Paulo Springer e Fernando Meneguin – Brasil, economia e governo https://www.brasil-economia-governo.com.br Wed, 30 Sep 2015 12:37:43 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=6.7.2 Podemos justificar o Fies com base nas falhas do mercado de crédito? https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=2617&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=podemos-justificar-o-fies-com-base-nas-falhas-do-mercado-de-credito https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=2617#comments Wed, 30 Sep 2015 12:37:43 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=2617 A teoria econômica tradicional nos ensina que um ambiente perfeitamente competitivo e sem falhas de mercado gera uma situação eficiente, definida como aquela em que não se pode melhorar a situação de um agente econômico sem piorar a de outro (ou, no jargão econômico, um ótimo de Pareto). O fato de os mercados competitivos e sem falhas de mercado gerarem uma situação eficiente é uma visão idealizada do sistema. Na realidade, entretanto, os pressupostos de concorrência perfeita e ausência de falhas de mercado são frequentemente violados na vida real, o que impede que ocorra uma alocação que seja ótima de Pareto (sobre “falhas de mercado” ver, neste site, o texto “Por que o Governo deve Interferir na Economia?”).

Neste artigo iremos discutir algumas dessas falhas no mercado de crédito, que impedem (ou dificultam) o atingimento de uma alocação que seja Pareto-eficiente. A principal falha em questão é a assimetria de informações, ou seja, o emprestador não conhece bem as características do potencial tomador de empréstimo.

A assimetria informacional pode ser vista sob duas perspectivas: seleção adversa  e risco moral.

O fenômeno da seleção adversa acontece porque os bancos não têm pleno conhecimento da capacidade de pagamento dos tomadores. Por exemplo, duas pessoas físicas, que trabalham em uma mesma empresa e ocupam cargos semelhantes. Uma pode estar em vias de ser demitida e outra não. Ambos os funcionários conhecem (ou, pelo menos, têm uma noção razoável) de sua probabilidade de ser demitido, mas o banco não tem acesso a essa informação e por isso não têm como selecionar o indivíduo que terá maior capacidade de pagamento de um empréstimo no futuro próximo. Podemos também utilizar um exemplo de dois microempresários, suponhamos duas padarias. Uma é reconhecida em seu bairro pela boa qualidade do pão que produz, a outra não: a boa padaria tem melhores perspectivas financeiras futuras, mas o banco não detém essa informação. O mesmo raciocínio é válido para grandes empresas. A empresa conhece melhor que o banco emprestador os lançamentos que pretende fazer nos próximos anos ou a chance de ser bem sucedida em uma negociação envolvendo a transferência de terrenos para a construção da planta industrial.

O problema de seleção adversa surge, portanto, da incapacidade de o banco conhecer bem o tomador do empréstimo. Já o risco moral, a segunda forma de assimetria de informações que estamos analisando, deriva do fato de o tomador do empréstimo passar a se comportar de forma diferente – e mais arriscada – justamente porque conseguiu o empréstimo. Expressões como “muito grande para quebrar” refletem uma situação de livro-texto de risco moral. O tomador sabe que, se quebrar, poderá criar uma cadeia de defaults, com consequências desastrosas para a economia. Como o nome sugere, o risco moral nesse caso é mais alto para grandes tomadores, sejam países ou grandes corporações. Os bancos, cientes de que o não pagamento da dívida por parte desses tomadores pode gerar forte prejuízo, acabam se sentindo obrigados a renegociar as condições do financiamento.

Mas o risco moral também envolve pequenos tomadores. Por exemplo, uma empresa está endividada e se defronta com duas alternativas de investimento. Uma pouco arriscada, mas com retorno baixo, e outra muito arriscada, mas com retorno elevado. Se utilizasse o capital próprio, a empresa poderia optar pela estratégia menos arriscada. Mas, se o capital é de terceiros, ela pode optar pelo investimento mais arriscado pois, se ganhar, paga o empréstimo e obtém um lucro elevado, se perder, perde os recursos de outrem, que eventualmente serão cobrados em juízo, mas não necessariamente pagos ou pagos com defasagem e de forma parcial, conforme decisão judicial.

Seja qual for a causa da informação assimétrica, se seleção adversa ou risco moral, não há como um banco discriminar cada tomador, cobrando-lhe a taxa de juros de acordo com o risco específico que esse tomador traz. Sem conhecer bem o cliente, resta ao banco fixar a taxa de juros em conformidade com um risco médio, esperado para aquele tipo de cliente. Isso faz com que bons pagadores, que mereceriam pagar juros mais baixos, sejam onerados mais fortemente. Dependendo de quão elevado for esse custo extra, o bom pagador pode desistir de contrair o empréstimo. No limite, o mercado de crédito ficaria só com os maus pagadores, que seriam aqueles dispostos a pagar taxas mais altas, pois já têm em mente que não vão pagar o empréstimo tomado. Mas essa não seria uma situação de equilíbrio, pois, se há somente maus pagadores, a taxa de juros deveria refletir o risco máximo. No limite, se há somente “maus pagadores” para os quais o credor não consegue recuperar nada do valor emprestado, então a taxa de juros deveria ser infinita, e o mercado de crédito deixaria de existir1. De uma forma geral, contudo, o mercado encontra uma taxa de juros de equilíbrio, em que o prêmio de risco exigido pelo credor não é tão elevado a ponto de afugentar os bons pagadores do mercado.

Como resolver os problemas da seleção adversa e do risco moral? No caso da seleção adversa, um passo inicial é tentar conhecer melhor o cliente. No caso de pessoas físicas, os tomadores preenchem cadastros em que suas diversas características – estado civil, posição na ocupação, tempo na atividade, tamanho da família, idade, etc – são avaliadas e permitem ao credor inferir o risco de crédito associado àquele indivíduo. Para firmas, os credores podem analisar balanços e contar com análises setoriais. Quanto maior for o tomador, maior será o interesse do credor para analisar em profundidade as características de quem está demandando crédito.

Pesquisas cadastrais e outras formas de análise do tomador contribuem para reduzir, porém não eliminar o problema da seleção adversa. Em primeiro lugar, porque há um trade-off. Informação custa dinheiro, portanto, há um limite de recursos que o credor está disposto a despender para obtê-las. A partir de determinado nível, é mais eficiente manter-se desinformado.

Em segundo lugar, porque a habilidade de pagamento de um tomador depende de uma série de fatores não mensuráveis, que dificilmente são capturados em questionários. Anteriormente demos alguns exemplos de tais fatores, como a probabilidade de perder o emprego, a qualidade do produto ou a perspectiva de novos lançamentos.

Diante da incapacidade de resolver o problema de assimetria de informações, a solução para os credores vem com a exigência de garantias. As instituições financeiras passam a solicitar, na maioria dos tipos de empréstimos, garantias para uma futura perda da capacidade de pagamento dos tomadores. Quanto mais sólida for a garantia, menor será a taxa de juros cobrada.

Esse procedimento, aliado a outros como securitização da dívida, cria mecanismos de proteção para o credor. Via de regra, é solicitado do tomador de empréstimo de 100% a 200% de garantias sobre o valor financiado. Se o empréstimo é para a aquisição de um bem, normalmente este próprio bem é a garantia, como exemplo a compra de um automóvel, que, se não for pago, é incorporado ao patrimônio do credor.

A garantia para um empréstimo tomado pode ser pessoal ou real. Na garantia pessoal, um garantidor se comprometerá em arcar com a dívida, caso o devedor principal não o faça. São exemplos de garantia pessoal: aval e fiança. Na garantia real, o devedor apresenta um bem que poderá ser vendido pelo credor caso haja o inadimplemento da dívida. São exemplos de garantia real: penhor, hipoteca, anticrese e alienação fiduciária.

A questão que se coloca é: o mercado é capaz de encontrar soluções pareto-eficientes para resolver o problema da assimetria de informações? A resposta é negativa. Se a solução via mercado envolve algum tipo de garantia, aqueles indivíduos ou empresa que são potencialmente bom pagadores podem ficar sem crédito se não dispuserem de garantias suficientes.

Por isso, o Governo muitas vezes entra para oferecer crédito sem a exigência de garantias ou com garantias menores do que as que seriam pedidas pelo mercado. Isso seria uma típica intervenção pública para corrigir uma falha de mercado: a incapacidade do mercado privado de conceder crédito para bom pagador que não disponha de garantias para oferecer. Vamos analisar, como exemplo, o problema do crédito estudantil.

Vários países adotam programas de crédito subsidiado para estudantes que, por estarem em uma fase da vida em que não produzem renda, ou têm empregos de tempo parcial, não contam com garantias a oferecer. Ademais, tendo em vista que a elevação do capital humano decorrente dos estudos elevará a renda futura do indivíduo, supõe-se que ele será capaz de, no futuro, pagar o empréstimo que financiará seus estudos.

No Brasil, o FIES (Fundo de Financiamento Estudantil) concede crédito estudantil em condições bastante privilegiadas. Até 2015, a taxa de juros era de 3,4% a.a, com período de carência de 18 meses após a conclusão do curso e o período de amortização era de três vezes o período de duração regular do curso, acrescido de doze meses. A partir do segundo semestre de 2015, a taxa de juros subiu para 6,5% ao ano. Mesmo essa taxa é extremamente baixa se considerada a taxa Selic, atualmente em mais de 14% a.a. e a inflação, que nos últimos anos têm se situado em torno de 6% anuais, sendo que, em 2015, provavelmente ultrapassará os 9%.

A questão que se coloca é, com base nas falhas de mercado, justifica-se a concessão de crédito subsidiado para a educação superior? Usualmente os estudantes são jovens e não possuem ativos para oferecer como garantia. A única garantia que poderiam oferecer é o próprio trabalho (futuro). Vários países (incluindo o Brasil), entretanto, impõem restrições legais para o indivíduo comprometer parte da renda futura para pagamento de dívidas. Além de restrições legais, comprometer a renda futura pode gerar incentivos incorretos, por questões de risco moral: o indivíduo tenderá a preferir ocupações por conta própria ou outras em que a verificação da renda é mais difícil de ser verificada.

Diante das restrições institucionais e do risco moral, é justificável criar programas de crédito educativo? Que características do mercado de educação o tornariam diferente do mercado de crédito para adquirir outros bens ou serviços? Nos outros mercados, de venda de sapatos, móveis ou pacotes turísticos também há assimetria de informações. Por que, via de regra, não se advogam intervenções governamentais no mercado de móveis e utensílios domésticos, por exemplo2?

Há algumas respostas para isso. Em primeiro lugar, o risco de crédito pode ser excessivamente alto para o financiamento estudantil (ausência de garantias, longo prazo para pagamento, dificuldade de conhecer melhor o tomador), a ponto de inviabilizar o mercado. No caso dos móveis, o conjunto de tomadores de crédito é formado por indivíduos sobre os quais é possível inferir com maior acurácia a probabilidade de default. São pessoas já inseridas no mercado de trabalho, que já possuem alguns bens, já há um histórico de adimplência, etc. Ou seja, a assimetria de informação é substancialmente menor para os demais mercados, tornando mais provável haver uma taxa de juros que o equilibre.

Em segundo lugar, observe-se que a interferência governamental não contribui para reduzir o risco. O que a interferência do governo consegue fazer, no máximo, é transferir o risco, do pool de tomadores para outrem (mais especificamente, para os contribuintes de uma forma geral). No caso do mercado de móveis de nosso exemplo, é difícil encontrar justificativa para transferir para o contribuinte a responsabilidade pelo pagamento do risco de crédito.

Já para a educação, argumentos baseados em igualdade de oportunidades e externalidades positivas geradas pela educação podem ser facilmente utilizados.

Desse raciocínio, temos a terceira justificativa para a criação de programas de crédito educativo. O mercado financeiro pode ser pouco competitivo, levando a uma taxa de juros muito alta. Em países com forte concentração de renda, como o Brasil, a educação tende a oferecer uma taxa de retorno muito mais elevada do que a taxa básica da economia. Se o mercado financeiro for pouco competitivo, os estudantes estariam dispostos a pagar até o limite do retorno obtido com a educação. Nesse caso, contudo, todo o incremento de renda que obteriam em função de fazer um curso superior seria apropriado pelo sistema financeiro. O governo, ao oferecer crédito subsidiado (digamos, cobrando taxa de juros igual à Selic), está, em verdade, dando ao estudante o valor presente correspondente à diferença entre o retorno que obtém com os anos a mais de estudo e a taxa Selic. Novamente, argumentos de igualdade de oportunidade podem justificar essa política.

Observe-se que essa política não sai de graça para o contribuinte. Quanto maior for o volume de crédito subsidiado, maior o endividamento do governo e, portanto, maior deverá ser a taxa Selic. Na prática, o impacto sobre a taxa Selic deve ser marginal, mas como esse impacto incide sobre toda a dívida pública, o valor do subsídio pode não ser tão insignificante. Mesmo assim, a sociedade pode estar disposta a pagá-lo, em nome da igualdade de oportunidades e do aumento do capital humano, que aumentará a produtividade futura da economia.

Em quarto lugar, tomar empréstimos envolve riscos. Um tomador mais avesso ao risco pode optar por não se financiar (e não estudar), mesmo que seja, potencialmente, um excelente aluno. Mais uma vez, pode-se utilizar o argumento de igualdade de oportunidades: aversão ao risco é uma boa justificativa para negar a alguém o acesso à universidade?

Pode-se, portanto, construir argumentos defendendo a intervenção governamental no mercado de crédito educativo. A questão seguinte é: uma vez garantida a oferta de crédito, qual deve ser a taxa de juros? Cabe pensar em subsídio? Deve-se embutir um prêmio pelo risco?

Se pensarmos exclusivamente sobre a questão do crédito, o ponto de partida deve ser a taxa básica de juros da economia. Se o retorno privado do investimento em educação for inferior ao da taxa básica de juros da economia, então não deveria haver financiamento. Essa conclusão pode ser alterada caso se entenda que a educação superior gera externalidades suficientemente elevadas, de forma que o retorno social da educação seja superior à taxa de juros da economia, ainda que o retorno privado seja menor. É reconhecido que educação traz externalidades, embora elas sejam mais elevadas para os níveis iniciais de ensino, enquanto o crédito educativo concentra-se no ensino superior.

O subsídio atual do Fies (mensurado como a diferença entre a taxa Selic e a taxa de juros cobrada dos participantes do programa), em torno de 8% ao ano, parece ser bastante elevado, muito acima do que seria justificável pelas externalidades3. É claro que não se pode descartar a existência de externalidades significativas, mas, diante da magnitude dos valores, entendemos que o subsídio não deveria ser concedido sem um estudo mais aprofundado sobre a relevância das externalidades geradas.

Não se pode também descartar a possibilidade de se fixarem taxas diferenciadas, com custo mais baixo para cursos em que, por alguma idiossincrasia qualquer, gere mais externalidades do que outros. Alternativamente, pode não ser necessário conceder subsídios para cursos que geram alto retorno privado, mesmo que gerem externalidades relevantes. Nesse caso, a demanda pelos cursos seria relativamente inelástica aos subsídios.

Partindo da Selic como base, a segunda questão que se coloca é o prêmio de risco. Quem deve pagar pelo risco, o tomador do empréstimo ou o contribuinte? Para responder a essa pergunta, devemos dividir o risco em dois grupos: os riscos idiossincráticos e os não idiossincráticos.

Os riscos não idiossincráticos são aqueles que são comuns a todos os tomadores de crédito e estão fora do controle do indivíduo. Por exemplo, o estudante pode vir a falecer antes de poder pagar o empréstimo. A economia pode entrar em colapso durante o período de amortização. A profissão associada à formação escolhida pode se tornar obsoleta. Do ponto de vista social, o custo do financiamento deve ser entendido como o custo da taxa básica da economia acrescido do risco não idiossincrático. Por esse motivo, são os estudantes que deveriam pagar por esse risco. Do contrário, a sociedade estaria financiando uma atividade que, do ponto de vista social, traria menos retorno do que o valor investido.

Em relação à alocação dos riscos idiossincráticos, a resposta dependerá das preferências da sociedade. Riscos idiossincráticos são aqueles que decorrem da capacidade de o indivíduo pagar o empréstimo em decorrência de características pessoais. Essas características envolvem habilidades natas e adquiridas, atitudes em relação ao trabalho, disposição para honrar compromissos, etc.

A forma mais simples de entender como se processaria o pagamento pelos riscos é imaginar que há um fundo, que faz um chamamento de recursos sempre que uma prestação não é paga. Os recursos desse fundo podem ser aportados pelos tomadores ou pelo Tesouro. No primeiro caso, dizemos que o risco idiossincrático é pago pelos participantes do Fies. No segundo caso, pelos contribuintes. Conforme explicamos anteriormente, se os riscos forem não idiossincráticos, entendemos que são os participantes do Fies que devem fazer os aportes necessários. E para os riscos idiossincráticos?

Para facilitar a resposta a essa pergunta, podemos reformulá-la da seguinte forma: quem deve pagar pelo mau pagador, o bom pagador ou o contribuinte?

A resposta pode não ser simples. Suponhamos que a sociedade seja dividida entre pobres e ricos, sendo que somente esses últimos pagariam impostos. Os pobres não teriam acesso à universidade se não dispuserem de crédito educativo. É justo exigir do pobre bom pagador que arque com os custos do pobre que não é bom pagador? Por outro lado, é justo exigir dos ricos que paguem os custos do pobre que não é bom pagador?

É bom lembrar que, dado o ambiente de informação incompleta, necessariamente alguém arcará com os custos do pobre mau pagador. No exemplo dado, não necessariamente é melhor que os ricos paguem. Por exemplo, os impostos já podem estar sendo utilizados para pagamento de outros programas sociais considerados mais prioritários, como apoio à educação básica ou transferências de renda. O pobre bom pagador pode ter, inclusive, já se beneficiado de um desses programas.

Não é nosso objetivo sugerir quem deve arcar com o risco idiossincrático. Mas deveria haver transparência em relação a isso. Em dezembro de 2014, o banco Morgan Stanley divulgou relatório afirmando que a inadimplência do Fies estava em torno de 10%, mas poderia chegar a 27% em 20174. O governo contestou os números e afirmou que a inadimplência estava em torno de 3% ou 4%5. Independentemente dos números exatos, é importante avaliar melhor qual o nível de inadimplência do Fies e como ele deve ser alocado. Também entendemos que, independentemente de como é feita a alocação de riscos, o subsídio embutido nas taxas de financiamento do Fies nos parece excessivamente generoso. Certamente os 6,5% ao ano atualmente cobrados são muito inferiores à taxa Selic esperada para a média dos próximos 10 ou 15 anos (prazo de duração dos contratos) ajustada pelo risco não idiossincrático.

Por fim, há que se considerar quem efetivamente se beneficia do subsídio creditício. Um programa que ofereça um grande volume de crédito elevará a demanda por crédito educativo e, consequentemente, por matrículas em universidades privadas. Esse aumento de demanda pode resultar em elevação dos valores reais das mensalidades. O resultado seria a apropriação, pelas escolas privadas, do subsídio creditício, via mensalidades mais elevadas. O forte aumento das cotações em bolsa dos principais grupos empresariais ao longo da primeira fase do Fies, e o desabamento dessas cotações quando dos cortes orçamentários implementados em 2014-15, indica que a possibilidade de captura do subsídio pelas escolas não é mera especulação intelectual. Assim, um programa de crédito educativo deve se preocupar, também, em não adquirir dimensões que afetem os preços praticados no mercado de educação.

_____________

1A situação de default total é extrema. Muitas vezes o mau pagador é somente aquele que atrasa as prestações ou que renegocia os débitos, permitindo que o credor recupere parte substancial do capital empatado.

2Em verdade, o Programa Minha Casa Melhor, extinto no final de 2014, financiava, a juros subsidiados, itens de mobiliário e eletroeletrônicos. Poucos analistas, contudo, consideram que aquele programa era justificável.

3 Em verdade, o cálculo correto do subsídio deveria considerar a diferença entre os 6,5% a.a. que o Fies cobra e a taxa Selic durante toda a vigência do contrato, e não somente o valor atual. Ainda que o subsídio possa a vir cair no futuro, é pouco provável que a taxa Selic fique abaixo de 6,5% ao ano nos próximos dez anos.

4 Vide reportagem sobre o tema em: http://zh.clicrbs.com.br/rs/noticias/noticia/2014/12/uma-sombra-sobre-o-fies-banco-afirma-que-inadimplentes-aumentaram-mas-mec-contesta-4671429.html .

5 Vide reportagem: http://educacao.uol.com.br/noticias/agencia-estado/2014/09/26/mec-rejeita-hipotese-de-alta-inadimplencia-no-fies.htm

 

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Incentivar o consumo ou a poupança para estimular o crescimento econômico? https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=898&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=incentivar-o-consumo-ou-a-poupanca-para-estimular-o-crescimento-economico https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=898#comments Fri, 02 Dec 2011 16:49:08 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=898 Há certo consenso entre os economistas de que é necessário investir mais para garantir taxas mais altas de crescimento no longo prazo. Afinal, uma das maneiras mais efetivas de aumentar a produção de bens e serviços da economia é estimulando os investimentos em capital fixo (máquinas, equipamentos, estradas, etc.).

Os números variam, mas estima-se que uma taxa de investimento equivalente a 25% do PIB parece ser o mínimo necessário para garantir que o PIB possa crescer em torno de 5% a.a., sem superaquecer a economia (situação em que as empresas não conseguem produzir tudo o que é demandado pelos compradores, havendo falta de mercadorias, e na qual as empresas não conseguem encontrar trabalhadores para seus postos vagos; o que acaba por elevar salários e preços, gerando aumento da inflação).

Sabemos que uma das identidades básicas da economia é que a poupança deve igualar o investimento. Logo, se a intenção for investir 25% do PIB, é necessário que haja uma poupança também equivalente a 25% do PIB. Sabe-se também que a poupança total é a soma da poupança doméstica (poupança das famílias e do governo) com a poupança externa. Ocorre que a poupança doméstica brasileira tem se situado em torno dos 17% do PIB. Logo, seria necessário tomar emprestado uma poupança externa de uns 8% do PIB para sustentar investimentos de 25% do PIB.

Aí começa a dificuldade, pois a poupança externa corresponde ao saldo em transações correntes (TC) no balanço de pagamentos. Assim, mantidas as condições atuais, precisaríamos de um déficit em transações correntes equivalente a 8% do PIB para financiar o investimento. Ou seja, precisaremos ter um déficit nas transações com os outros países, o que exigiria a entrada de moeda estrangeira no país, decorrente de empréstimos e investimentos estrangeiros, para que tivéssemos divisas internacionais para cobrir o tal déficit em transações correntes (afinal, os parceiros externos não aceitam o Real como meio de pagamento, pois a nossa moeda não tem curso no mercado internacional).

Apesar de não existir uma “lei” estipulando limites máximos para déficits em TC, na prática, dificilmente países conseguem financiamento externo superior a 5% do PIB por períodos prolongados. Em geral, quando o déficit em TC passa dos 4%, a luz amarela já acende e os países passam a ter problemas de financiamento (é preciso garantir constantemente a entrada moeda estrangeira no país para pagar os compromissos em moeda estrangeira, o que deixa os credores do país, em moeda estrangeira, temerosos de não receber seus créditos, havendo uma redução da oferta de empréstimos internacionais ao país, ou o aumento do custo cobrado por esses empréstimos).

Por outro lado, a imprensa muitas vezes noticia que poupar é ruim em um cenário de crise. Ao poupar, as pessoas e o governo não gastam, o que reduz a demanda agregada, o que gera desemprego, reduzindo ainda mais a demanda, etc. Ou seja, estariam criadas as condições para um ciclo perverso: o governo e as famílias não consomem, as indústrias e demais empresas não vendem, há redução no ritmo de produção, aumenta o desemprego e ocorre nova rodada de encurtamento da atividade econômica.

Como resolver essa questão? Deve-se aumentar ou diminuir a poupança? Essa discussão é antiga e passa pela disputa entre keynesianos e clássicos.

A Escola Clássica tem por princípio o liberalismo, isto é, todos os agentes, em busca de obter o máximo de satisfação pessoal, promovem a obtenção do bem-estar de toda a sociedade. De maneira geral, privilegiam o equilíbrio do orçamento público, o controle da expansão da moeda para conter a inflação e um baixo grau de intervencionismo estatal. Consideram que a insuficiência de demanda agregada não é a regra na economia, ocorrendo apenas em momentos de crise. Também argumentam que os investimentos levam um longo período para aumentar a capacidade produtiva da economia (por exemplo, uma máquina precisa ser construída, vendida e ter sua operação iniciada; uma estrada leva um longo tempo para ficar pronta). Por isso, tal Escola considera que a expansão da demanda agregada, baseada em ampliação do consumo (e consequente redução da poupança), pode até estimular a economia e o investimento, porém tenderá a gerar inflação antes de provocar a expansão da atividade econômica, tendo em vista que entre o aumento da demanda agregada e a ampliação da capacidade produtiva da economia haverá um largo intervalo de tempo, em que a maior demanda enfrentará uma oferta rígida, gerando aumento de preços.

Já o Keynesianismo defende que a solução para o problema do desemprego viria com uma forte intervenção do Estado por meio do incremento dos investimentos públicos, que garantiriam o pleno emprego e influenciariam positivamente a demanda agregada. Para essa escola a demanda agregada gera, automaticamente, maior oferta de bens e serviços (implicitamente, ou não se considera o hiato de tempo entre o estímulo a investir criado pela demanda mais alta e a entrada em funcionamento dos novos ativos decorrentes do investimento ou se supõe haver ociosidade permanente na economia, que permite a contratação de fatores de produção sem aumento dos custos), não havendo o impacto inflacionário previsto pela Escola Clássica.

A aplicação de políticas keynesianas fora de um contexto de crise, ou seja, sem que a economia esteja em depressão, com grande ociosidade nos seus meios de produção, tende a gerar pressões inflacionárias.

Frente a essa disparidade de visões, o que se deve fazer para garantir crescimento econômico: controlar as despesas das famílias e do governo, para aumentar a poupança e consequentemente os investimentos; ou ampliar os gastos públicos e das famílias para estimular a demanda agregada, gerando redução da poupança?

Se a economia não estiver em situação de crise, com alto grau de capacidade ociosa (situação ideal para a aplicação de política keynesiana), é preciso encontrar caminhos para expandir a capacidade de crescimento sem gerar inflação ou desequilíbrio no saldo de transações correntes do balanço de pagamentos.

Podem-se fazer algumas conjecturas continuando a explorar as identidades básicas da teoria econômica. Sabe-se que a poupança é a parte da renda que não foi utilizada no consumo. Assim, para aumentar a poupança interna, há duas possibilidades imediatas: ou baixar o consumo ou aumentar a renda.

O ideal é que se consiga aumentar a renda sem ter que restringir o consumo.

Para tanto, pode-se aumentar a produtividade do trabalhador, ou seja, criar condições para que ele produza mais com menos insumos. Isso abre uma janela para que se aumente o salário real, sem gerar inflação, pois o incremento na renda está calcado no incremento da produtividade.

Outra possibilidade para conseguir ganhos na renda é aumentar a produtividade do capital investido na produção pelas empresas e pelo governo. Isso permite a geração de lucros maiores, ou seja, novamente tem-se mais renda, sem inflação, pois os preços não tiveram que subir para gerar os lucros maiores.

A pergunta que fica é como aumentar a produtividade dos fatores de produção, como conseguir mais eficiência no processo produtivo. Para isso há dois caminhos. O primeiro é aumentar o investimento, para agregar novas tecnologias, mais eficientes, ao processo produtivo. Mas aí voltamos ao ponto inicial: como aumentar o investimento sem mexer com a poupança. Como no curto prazo a renda é limitada pela disponibilidade de fatores de produção, se não houver  recursos ociosos, o aumento do investimento exigirá o aumento da poupança, e o aumento da poupança necessariamente passa pela redução do consumo. Nessa situação, portanto, é mais importante conter o consumo no curto prazo, para que se tenha mais poupança e se possa financiar mais investimentos.

Outra forma de se conseguir ganhos de produtividade é redirecionar os gastos (do governo e das famílias) para atingir uma educação de qualidade em todos os níveis (apesar de a literatura já reconhecer que gastos com educação são investimento em capital humano, as contas nacionais continuam a classificá-los como gastos correntes).

A recomendação de cunho keynesiano,  de poupar menos e gastar mais, pode até ser eficaz em sustentar o PIB no curto prazo, em situações de grande ociosidade de fatores de produção. Mas, no longo prazo, não existe mágica. É preciso criar condições para aumentar a produtividade do capital e dos trabalhadores, aumentar a poupança para poder financiar mais investimentos sem impacto inflacionário e sem desequilíbrio no balanço de pagamentos. Apenas expandir gastos de consumo, mantendo baixa a poupança, bem como a produtividade dos trabalhadores e capital, é a receita certa para ter alta inflação e baixo crescimento.

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Para ler mais sobre o tema:

Jones, Charles: Introdução à teoria do crescimento econômico. Campus. 2000.

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