infelizmente, os estados, no agregado, perderam uma boa chance de ampliar seus investimentos em infraestrutura ou em educação no período, enquanto ainda dispunham de espaço fiscal. Agora, a situação fiscal será mais complexa de ser equacionada.

Outro fato interessante de ser observado é a rigidez orçamentária brasileira. Note que, no ano de 2011, houve ajuste fiscal tanto no nível federal, quanto no nível estadual. Infelizmente esse ajuste de 2011 foi realizado basicamente sobre os investimentos, com retração de 0,4 p.p., enquanto as despesas de pessoal subiram 0,2 p.p. e o custeio permaneceu estável no período. Esta é uma face perversa do ajuste fiscal realizado pelos governos. Não há como poupar os investimentos de cortes enquanto tivermos a atual rigidez da estrutura orçamentária brasileira.

Este trabalho também realizou a análise do endividamento dos estados e a capacidade de investir com recursos próprios. Define-se a capacidade de investir com recursos próprios (ou poupança corrente) como a diferença das receitas correntes com as despesas correntes. Em uma linguagem mais simplificada, o montante de recursos que sobram para investir fruto da diferença entre as receitas tributárias com os pagamentos das obrigações de pessoal, juros e custeio. Ou seja, não estão computados na capacidade de investir os recursos originários do endividamento público.

Gráfico 6: Receitas de Operações de Crédito e Capacidade de Investir com Recursos Próprios, em % PIB

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No Gráfico 6, é possível observar que, até 2008, a capacidade de investir com recursos próprios subiu consideravelmente, em 0,9 p.p. do PIB desde 2003. Porém, no período pós da crise de 2009, esse indicador caiu fortemente para 1,2% do PIB. Houve recuperação em 2010 e 2011 e voltou a mostrar deterioração em 2012 e 2013. Em 2013, a capacidade de investir com recursos próprios dos estados atingiu o menor nível em 10 anos, 1% do PIB, ou seja, apenas 7,5% de tudo o que é arrecadado pelos estados.

Esse comportamento é explicado em boa medida pelo comportamento das receitas de operações de crédito dos estados (endividamento). No Gráfico 6 é possível verificar que o montante dessas receitas estava relativamente estável até o ano de 2011. Em 2012, essas receitas triplicaram de valor como proporção do PIB, para 0,6%, e em 2013 elevaram ainda mais para 0,8% do PIB.

É interessante observar que a elevação das receitas de operações de crédito em 2012, em 0,4 p.p. do PIB, não implicou elevação das despesas de investimentos (Gráfico 5). O que observamos no ano de 2012 foi que as despesas de pessoal subiram na mesma magnitude (0,4 p.p. do PIB). Ou seja, há um indicativo de que a maior disponibilidade financeira das operações de crédito permitiu expansão das despesas de pessoal, enquanto os investimentos não foram realizados. Esse comportamento explica a queda na capacidade de investir dos estados nesse ano, uma vez que houve expansão de despesas correntes, por meio do endividamento, sem o aumento das receitas tributárias.

 

Perspectivas Futuras

O que podemos esperar das contas estaduais no médio prazo? Vai depender de inúmeros fatores econômicos e financeiros que impactam as contas públicas. Em 2015, podemos verificar que a maioria dos estados passam por situação crítica em suas finanças públicas. Muitos, inclusive, tendo problemas de caixa para pagar até as despesas de pessoal.

Enumero as cinco principais variáveis para o comportamento futuro das finanças públicas estaduais, assim como sua tendência de médio prazo:

  • Crescimento econômico: variável chave para a ampliação da base de arrecadação. Perspectivas não são boas. Neste ano de 2015, a previsão de mercado indica contração de 1% do PIB e de expansão de apenas 1,2% em 2016. Nos anos seguintes, o potencial de crescimento dependerá da implementação de reformas, principalmente microeconômicas, que o governo tenta fazer neste ano.
  • Inflação: variável igualmente importante para elevação da base tributária. Do ponto de vista fiscal, a tendência de alta dessa variável vai compensar parcialmente a falta de crescimento econômico nos próximos dois anos. A previsão de mercado indica inflação de 8,1% para 2015 e 5,6% em 2016. Destaca-se a elevação dos preços administrados acima da média geral, como gasolina e energia elétrica, que tem elevado peso nas arrecadações estaduais, o que pode ajudar na recuperação das receitas.
  • Royalties: Essas receitas são muito importantes para alguns estados e municípios. O preço do petróleo caiu fortemente nos últimos meses e não há perspectivas que ele retorne para os patamares observados nos últimos anos. É um fator negativo para o reequilíbrio das contas de alguns estados. Por outro lado, a depreciação cambial e o aumento da produção (em que pese a crise da Petrobras) podem neutralizar parte dessa queda.
  • Despesas: Dada a crise financeira que vários governos encontraram neste ano, há perspectiva de redução da taxa de crescimento das despesas. Infelizmente, o maior corte será sobre os investimentos. O problema se encontra na rigidez orçamentária brasileira (difícil cortar despesas de pessoal e custeio) e no comportamento oportunista de alguns governadores, no ano passado (eleição), de negociar reajustes salariais parcelados para a conta ser paga em 2015 e 2016.
  • Autorização de Endividamento: A ampliação dos limites de endividamento dos estados impacta negativamente o resultado primário pois se trata de uma receita financeira normalmente vinculada a gastos primários. Vescovi (2014) fez o levantamento do cronograma das operações de crédito já aprovadas. Verifica-se que em 2014 houve o impacto máximo das autorizações recentes dadas aos Estados (o que explica a forte queda no primário desse ano).  A perspectiva futura é de redução desse montante, caso o governo não autorize mais operações. Espera-se, dessa forma, que essa variável não seja propulsora futura de deterioração fiscal.

 Gráfico 7: Operações de Crédito Autorizadas aos Estados, em R$ bilhões

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Conclusão

As finanças públicas estaduais apresentaram comportamento cíclico no Brasil nos últimos 25 anos. Desde 2012 iniciamos um ciclo de deterioração mais acentuado das contas estaduais, que já reverteu os ganhos observados até o ano de 2008. Infelizmente os estados perderam a oportunidade de ampliar os investimentos em infraestrutura ou em educação, mantendo estáveis as despesas com custeio e pessoal. Agora, teremos que aguardar mais um ciclo de bonança para que os estados possam ampliar sua capacidade de investir. Nessa tendência cíclica, tudo indica que 2014 foi o ano com pior resultado fiscal e que as perspectivas futuras são de retomada gradual do superávit primário.

Essa tendência de recuperação gradual será ajudada pela inflação mais elevada, com correção dos preços relativos (administrados), pelo maior rigor no controle das despesas, com a crise financeira observada em alguns estados, e pelas perspectivas de redução no ritmo de aprovação das operações de crédito. Como força contrária, atuará o menor dinamismo da economia brasileira, associado à queda dos investimentos próprios, dos investimentos do governo federal e das estatais (notadamente a Petrobrás), além da redução do preço do petróleo.

É importante que reconheçamos a oportunidade perdida, no nível estadual, de melhorar o perfil do gasto público. O ciclo de bonança das contas públicas acabou e precisamos construir os alicerces para a sustentabilidade futura. É necessário refletir sobre o papel do estado em atuar com qualidade em suas atividades primordiais, como educação e infraestrutura, antes de querer expandir para outras áreas. Não custa lembrar que, na economia, nada é de graça. O princípio da escassez, já bem consolidado nas sociedades de economias avançadas, precisa ser discutido com maior seriedade no Brasil. Existem escolhas difíceis a serem exercidas pela sociedade brasileira, a protelação delas só vai agravar o quadro para o desenvolvimento econômico para as futuras gerações.

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Referências

RIGOLON, F. E GIAMBIAGI, F.  A Renegociação das Dívidas e o Regime Fiscal dos Estados. Textos para Discussão do BNDES número 69, 1999.

SICONFI (Sistema de Informações Contábeis e Fiscais do Setor Público Brasileiro). Base de Dados in https://siconfi.tesouro.gov.br/siconfi/. Secretaria do Tesouro Nacional, Ministério da Fazenda.

VESCOVI, A. P. Endividamento dos Estados. Apresentação, São Paulo, maio, 2014.

 

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