Fernando Meneguin – Brasil, economia e governo https://www.brasil-economia-governo.com.br Mon, 25 Apr 2016 14:15:25 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=6.7.2 Patentes merecem ser quebradas? https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=2772&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=patentes-merecem-ser-quebradas https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=2772#comments Mon, 25 Apr 2016 14:15:25 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=2772 Vimos no texto “Por que proteger a propriedade intelectual?” a importância de se garantir direito de propriedade às criações intelectuais, assegurando ao criador benefícios pela utilização de seu trabalho.

No entanto, o antagonismo de interesses é enorme no âmbito internacional acerca da concepção das regras de propriedade intelectual. As posições ficam entre proteção estrita da propriedade intelectual, favorecendo unicamente a inovação, e a construção de mecanismos que possibilitem a transferência de tecnologia e o crescimento econômico para as nações em desenvolvimento.

Segundo Cooter e Schäfer (2012)1, os países ricos, detentores da maior parte das patentes, tendem a defender os direitos de propriedade intelectual de forma estrita, sem exceções. No entanto, os países em desenvolvimento, na sua maior parte consumidores dessas invenções, tendem a favorecer a cópia ou o uso livre de determinados produtos.

É fato que há uma desigualdade muito grande entre as regiões do mundo acerca da produção de novos inventos. A tabela a seguir retrata essa disparidade.

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Note que, além do número ser muito menor na América Latina, África e Oceania, há ainda o problema de que as poucas patentes concedidas não pertencem aos residentes dessas regiões, isto é, as patentes são concedidas a pessoas e empresas estrangeiras.

Sabe-se que a patente é fundamental para garantir novos investimentos em pesquisa e inovação e, consequentemente, aumento da produtividade e desenvolvimento econômico. Mas será que o sistema de patentes vigente não perpetua a dependência dos países em desenvolvimento em relação às nações mais ricas? Definir a correta calibragem desse dilema é um grande desafio.

As regras existentes hoje são fruto de anos de embates com forte pressão dos países mais ricos. Elas foram aprovadas em 1994, ao fim da Rodada Uruguai, em que a comunidade internacional assinou o Acordo TRIPS (Trade-Related Aspects of Intellectual Property Rights2), que veio como anexo do texto final do GATT (General Agreement on Trade and Tariffs3).

Com o Acordo TRIPS, criou-se uma proteção global aos direitos de propriedade intelectual (patentes, marcas e direitos autorais). Em especial, ressalta-se a concessão de patentes, com o gozo dos respectivos direitos, para as invenções de produtos ou processos de todos os setores tecnológicos e sem discriminação quanto ao local de invenção, desde que sejam novas, envolvam um passo inventivo e sejam passíveis de aplicação industrial (art. 27.1, TRIPS4).

O art. 33 do Acordo traz a previsão de que o prazo de vigência da proteção da patente não pode ser inferior a 20 anos5 e que, caso haja alguma disputa entre os países signatários do TRIPS acerca de propriedade intelectual e comércio internacional, o litígio será resolvido por órgão específico da Organização Mundial do Comércio (OMC), o chamado Órgão de Solução de Controvérsias (OSC).

Note, no entanto, que a OMC não detém poder de polícia para aplicar sanção diretamente ao país que tenha descumprido algum acordo internacional. O que acontece na prática é que o país prejudicado ganha direito a promover uma retaliação, descumprindo alguma regra do sistema multilateral de comércio contra o país originalmente descumpridor (UNCTAD, 20036).

Com o tempo, várias insatisfações e reivindicações surgiram por parte dos países em desenvolvimento. Isso se refletiu na agenda da Rodada de Doha, iniciada em novembro de 2001, durante a IV Conferência Ministerial da OMC.

Conforme informação do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior do Brasil, “a Rodada Doha surge devido ao desbalanceamento entre os interesses dos países em desenvolvimento e os países desenvolvidos durante a Rodada Uruguai, onde novas disciplinas sobre Propriedade Intelectual e Serviços foram propostas pelos países desenvolvidos”7.

O grande motivador dessa tentativa de melhorar o Acordo TRIPS em prol dos países em desenvolvimento veio principalmente pela defesa, por parte desses países, do direito de quebrar patentes de medicamentos para a AIDS e emitir licenças compulsórias para a produção dessas drogas em seus próprios territórios de forma a combater a epidemia do vírus HIV. (ODELL e SELL, 2003)8

Conforme Bezerra (2010)9, “a denominação de quebra de patente significa justamente a desconstituição do direito à exploração com exclusividade do bem criado, como resultado da aplicação do instituto do licenciamento compulsório sobre a patente dos medicamentos, a fim de garantir o atendimento da função social da propriedade e evitar o uso abusivo desses bem. No caso de medicamentos, no que diz respeito à propriedade industrial desses produtos, a finalidade social está claramente delineada na promoção da saúde, individual ou pública, uma vez que tais bens são destinados ao auxílio do tratamento médico de dados indivíduos, seja ele curativo, paliativo ou diagnóstico”.

O Acordo TRIPS já facultava aos estados-membros estabelecer normas que previssem o uso de objeto de patente sem a autorização de seu titular em circunstâncias excepcionais de interesse público (art. 31 do Acordo). No entanto, tal prática nunca foi bem recebida pelos países desenvolvidos, pois suas empresas farmacêuticas sofreriam grandes perdas financeiras.

A Lei nº 9.279, de 1996, que disciplina a concessão de patentes no Brasil, já previa a possibilidade de licenciamento compulsório (quebra de patente) por interesse público em seu art. 71, “nos casos de emergência nacional ou interesse público, declarados em ato do Poder Executivo Federal, desde que o titular da patente ou seu licenciado não atenda a essa necessidade”.

Segundo explica Job (2012)10, os Estados Unidos não concordavam com esse dispositivo legal na lei brasileira, de forma que, em 2001, pediram ao Órgão de Solução de Controvérsias da OMC o estabelecimento de um painel para discutir o assunto. Em junho do mesmo ano, após discussões na OMC, a disputa chegou a um fim com a concordância dos EUA acerca da quebra de patentes pertencentes aos seus laboratórios, nas condições excepcionadas, desde que avisados previamente.

O Brasil utilizou efetivamente essa possibilidade em 2007 quando o governo brasileiro decretou o licenciamento compulsório (suspensão do direito de exclusividade) do antirretroviral Efavirenz, utilizado no tratamento da AIDS no Sistema Único de Saúde (SUS). Para fins de comparação, nesse mesmo ano, o governo brasileiro comprava o Efavirenz a US$1,59 do laboratório norte-americano, detentor da patente. Com a decisão da quebra, o Brasil passou a pagar US$0,44 a um laboratório da Índia11.

Em 2012, o licenciamento foi renovado por mais cinco anos, conforme Decreto nº 7.723, de 2012. Segundo o Ministério da Saúde, hoje a produção do medicamento é totalmente nacional, os laboratórios Farmanguinhos e Lafepe (Laboratório Farmacêutico do Estado de Pernambuco) estabeleceram uma parceira com as empresas privadas Globequímica (SP), Cristália (SP) e Nortec (RJ), que formaram um consórcio para produção interna do Efavirenz. Para se ter ideia de preços, em 2012, o Ministério da Saúde contratou 57 milhões de comprimidos do remédio pelo valor de R$ 76,9 milhões (R$1,35 por comprimido)12.

As críticas ao licenciamento compulsório, vindas dos países desenvolvidos, argumentam que as quebras de patentes, apesar de amenizarem os problemas de saúde no curto prazo dos cidadãos dos países em desenvolvimento, contribuem para diminuir os recursos para pesquisa e desenvolvimento de novos medicamentos, prejudicando todos os possíveis doentes da geração seguinte.

Essas críticas têm fundamento, mas considerando os diversos problemas institucionais do Brasil, incluindo as políticas de desenvolvimento industrial, não nos parece que haja solução diferente a ser adotada no presente.

 

___________

1 Cooter, R. D.; Schäfer, H. B. Solomon’s knot: how law can end the poverty of nations. New Jersey: Princeton University Press, 2012.

2 Acordo sobre os aspectos dos direitos de propriedade intelectual relacionados ao comércio

3 Acordo Geral sobre Tarifas Aduaneiras e Comércio

4 Article 27 Patentable Subject Matter – 1.    Subject to the provisions of paragraphs 2 and 3, patents shall be available for any inventions, whether products or processes, in all fields of technology, provided that they are new, involve an inventive step and are capable of industrial application. Subject to paragraph 4 of Article 65, paragraph 8 of Article 70 and paragraph 3 of this Article, patents shall be available and patent rights enjoyable without discrimination as to the place of invention, the field of technology and whether products are imported or locally produced.

5 Article 33 Term of Protection – The term of protection available shall not end before the expiration of a period of twenty years counted from the filing date.

6 Disponível em http://unctad.org/pt/docs/edmmisc232add11_pt.pdf

7 http://www.mdic.gov.br/sitio/interna/interna.php?area=5&menu=373

8 ODELL, J. S.; SELL, S. K. Reframing the issue: The WTO Coalition on Intellectual Property and Public Health, 2001. Genebra, Conference on Developing Countries and the Trade Negotiation Process, 2003.

9 BEZERRA, M. F. Patente de Medicamentos: quebra de patentes como instrumento de realização de direitos. Curitiba: Juruá, 2010.

10 JOB, U. S. A proteção da propriedade intelectual e da saúde pública pela Organização Mundial do Comércio (OMC) e pelo Brasil. Revista de Informação Legislativa. Brasília: Senado Federal, a. 49, n. 195, jul./set. 2012.

11http://g1.globo.com/ciencia-e-saude/noticia/2012/05/dilma-prorroga-quebra-de-patente-de-remedio-anti-aids.html

12 http://www.brasil.gov.br/saude/2012/05/brasil-renova-licenciamento-compulsorio-de-antirretroviral-usado-no-tratamento-da-aids

 

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Por que proteger a propriedade intelectual? https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=2722&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=por-que-proteger-a-propriedade-intelectual https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=2722#comments Mon, 15 Feb 2016 12:08:08 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=2722 Quando se analisa o patrimônio das empresas, é fácil perceber que parte considerável do valor delas é composto por bens intangíveis, como patentes, marcas e conhecimento exclusivo da empresa. Tais criações intelectuais são objeto de direito de propriedade, de forma a assegurar ao criador a exclusividade da utilização de seu trabalho por pelo menos um determinado período de tempo, garantindo a ele reconhecimento e benefícios financeiros.

Os principais produtos intelectuais protegidos por lei são as patentes (patents), as marcas (trademarks) e os direitos autorais (copyrights). As duas primeiras estão disciplinadas no Brasil por meio da Lei nº 9.279, de 1996. Os direitos autorais são tratados na Lei nº 9.610, de 1998.

A marca, entendida como “sinais distintivos visualmente perceptíveis”, está disciplinada a partir do artigo 122 da Lei nº 9.279. Podem ser protegidas, por exemplo, marcas de produtos, serviços ou certificações.

Os direitos autorais se aplicam a obras tais como textos de obras literárias, obras dramáticas, composições musicais, obras de desenho ou programas de computador (a relação completa está no artigo 7º da Lei nº 9.610).

A patente, objeto deste texto, é concedida ao autor de invenção ou modelo de utilidade. Conforme artigos 8º e 9º da Lei nº 9.279, são patenteáveis a invenção “que atenda aos requisitos de novidade, atividade inventiva e aplicação industrial” e o modelo de utilidade que seja “objeto de uso prático, ou parte deste, suscetível de aplicação industrial, que apresente nova forma ou disposição, envolvendo ato inventivo, que resulte em melhoria funcional no seu uso ou em sua fabricação”.

Atualmente, o prazo de vigência de uma patente é regulado pelo art. 40 da Lei nº 9.279, que dispõe que a “patente de invenção vigorará pelo prazo de 20 anos e a de modelo de utilidade pelo prazo 15 (quinze) anos contados da data de depósito”. Cabe ao INPI – Instituto Nacional da Propriedade Industrial, autarquia federal vinculada ao Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, fazer a concessão de novas patentes.

A questão que se faz é: por que deve haver proteção às criações intelectuais? Afinal, ao conceder o direito de propriedade, mesmo que por um determinado tempo, o que se está fazendo é garantir poder de mercado ao autor da criação, ou seja, criou-se um monopólio que tem sustentação legal.

Menell e Scotchmer (2007) explicam que a principal justificação para a propriedade intelectual nasce de um problema econômico: uma falha de mercado que impede o oferecimento de um nível eficiente de inovação.

Em outras palavras, o conhecimento que gera inovação tem as características de um bem público, ou seja, é indivisível, porque o consumo do conhecimento por parte de um indivíduo ou de um grupo social não prejudica o consumo deste mesmo conhecimento pelos demais integrantes da sociedade, e é não-excludente, porque é difícil impedir que outro indivíduo usufrua do conhecimento.

Isso faz com que o custo marginal para um novo usuário de um determinado conhecimento tenda a zero, o que inviabiliza para o criador da inovação a apropriação de lucro, uma vez que o conhecimento está disponível sem custo para todos que queiram utilizá-lo. Essa situação acaba com os incentivos para os agentes investirem em novos conhecimentos. Para resolver essa falha de mercado, criou-se a patente, que é um monopólio jurídico temporário para quem criar uma inovação, garantindo ao autor da invenção condição de obter retorno para os recursos investidos no processo de geração da nova tecnologia. A patente permite que o conhecimento deixe de ser um bem público e ganhe características de um bem privado.  (Dosi, Marengo e Pasquali, 2007).

Sem direitos de propriedade sobre a inovação, o inventor tenderia a manter seu trabalho em segredo, de forma a tentar lucrar com aquilo, antes que o público se apropriasse de sua ideia. Com direitos de propriedade claros e efetivos, o inventor não terá medo que sua ideia seja roubada. Podendo disseminar seu trabalho, com o devido retorno financeiro pela sua utilização por terceiros, o inovador contribui com um processo dinâmico que propiciará mais inovação.

Esse mesmo raciocínio se aplica ao inovador que precisa de capital para desenvolver sua ideia. Na ausência de patentes, o inovador teria receio de apresentar sua ideia a um financiador, com medo de que sua ideia fosse roubada. Por outro lado, o financiador, por não conhecer o projeto, também tem receio de aplicar seu dinheiro em algo que não conhecesse. Esse dilema foi descrito na literatura da Análise Econômica do Direito (Cooter e Schäfer, 2012) como the double trust dilemma of innovation.

No entanto, nem tudo é perfeito. A criação de uma patente, como todo monopólio, traz uma ineficiência embutida. O inventor, por ter poder de mercado, pode colocar o preço para a utilização de seu produto em um valor bem acima do ótimo social. Na prática, isso significa que a inovação será disseminada, mas não tanto quanto poderia ser.

Conforme explicam Cooter e Ullen (2012), a calibragem do efeito do monopólio conferido pela patente é feita por meio de duas variáveis: a duração da patente; e a maior ou menor amplitude do que se entende por novidade, o que tem reflexo na concessão de uma nova patente.

Imagine duas invenções próximas, mas não totalmente iguais. Se as regras de concessão de patentes forem bem restritas, no sentido de que é difícil comprovar uma novidade, a primeira invenção (a que conseguir a patente primeiro) abarcará os direitos de ambas as novidades. Isso significa que o incentivo dado é para a velocidade, ganha tudo quem conseguir primeiro criar uma invenção.

Já uma regra maleável, que permite facilmente classificar um invento como uma novidade, faria com que cada invenção no exemplo acima recebesse uma patente. Dessa forma, os lucros seriam divididos. O incentivo nesse caso é para a existência de pesquisas complementares, cada uma a seu tempo.

Relativamente à duração da patente, uma vez que esse instrumento legal cria um monopólio temporário, a pergunta que surge é: qual o tempo correto para a duração de uma patente de forma a gerar mais bem-estar para a sociedade? O trade-off envolve a disputa entre criatividade e disseminação.

À medida que a duração da patente aumenta, a sociedade se beneficia da inovação, mas esse benefício marginal diminui com o incremento dessa duração. Pelo lado dos custos, quanto maior a duração, mais custos sociais existirão por conta na diminuição da disseminação de ideias. A resposta da sociedade a longas patentes vem com a canalização de esforços para a descoberta de substitutos.

Na igualdade de benefício marginal com custo marginal, temos o que seria a duração ideal de uma patente. Obviamente não é nada prático estabelecer uma duração distinta para cada área de conhecimento ou cada tipo de inovação. O tempo de 20 anos estabelecido pela lei brasileira aplica-se a todas as invenções e é o mesmo tempo praticado por vários países.

Feita essa introdução à Economia da Propriedade Intelectual, pode-se começar a discorrer sobre diversos embates e discussões que a área propicia, inclusive em questões internacionais. No entanto, deixamos essa extensão para um futuro texto.

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Bibliografia utilizada

Cooter, R. D.; Schafer, H. (2012). Solomon’s Knot: How Law Can End the Poverty of Nations. Princeton University Press.

Cooter, R. D.; Ullen, T. (2012). Law & Economics. 6ª ed. Addison Wesley, Boston.

Menell, P.; Scotchmer, S. (2007). Intellectual Property Law, In: Polinsky, A.M., Shavell, S. (Eds), Handbook of Law & Economics , II, Elsevier, Amsterdam.

Dosi, G.; Marengo, L.; Pasquali, C. (2007). Knowledge, competition and innovation: is strong IPR protection really needed for more and better innovations? Disponível em http://repository.law.umich.edu/cgi/viewcontent.cgi?article=1093&context=mttlr.

 

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Como criar empregos? https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=2499&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=como-criar-empregos https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=2499#comments Tue, 05 May 2015 12:56:27 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=2499 Com a elevação da taxa de desemprego e com a discussão sobre terceirização no mercado de trabalho, a pergunta sobre como criar empregos ganhou força novamente no debate sobre a política econômica. Há argumentos defendendo que o desemprego crescente no Brasil é fruto principalmente da rigidez das normas trabalhistas em vigor. Pesquisadores também pregam que o desemprego é consequência do ambiente macroeconômico adverso e das taxas de juros crescentes. Mas será que existe uma única resposta para a pergunta do nosso título?

Deixando de lado o aspecto passional do tema, há consenso de que existem sérios problemas no mercado de trabalho brasileiro: desemprego aumentando, postos de trabalho com baixa produtividade, condições laborais ruins, grande rotatividade, mercado informal crescente, etc.

Para contribuir com a discussão, pretende-se neste texto apresentar sucintamente e de forma clara os principais tópicos relacionados a esses assuntos.

Primeiramente, há que se falar sobre o funcionamento do mercado de trabalho. Sua função é fazer a ponte entre a procura por mão-de-obra e a oferta de trabalho. É de suma importância, portanto, que esse vínculo esteja funcionando perfeitamente. Caso contrário, mesmo em uma situação de crescimento econômico, pode-se não conseguir impacto positivo suficiente sobre os empregos ou, ainda, os investimentos em educação e as novas tecnologias podem não significar ganhos de produtividade e melhores salários.

Para que tenhamos um bom funcionamento do mercado de trabalho, este deve ser apenas um facilitador do encontro entre oferta e demanda de mão-de-obra. Não se deve pensar no mercado de trabalho como um agente que influencie a redistribuição de recursos.

O funcionamento do mercado de trabalho pode ser afetado de três formas:

  1. pelas instituições, como os tribunais trabalhistas;
  2. pelas regulamentações, a exemplo das normas que regem a demissão de trabalhadores;
  3. pelas intervenções, como os programas de seguro-desemprego.

As instituições que regem os litígios trabalhistas e a negociação coletiva sofreram pouca mudança desde que foram estabelecidas na década de 40. O Brasil precisa manter o que está funcionando e alterar o que não está.

É indiscutível o fato de nossas leis trabalhistas, que provavelmente foram bastante apropriadas para as condições das décadas de 50 e 60, estarem apresentando sinais de obsolescência. A regulamentação para esse mercado é necessária para garantir condições justas nos contratos de trabalho. Algumas regulamentações destinam-se a garantir o pagamento mínimo e a segurança do emprego, mas, quando obrigam trabalhadores e empregadores a contratos demasiadamente restritivos, podem acabar prejudicando a capacidade do mercado de trabalho de se ajustar com flexibilidade para promover o emprego e a produtividade.

Além de regulamentações corretas e instituições adequadas, não se pode menosprezar o uso de intervenções do governo. Elas são necessárias especialmente quando a situação macroeconômica não está favorável. Por exemplo, o treinamento público de assistência ao desempregado pode melhorar o nível de emprego e a produtividade. Nesse aspecto, o Estado brasileiro ainda deixa a desejar. O Brasil precisa encontrar a dosagem certa de regulamentações e intervenções, além de um desenho institucional correto, para atingir os objetivos de emprego, produtividade e segurança.

Importa frisar que nem toda queda no crescimento do emprego é explicada pela ineficiência do mercado de trabalho. Existem outros fatores decorrentes da conjuntura macroeconômica, como as baixas taxas de crescimento do PIB. Se o crescimento econômico acontece a uma taxa menor do que a soma das variações da população economicamente ativa e da produtividade, os salários deveriam declinar para que não houvesse mais desemprego.

A ineficiência do mercado de trabalho brasileiro fica caracterizada também pelo alto setor informal. A taxa de informalidade média da população ocupada está em torno de 32%1.

O mais grave do setor informal está no fato de que essas pessoas não contribuem para a previdência social, têm pouco ou nenhum acesso a programas de apoio à renda e ao seguro-desemprego e enfrentam um grau de incerteza muito mais alto quanto à sua renda futura. Em suma, o trabalho informal é responsável por um grande contingente de pessoas que não gozam formalmente de nenhum tipo de proteção social. Esse enorme segmento da sociedade precisa ser assistido por políticas públicas, que oneram o Estado. Há que se ponderar, entretanto, que parte significativa dos postos de trabalho informal decorre dos elevados custos de formalização. Nesse caso, o setor informal funciona como uma válvula de escape, de forma que, sem ele, haveria maior taxa de desemprego e maior demanda por políticas públicas.

Outra distorção é a grande rotatividade da mão-de-obra (já analisada em outro post nesse blog). Segundo estudo do DIEESE em conjunto com o Ministério do Trabalho e Emprego2, a taxa de rotatividade global chegou a 63,7%, em 2013. Apesar de a rotatividade ser inerente a qualquer mercado de trabalho, ela gera custos. Se esses custos são altos, os empregadores, na expectativa de ter sua força de trabalho renovada constantemente, têm menos incentivos para investir no treinamento individual dos trabalhadores, o que traz sérios prejuízos nos ganhos de produtividade.

Por fim, as relações de trabalho são altamente afetadas pela Justiça Trabalhista. Conforme informações do Conselho Nacional de Justiça3, tramitaram na Justiça do Trabalho, em 2013, 7,9 milhões de processos, sendo que 4 milhões representam casos novos, que ingressaram no Judiciário no decorrer daquele ano. Com essa forte litigância, as empresas assumem o custo das frequentes disputas judiciais, mas o maior custo resulta do fato de as empresas se tornarem mais cautelosas no tocante às novas contratações, reduzindo assim o emprego formal.

Feito esse esboço sobre o cenário do mercado de trabalho, cabe comentar a teoria econômica existente que explica o desemprego.

No modelo neoclássico, a oferta de trabalho (quantidade de mão-de-obra disponibilizada pelas pessoas) depende da escolha entre trabalho e lazer (este entendido como toda atividade não mercantil). A teoria neoclássica considera que trabalhar não traz bem-estar, ao contrário do lazer. As pessoas estariam dispostas a sacrificar tempo de lazer, porque, ao se empregarem, estariam sendo remuneradas e, assim, teriam recursos para comprar bens e serviços, o que geraria bem-estar. Quanto maior a remuneração paga aos trabalhadores, mais eles estariam dispostos a renunciar lazer e oferecer sua força laboral às firmas (considerando que prevaleceria o efeito-substituição4). E a demanda? Por que as firmas contratam empregados? As empresas precisam de empregados que viabilizem o processo produtivo. Elas contratarão um número de pessoas  tal que seu lucro seja o maior possível. Essa maximização do lucro acontece quando o salário real do último trabalhador contratado seja igual ao valor da produção-extra gerada por ele. Vamos supor que a remuneração do trabalhador seja R$ 1.000,00. O empresário só contratará novos trabalhadores se eles gerarem uma produção que valha mais do que R$ 1.000,00. Na hora em que a produção-extra por trabalhador for inferior ao salário real, o empresário não arregimentará mais ninguém.5

Sob esse enfoque, observamos que, se o objetivo é ampliar o nível de emprego, o salário real tem que ser reduzido. Isso pode ocorrer por diminuição do valor absoluto (o que é praticamente impossível dado dispositivo constitucional que garante a irredutibilidade salarial, salvo o disposto em convenção ou acordo coletivo6) ou pela inflação (aumento generalizado do nível de preços que corrói o poder de compra dos salários).

Outra maneira de pensar é a seguinte: se estivermos num ambiente de inflação controlada (nível de preços fixo), um aumento do salário nominal fatalmente gerará desemprego, a menos que a produtividade dos trabalhadores aumente devido a avanços tecnológicos.

Alguns temas bem cotidianos podem ser relacionados à teoria neoclássica. A existência do seguro-desemprego pode elevar a taxa de desemprego na medida em que garante uma renda ao desocupado e, assim, faz com que ele seja mais seletivo na procura de um posto de trabalho.

A fixação de um salário-mínimo, utilizando o arcabouço teórico neoclássico, não traz boas consequências, pois obstrui o livre jogo da oferta e da demanda. Se o mínimo for superior ao salário de mercado, teremos uma oferta de trabalho maior do que a demanda e, por conseguinte, desemprego. Em geral, o salário-mínimo é fixado pelo governo num patamar mais alto do que o de mercado porque as autoridades públicas entendem que é preciso obrigar as empresas a oferecer uma remuneração que, no mínimo, permita ao trabalhador empregado adquirir uma determinada quantidade de produtos. Troca-se um mal – salário de mercado baixo – por outro – desocupação. Pior ainda porque o desemprego atinge os empregados de menor qualificação, justamente os que deveriam ser beneficiados pela fixação do salário-mínimo. Se o objetivo é criar políticas sociais que beneficiem as camadas mais pobres da população, tem-se duas alternativas. A primeira é utilizar-se de transferência de renda para as pessoas mais carentes, pois haveria uma melhora desse estrato sem haver intervenção no mercado de trabalho. A outra, de longo prazo, é incrementar a produtividade da população carente, por meio, por exemplo, de educação. O aumento da produtividade refletirá automaticamente em maiores salários.

Podemos relaxar algumas hipóteses do modelo neoclássico mais tradicional, e supormos que a produtividade do trabalhador depende do salário que recebe. Assim, um trabalhador tenderá a produzir mais se receber um salário maior. Por exemplo, em situações de limiar de pobreza, um salário mais alto permite ao trabalhador ter melhor alimentação, o que impacta positivamente sua produtividade. Outro modelo, bastante popular, prevê que o indivíduo trabalhará com mais afinco se souber que, caso perca o emprego, terá maior perda salarial. Nesse caso, empregados que recebem acima do salário de mercado irão se esforçar mais pois, se forem demitidos, passarão a ganhar um salário menor. Já aqueles empregados que recebem de acordo com o mercado, sabem que, se forem demitidos, encontrarão outro emprego que lhes paga a mesma remuneração.

Portanto, o salário real a ser pago não é definido pelo mercado, é escolhido pela firma de forma a tornar máximo o seu lucro. Ou seja, admitem-se salários superiores aos que equilibram a oferta e a demanda de trabalho. Mais ainda, a existência de desempregados não exercerá pressão para uma queda nos salários reais. A lógica desse modelo consiste no fato de que maiores remunerações se traduzem em maior produtividade, o que beneficia a firma.

A teoria do capital humano, por sua vez, continua admitindo que os salários são determinados pela produtividade marginal. No entanto, considera que as pessoas possuem características (inteligência, habilidades natas, saúde, etc) que as individualizam. Além disso, o trabalhador pode conseguir mais diferenciais por meio da educação, adquirindo habilidades que fazem aumentar sua produtividade.

O trabalhador tem a opção de se aperfeiçoar (aumentar seu capital humano), incorrendo em custos para isso, mas esperando elevar seus rendimentos futuros, ou o trabalhador decide não estudar, permanecendo com seu atual salário. Essas duas alternativas serão avaliadas e o trabalhador escolherá a que trouxer mais benefícios para ele.

Essa teoria explica a pobreza como consequência da baixa produtividade que, por sua vez, é explicada pelo baixo investimento em capital humano. Essa afirmação leva ao seguinte questionamento: por que as pessoas não passaram mais tempo na escola sabendo que isso elevaria seus ganhos salariais?

Há várias explicações para isso. Uma consiste no fato de que as famílias cujo rendimento total esteja abaixo da linha da pobreza necessitem de qualquer potencial incremento na renda que possa ser obtido no curto prazo. Não dá para trabalhar menos e estudar mais hoje, com vistas a ter mais renda no futuro, se o fato de trabalhar menos implicar dificuldades para sobreviver. Isso faz com que as crianças entrem precocemente no mercado de trabalho, prejudicando a qualidade da sua formação escolar. O problema é que se cria um ciclo vicioso: a pobreza das gerações atuais pode ser entendida ou explicada pela pobreza de seus antepassados. Para combater esse ciclo, existem os programas tipo “bolsa-escola” em que a família carente recebe uma transferência de renda do governo se garantir a assiduidade de suas crianças nas salas de aula.

A má qualidade do ensino é também uma explicação para o não investimento em capital humano. Não é o número de anos na escola, per si, que leva à acumulação de capital humano e, portanto, permite aumentar a produtividade e o rendimento do trabalho. É necessário quantidade e qualidade. Se as famílias percebem que a qualidade do ensino é ruim, podem achar mais vantajoso tirar o filho da escola e colocá-lo trabalhando ou, alternativamente, manter o filho em dupla jornada, estudando e trabalhando, ainda que isso prejudique seus estudos.

Por fim, não podemos descartar questões culturais. Muitos jovens trabalham para ter um tênis de marca ou um celular mais moderno, contribuindo pouco para o orçamento familiar. É necessário que as famílias tenham real noção da importância da educação para o futuro de seus filhos.

 A teoria do capital humano também ajuda a explicar a má distribuição de renda no Brasil. Uma sociedade na qual observamos uma elevada concentração do capital humano apresentará um perfil distributivo muito mais concentrado quando comparada a outra em que se verifica uma quantidade uniforme de anos de estudo para a maioria de seus indivíduos.

Por fim, há o modelo keynesiano, que contraria totalmente o pensamento neoclássico quando afirma ser o nível de emprego dependente do nível de atividade e não o contrário. Ou seja, enquanto a teoria neoclássica prevê que o salário e o nível de emprego são determinados no mercado de trabalho, surgindo daí um nível de produção correspondente, a teoria keynesiana mais tradicional entende que há uma demanda por bens. Para satisfazer essa demanda, os empresários contratam mão de obra, e é isso que determina o nível de emprego. Se o nível de desemprego tem origem numa demanda agregada insuficiente, ou seja, num desempenho macroeconômico fraco, só por meio de ferramentas macroeconômicas será possível reverter a tendência à desocupação.

De acordo com a teoria neoclássica, para incentivar o emprego deve-se deixar o mercado de trabalho funcionar livremente (o que pode ser obtido com flexibilização das leis trabalhistas, queda do poder dos sindicatos, etc), pois a interação entre oferta e demanda por mão de obra induzirão ao salário real de equilíbrio e à plena ocupação da mão de obra. Já a teoria keynesiana defende que o nível de empregos aumentará com redução da taxa de juros, pois isso aquecerá a demanda agregada. Observe-se, contudo, que mesmo para parcela significativa de economistas keynesianos, há limites para a política de redução de juros fazer efeito sobre a demanda agregada e, consequentemente, sobre o nível de emprego. Dependendo da credibilidade das políticas fiscal e monetária, redução da taxa de juros pode levar somente à mais inflação, desorganização do sistema econômico e pouco impacto sobre o mercado de trabalho.

O que fazer então para conseguir gerar empregos? Pode-se inferir dos modelos econômicos apresentados três diagnósticos sobre a origem do desemprego. O primeiro tem por base o pensamento keynesiano, que afirma ser a demanda de trabalho dependente do patamar de crescimento. Assim, as causas do desemprego situam-se fora do mercado de trabalho.

O segundo diagnóstico vem do modelo neoclássico. A persistência da elevada taxa de desemprego deve-se a algum fator institucional, como a existência de sindicatos, ou legal, como o estabelecimento de um salário-mínimo, que não permite a perfeita flexibilidade dos salários-reais.

Por fim, uma terceira interpretação das causas do desemprego, que pode ser incorporada tanto ao modelo neoclássico quanto ao keynesiano, enfatiza o papel do marco regulatório ineficiente, ou seja, problemas nas instituições e na legislação fazem crescer a desocupação.

Tendo em mente essas explicações para o desemprego, existem algumas políticas públicas para alavancar o emprego.

Primeiramente, cabe dividir as políticas de emprego em ativas e passivas. As políticas ativas procuram elevar a demanda por trabalho, aumentando a chance dos trabalhadores de garantirem sua empregabilidade, ou seja, fazem com que os empregadores contratem mais. São exemplos desse tipo de política: criação de cargos pelo setor público, subsídio às novas contratações, oferta de crédito às pequenas e micro empresas, incentivo ao trabalho autônomo, etc. No entanto, há que se comentar que a criação de cargos pelo setor público ou subsídios às novas contratações, ao elevarem os gastos públicos e requererem maior carga tributária, podem acabar por reduzir a demanda agregada por emprego. O ideal seria enfatizar as políticas macroeconômicas, que estimulem o investimento e a atividade econômica, bem como o  aumento de produtividade.

As políticas passivas caracterizam-se por diminuir o número de desempregados reduzindo a oferta de trabalho, ou seja, fazendo com que menos pessoas procurem emprego. Como exemplo temos: indução à aposentadoria dos trabalhadores com dificuldade de se reintegrar ao mercado de trabalho, adiamento da entrada de jovens no mercado de trabalho com incentivos para passarem mais tempo no sistema escolar e redução das horas trabalhadas (há apenas que mencionar que se a redução das horas trabalhadas elevar o custo do trabalho – e é razoável que isso ocorra, pois há custos fixos com contração, o resultado final pode ser aumento do desemprego).

A política ativa mais popular consiste na formação profissional, principalmente porque as firmas requerem cada vez mais qualificação de seus trabalhadores. Dessa maneira, deveria haver uma reciclagem dos desempregados oriundos dos setores ou regiões em decadência. No caso dos jovens, a escolaridade deles deveria ser acrescida de inter-relações do sistema educacional formal com o mundo do trabalho.

Outra política de emprego reside na intermediação de mão-de-obra. Sucintamente, consiste na ajuda ao desempregado em termos de colocação, divulgação das ofertas de emprego, acompanhamento do mercado de trabalho, etc. No Brasil, essa política vem sendo executada pelos estados, por meio de agências de emprego, e por entidades da sociedade civil, basicamente organizações sindicais.

Pode-se pensar também em medidas cujo foco seja a concessão de subsídios à criação de empregos. O problema desses programas é que, por falta de fiscalização ou de uma avaliação prévia do setor que se quer incentivar, é frequente um elevado desperdício de recursos. Portanto, caso se opte por esse tipo de política pública, é fundamental uma análise criteriosa para não haver utilização errada do orçamento público.

Existem ainda programas de ajuda ao emprego autônomo, cooperativas e pequenas firmas. Em suma, combina-se ajuda financeira com apoio técnico e organizacional.

Todas essas políticas públicas são importantes, principalmente no curto prazo e em momentos de crise; no entanto, um mercado de trabalho corretamente azeitado será conseguido pelo empreendimento de reformas trabalhistas que permitam determinar corretamente o preço da mão-de-obra e que promovam o crescimento do emprego, além de alinhar os incentivos de que os trabalhadores precisam para aumentar a produtividade da mão-de-obra e os salários. Um incentivo particularmente pernicioso é o FGTS (já analisado em outro post nesse blog), que encarece a mão de obra, estimula sua rotatividade e reduz os incentivos para aumento de produtividade. Obviamente, esse é somente um exemplo, mas, mesmo estudos mais superficiais são capazes de detectar incentivos errados na  nossa legislação trabalhista, que merecem revisão. O mercado de trabalho deve ser mais flexível. Serão bem-vindas todas as  alterações que se façam para que os contratos reflitam as condições específicas da empresa empregadora, desobrigando as firmas e os trabalhadores de seguirem um modelo que não atende à realidade ou ainda que gere grave insegurança jurídica no mercado de trabalho.

Há de se frisar, contudo, que não há política pública geradora de emprego que seja suficiente se persistirem as baixas taxas de crescimento econômico apresentadas atualmente. Nesse sentido, uma política monetária e fiscal saudável é o principal instrumento para o crescimento do emprego no longo prazo. Independentemente da teoria em que se acredita, deve-se ter em mente que não há mágicas em economia. No curto prazo, políticas localizadas podem aliviar ou remediar algum problema, mas, no longo prazo, não há como escapar da necessidade de se adotar políticas macroeconômicas responsáveis. E antes de se parafrasear Keynes, argumentando que, no longo prazo todos estaremos mortos, não custa lembrar o caso da Argentina e da Coreia do Sul que, em pouco mais de uma geração, aconteceu um forte empobrecimento da primeira e, em relação à segunda, um forte enriquecimento.

O ideal que se vislumbra é uma combinação de várias frentes, com medidas baseadas nos diversos modelos teóricos, conseguindo a união de vários segmentos da sociedade, todos visando a combater esse mal social que é o desemprego.

______________

1 Boletim Mercado de Trabalho, Conjuntura e Análise nº 57, 2014. IPEA.

2 http://www.dieese.org.br/notaaimprensa/2014/numerosRotatividadeBrasil.pdf

3 http://www.cnj.jus.br/noticias/cnj/62109-aumento-de-produtividade-na-justica-trabalhista-impede-crescimento-de-estoque-processual

4 Poderia prevalecer o efeito-renda. Nesse caso, aumento do salário real faria diminuir a oferta de trabalho. As pessoas já teriam atingido um nível de consumo tão elevado que requereriam mais tempo livre (lazer).

5 Cabe enfatizar que a produção marginal (produção-extra) é decrescente, ou seja, cada novo trabalhador gerará uma produção menor do que o contratado imediatamente antes.

6 Inc. VI do art. 7º da Constituição Federal.

 

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Qual a quantidade ótima de intervenção judicial nas políticas públicas? https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=2123&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=qual-a-quantidade-otima-de-intervencao-judicial-nas-politicas-publicas https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=2123#comments Mon, 10 Feb 2014 11:31:13 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=2123 Quando uma empresa maximiza seu lucro, o ponto ótimo é aquele em que o custo marginal (custo para produzir uma unidade adicional do produto) e a receita marginal (receita obtida com a venda de uma unidade adicional) se igualam. Isso porque, para a empresa, é bom produzir mais bens até o momento em que o benefício desse bem adicional compense o custo de produzi-lo.

Pode-se adaptar esse raciocínio para o Sistema Judicial de forma a se determinar qual será o ponto ótimo de intervenção do Poder Judiciário nas políticas públicas, considerando o bem-estar da sociedade.

Parte-se do pressuposto de que a intervenção judicial irá agregar bem-estar por meio do incremento de utilidade dos membros da sociedade. Mede-se a intervenção judicial pelo valor das causas concedidas a favor dos litigantes e em detrimento da Administração Pública, no bojo de alguma prestação social a cargo do Estado. O benefício marginal da intervenção é o incremento na utilidade total por consequência do gasto de um Real a mais decorrente de ordem judicial. Por outro lado, o custo marginal da intervenção é a diminuição no bem-estar social por conta do gasto de um Real a mais oriundo de algum mandamento do Judiciário. O gráfico a seguir ilustra a ideia.

Gráfico I – Quantidade socialmente ótima de intervenção judicial

img_1

A reta denominada BM retrata o benefício marginal para a sociedade resultante da intervenção do Judiciário em uma determinada política pública. Note que a linha é decrescente. Isso denota que o incremento no bem-estar social diminui à medida que a intervenção judicial nas políticas públicas aumenta. Tal tendência decorre do princípio da utilidade marginal decrescente. Parece razoável supor que quanto mais recursos o Judiciário determinar que a Administração repasse aos cidadãos, menor será o bem-estar adicional promovido pelo repasse.

Para facilitar o entendimento, pode-se exemplificar o benefício marginal da intervenção judicial decrescente da seguinte maneira: imagine um hospital público que possui uma unidade de tratamento intensivo (UTI) com uma quantidade determinada de leitos disponíveis. Se a capacidade da UTI está ociosa e uma decisão judicial determina a internação de um cidadão, o benefício marginal da atuação judicial é elevado, pois o benefício para esse cidadão é grande e não há prejuízo para os pacientes que já estavam lá. No entanto, se a UTI está lotada e um juiz determina a internação de mais um cidadão, o bem-estar social será acrescido pelo benefício que esse último internado receberá individualmente, mas cairá pelo efeito negativo que promoverá sobre os demais pacientes que já estavam lá (falta de equipamentos para todos, falta de médicos e enfermeiros em quantidade suficiente para atender o excesso da lotação na UTI, etc.). Se as ordens de internação continuarem a ocorrer muito além da capacidade de atendimento da UTI, o benefício marginal da intervenção judicial pode até ser negativo, pois além da falta de equipamentos e pessoal, há riscos de contaminação, de infecção hospitalar e mesmo de morte de pacientes, uma vez que o sistema de saúde não comportava toda aquela demanda.

Outro exemplo que ilustra o benefício marginal decrescente da intervenção judicial pode ser dado na área de educação. É comum haver decisões judiciais em que uma escola pública é obrigada a matricular um aluno, mesmo não havendo mais vagas. Nesse caso, o benefício marginal dessa decisão do juiz será pequeno, podendo até ser negativo, pois trará um ganho para o aluno extra que foi atendido, mas prejudicará todos os demais que já estavam na escola (a sala ficará mais apertada, o professor não conseguirá dar a atenção devida a todos, etc.).

Discutido o benefício da atuação do Judiciário, há que se tratar dos custos. A reta designada por CM no Gráfico I representa o custo marginal da intervenção judicial. No caso dessa reta, ela apresenta um comportamento ascendente. Isso acontece porque, nas primeiras intervenções, é fácil para o Poder Executivo atendê-las, necessitando pouca mobilização da Administração Pública. No entanto, à medida que cresce a quantidade de intervenção, o custo social aumenta, pois exige mais logística da Administração Pública, bem como maior alocação orçamentária para atender às demandas judiciais, restando menos recursos para o desenvolvimento de políticas públicas que atendam à sociedade de forma generalizada.

Tal situação é assim revelada por conta de o ordenamento jurídico estabelecer um caráter prestacional aos direitos sociais, mas não prever uma harmonização entre esses direitos e os recursos disponíveis para a concretização das políticas públicas.

Um exemplo desse fato encontra-se na discussão dos subsídios dados para manter baixo o preço das passagens do transporte público nas cidades brasileiras. Quanto mais subsídios, mais custos para a administração pública e para a sociedade, pois o recurso terá que ser tirado de outra parte do orçamento ou terá que haver aumento da arrecadação tributária, causando desvios alocativos e mais custos aos contribuintes.

No encontro da reta do benefício marginal com o  custo marginal, há o ponto ótimo que ilustra o valor ideal de interferência do Poder Judiciários nas políticas públicas. No Gráfico I, este ponto está reprentado por I*.

Até atingir o valor I*, é recomendável que o Poder Judiciário intervenha, pois há uma redução da ineficiência social. No entanto, qualquer intervenção além de I* irá trazer menos benefícios sociais do que o custo associado para executá-la e, portanto, o Judiciário está piorando a alocação de recursos.

Na prática não é simples mensurar esses custos e benefícios. Todavia, os magistrados devem ter em mente que suas decisões implicam não apenas benefícios para os reclamantes, mas também custos para a sociedade.  Nesse sentido, cabe mencionar o dilema entre eficiência e legalidade, já discutido em outro  texto neste site (“As leis podem atrapalhar a eficiência?” )

Tanto o Poder Judiciário quanto o Tribunal de Contas da União já acenam para a possibilidade de afastamento pontual de escolhas normativas que se reputem ineficientes, desde que, harmonizado com o interesse público, sejam asseguradas (i) a inocorrência de prejuízo ao erário; (ii) a boa-fé e a probidade dos agentes envolvidos; (iii) a ausência de violação ao núcleo essencial dos demais direitos e garantias fundamentais (a título de exemplo, o contraditório, a ampla defesa, a duração razoável do processo, a isonomia, etc); e (iv) a obtenção de resultado prático com preponderância considerável de benefícios sobre os custos, tanto para a Administração, como para os administrados.

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A Justiça é igual em todos os estados da federação? https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=2104&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=a-justica-e-igual-em-todos-os-estados-da-federacao Wed, 18 Dec 2013 13:43:17 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=2104 O funcionamento das instituições, no qual se inclui o Sistema de Justiça no Brasil, precisa estar corretamente calibrado de forma a contribuir com uma eficiente coordenação do sistema econômico. A definição de Douglass North, renomado autor institucionalista, deixa clara essa importância: “as instituições são as regras do jogo em uma sociedade ou, mais formalmente, são as restrições elaboradas pelos homens que dão forma à interação humana. Em consequência, elas estruturam incentivos no intercâmbio entre os homens, seja ele político, social ou econômico”.

O Poder Judiciário especificamente pode prejudicar o desempenho econômico quando gera insegurança jurídica e demora a dar respostas rápidas, em tempo hábil, a questões relacionadas ao cumprimento dos contratos, à garantia dos direitos de propriedade ou à definição de disputas decorrentes dos vários marcos regulatórios.

Uma distorção da Justiça brasileira consiste no fato de que as disputas de baixo valor não chegam às mãos dos juízes, pois, se chegassem, as custas processuais e os honorários advocatícios consumiriam o crédito a receber. Esse problema foi resolvido em parte pelos juizados de pequenas causas, mas o problema ainda persiste. Em regra, a Justiça só é acionada se o valor do litígio for alto ou quando o litigante possui uma estrutura jurídica permanente, como é o caso das grandes empresas. Tal situação coloca em desvantagem a camada mais baixa da sociedade, que vê sua pior condição socioeconômica ser perpetuada pela maneira de funcionar das instituições.

Outro grave problema é a morosidade do Poder Judiciário. Em média, demoram-se anos para que se consiga uma decisão final. Essa dificuldade de receber créditos na Justiça afeta diretamente a conjuntura econômica, pois propicia uma taxa de juros mais elevada. Como não há segurança judiciária de que o crédito será recuperado rapidamente, a tendência é que já se inclua na taxa de juros um adicional para cobrir as perdas com créditos não pagos. Isso tem consequências extremamente negativas para a economia: diminuição dos investimentos, crédito mais caro ou, ainda, restrição ao crédito.

A intuição acima parece se confirmar com o recém-lançado Atlas do Acesso à Justiça no Brasil (www.acessoajustica.gov.br), onde estão disponibilizados dados que podem contribuir para a construção de políticas públicas que melhorem o Sistema de Justiça, este entendido em três dimensões: judicial, integrada pelo conjunto de órgãos do Poder Judiciário; essencial, composta pelos órgãos e membros do Ministério Público, da Defensoria Pública e da Ordem dos Advogados do Brasil; e extrajurisdicional, que abrange as instituições e órgãos que atuam como portas de acesso à justiça.

O gráfico a seguir, disponível no Atlas, mostra a quantidade de defensores públicos para cada cem mil habitantes, por estado da federação. O pior caso é o de Goiás, com 0,1 defensor para cada cem mil pessoas e o melhor é o do Amapá, onde a proporção é de 13 defensores para cada cem mil habitantes.

img_1

Há também estatística similar, mas considerando a quantidade de juízes para cada cem mil habitantes. O pior caso é o Maranhão e o melhor, novamente o Amapá.

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Por fim, tem-se a quantidade de membros do Ministério Público (MP) para cada cem mil habitantes. O Pará é o pior estado e o Distrito Federal, o melhor.

img_3

O mais interessante dessas informações é quando calculamos a correlação entre essas três séries, juntamente com informações de desenvolvimento humano e de riqueza das unidades da federação.

Procedendo ao cálculo da correlação entre o número de defensores e juízes (0,60);  defensores e membros do MP (0,64); e juízes e membros do MP (0,70), temos o resultado apontando para uma correlação positiva razoavelmente alta entre eles, demonstrando que onde há mais assistência jurídica ao cidadão carente, também há mais magistrados, bem como promotores defendendo o cumprimento das leis. A parte ruim disso é que, nos piores estados, o Sistema de Justiça está mal em todas as suas dimensões.

Se correlacionarmos o número de juízes per capita com o IDHM (índice de desenvolvimento humano municipal) consolidado para os estados, conseguimos um resultado de 0,47. Essa correlação denota que os estados com pior desenvolvimento humano são aqueles onde a Justiça está menos presente, dificultando o acesso a direitos básicos que deveriam ser garantidos à população.

Por fim, há uma correlação negativa fraca (-0,26) entre o número de defensores e o PIB de cada estado. O ideal é que a correlação fosse maior em valor absoluto (próxima de um), pois aí poderíamos dizer que haveria mais defensores nos estados mais pobres. Com o resultado obtido, não há como afirmar que a assistência jurídica aos carentes acontece de forma efetiva onde ela é mais necessária.

Essa análise superficial demonstra que as condições socioeconômicas diferenciadas entre os brasileiros geram também aplicações judiciais desiguais entre os cidadãos. Apesar de as normas determinarem igualdade entre todos, inclusive como garantia constitucional, na prática, a atuação seletiva da justiça cria e reforça desigualdades sociais. Em outras palavras, aqueles que não podem pagar bons advogados, não possuem os mesmos direitos dos mais abastados. Esperamos que a disponibilização de dados possa melhorar a atuação do Estado, tornando o Sistema de Justiça mais eficiente.

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Qual a consequência do ativismo judicial na fixação dos preços das passagens aéreas? https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=2048&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=qual-a-consequencia-do-ativismo-judicial-na-fixacao-dos-precos-das-passagens-aereas https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=2048#comments Mon, 04 Nov 2013 11:04:43 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=2048 O transporte aéreo é uma atividade econômica regulada pelo Governo Federal, que mediante concessão autoriza sua prestação a empresas privadas de aviação. Essa exploração pela iniciativa privada cria a necessidade de um sistema regulador estatal para dimensionar, formular e fiscalizar a prestação do serviço. No caso do transporte aéreo, esta competência é da Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC). Uma de suas atribuições é realizar a regulação econômica do setor, fazendo o respectivo monitoramento e promovendo possíveis intervenções no mercado de modo a buscar a máxima eficiência.

Apesar de existir em funcionamento um mercado de transporte aéreo com preços oscilando conforme as regras de oferta e demanda e de haver uma agência reguladora controlando o setor, aconteceu recentemente uma intervenção do Poder Judiciário, decorrente de uma ação civil pública, que pode acarretar perda de bem-estar social. A nosso ver, tal intervenção gera distorção maior que aquela que o juiz se propõe a resolver.

Conforme o Ministro Luís Roberto Barroso, o ativismo judicial é uma atitude, a escolha de um modo específico e proativo de interpretar a Constituição, expandindo o seu sentido e alcance1. É nesse sentido que se pretende discutir uma decisão recente da Justiça Federal2, em que foi adotada uma interpretação do ordenamento jurídico, cujo reflexo trará prejuízo ao consumidor, apesar de a base da decisão, segundo a magistrada, serem os princípios norteadores da atividade econômica previstos no art. 170 da Constituição Federal, entre eles a livre concorrência, a função social da propriedade e a defesa do consumidor.

Na referida decisão, a magistrada condenou a empresa TAM Linhas Aéreas a: a) ofertar aos usuários, nos voos com destino para e/ou origem em Imperatriz-MA, no

mínimo, 50% dos assentos com a tarifa denominada “básica”; b) nos meses de alta demanda, em especial dezembro/2013 e janeiro/2014, cobrar do usuário-consumidor o valor máximo de até 50% da tarifa máxima do plano “básico”.

A argumentação da magistrada para tabelar as passagens aéreas para Imperatriz-MA baseia-se no fato de que existe um bem jurídico imediato afetado na relação sub judice que é o direito do consumidor. Entende que o valor das passagens foi elevado abusivamente, uma vez que o trecho entre Imperatriz/MA e Brasília/DF custava R$ 289,00 e passou para R$ 1.529,00 em janeiro de 2014, caindo para R$ 429,00 em fevereiro de 2014. A magistrada argumenta que a TAM ao invés de ampliar a oferta para os meses de referência, devido à procura mais acentuada pelos usuários, limita-se a elevar de forma desarrazoada os preços das passagens aéreas, colocando o consumidor em desvantagem exagerada.

Argumenta ainda a magistrada que, diante da omissão da ANAC em efetivar os comandos insculpidos nos arts. 2° c/c 8° da Lei nº 11.182/05, acaba por deixar tal tarifação à álea e à deriva dos exclusivos interesses das concessionárias aéreas, em prol da política do regime de liberdade tarifária, como se o fornecimento de serviço de transporte aéreo de passageiros fosse, na sua gênese, atividade privada. Esquecendo-se que se trata de “prestação de serviço público”, e da peculiar circunstância de que a ré está a exercer a atividade empresária como longa manus da União, eis que se encontra na condição de concessionária de serviço público, nos termos do art. 21, XII, c, da Constituição Federal de 1988.

No texto disponível neste site, “Empresa aérea é concessionária de serviço público?”, foi explicado que a Lei nº 11.182, de 2005, instituiu o regime de liberdade tarifária, de forma que a Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC) não pode tabelar os preços das passagens aéreas, como fez o antigo Departamento de Aviação Civil (DAC) ao longo de quase toda sua existência.

A mesma lei também assegura às empresas a exploração de quaisquer linhas aéreas, observada exclusivamente a capacidade operacional de cada aeroporto e as normas regulamentares de prestação de serviço adequado. Antes dessa legislação, as empresas estabelecidas eram protegidas contra novas entrantes, dificultando a concorrência.

Outro ponto a ser destacado é que concessão de serviços aéreos não confere à empresa o direito ou a obrigação de voar entre quaisquer localidades. O direito de voar somente existe após a outorga de uma autorização específica para cada linha a ser explorada. Essa autorização, denominada Horário de Transporte (HOTRAN), estabelece horários, frequências, tipos de aeronaves e oferta de assentos para cada linha.  As empresas aéreas não têm, nem nunca tiveram, portanto, qualquer obrigação de operar em condições deficitárias. Podem, a qualquer tempo, comunicar ao poder público que não mais operarão determinada linha e solicitar o cancelamento do respectivo HOTRAN.

Se o trecho Brasília-Imperatriz fosse extremamente lucrativo, outras empresas teriam interesse em oferecer voos entre essas cidades. Se não o fazem, é porque não há exageros na rentabilidade.

Por outro lado, se os preços praticados estivessem razoáveis, a partir do momento que houve o tabelamento, a empresa talvez não tenha mais interesse em manter essa linha, uma vez que ela não é obrigada a trabalhar de forma deficitária. Isso é o mais provável que aconteça caso o entendimento persevere no Judiciário: uma descontinuidade da linha, com efeitos negativos para os próprios consumidores de passagens entre Brasília e Imperatriz.

Outra possível consequência perversa da decisão é o aumento das tarifas dessa linha em períodos não tabelados. Para custear os passageiros de dezembro e janeiro, quem viajar nos restante do ano terá de pagar mais caro.

Além disso, como o tabelamento funciona para a primeira metade dos assentos vendidos, há um nítido favorecimento dos consumidores que comprarem primeiro, que conseguirem se planejar, em detrimento daqueles que precisarem voar esse trecho por conta de uma emergência, por exemplo, ou que não tiverem a oportunidade de comprar a passagem com muita antecedência.

Por fim, pode acontecer também que, para manter o voo a preços que não lhe garanta lucro, a TAM tenha de aumentar a tarifa de outros voos, de forma que os passageiros do país inteiro teriam que subsidiar aqueles que viajam entre Brasília e Imperatriz (o que na teoria econômica se chama de subsídio cruzado). Em regra geral, quando o preço pago é diferente do custo de produção, gera-se uma ineficiência na economia, com perda de bem-estar. Essa alternativa, no entanto, não é tão provável pela dificuldade de exportar custo extra para outros trechos.

Note-se como uma decisão judicial tem o poder de alterar completamente o equilíbrio do mercado e prejudicar um número muito maior de consumidores do que os supostamente beneficiados.

Conforme o Relatório elaborado pela ANAC, “Tarifas Aéreas Domésticas”3, relativo ao quarto trimestre de 2012, para atender a um maior número de passageiros, otimizar a ocupação das aeronaves e alcançar rentabilidade, as preferências dos usuários devem ser consideradas na prestação e na precificação dos serviços. Em qualquer atividade econômica, a rentabilidade é fator principal para que se tenha investimento e oferta de serviços. Nesse sentido, as tarifas aéreas são ajustadas a todo instante de acordo com a procura e conforme se aproxima a data do voo.

Isto propicia o atendimento a uma maior diversidade de usuários e uma taxa de ocupação da aeronave que sustente a prestação do serviço. Além das preferências dos usuários, os preços do transporte aéreo são afetados, direta ou indiretamente, por outros inúmeros fatores, tais como: evolução dos custos (estes fortemente influenciados pelo preço do barril de petróleo e pela taxa de câmbio do real em relação ao dólar); eficiência da empresa; distância da linha aérea; grau de concorrência do mercado; densidade de demanda; baixa e a alta temporada; ações promocionais de concorrentes; restrições de infraestrutura aeroportuária e de navegação aérea; organização da malha aérea da empresa; porte e eficiência das aeronaves; e taxa de ocupação das aeronaves.

Importante destacar que a distância é apenas um dos fatores que afetam os preços do transporte aéreo, mas não é o preponderante, pois o consumo de combustível é proporcionalmente maior na etapa de decolagem. Quando a aeronave atinge sua velocidade de cruzeiro, o consumo de combustível é menor.

A demanda de voos entre as localidades de origem e destino, por outro lado, é decisiva. Voos entre destinos com baixa densidade de tráfego podem não ser viáveis financeiramente e, quando viáveis, têm passagens mais caras.

Como se percebe, existem diversos fatores que influenciam o preço das passagens, por isso é comum haver passageiros de um mesmo voo pagando tarifas diferentes. É essa dinâmica que propicia a oferta de alguns assentos a baixo preço no transporte aéreo.

Sobre a evolução dos preços das tarifas, apesar de haver liberdade tarifária, alvo da decisão judicial em pauta, o gráfico abaixo ilustra como a tarifa aérea média doméstica real, em valores deflacionados pelo IPCA até dezembro/2011, e o valor médio pago por quilômetro voado (Yield Tarifa Aérea Médio Doméstico Real) sofreram redução entre 2002 e 2011. Isto é, os passageiros estão pagando bem menos para voar hoje, do que no início da década.

O cenário de livre concorrência atrai investimentos para o setor, estimula o crescimento do mercado e promove a ampliação da oferta. A decisão judicial comentada pode reverter esse quadro. Ao tabelar a rentabilidade da iniciativa privada, mesmo sendo esta uma concessionária de serviço público, não se leva em conta o risco específico da atividade nem os custos e características de sua prestação. As consequências negativas serão sentidas pelos consumidores, além de ser mais um agravante para a insegurança jurídica no país. Espera-se que as instâncias superiores do Judiciário tenham uma interpretação diferente acerca do tema.

_________

1 BARROSO, Luís R. “Ano do STF: Judicialização, ativismo e legitimidade democrática”. 2008. Disponível no site Conjur: http://www.conjur.com.br/2008-dez-22/judicializacao_ativismo_legitimidade_democratica. Acessado em 28/10/2013.

2 Processo 0009029-10.2013.4.01.3701 – TRF da 1ª Região

3 http://www2.anac.gov.br/estatistica/tarifasaereas

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Como construir um Indicador de Desenvolvimento Sustentável? https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=1731&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=como-construir-um-indicador-de-desenvolvimento-sustentavel https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=1731#comments Mon, 25 Feb 2013 12:53:55 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=1731 O Produto Interno Bruto (PIB) é o principal indicador da riqueza de um país, representando a soma dos bens e serviços produzidos por uma nação. Essa medida leva em conta três grupos principais de atividades:

  • Agropecuária, formada por Agricultura, Extrativismo Vegetal e Pecuária;
  • Indústria, que engloba Extrativismo Mineral, Transformação, Serviços Industriais de Utilidade Pública e Construção Civil;
  • Serviços, que incluem Comércio, Transporte, Comunicação, Serviços da Administração Pública e outros serviços.

A importância do PIB consiste no fato de que existem padrões internacionais sobre a forma pela qual ele deve ser computado, permitindo comparações entre os países.

Apesar de sua importância como medida da atividade econômica, há que se enfatizar que o PIB não pode ser tomado como indicador de bem-estar. Afinal, o PIB (e, principalmente, o PIB per capita) capta somente a renda média do país, não capturando aspectos importantes para o bem-estar, como distribuição de renda, incidência de pobreza, preservação do meio-ambiente e qualidade de vida de forma mais abrangente.Dessa maneira, estudiosos do mundo todo vêm discutindo intensamente a substituição do PIB por um novo indicador que contemple o desenvolvimento sustentável e, a pardas variáveis econômicas, incorpore também as sociais e as ambientais.

O que mais se aproxima disso em escala global é o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH). Trata-se de índice que serve para comparação entre os países, com o objetivo de medir o grau de desenvolvimento econômico e a qualidade de vida oferecida à população. O relatório anual do IDH é elaborado pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD). Esse índice é calculado com base em dados econômicos e sociais, e apresenta valores que vão de 0 (nenhum desenvolvimento humano) a 1 (desenvolvimento humano total). Quanto mais próximo de 1, mais desenvolvido é o país. OIDH também é usado para apurar o desenvolvimento de cidades, estados e regiões. No cálculo do índice, são computados os seguintes fatores: educação (número médio de anos de estudos), longevidade (expectativa de vida da população) e o PIB per capita.

Observe-se que o IDH, indiretamente, capta vários aspectos importantes para a sustentabilidade. Por exemplo, sociedades com população mais educada tendem a respeitar mais a cidadania e a ter maior consciência de problemas ambientais. Longevidade maior está usualmente associada a uma vida mais saudável, o que decorre tanto de ações que afetam o indivíduo (como acesso à saúde, boa alimentação, estilo de vida mais regrado), quanto de ações que afetam a coletividade de maneira geral (como menor poluição e melhores condições de transporte público). Contudo, a correlação entre IDH e sustentabilidade não é perfeita e pode envolver defasagens: uma ação de preservação hoje pode se refletir em um IDH mais alto somente após vários anos.

Feita essa introdução, antes de discutirmos as novas propostas de indicadores que tentam englobar a sustentabilidade ambiental, há que se definir o que é desenvolvimento sustentável.

Segundo o Relatório da Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, desenvolvimento sustentável é aquele que atende às necessidades do presente sem comprometer a capacidade das gerações futuras de terem atendidas também as suas. Assim, o desenvolvimento sustentável deve, no mínimo, salvaguardar os sistemas naturais que sustentam a vida na Terra: atmosfera, águas, solos e seres vivos.

Além disso, o desenvolvimento sustentável impõe a consideração de critérios de sustentabilidade social, ambiental e de viabilidade econômica. Apenas as soluções que considerem esses três elementos, isto é, que promovam o crescimento econômico com impactos positivos em termos sociais e ambientais, merecem essa denominação.

Portanto, ante uma sociedade global que deixa de pensar unicamente em retorno financeiro e passa a valorizar o desenvolvimento sustentável, é natural que surjam questionamentos e discussões sobre a mensuração desse novo paradigma.

Há muitos trabalhos sobre o tema. Uma compilação interessante da discussão encontra-se no livro Mis-measuringourlives: why GDP doesn’taddup 1, escrito por três autores prestigiados no meio acadêmico, dois dos quais são ganhadores do Prêmio Nobel em Economia.

Os autores concluem que a definição de um indicador para medir sustentabilidade é algo extremamente complexo, em torno do que não existe consenso. É importante também ter em mente que não adianta estabelecer uma fórmula ideal se não houver dados disponíveis para quantificá-la. Procurando adotar uma visão bem pragmática, os citados especialistas apresentam algumas recomendações para se refletir sobre uma medida de desenvolvimento sustentável.

Primeiramente, lembram que uma avaliação de sustentabilidade difere de uma avaliação de felicidade da população. Os dois assuntos podem ser tratados de forma complementar, mas não necessariamente devem fazer parte de um único indicador. Sugerem também que, ao medir sustentabilidade, devem ser contabilizadas as mudanças dos estoques das variáveis que afetarão a capacidade das gerações futuras de terem atendidas suas necessidades, contabilizando-se não só os recursos naturais, mas também quantidades e qualidades humanas, sociais e econômicas. Alguns indicadores podem ser quantificados monetariamente, outros não, sendo necessária uma medida física.

Em 2008, um grupo de trabalho composto por representantes da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), da Comissão Econômica da Organização das Nações Unidas (UNECE) e do Gabinete de Estatística da União Europeia (Eurostat) produziu um relatório2 sobre a mensuração do desenvolvimento sustentável. O trabalho indica as variáveis que devem ser consideradas na construção de um índice de sustentabilidade.

O conjunto de variáveis divide-se em dois domínios. O primeiro, denominado “bem-estar fundamental”, contém indicadores que refletem medidas de estoque e fluxo em áreas essenciais para o bem-estar da sociedade. O segundo domínio, denominado “bem-estar econômico”, traz variáveis de bem-estar derivadas do meio econômico e das atividades de mercado. O Quadro I sintetiza os principais indicadores apontados.

Quadro 1

Ao analisar a proposta, é fácil perceber que alguns desses indicadores são de difícil quantificação. Assim, pouco adianta definir e identificar mecanismos teóricos para mensurar sustentabilidade se não houver instituições e meios para aferição dos indicadores.O lado positivo é que a lista pode orientar formuladores de políticas públicas e órgãos responsáveis pela coleta de dados a adaptarem seus procedimentos de forma a viabilizar a implementação de tais indicadores no médio prazo.

Pelo exposto, infere-se que a discussão ainda é nova e nada há de conclusivo até o momento. Em síntese, para ser pragmático, o mais recomendável seria utilizar a combinação de índices já existentes, como o PIB e o IDH, com indicadores ambientais e sociais, mesmo porque, com a experiência no uso combinado desses indicadores, podem surgir novos, mais fáceis de serem mensurados e que consigam captar adequadamente o grau de desenvolvimento sustentável de um país.

(Texto baseado em MENEGUIN, F. B. ; VERA, F. S. Indicador de Desenvolvimento Sustentável. In: Núcleo de Estudos e Pesquisas do Senado. (Org.). Temas e Agendas para o Desenvolvimento Sustentável. 1ed.Brasília: Subsecretaria de Edições Técnicas do Senado, 2012, v. 1, p. 85-88)

________________

1 Stiglitz, Joseph E.; Sen, Amartya; Fitoussi, Jean-Paul.Mis-measuring our lives: why GDP doesn’t add up.New York: The New Press, 2010.

2 MEASURING SUSTAINABLE DEVELOPMENT – Report of the Joint UNECE/OECD/Eurostat Working Group on Statistics for Sustainable Development.

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O que é o mercado de carbono e como ele opera no Brasil? https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=1382&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=o-que-e-o-mercado-de-carbono-e-como-ele-opera-no-brasil https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=1382#comments Mon, 13 Aug 2012 11:46:52 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=1382 O crédito de carbono é um certificado eletrônico que é emitido quando há diminuição de emissão de gases que provocam o efeito estufa, gerador de aquecimento global. Um crédito de carbono equivale a uma tonelada de CO2 (dióxido de carbono) que deixou de ser emitido para a atmosfera. Aos outros gases reduzidos são emitidos créditos, utilizando-se uma tabela de equivalência entre cada um dos gases e o CO2.

Empresas que conseguem diminuir a emissão de gases de efeito estufa (GEE) obtêm esses créditos, podendo vendê-los nos mercados financeiros. Os créditos de carbono são considerados commodities (mercadorias negociadas com preços estabelecidos pelo mercado internacional).

Estes créditos geralmente são comprados por empresas no exterior que, em função do Protocolo de Quioto, têm metas obrigatórias de redução de emissões de gases de efeito estufa, mas não conseguem atingir o patamar determinado. A compra dos créditos permite-lhes manter ou aumentar suas emissões.

Ou seja, empresas que poluem acima do limite permitido pelo Protocolo de Quioto pagam pela poluição adicional que geram, remunerando as atividades que reduzem as emissões de gases.

Pelo Protocolo de Quioto, os países industrializados deverão reduzir suas emissões de GEE em relação às emissões de 1990. O Protocolo estabeleceu três mecanismos inovadores, conhecidos como Comércio de Emissões, Implementação Conjunta e o Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL). Os dois primeiros são exclusivos dos países que possuem metas obrigatórias, o que não é o caso do Brasil.

Somente no caso do MDL é que existe a finalidade de contribuir para o desenvolvimento sustentável dos países em desenvolvimento.

O comércio de emissões é um sistema global de compra e venda de emissões de carbono, baseado no esquema de mercado cap-and-trade. A expressão cap-and-trade, que na tradução livre seria algo como “limite e negociação”, é usada para denominar um mecanismo de mercado que cria limites para as emissões de gases de um determinado setor ou grupo. Com base nos limites estabelecidos, são lançadas permissões de emissão e cada participante do esquema determina como cumprirá estes limites.

As cotas (ou permissões) de emissão podem ser comercializadas, ou seja, aqueles países (ou firmas) que conseguem emitir menos do que foi estabelecido a eles podem vender o excedente àqueles que não conseguiram (ou não quiseram) limitar suas emissões ao número de cotas que tinham.

Nesse ponto é que surge o interesse nos projetos de MDL realizados nos países em desenvolvimento (que não possuem metas obrigatórias), pois esses projetos dão direito aos seus idealizadores de receberem créditos de carbono para comercializar.

Há uma série de critérios para reconhecimento desses projetos, como estarem alinhados às premissas de desenvolvimento sustentável do país hospedeiro, definidos por uma Autoridade Nacional Designada. No caso do Brasil, tal autoridade é a Comissão Interministerial de Mudança do Clima. Somente após a aprovação pela Comissão, é que o projeto pode ser submetido à ONU para avaliação e registro.

De acordo com o estabelecido pelas regras do MDL, todo projeto deve ter um proponente, que será o responsável por ele perante as instâncias do Conselho Executivo do MDL.

O proponente deve ser uma pessoa jurídica – o que significa que projetos de MDL podem ser propostos por governos, ONGs, cooperativas, associações e empresas ou outras instituições formais, mas não por indivíduos ou entidades informais.

Os requisitos gerais que devem ser atendidos por um projeto de MDL, segundo o Conselho Executivo, são:

  • ter a participação voluntária dos atores envolvidos;
  • contar com a aprovação do país onde será implantado;
  • apoiar os objetivos de desenvolvimento sustentável definidos pelo país onde será implantado;
  • reduzir as emissões de GEE em relação ao que ocorrerá se ele não for implementado – princípio da adicionalidade;
  • contabilizar o aumento de emissões de GEE que ocorra fora dos limites das suas atividades (chamadas “fugas”) e que seja atribuível a essas atividades;
  • trazer uma estimativa dos impactos de suas atividades – as partes envolvidas e/ou afetadas por esses impactos deverão ter sido comprovadamente consultadas;
  • gerar benefícios climáticos – mensuráveis, reais e de longo prazo.

Depois que um projeto de MDL entra em vigor, o Conselho Executivo do MDL emite, de tempos em tempos, a Redução Certificada de Emissões (RCE), documento eletrônico que especifica os créditos de carbono alcançados por esse projeto.

Em termos mundiais, o valor total do mercado de carbono cresceu 11% em 2011, alcançando a cifra de US$ 176 bilhões (o que corresponde à transação de 10,3 bilhões de toneladas de dióxido de carbono equivalente), conforme o relatório “State and Trends of the Carbon Market”, publicado pelo Banco Mundial neste ano.

Relativamente aos números do mecanismo de desenvolvimento limpo, até julho de 2012, foram aprovados e registrados na ONU 4.329 projetos de MDL oriundos de todo o mundo. Desses, 49 % ocorreram na China.

O Brasil conta com apenas 5 % do total. Muitos advogam que essa pequena participação no País é fruto da falta de regulamentação do mercado de carbono no Brasil.

Há que se comentar que é natural que a China tenha muito mais projetos de MDL que o Brasil, pois, primeiramente, a economia chinesa é mais de três vezes maior que a brasileira. Além disso, a economia da China possui uma matriz energética baseada em combustíveis fósseis, diferente do Brasil, cuja matriz energética é muito limpa, predominando as hidrelétricas. Isso cria muito mais oportunidades para a China pensar em projetos de MDL.

Quanto à regulamentação do mercado de carbono no Brasil, esta cabe à Comissão Interministerial na condição de Autoridade Nacional Designada do Mecanismo de Desenvolvimento Limpo.

Algumas resoluções foram emitidas pela Comissão, sendo que se destaca a Resolução n° 1, de 11 de setembro de 2003 da Comissão Interministerial de Mudança Global do Clima, que estabelece os documentos que devem ser enviados pelos proponentes com vistas a obter a aprovação de projetosde MDL. Há também, no site da Comissão, um manual para facilitar a elaboração das propostas.[1]

No âmbito do Poder Legislativo, a proposição que talvez mais debate tenha gerado sobre a regulamentação dos créditos de carbono foi o PLS nº 33, de 2008, fruto dos trabalhos da Comissão Mista Especial sobre Mudanças Climáticas, que funcionou no Congresso Nacional entre fevereiro de 2007 e junho de 2008.

O objetivo da proposição é definir a natureza jurídica da Redução Certificada de Emissão. As RCE são títulos virtuais – negociáveis no mercado financeiro internacional – correspondentes a reduções efetivas de emissões de gases de efeito estufa derivadas da implementação de projetos baseados no Mecanismo de Desenvolvimento Limpo.

Além de todo o procedimento estabelecido no âmbito do Protocolo de Quioto (certificação, validação e verificação nos âmbitos doméstico e internacional), a proposição determina que as RCE deveriam ser registradas junto à CVM.

Esse projeto não prosperou e o principal argumento é que a  caracterização como valor mobiliário submeteria as RCE a rígidos critérios da CVM, que se somariam a outros requisitos estipulados pelos órgãos técnicos responsáveis pela análise dos projetos de MDL. Esse duplo controle introduziria dificuldades substantivas no comércio dos créditos de carbono, inclusive com o aumento dos custos das reduções de emissões promovidas no Brasil, com prejuízo para a competitividade das RCE brasileiras no mercado internacional.

Por fim, relativamente ao arcabouço jurídico no Brasil sobre o tema, há que se comentar acerca da Lei nº 12.187, de 2009, que institui a Política Nacional sobre Mudança do Clima – PNMC. O art. 9º dessa norma estabelece que: “O Mercado Brasileiro de Redução de Emissões – MBRE será operacionalizado em bolsas de mercadorias e futuros, bolsas de valores e entidades de balcão organizado, autorizadas pela Comissão de Valores Mobiliários – CVM, onde se dará a negociação de títulos mobiliários representativos de emissões de gases de efeito estufa evitadas certificadas”.

Esse mercado não foi implementado no Brasil e os motivos não são a falta de regulamentação. O principal motivo para que o mercado não funcione é simplesmente o fato de que não existe uma demanda para créditos de carbono no País (até existe oferta, mas não demanda). As empresas brasileiras demandariam créditos de carbono se elas possuíssem metas obrigatórias de redução de emissões (como no mecanismo cap and trade). Pode-se pensar então que a solução para começar a funcionar o mercado brasileiro de redução de emissões seja estabelecer metas obrigatórias internas. Mas isso geraria mais problemas para a economia brasileira, pois ter que se ajustar a uma meta gera custos e isso diminuiria a competitividade brasileira perante os outros países em desenvolvimento, que também não possuem metas.

Isso não significa que a venda de RCE não aconteça no Brasil. A  BM&FBOVESPA possui um ambiente eletrônico de negociação desenvolvido para viabilizar o fechamento de negócios com créditos gerados por projetos de MDL. As operações são realizadas por meio de leilões eletrônicos, via web, e agendados pela BM&FBOVESPA a pedido de entidades – públicas ou privadas – que desejem ofertar seus créditos de carbono no mercado.

Algumas iniciativas sustentáveis desenvolvidas no Brasil, considerando o atual marco regulatório, já souberam aproveitar bem as oportunidades, beneficiando-se de créditos de carbono que foram vendidos para outros países.

Para exemplificar, podemos citar um dos casos mais conhecidos de projetos de MDL desenvolvidos no Brasil. Trata-se do Aterro Sanitário Bandeirantes, localizado em Perus, na região metropolitana de São Paulo. Com uma área total de 1.400.000 m²,o Aterro Bandeirantes está desativado desde março de 2007 tendo operado durante 28 anos e recebido, até 2006, cerca de 36 milhões de toneladas de resíduos.

A captação do biogás gerado no aterro foi iniciada em 2004 após uma série de estudos preliminares sobre a viabilidade do projeto e a instalação de uma usina termelétrica a biogás em 2003, onde o gás captado no aterro é tratado (retirada a umidade e feita uma pré-filtragem) e depois transformado em energia. O Aterro Bandeirantes possui capacidade para gerar aproximadamente 170 mil MWh de energia elétrica por ano e possibilitou, até então, a comercialização pela prefeitura de São Paulo, de 1.262.793 RCEs.

Os recursos arrecadados não são desprezíveis. Basta saber que, em setembro de 2007, o banco holandês Fortis Bank NV/SA desembolsou R$ 34 milhões pelo lote de 808.450 créditos de carbono colocados em negociação pela Prefeitura de São Paulo na Bolsa de Mercadorias e Futuros.

Concluindo, ao estudar a matéria, o que se percebe é que para o desenvolvimento de projetos de MDL no Brasil, não é necessária mais regulamentação. Muito pelo contrário, talvez outras normas sobre o assunto dificultem ainda mais iniciativas do Brasil na área. O que foi estabelecido pelo Protocolo de Quioto já cuida do necessário para que haja o devido controle sobre os projetos.

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[1] Para ter acesso ao conteúdo, basta acessar o site http://www.mct.gov.br/index.php/content/view/14799.html. Acessado em 09/07/2012.

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O FGTS traz benefícios para o trabalhador? https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=1127&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=o-fgts-traz-beneficios-para-o-trabalhador https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=1127#comments Mon, 19 Mar 2012 12:52:56 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=1127 O FGTS – Fundo de Garantia do Tempo de Serviço, regido pela Lei nº 8.036, de 11/05/90, foi instituído, em 1966, em substituição à estabilidade no emprego, direito restrito aos trabalhadores que permaneciam mais de dez anos na mesma empresa. É por isso que seu objetivo estrito é prover o trabalhador de uma poupança em caso de desemprego; embora, desde sua instituição, também tenha sido muito utilizado na aquisição da casa própria.

Conforme a legislação em vigor, os empregadores depositam, em contas abertas na CAIXA, em nome dos seus empregados e vinculadas ao contrato de trabalho, o valor correspondente a 8% do salário de cada funcionário.

Tais recursos, além de configurarem uma poupança do trabalhador, constituem os pilares básicos da política habitacional, de saneamento básico e de infraestrutura urbana do Estado, em especial no caso da habitação popular.

Conforme o Orçamento Financeiro, Operacional e Econômico do FGTS, para o exercício de 2012, de um total de R$ 44 bilhões, estão previstos para serem utilizados em habitação popular R$ 26 bilhões (59% do total), incluindo o Programa “Minha Casa Minha Vida”.

Assim, na concepção original do Fundo, fica fácil perceber o caráter social duplo do FGTS: patrimônio do trabalhador para fazer face ao desemprego e principal fonte de financiamento da política habitacional, de saneamento básico e de infraestrutura urbana brasileira.

O que se pretende neste texto é analisar se realmente o FGTS traz vantagens ao trabalhador ou se ele cria custos que oneram o trabalho e a renda do empregado.

O primeiro problema que se vislumbra é o baixo rendimento do FGTS. A remuneração das contas vinculadas do Fundo corresponde à Taxa Referencial de Juros (TR) mais juros de 3% ao ano, ou seja, menos do que rende a Caderneta de Poupança, pois esta remunera seus aplicadores com TR mais 6% ao ano. Isso torna o FGTS um dos investimentos com a mais baixa remuneração do mercado financeiro brasileiro.

O risco dessa aplicação é nulo, pois os saldos das contas vinculadas estão garantidos e protegidos por lei, sendo o risco de crédito integralmente assumido pela CAIXA. As aplicações no FGTS diferem, portanto, dos investimentos no mercado financeiro, onde o risco é todo do aplicador de recursos. Ainda assim, não é justo impor ao trabalhador uma aplicação que renda menos do que a inflação, conforme ilustrado pela tabela abaixo.

Rendimento do FGTS X IPCA (2000-2011)
Anos Rendimento FGTS IPCA
(TR + 3% a.a.)
(% anual) (% anual)
2000 5,14 5,97
2001 5,33 7,67
2002 5,85 12,53
2003 7,69 9,30
2004 4,86 7,60
2005 5,88 5,69
2006 5,08 3,14
2007 4,45 4,46
2008 4,65 5,90
2009 3,64 4,31
2010 3,71 5,91
2011 4,13 6,50
Fonte: TR e IPCA – IPEADATA

Pelos números acima, verifica-se que a remuneração total do FGTS ficou bem aquém da inflação do período, ou seja, com o tempo, os depósitos estão perdendo seu poder de compra. Se acumularmos as taxas mostradas na tabela, o FGTS acumulou rentabilidade de 80%, enquanto a inflação foi de 114%.

Do modo como o Fundo está equacionado, vários incentivos adversos foram criados. Como a remuneração do FGTS é baixa para o empregado e é um custo para o empregador, isso incentiva a informalidade. Os empregados e os empregadores preferem contratos informais nos quais estes pagam diretamente àqueles. Também há o caso em que a informalidade pode não ser completa: é comum haver contratos registrados em carteira, mas especificando uma remuneração menor do que a efetivamente paga.

Outra distorção vem do fato de que o empregado formal irá buscar uma forma de sacar seus recursos depositados na conta vinculada o mais rápido possível, para evitar sua corrosão pela inflação. Uma maneira é provocar sua demissão, de forma a se apoderar do dinheiro (principalmente em épocas de crescimento econômico, em que o mercado de trabalho fica aquecido). Outra pode ser adquirir imóveis, mesmo que não seja aquele que o trabalhador adquiriria caso dispusesse dos recursos em outra aplicação.

Com essa característica do Fundo, patrões e empregados não esperam que os contratos durem muito tempo. A consequência é uma alta rotatividade no mercado de trabalho. Se a expectativa é ter uma força de trabalho renovada constantemente, há menos incentivos para investir no treinamento individual dos trabalhadores, diminuindo o investimento em capital humano, o que certamente prejudica a produtividade da economia, reduzindo o potencial de crescimento econômico.

A pergunta óbvia que surge é: por que não se aumenta a remuneração do FGTS, de forma a torná-lo pelo menos tão atraente quanto a Caderneta de Poupança?

O óbice em se aumentar a remuneração do FGTS consiste no fato de que isso rebaterá, necessariamente, no encarecimento dos empréstimos para compra da casa própria, por parte das classes menos favorecidas de nossa sociedade.

Mas então, outra pergunta vem à tona: cabe ao trabalhador, com seus recursos, fornecer subsídios para o sistema financeiro de habitação e para as obras de infraestrutura urbana?

A carga tributária brasileira figura entre as mais altas do mundo (34% do PIB). Se o governo quer financiar a habitação popular, que o faça com recursos previstos no orçamento, que passaram pela aprovação indireta da sociedade, via discussão no Congresso Nacional. Hoje, a legislação em vigor obriga o empregado a deixar seu recurso aplicado no FGTS, recebendo uma remuneração baixa por isso, de forma que o governo possa emprestar recursos para a aquisição da casa própria com juros aquém dos praticados pelo mercado.

Outra questão correlata é que uma baixa taxa de juros cobrada de um trabalhador de baixa renda em um financiamento habitacional não necessariamente será um benefício para este trabalhador. Se esse sistema de crédito subsidiado gerar um grande aumento na demanda por habitações populares (como de fato ocorreu após o lançamento do programa “Minha Casa Minha Vida”), o preço dessas habitações vai subir. Isso significa que o subsídio acaba sendo apropriado pelas empresas que constroem e vendem tais habitações, sob a forma de maior margem de lucro (a esse respeito, ver neste site o texto: A isenção do imposto de renda na poupança é um subsídio justo e eficiente?)

Sabe-se da teoria econômica tradicional que a tributação sobre a folha de pagamentos gera ineficiências e desemprego, pois eleva o custo do trabalho. O FGTS funciona como um tributo que encarece o salário pago pelo empregador, mas que vai diminuir o salário líquido recebido pelo empregado.

Se não houvesse o FGTS, o salário efetivamente percebido pelo trabalhador poderia ser maior e, em vez de ele ser obrigado a manter seu dinheiro no Fundo, poderia utilizar o dinheiro da forma que melhor lhe aprouvesse, inclusive escolhendo uma aplicação financeira mais rentável. Se fosse dada a opção para os trabalhadores, muitos prefeririam receber menos que os 8% pagos pelos empregadores, se pudessem aplicar livremente os recursos.

Destaque-se que a própria ideia de poupança compulsória não se justifica. A melhor pessoa para decidir quanto, como e se vai poupar é o próprio trabalhador. Talvez na época em que o FGTS foi criado, quando havia poucos instrumentos financeiros disponíveis, a ideia de poupança compulsória poderia fazer algum sentido. Atualmente, contudo, o acesso ao sistema financeiro é muito maior, de forma que o indivíduo pode formar a própria poupança, escolhendo a composição de rentabilidade/risco que mais lhe convier. Alternativamente, em caso de queda na renda, pode-se buscar crédito, seja no sistema financeiro formal (embora as taxas de juros sejam muito elevadas, especialmente para quem está desempregado) ou em redes informais, entre amigos.

Há quem argumente que, dado os baixos salários no Brasil, a única poupança possível é a poupança forçada. Há vários problemas com esse argumento. O primeiro é a violação ao direito soberano que o indivíduo deve ter de poupar ou não. O segundo é que, mesmo com baixos salários, é possível poupar. Milhões de brasileiros trabalham por conta própria e em atividades sazonais (como agricultura, turismo, construção civil ou mesmo diaristas), não recebem FGTS, e ainda assim conseguem sobreviver nos períodos de baixa (ou de total ausência de) demanda por trabalho. Um indicativo de que os pobres poupam é que 75% das contas de caderneta de poupança (em torno de 45 milhões de contas) possuem saldo inferior a R$ 1 mil. Certamente, se os trabalhadores dispusessem dos recursos do FGTS, esse saldo seria maior.

Atualmente o Congresso Nacional discute uma revisão da legislação do FGTS. Talvez a melhor forma de se obter ganhos de bem estar para a sociedade e para o trabalhador, em vez de reformar o Fundo, seja simplesmente extingui-lo.

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Quais os efeitos de uma tributação mal planejada? https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=979&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=quais-os-efeitos-de-uma-tributacao-mal-planejada https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=979#comments Sun, 08 Jan 2012 19:46:52 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=979 A Análise Econômica do Direito Tributário promove uma união entre o direito tributário e a economia, com o intuito de melhorar a eficiência alocativa, a justiça fiscal e a distribuição de renda. A economia pode oferecer subsídios ao direito tributário para evitar que a tributação gere desestímulo às atividades econômicas ou que piore a distribuição de recursos na sociedade.

Existem duas perspectivas para a Análise Econômica do Direito Tributário:

  • positiva;
  • normativa.

Na análise positiva, estuda-se o sistema tributário como ele é. Utilizam-se conceitos e métodos da ciência econômica para entender o direito positivado e as instituições jurídicas vigentes para então ver os efeitos que produzem à sociedade. Por exemplo, analisa-se o impacto das normas e das decisões judiciais, verificando-se se o efeito pretendido foi atingido e se o foi com o menor custo possível para a sociedade.

A perspectiva normativa busca oferecer soluções alternativas para o sistema tributário. Nesta abordagem, instrumentos econômicos e de outras áreas de conhecimentos são utilizados para elaborar e propor novos conceitos jurídicos ou reformar os vigentes. A Análise Econômica do Direito entende que os indivíduos são racionais ao reagir a incentivos, ao buscar maximizar suas próprias utilidades e ao efetuar escolhas consistentes baseadas em recursos limitados em vista de alternativas conflitantes. Assim, a Análise Econômica Normativa do Direito Tributário incorpora à normatização tributária conceitos como eficiência produtiva, eficácia alocativa, justiça distributiva e ordenamento institucional.

Quando se discute a elaboração de normas tributárias, no contexto do processo legislativo, vários cuidados deveriam ser tomados. Antes de a lei entrar em vigência, deveriam ser respondidas questões como: De que forma os contribuintes e demais agentes econômicos afetados reagirão à medida? Qual o efeito da medida proposta sobre a distribuição de renda e a alocação de recursos? A norma promoverá sonegação? O gasto com a fiscalização será excessivo? Está sendo criada margem para demandas judiciais? (para saber mais sobre o efeito da legislação no desenvolvimento, leia, neste site, Como as Leis e o Poder Judiciário afetam a Economia?)

Sob o ponto de vista jurídico, o primeiro item a ser observado são as limitações ao poder de tributar previstos na Constituição. De certa forma, a Constituição resume os desejos da população, aos quais as leis têm de se conformar. É o caso dos fundamentos do Estado (soberania, cidadania, dignidade da pessoa humana e os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa), dos direitos e garantias individuais e, especialmente, dos princípios da ordem econômica previstos no art. 170 da Constituição. Ao mesmo tempo em que a Constituição prevê que nosso sistema econômico seja baseado na propriedade privada e na livre concorrência, também prevê que as leis devem atender à soberania nacional, à função social da propriedade; à defesa do consumidor e do meio ambiente; além de buscar a redução das desigualdades regionais e sociais, o pleno emprego e o tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte.

Ou seja, a Constituição, como forma de expressão dos anseios da sociedade, prevê que a ordem econômica não se restrinja ao livre mercado. Os princípios expressos no art. 170 são particularmente importantes porque preveem a atuação do Estado em circunstâncias nas quais as forças de mercado não conseguem gerar alocações que otimizam o bem estar social.  Sabemos que existem situações em que o mercado não se ajusta sozinho, são as chamadas “falhas de mercado”, como a necessidade de o Estado prover bens de natureza pública, resolver externalidades, minimizar assimetrias de informação ou atuar contra abusos de poder de mercado, quando ocorrem restrições à competição.  Quando o mercado falha, a intervenção do governo pode ser importante para colocar a sociedade em um nível mais elevado de bem-estar. (a esse respeito veja, neste site, o texto Porque o governo deve interferir na economia? )

A tributação, em especial, tem um papel crucial na resolução de várias dessas falhas. Uma questão importante no Brasil, que se apresenta de forma bem grave, é a péssima distribuição de renda no país. Esse problema pode ser amenizado por um sistema tributário progressivo, em que os ricos pagam mais impostos; ou na tributação mais intensa sobre propriedades urbanas e rurais subutilizadas.

A tributação pode, assim, ser uma forma de o governo atuar para resolver as falhas de mercado.

É claro que a tributação também tem por finalidade levantar recursos para financiar as atividades do Estado. O que se questiona é que, frequentemente, essa arrecadação é fruto de leis que foram construídas sem uma avaliação minuciosa de seus efeitos, o que gera diversas falhas de governo. Ou seja, a atuação do governo, ao tentar resolver as falhas de mercado, pode gerar distorções maiores que aquelas a que ele propõe resolver. São as chamadas falhas de governo. (para saber mais, consulte, neste site, o texto Por que a intervenção do governo pode gerar prejuízos à sociedade?).

Vimos que um dos fundamentos do Estado é a livre iniciativa, ou seja, deve ser assegurada a liberdade de acesso ao mercado. Mas, depois do acesso, não há que se lutar pela permanência do empreendimento no mercado? A complexa legislação tributária brasileira, as falhas na fiscalização e alta carga tributária provocam diversas distorções que prejudicam a alocação ótima na sociedade e, em algumas vezes, aniquilam o empresário que procura cumprir todas as obrigações tributárias. Essa situação faz com que a tributação seja não neutra, pois prejudica mais fortemente algumas firmas (as que tentam cumprir a lei) do que outras, dentro de um mesmo setor, alterando – indevidamente – as condições de concorrência.

Outra importante consequência negativa da tributação brasileira é a guerra fiscal. Existem três possibilidades para a tributação do ICMS: na origem, no destino e um regime misto. Atualmente, vigora no Brasil o regime misto, em que estados produtores e estados compradores dividem o valor do imposto. A existência de uma alíquota interestadual gera incentivos para a guerra fiscal, uma vez que o estado que concede o benefício abre mão de sua arrecadação. Mas é uma arrecadação que, na ausência da guerra fiscal, não ocorreria de qualquer jeito, se a empresa não viesse a se instalar em seu território. Um dos grandes perdedores é o estado que sediava a empresa e que terá as atividades dela interrompidas em sua área, face à mudança para outra unidade da federação. Outro grande perdedor são os concorrentes que já estão produzindo em outros estados e cujos custos fixos associados à instalação da planta ainda não foram totalmente depreciados.

O estado que concede o incentivo ganha também de forma indireta porque atrai os fornecedores da empresa subsidiada, contribuindo para a criação de empregos e a dinamização da economia local. Imagine agora se todos os estados começam a dar incentivos fiscais para atrair empresas. A guerra fiscal gerará uma queda generalizada da arrecadação, com agravamento dos déficits públicos. Qual a solução para o dilema?

Se o ICMS fosse integralmente ou preponderantemente de destino, a guerra fiscal seria muito enfraquecida, e não feriria (ou feriria muito pouco) as finanças dos estados. Ocorre que essa situação não agrada os estados que concentram a produção e aí a reforma tributária não caminha. (para saber mais sobre o tema, leia O que é guerra fiscal? neste site).

O processo legislativo é importante para explicar a qualidade de nossas leis. Um problema nesse sentido é a constante mudança da legislação tributária feita por Medidas Provisórias (MPs), em que praticamente não há discussão, uma vez que seus prazos de tramitação são bem exíguos. O resultado é que decisões que criam novas obrigações ou que concedem benefícios fiscais são tomadas sem a realização de debates, audiências públicas ou apresentação de contraditório.

Um exemplo dessa prática foi a Medida Provisória nº 512, de 2010, que foi convertida na Lei nº 12.407, de 2011. O principal item dessa lei é a concessão de incentivos fiscais com base na concessão de crédito presumido do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), como ressarcimento da contribuição para o PIS/Pasep e da Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins), no montante do valor das contribuições devidas, em cada mês, decorrente das vendas no mercado interno para empresas automobilísticas localizadas nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste.

Além de haver evidências de que essa lei tem a função de privilegiar empresas específicas, conforme relatam Miranda e Santos (2011), os incentivos são oferecidos com perda da arrecadação do IPI. Ocorre que apenas 52% da arrecadação do IPI são da União, pois o restante é destinado ao Fundo de Participação dos Estados – FPE (21,5%), ao Fundo de Participação dos Municípios – FPM (22,5% + 1%) e aos Fundos Constitucionais de Financiamento (3%), conforme o art. 159 da Constituição Federal.

Assim, além do custo da isenção fiscal que se espraia por toda a economia nacional, seria importante considerar o impacto da isenção do IPI nas Regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste, principalmente para seus vinte Estados, 2.704 Municípios e três Fundos Constitucionais de Financiamento. Será que a isenção conferida a poucas empresas automobilísticas (estimada em R$4,5 bilhões) compensa a perda de todos os outros entes da federação? No mínimo, essa questão precisaria de muito mais estudos técnicos para avalizá-la, se não, para conferir mais transparência ao processo.

Na mesma linha de falhas causadas pela legislação tributária, Fortes e Bassoli (2010) trazem exemplo interessante. Em decorrência da grande sonegação no setor de bebidas, a Receita Federal expediu ato determinando que houvesse a instalação de medidores de vazão nas fábricas de cerveja. Assim, a tributação, que incide sobre o volume comercializado, passa a ser cobrada não pelo valor da venda no varejo, mas pela produção medida pela quantidade de litros de cerveja produzida (substituiu-se uma alíquota ad valorem por uma alíquota específica). O tributo de toda a cadeia produtiva passou a ser recolhido logo na fonte distribuidora.

A ideia parece fantástica, no entanto, gerou sérios problemas sob o ponto de vista da neutralidade fiscal. Como a alíquota é sobre o litro produzido, os produtos de melhor qualidade – supostamente de maior custo e mais caros – passaram a pagar relativamente menos tributos que as distribuidoras de produtos mais baratos, em geral, pequenos produtores. Isso favorece a concentração do mercado nas mãos das grandes produtoras. Em suma, a norma, ao baratear artificialmente a bebida mais cara, atrapalhou a concorrência igualitária.

De forma geral, a Análise Econômica do Direito Tributário sugere aos legisladores tributaristas evitar distorções em mercados específicos e atuar de forma redistributiva. Para tanto, recomenda-se: aplicar a tributação em base tributável grande (em vez de taxar alface, é melhor tributar verduras em geral, por exemplo); desenhar regras simples e objetivas (transparência, clareza visando menores custos de transação); fazer a incidência do tributo sobre bens ou atividades de demanda inelástica, ou seja, aqueles cuja demanda reage pouco a variações nos preços, o que reduz a ineficiência associada à tributação (por exemplo, combustíveis e energia elétrica); ser justo (não violar equidade); buscar quando possível ser progressivo (atribuição redistributiva); e ter baixo custo administrativo.

Algumas vezes tais princípios são conflitantes. Por exemplo, a demanda por bens de primeira necessidade, como produtos da cesta básica, é pouco elástica, o que, por questões de eficiência econômica, recomendaria tributação elevada. Entretanto, considerações de equidade recomendam que tais bens sejam pouco tributados. Cabe ao governante avaliar essas situações e definir quando questões de eficiência devem se sobrepor às de equidade, e vice versa.

Procuramos nesse texto mostrar a utilidade e as aplicações da análise econômica do direito tributário, frisando possíveis falhas que podem advir em consequência da ausência de uma avaliação de impacto da norma tributária. A legislação que cria ou majora tributos ou que concede benefícios fiscais deve ser cuidadosamente desenhada para que se aumente a eficiência da atividade econômica e se promova mais equidade. A tributação pode ser uma ferramenta interessante para solucionar falhas de mercado, mas também pode consistir em uma atuação governamental que prejudica o desenvolvimento econômico.

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Referências Bibliográficas.

Miranda, R. N.; Santos, C. B. “POLÍTICA DE INCENTIVOS FISCAIS PARA O DESENVOLVIMENTO REGIONAL: UMA CRÍTICA À MP 512”. Texto para Discussão nº 87, Núcleo de Estudos e Pesquisas do Senado. Brasília: Senado Federal, 2010. Disponível em http://www.senado.gov.br/senado/conleg/textos_discussao.htm.

Fortes, F. C.; Bassoli, M. K. “Análise Econômica do Direito Tributário: Livre Iniciativa, Livre Concorrência e Neutralidade Fiscal”. Scientia Iuris, v. 14, nov/2010. Londrina: UEL, 2010.

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Como o código de defesa do consumidor colabora para a eficiência da economia? https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=767&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=como-o-codigo-de-defesa-do-consumidor-colabora-para-a-eficiencia-da-economia https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=767#comments Wed, 28 Sep 2011 14:50:40 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=767 As relações de consumo são a base de um sistema capitalista. Garantir que as partes nessa relação estejam em condições de igualdade é fundamental para a prosperidade do mercado e para a geração de riquezas.

Já publicamos artigo neste site Como as Leis e o Poder Judiciário afetam a Economia? , no qual defendemos que as leis e as decisões judiciais, juntamente com os instrumentos que obrigam todos os cidadãos a cumpri-las (polícia, judiciário, fiscalização pública, etc.), fornecem um conjunto de incentivos aos cidadãos e empresas, que têm reflexos sobre a eficiência das transações econômicas.

Dessa breve introdução é que podemos extrair a importância do Código de Defesa do Consumidor (CDC) – Lei nº 8.078, de 1990. O princípio básico que norteia todo o Código é o Princípio da Vulnerabilidade do Consumidor: trata-se da aceitação de que o consumidor é a parte mais fraca da relação de consumo e, portanto, faz-se necessária uma tutela especial. Essa premissa é reconhecida pela Constituição Federal ao declarar que o Estado promoverá a defesa do consumidor (art. 5º, XXXII).

Relativamente à responsabilidade civil, isto é, à obrigação de reparar o dano ou o prejuízo causado a alguém, o CDC traz regras específicas para tentar obter efetividade na proteção do consumidor.

Dos estudos da análise econômica do direito, sabemos que o sistema de responsabilidade civil tem uma função importante na redução da frequência com que produtos e serviços viciados – que causam danos ao patrimônio, à propriedade, à saúde e até à vida dos consumidores – são oferecidos no mercado.

A regra basilar da responsabilidade civil no direito privado é a responsabilidade subjetiva que se resume na obrigação de indenizar somente quando ocorre a comprovação de dolo ou culpa por parte do causador do dano, cabendo ao prejudicado o ônus de demonstrar a existência desses elementos subjetivos.

No entanto, essa regra é inadequada para as relações de consumo, sendo necessária outra forma de se imputar o ônus face a produtos danificados. O mais adequado é a chamada responsabilidade civil objetiva.

Para gerar a responsabilidade civil objetiva, três requisitos devem estar presentes: uma determinada conduta a ser praticada pelo agente; a existência de dano a outrem; e o nexo causal entre a conduta e o dano (a conduta errada deve ter gerado o dano). Na responsabilidade civil subjetiva temos a necessidade da inclusão de um quarto pressuposto caracterizador: o dolo ou culpa do agente causador.

É fácil perceber que é muito mais simples provar o nexo causal do que provar a culpa. Por exemplo, pense no estouro de uma garrafa de refrigerante, devido ao excesso de gás, em que a tampa é arremessada no olho do carregador que estava manuseando o engradado. Sem necessidade de muita argumentação, prova-se que a explosão da garrafa de refrigerante feriu o funcionário, mas é bem mais complexo provar que o fabricante adota processos de engarrafamento negligentes.

Assim, não é despropositadamente que o CDC estabelece como regra a responsabilidade objetiva, isto é, o fornecedor responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados por defeitos ou inadequações de informações relativos aos produtos que colocou no mercado.

Mas como o sistema de responsabilidade civil, previsto no Código de Defesa do Consumidor, pode tornar mais eficientes as transações econômicas? Há danos em que os custos de barganha são exageradamente altos, de forma que impedem totalmente a cooperação. No caso da venda de produtos com problemas, o fabricante vai pensar que a maioria dos consumidores permanecerá ignorante a respeito da existência do problema. Consequentemente, o fabricante tem incentivo a não mencionar a falha. Nesse exemplo, o obstáculo para a cooperação é a ignorância dos consumidores e a decisão estratégica do produtor de manter a informação privada.

Ao alocar o custo de produtos defeituosos ao produtor, o sistema de responsabilidade o incentiva a ser precavido. Todo produto posto em circulação deve ter segurança suficiente para não acarretar danos a outrem, pois, se o contrário acontecer, surgirá o correspondente dever de reparar.

O modelo econômico que fundamenta a afirmação anterior é bem simples. Conforme ensinam os professores Cooter e Ulen, a probabilidade (p) de um acidente diminui com o aumento da precaução (x), logo a função p(x) é decrescente.

O valor do prejuízo causado por uma mercadoria viciada é representado por A. Assim, o prejuízo esperado é dado por p(x).A (que também é decrescente).

Se w for o custo unitário da precaução, consequentemente, w.x equivale à quantia total gasta com precaução. O custo esperado social de um prejuízo causado em decorrência de um produto defeituoso é a soma dos gastos relativos à precaução com o valor da indenização que deve ser igual ao prejuízo esperado: wx + p(x)A

Na situação em que existe a responsabilidade civil objetiva do produtor, este sabe que será responsabilizado no caso de um produto com problema e que terá que pagar uma indenização no valor do prejuízo da vítima. Isso faz com que ele escolha um nível socialmente eficiente de precaução (nível de precaução que minimiza os custos sociais esperados do acidente), desde, obviamente, que o valor das indenizações seja estabelecido no nível adequado. Indenizações baixas deverão levar a um nível de precaução abaixo do socialmente ótimo. Já indenizações excessivamente elevadas devem provocar um nível igualmente excessivo de precaução.

Praticamente toda atividade econômica traz embutido o risco em sua existência. A redução da margem de risco a baixos níveis pode ser muito dispendiosa ao negócio. O empresário tem que procurar o equilíbrio entre quanto de risco está disposto a correr e o custo que isso gera, de forma a maximizar seu lucro. A responsabilização civil objetiva prevista no CDC, ao garantir ao consumidor o ressarcimento pelos prejuízos sofridos em face de produto danificado, cria incentivos para que as empresas invistam em qualidade num nível eficiente.

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Para ler mais sobre o tema:

COOTER, Robert; ULEN, Thomas.  Direito & Economia. Porto Alegre: Bookman, quinta edição, 2010.

MENEGUIN, Fernando B. “Como as Leis e o Poder Judiciário afetam a Economia?”. Disponível no site Brasil, Economia e Governo (http://www.brasil-economia-governo.org.br/2011/02/13/como-as-leis-e-o-poder-judiciario-afetam-a-economia/).

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O que é economia verde e qual o papel do governo para sua implementação? https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=693&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=o-que-e-economia-verde-e-qual-o-papel-do-governo-para-sua-implementacao https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=693#comments Mon, 08 Aug 2011 19:23:28 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=693 De acordo com a ONU, a Economia Verde pode ser definida como aquela que resulta em melhoria do bem-estar das pessoas devido a uma maior preocupação com a equidade social, com os riscos ambientais e com a escassez dos recursos naturais. Muito se discute sobre essa nova economia, e muitos pesquisadores acreditam que a economia verde requer um novo marco teórico. Como iremos mostrar neste texto, não é necessário um novo paradigma para se implementar políticas sociais que tornem a economia mais verde. Os instrumentos da economia neoclássica tradicional podem – e devem – ser utilizados para orientar os formuladores de políticas públicas com vistas ao desenvolvimento da economia verde.

Nesta reconciliação entre a economia e o meio ambiente, a proposta é usar as ferramentas analíticas da ciência econômica para buscar soluções que promovam qualidade ambiental. Ao se introduzir uma abordagem microeconômica à questão ambiental, o debate passa a focar quais são os corretos incentivos que levarão os agentes naturalmente a procurar práticas de conservação ou estratégias para reduzir a poluição.

A preservação do meio ambiente é um típico problema em que ocorre falha de mercado e que requer intervenção do Estado. Poluição e desmatamento são atividades em que tipicamente o custo social supera o custo privado. Por isso, se as atividades poluidoras ou desmatadoras não sofrerem nenhum tipo de interferência governamental, o resultado final será um nível de poluição acima (ou um grau de preservação do meio ambiente abaixo) daquilo que seria considerado socialmente ótimo. A utilização de instrumentos econômicos que induzem os agentes ao comportamento social desejado deve contar com a participação efetiva do Estado, pois as medidas de política fiscal (como impostos mais pesados para firmas poluidoras ou subsídios para implantação de tecnologias ambientalmente corretas) juntamente com a regulação (como limites quantitativos para emissão de gases ou consumo máximo de energia permitido para determinados aparelhos) constituem, talvez, os meios mais efetivos de garantir uma transição da economia marrom para a economia verde.

Do lado da receita pública, é fato que a estrutura de tributação do Estado tem um efeito fundamental sobre os incentivos que enfrentam empresas e famílias, tanto no consumo quanto nas decisões de investimento. Quanto às despesas públicas, a distribuição dos gastos, tanto na manutenção da máquina administrativa (despesas correntes), quanto os que aumentam a capacidade produtiva do país (despesas de capital, principalmente investimentos em infraestrutura), dão o tom de como será o caminho trilhado para o desenvolvimento econômico.

Por exemplo, um passo para a implantação da economia verde seria uma tributação mais pesada sobre combustíveis fósseis, de forma que outras formas de energia renovável ficassem relativamente mais atraentes do ponto de vista do preço de consumo. Outra possibilidade é a diminuição de subsídios concedidos a atividades prejudiciais ao meio ambiente.

Pelo lado da despesa pública, a promoção do crescimento econômico mais sustentável passa pela provisão de infraestrutura energética mais limpa, suporte para pesquisa e desenvolvimento em novas tecnologias não poluentes e mais produtivas, além da concessão de subsídios que alavanquem investimentos verdes pelas famílias e empresas.

Uma melhor distribuição de riqueza ao redor do mundo também é afetada pela política fiscal. Conforme relatório da ONU, estima-se que se as nações desenvolvidas retirassem o subsídio dado à produção de algodão em seus países, a renda real das nações integrantes da região da África subsaariana aumentaria em US$150 milhões por ano.

Sabe-se, contudo, que não é simples administrar as distorções causadas pelo sistema tributário. Um “imposto verde” será mais eficiente quando incidir sobre o bem mais diretamente ligado ao dano ambiental. Isto é, os “impostos ambientais” devem ser aplicados diretamente sobre os poluentes, que muitas vezes não são facilmente observáveis. Ao tributar combustíveis fósseis para diminuir as emissões de carbono, por exemplo, provavelmente se está utilizando uma base eficiente, porque as emissões estão diretamente relacionadas ao volume de combustível consumido. Por outro lado, a tributação de fertilizantes para controlar a poluição da água talvez não seja tão eficiente, pois essa poluição depende dos métodos empregados na agricultura, que podem impedir o escoamento dos agentes poluentes. Nesse caso, seria mais eficiente multar o agricultor que poluir as águas. Dessa forma ele teria incentivo para continuar utilizando o fertilizante, mas adotando as prevenções necessárias para não poluir o meio ambiente.

Do ponto de vista da regulação, uma medida que vários governos ao redor do mundo vêm criando é o sistema cap and trade, sistema de comércio de licenças de emissão, onde as emissões totais são fixadas ou limitadas. O Protocolo de Quioto estabelece um sistema cap and trade no sentido de que as emissões dos países desenvolvidos são fixadas e quem poluir acima do limite pode adquirir direitos de emissão de países que poluem abaixo da meta acordada.

Nos Estados Unidos (EUA), há um debate no Congresso Norte-Americano sobre a instituição de sistemas cap and trade para determinados processos produtivos, produtos ou serviços, de forma que as empresas que não atingirem sua quota de emissão de poluentes possam vender o excedente a outras. A lógica desse mecanismo é que a aferição de um valor econômico às licenças para as emissões irá estimular as empresas a poluírem menos, pois lucrariam com a venda dos excedentes. Isso também terá impacto nos países que exportam tais bens para os EUA.

Claro que também existem aspectos negativos relacionados com a mitigação da poluição. A Austrália apresentou recentemente um projeto (“Securing a clean energy future”), cujo objetivo é diminuir as emissões de carbono pelo país. A principal medida sugerida é a taxação das empresas por tonelada de dióxido de carbono jogada na atmosfera. No entanto, há várias críticas no sentido de que tal taxação apenará toda a sociedade, aumentando o nível de preços, prejudicando a produção e reduzindo os empregos. Esse impacto adverso sobre a economia é consequência, principalmente, do alto custo que o projeto implicará para a geração de energia elétrica, que na Austrália é extremamente poluente por se basear na queima de carvão.

O governo australiano defende-se argumentando que os recursos arrecadados com a tributação do carbono serão devolvidos às famílias por meio de algum tipo de abatimento em outros impostos ou por aumento nas transferências de renda, como pensões.

De qualquer forma, dadas as ações indutoras por menos poluição em vários países, percebe-se uma mudança de comportamento no meio empresarial, inclusive no brasileiro. Em recente publicação da Confederação Nacional da Indústria (CNI)[1], os empresários são advertidos sobre como é importante entender os múltiplos impactos e riscos que podem influenciar o ambiente de negócios em uma transição para a economia de baixo carbono. Segundo a CNI, há riscos regulatórios, como os custos devidos ao pagamento de taxas e impostos sobre produtos e serviços carbono intensivos e pagamento de multas, caso as metas mandatórias de redução de emissões não sejam alcançadas. Há ainda custos reputacionais e competitivos, como gastos relacionados à perda de fatia de mercado, menor acesso a fontes de capital, bem como perda do valor da marca, caso haja discriminação das empresas não aderentes à economia verde.

Em suma, a política fiscal e a administração das finanças públicas são fatores-chave na transição de um país para uma economia mais verde. O Congresso Nacional, ao votar o orçamento, ao discutir a legislação tributária, tem papel fundamental na definição do caminho que o país adotará.

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Para ler mais sobre o tema:

United Nations Environment Programme. Driving a Green Economy: Through Public Finance and Fiscal Policy Reform. 2011 (Disponível em http://www.unep.org/greeneconomy).


[1] CNI. Estratégias Corporativas de Baixo Carbono: Gestão de Riscos e Oportunidades, 2011.

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A redução da jornada de trabalho melhora a geração de empregos? https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=540&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=a-reducao-da-jornada-de-trabalho-melhora-a-geracao-de-empregos https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=540#comments Mon, 23 May 2011 12:45:44 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=540 A proposta de reduzir a jornada de trabalho para conseguir novos empregos é antiga e frequentemente volta à pauta nacional. Os sindicatos de trabalhadores defendem arduamente que a diminuição do tempo semanal de trabalho de quem está empregado preservaria os empregos existentes e criaria novos postos, gerando queda do desemprego e da informalidade, além de promover aumento da massa salarial.

A ideia por trás desse raciocínio é simples, o insumo trabalho na função de produção é dado pelo número de trabalhadores multiplicado pela jornada média de trabalho. Assim, se a jornada média diminui, o número de trabalhadores aumenta e a produção não se altera. Por exemplo, quatro pedreiros constroem uma parede trabalhando cada um dez horas por dia, ou seja, o serviço precisa de quarenta horas de trabalho para ser realizado. Mas se cada pedreiro trabalhar menos, vamos supor 8 horas, o serviço será realizado da mesma maneira com mais um profissional, totalizando cinco pedreiros. A questão é saber se a substituição entre horas trabalhadas e emprego acontece dessa forma direta.

A grande maioria dos artigos acadêmicos sobre o tema diz que não. A contestação vem do fato de que existem outros custos para se contratar mão-de-obra que não apenas os relacionados ao salário efetivamente pago pelo empregador. Há, por exemplo, custos fixos com licenças, repouso remunerado, alimentação, transporte, custos de demissão e litígios judiciais. Despesas que incorrem pela existência do empregado, independentemente do número de horas trabalhadas.

Assim, a crença de que a redução da jornada sem diminuição do salário criará empregos é falsa, pois a menor carga horária semanal do trabalhador aumenta o custo unitário do trabalho, tornando-o mais caro em relação aos outros fatores de produção, provocando uma substituição desse fator que ficou mais caro pelos demais.

Uma consequência do encarecimento do trabalho é a sua substituição pelo capital, por novas tecnologias, que geram redução do emprego. Na linguagem informal, é a substituição do homem pela máquina.

Outro resultado é o efeito escala. Como um dos custos aumentou, a produção da firma diminui. Isso acarreta menor consumo de todos os fatores de produção, incluindo o trabalho. A consequência novamente é a redução do emprego.

Assim, pode-se inferir que a redução da jornada de trabalho, sem alteração de salário, é benéfica para os trabalhadores que estão empregados, pois trabalharão menos. No entanto, não traz vantagem para os desempregados, que terão maior dificuldade em encontrar uma vaga no mercado.

Gonzaga, Menezes-Filho e Camargo (2003) ensinam que, se o objetivo é aumentar o volume de emprego e reduzir a jornada de trabalho, mantendo os mesmos salários e sem afetar o custo total do trabalho, a política correta seria reduzir o custo fixo do emprego (licenças maternidade e paternidade, número de dias pagos e não trabalhados, etc.) e aumentar, simultaneamente, o adicional pago por horas-extras trabalhadas. Na medida em que essa mudança na estrutura de remuneração do trabalhador não afete o custo total do trabalho, o efeito líquido sobre o nível de emprego seria inequivocamente positivo.

Os custos citados pelos autores são custos institucionais, que podem ser evitados se alterada a legislação. Mas há custos que decorrem da própria natureza do trabalho. Por exemplo, os custos de contratação e de aprendizagem (associado ao tempo necessário do empregado aprender as tarefas e se inserir na cultura da firma). Esses custos podem se tornar particularmente elevados para mão-de-obra que apresenta alta rotatividade, o que desestimularia a sua contratação.

Se o objetivo é puramente gerar mais empregos, há uma confluência dos estudiosos para a ideia de que o correto seria empreender reformas trabalhistas que permitissem determinar corretamente o preço da mão de obra e promovessem o crescimento do emprego, além de alinhar os incentivos necessários para aumentar a produtividade da mão de obra e os salários. É consensual a necessidade de se diminuir os encargos da folha de pagamento, pois o custo tributário relacionado ao salário é muito alto para o Brasil e estimula a informalidade no mercado de trabalho. Outra medida é oferecer mais autonomia para que trabalhadores e empresários possam negociar seus contratos de trabalho, sem tanta interferência da legislação.

Por fim, medidas que aumentem a produtividade da economia, não necessariamente relacionadas ao mercado de trabalho, também podem aumentar o emprego e/ou o salário real. Por exemplo, ações que reduzam as barreiras à entrada de novas firmas no mercado (redução de licenças burocráticas, de tarifas alfandegárias, de restrições a investimentos estrangeiros, de controles de preços, etc.) tendem a elevar o número de firmas atuando no mercado, o que ampliaria a oferta de emprego. Além disso, aumento da competição e da produtividade reduzem o preço final dos bens de consumo, aumentando os salários reais.

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Para ler mais sobre o tema:

BLANCHARD, O., GIAVAZZI, F. “Macroeconomic effects of regulation and deregulation in goods and labor markets”. The Quarterly Journal of Economics, vol. 118, 2003.

GONZAGA, G. M.; MENEZES-FILHO, N.A.; CAMARGO, J.M. “Os efeitos da redução da jornada de trabalho de 48 para 44 horas semanais em 1988”. Revista Brasileira de Economia, vol. 57, nº 2, 2003.

MENEGUIN, Fernando B. “A Legislação Trabalhista ajuda ou atrapalha a geração de emprego?”. Disponível no site Brasil, Economia e Governo (http://www.brasil-economia-governo.org.br/).

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https://www.brasil-economia-governo.com.br/?feed=rss2&p=540 5
Como as eleições afetam a economia? https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=397&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=como-as-eleicoes-afetam-a-economia https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=397#comments Tue, 29 Mar 2011 19:15:13 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=397 A relação entre flutuações econômicas e decisões eleitorais de uma população constitui um dos tópicos mais estudados tanto em economia como em ciência política.

Diversos estudos confirmam a relação entre a situação econômica e suas oscilações com o resultado nas urnas. Um estudo pioneiro de Kramer (1971) analisa o resultado das eleições norte-americanas para a Presidência e o Congresso dos EUA, de 1896 a 1964. Ficou evidenciada a relação entre o desempenho da economia e a manutenção do partido titular no poder, concluindo que uma redução de 10% na renda per capita gera uma perda de aproximadamente 5% das cadeiras ocupadas pelo partido do presidente no Congresso. Além disso, o estudo sugere que flutuações econômicas explicam aproximadamente 50% da variância do voto no Legislativo daquele país.

Considerando a importância que os eleitores atribuem ao desempenho da economia no momento de votar, fica clara a existência de um incentivo para que um político no poder tente induzir maior crescimento econômico em períodos próximos às eleições, de forma a receber o bônus eleitoral desse crescimento. Um exemplo disso é novamente os EUA, após a quebra da Bolsa de Nova Iorque em 1929. A prosperidade econômica do país foi interrompida e fez a economia mergulhar em grave crise recessiva. Isso fez com que o Partido Republicano, então no poder, perdesse as eleições. O democrata Franklin Delano Roosevelt assumiu a Presidência em 1933 e reelegeu-se por mais três mandatos consecutivos, até sua morte em 1945, realizando uma política de desenvolvimento baseada em pesados investimentos estatais para estimular a recuperação econômica.

O trabalho precursor que tenta explicar esse comportamento do governante é o de Nordhaus (1975), que cunha a expressão Political Business Cycle (ciclos políticos de negócios). Segundo esse estudo, ao perceber o efeito da economia no voto, o governante decide aumentar a oferta da moeda (via novas emissões ou por meio do Banco Central adquirindo títulos do mercado privado), em ano eleitoral de forma a conseguir incremento na produção do país e, assim, diminuir o desemprego. Em consequência, os eleitores reagem positivamente nas urnas, desconhecendo que o ato do governo federal gerará inflação, trazendo novos problemas à sociedade no futuro.

O problema do trabalho de Nordhaus é que ele admite a possibilidade de os eleitores serem constantemente enganados pelo governante, apesar do limitado efeito que a política de expansão monetária traz ao crescimento econômico no médio prazo. Na verdade, esse crescimento artificialmente induzido é perdido no primeiro ano após as eleições, devido à estagnação econômica e à inflação. Eleitores racionais e com razoável memória não se deixariam enganar por mais de uma vez.

Essa teoria teve um refinamento conhecido como Political Budget Cycle (ciclos políticos orçamentários), feito por Rogoff (1990), que focou a estratégia do governante não na política monetária, mas sim na política fiscal, como a carga tributária, as transferências governamentais e as despesas correntes do governo, concluindo que o governante tende a distorcê-la, cortando tributos, aumentando transferências e promovendo gastos que tenham visibilidade imediata. Tal comportamento do governante, provavelmente, geraria ou agravaria uma situação de déficit fiscal. Segundo esse estudo, o político mais votado é aquele que tende a gerar maior desequilíbrio nas contas públicas, contrariamente ao político preocupado com os recursos do Estado.

Vale mencionar que os prejuízos futuros dessa política são tão graves quanto à inflação provocada pela expansão monetária. Só que, no caso da política fiscal, os efeitos nefastos como aumento da taxa de juros, elevação da carga tributária ou redução da produtividade da economia somente são sentidos em prazos mais longos, sendo difícil para o eleitor identificar que a origem do problema aconteceu pelo comportamento irresponsável de governantes passados que deram causa ao desequilíbrio.

Será que os ciclos políticos orçamentários se aplicam ao Brasil? O gráfico abaixo retrata, com dados do Tesouro Nacional, a evolução dos gastos da União em comparação com o PIB.

Além da óbvia tendência de aumento dos gastos públicos durante o período, percebe-se que a série forma ciclos que coincidem com os mandatos presidenciais. Dentro de cada ciclo de quatro anos (1994-1998, 1999-2002, 2003-2006, 2007-2010), o maior percentual de gastos em relação ao PIB acontece nos anos de realização das eleições (indicado pelas setas).

Tendo em vista essa tendência de aumento dos gastos públicos em ano eleitoral, a sociedade deve se mobilizar para colocar limites nos gastos que visam somente angariar votos. Em parte, isso foi feito com a Lei de Responsabilidade Fiscal, que criou algumas restrições para aumento de gastos públicos e endividamento do Estado nos anos eleitorais, no entanto, em muitos casos é difícil provar a distinção entre a despesa que tem motivação eleitoral e aquele gasto que realmente mereceria ser feito para o benefício da população.

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Para ler mais sobre o tema:

Kramer, G. H. (1971). “Short Term Fluctuations in U.S. Voting Behavior, 1896-1964”, American Political Science Review, 65:131-43.

Meneguin, F.B.; Bugarin, M.S.; Carvalho, A.X. (2005). “O que leva um governante à reeleição?” Texto para Discussão IPEA, nº 1135.

Nordhaus, W. (1975). “The Political Business Cycle”. Review of Economic Studies, 42:169-190.

Rogoff, K. (1990). “Equilibrium Political Budget Cycles”. American Economic Review, 80:21-36.

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Como as Leis e o Poder Judiciário afetam a Economia? https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=33&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=como-as-leis-e-o-poder-judiciario-afetam-a-economia https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=33#comments Sun, 13 Feb 2011 23:58:58 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=33 As leis e as decisões judiciais, juntamente com os instrumentos que obrigam todos os cidadãos a cumpri-los (polícia, judiciário, fiscalização sanitária, Receita Federal, agências reguladoras, etc. ), fornecem um conjunto de incentivos aos cidadãos e empresas, que têm reflexos sobre a eficiência das transações econômicas. Uma legislação que estabeleça impostos muito elevados, por exemplo, representa um incentivo à sonegação. Uma adequada lei de patentes, que proteja as inovações tecnológicas e gere lucros aos inventores, por sua vez, será um incentivo para o desenvolvimento científico.

Há uma série de situações econômicas que não podem ser deixadas ao livre arbítrio do mercado, precisando ser reguladas por lei e que, por isso, ficam sob a influência das leis e das instituições citadas acima. Por exemplo: é preciso impor regras e penalidades para que as fábricas não lancem nos rios e mares os dejetos gerados durante o processo produtivo; é preciso criar impostos para financiar atividades que são importantes para a sociedade, mas que não dão lucro e, por isso, não são oferecidas no mercado privado (construção de estradas, saneamento básico, saúde preventiva, preservação de florestas); é preciso oferecer a toda a sociedade alguns bens e serviços que, se deixados ao mercado, seriam acessíveis apenas às populações de maior renda (educação, saúde); é preciso evitar a formação de monopólios e cartéis que prejudiquem a concorrência e tornem os produtos mais caros e de menor qualidade. Tais fenômenos são conhecidos pelo termo genérico “falhas de mercado”, que se refere a situações em que o livre funcionamento do mercado leva a situações socialmente indesejáveis.[1]

Na prática, as leis e instituições destinadas a corrigir falhas de mercado têm diversos graus de qualidade. Tanto podem ser eficazes na redução das falhas de mercado, quanto podem introduzir distorções adicionais na economia. Nessa situação, há leis editadas com o objetivo de congelar preços, prejudicando o equilíbrio natural do mercado. O Plano Cruzado é um exemplo típico, pois, ao promover o congelamento de preços para combater uma hiperinflação, não permitiu o ajuste dos valores de mercadorias sujeitas à sazonalidade, gerando um desequilíbrio de preços. Como resultado disso, vieram o desabastecimento de bens (ninguém se dispunha a vender com prejuízo ou perder oportunidades de lucro) e o surgimento de ágio para compra de produtos escassos, principalmente os que se encontravam na entressafra, como carne e leite.

Outro ponto importante na relação entre a área jurídica e a econômica é o “direito de propriedade”, conceito jurídico que se refere ao fato de que o proprietário é livre para usar seus bens como quiser (desde que dentro da lei) sem a interferência ou intromissão de outros. Direitos de propriedade que não são perfeitamente seguros desestimulam os investimentos, reduzindo o potencial de crescimento da economia. Produtores rurais que se sintam sob ameaça de invasão de suas terras por movimentos de “sem-terra” reduzirão os investimentos em infraestrutura e melhoria da terra, pois temem o risco de perder esse investimento no caso de uma invasão. Países que costumeiramente confiscam investimentos feitos por estrangeiros ou não pagam suas dívidas externas se tornam perigosos para os investidores internacionais e deixam de ser atrativos para empresas que poderiam ali se instalar, produzir e gerar empregos.

O Teorema de Coase[2] ensina que, se não houver custos de transação, basta que os direitos de propriedade sejam bem definidos para que uma negociação entre os interessados aconteça e os recursos sejam utilizados da forma mais eficiente possível. Os custos de transação são os gastos necessários à realização de um negócio no mercado, como pagamento de taxas, advogados, corretores, cartórios e outros envolvidos na transação. Assim, para a literatura de Análise Econômica do Direito, as leis deveriam ser elaboradas de forma a remover os obstáculos à negociação privada, reduzindo ao máximo os custos de transação para melhorar o desempenho da economia. Essa deveria ser uma das principais funções das instituições de forma geral (regramentos jurídicos, tribunais, etc).

Também relevante é o impacto da ação do Poder Judiciário na economia. Uma importante distorção da Justiça brasileira consiste no fato de que as disputas de baixo valor não chegam às mãos dos juízes, pois, se chegassem, as custas processuais e os honorários advocatícios consumiriam o crédito a receber. Esse problema foi resolvido em parte pelos juizados de pequenas causas, mas o problema ainda persiste. Em regra, a Justiça só é acionada se o valor do litígio for alto ou quando o litigante possui uma estrutura jurídica permanente, como é o caso das grandes empresas. Tal situação coloca em desvantagem a camada mais baixa da sociedade, que vê sua pior condição socioeconômica ser perpetuada pela maneira de funcionar das instituições.

Além disso, esse alto índice de exclusão judicial tem efeitos sobre os contratos de crédito e os contratos trabalhistas, pois, como as empresas sabem da baixa possibilidade de recorrer à Justiça, não se preocupam com a formalização dos negócios, ou seja, existe um incentivo para o trabalho precário (informalidade no mercado de trabalho) e para empréstimos que passam ao largo do sistema financeiro tradicional (agiotagem).

Outro problema é a morosidade do Poder Judiciário. Em média, demora-se anos para que se consiga uma decisão final. Essa dificuldade de receber créditos na Justiça afeta diretamente a conjuntura econômica, pois propicia uma taxa de juros mais elevada. Como não há segurança judiciária de que o crédito será recuperado rapidamente, a tendência é que já se inclua na taxa de juros um adicional para cobrir as perdas com créditos não pagos. Isso tem consequências extremamente negativas para a economia: diminuição dos investimentos, crédito mais caro ou, ainda, restrição ao crédito.

O problema não é privilégio da recuperação de contratos de crédito. A mesma situação se repete em litígios da área cível como pagamento de verbas indenizatórias.

No entanto, avanços estão acontecendo. Um exemplo atual pode ser encontrado no mercado de locação de imóveis. Foram promovidas alterações na Lei do Inquilinato com a publicação da Lei 12.112, de 2009. O objetivo foi conceder mais segurança aos proprietários dos imóveis urbanos. Depois dessa mudança na legislação, é mais habitual que os locadores tenham sucesso rápido em ações de despejo por falta de pagamento do aluguel.  Essa sistemática traz mais tranquilidade ao mercado e segurança para quem investe em imóveis para locação, que resulta em maior oferta de imóveis e redução do valor médio do aluguel, beneficiando o inquilino que paga em dia suas obrigações.

Em conclusão, uma política de desenvolvimento nacional não passa apenas pelas variáveis macroeconômicas como inflação, juros ou taxa de investimento. É importante considerar também o impacto da legislação e do funcionamento das instituições sobre o comportamento de indivíduos e empresas. A análise econômica do direito afeta áreas tão distintas quanto a flexibilidade do mercado de trabalho, o aperfeiçoamento do mercado de crédito e do sistema financeiro, a melhoria da tributação e do ambiente de negócios. Todos esses tópicos dependem de aprovação de leis. Elas é que, se bem desenhadas, fornecerão os incentivos corretos para que indivíduos e empresas, ao buscarem o melhor para si, também atuem de forma eficiente.

Por fim, cabe enfatizar a necessidade de redução do custo de resolução de conflitos. Isso se consegue com uma reforma do Poder Judiciário. Tal aprimoramento vem sendo realizado paulatinamente, como os novos Códigos de Processo Penal e Civil aprovados recentemente no Senado.

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Para ler mais sobre o tema:

Referências específicas para o tema “falhas de governo”:

Arvate, P., Biderman, C. (2006) Vantagens e desvantagens da intervenção do governo na economia. In: Mendes, M. (Org.) Gasto público eficiente: 91 propostas para o desenvolvimento do Brasil. Instituto Fernand Braudel/Topbooks. São Paulo, p. 45-70.

Andrade, E. (2004) Externalidades. In: Arvate, P., Biderman, C. (Orgs.) Economia do setor público no Brasil.FGV/Campus. São Paulo., p. 16-33

Stiglitz, J. (1999) Economics of the public sector. W.W. Norton & Company, 3rd edition. Capítulos 1 e 4.

Referências para “análise econômica do direito”:

Cooter, Robert; Ulen, Thomas. (2010). Direito & Economia, 5ª edição. Porto Alegre: Bookman.

WORLD BANK DOCUMENT. Brazil, Judicial performance and private sectors impacts: findings from World Bank sponsored research. Report 26261- BR. July, 1, 2003.

Zylbersztajn, Decio; Sztajn, Rachel. (2005). Direito & Economia: Análise Econômica do Direito e das Organizações. Rio de Janeiro: Elsevier.


[1] O leitor pode conhecer mais sobre o tema consultado a bibliografia sugerida ao final do texto.

[2] Ronald Coase – Prêmio Nobel de Economia em 1991.

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A Legislação Trabalhista ajuda ou atrapalha a geração de emprego? https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=1&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=a-legislacao-trabalhista-ajuda-ou-atrapalha-a-geracao-de-emprego https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=1#comments Mon, 07 Feb 2011 08:09:48 +0000 http://economia-e-governo.braudel.org.br/?p=1 Em 2010, foram divulgadas notícias de que a criação de empregos com carteira assinada foi recorde no país. Mas será que o otimismo dominante permite que o problema de criação de emprego seja colocado em segundo plano? Apesar dessas sucessivas notícias que divulgam como ótimo o desempenho do mercado de trabalho brasileiro ao longo dos últimos anos, não se pode esquecer que a taxa de desocupação em maio de 2010, conforme a Pesquisa Mensal de Emprego (PME/IBGE), ficou em 7,5%, o que significa dizer que mais de 1,8 milhão de pessoas procuravam emprego no Brasil.

Pesquisa realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)[1], com foco em informações prestadas pelas prefeituras, mostra que as iniciativas que procuram facilitar a alocação da mão de obra no mercado de trabalho estão entre os principais serviços socioassistenciais realizados pelos governos municipais brasileiros . Em mais da metade das cidades se acredita que o enfrentamento das situações de vulnerabilidade social passa pela inserção ou reinserção no mercado de trabalho. Esse fato, por si só, demonstra a importância de um posto de trabalho para a sociedade.

É provável que a taxa de desemprego no Brasil esteja subestimada em virtude do elevado subemprego. O grau de informalidade ficou em 36,9% dos ocupados no mês de setembro de 2010[2]. A persistência da elevada informalidade no mercado de trabalho, não obstante o rápido crescimento econômico, indica a existência de barreiras estruturais na transição do trabalhador para o mercado de emprego formal.

Como fazer para se criar empregos de qualidade para todos os brasileiros que desejam trabalhar? A resposta a essa questão está diretamente relacionada com a legislação trabalhista vigente.

O mercado de trabalho tem a função de fazer a ponte entre a procura por mão de obra e a oferta de trabalho. Ele deve ser um facilitador do encontro entre oferta e demanda de mão de obra. É de suma importância, portanto, que esse mecanismo esteja funcionando perfeitamente. Caso contrário, o crescimento econômico pode não causar impacto positivo sobre os empregos ou, ainda, os investimentos em educação e novas tecnologias podem não significar ganhos de produtividade e melhores salários (devido à incapacidade do mercado de trabalho para fazer o “casamento” mais adequado entre trabalhador e empresa).

O funcionamento do mercado de trabalho pode ser afetado de três formas:

a)      pelas regulamentações, a exemplo das normas que regem a demissão de trabalhadores;

b)      pelas intervenções, como os programas de seguro-desemprego.

c)      pelas instituições, como os tribunais da justiça trabalhista;

A regulamentação dos litígios trabalhistas e da negociação coletiva sofreram pouca mudança desde que foram estabelecidas na década de 1940 com a Consolidação das Leis do Trabalho – CLT. O Brasil precisa fazer uma avaliação desse sistema, de modo a manter o que está funcionando e alterar o que não funciona tão bem.

Talvez nossas leis trabalhistas tenham sido bastante apropriadas para as condições das décadas de 1950 e 1960, mas agora certamente estão apresentando sinais de obsolescência. A regulamentação para o mercado de trabalho é necessária para garantir condições de trabalho seguras e justiça nos contratos de emprego. Algumas regulamentações destinam-se a garantir o pagamento mínimo e a segurança do emprego, mas, quando obrigam trabalhadores e empregadores a contratos demasiadamente restritivos, podem acabar prejudicando a capacidade do mercado de trabalho de se ajustar com flexibilidade para promover o emprego e a produtividade.

Um exemplo típico de inadequação da legislação está nas regras que regem o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS). Criado com o objetivo de ser uma poupança do trabalhador e uma proteção contra a perda de renda gerada pelo desemprego, ele é hoje fonte de grande distorção das relações de trabalho provocando curta duração dos contratos de trabalho e a alta rotatividade dos trabalhadores nas empresas. Estudo realizado pelo Banco Mundial e pelo IPEA, citado ao final do texto, estima que um de cada três trabalhadores brasileiros muda de emprego a cada ano.

Apesar de a rotatividade ser inerente a qualquer mercado de trabalho, ela gera custos (indenização dos demitidos, por exemplo). Se esses custos são altos, os empregadores, na expectativa de ter sua força de trabalho renovada constantemente, têm menos incentivos para investir no treinamento individual dos trabalhadores.

As regras do FGTS geram tal distorção porque quando a conta vinculada ao trabalhador acumula um saldo grande, o empregado tem incentivo a provocar sua demissão, de forma a se apoderar do dinheiro. Com essa característica do fundo, patrões e empregados não esperam que os contratos durem muito tempo. Além disso, a multa rescisória é paga diretamente ao empregado, o que reforça seu interesse em provocar a demissão, especialmente num período de crescimento econômico, em que arrumaria outro emprego facilmente.

Pelo lado do empregador, o preço da demissão é alto quando o funcionário tem muito tempo de emprego, pois maior será o valor da indenização que lhe é devida. Isso significa que as empresas que têm como política investir em seu quadro de funcionários serão as grandes apenadas. As maiores beneficiárias serão as empresas que rodam seu pessoal de três em três meses.

As intervenções do governo são necessárias especialmente quando a situação macroeconômica não está favorável. Por exemplo, os programas públicos de treinamento e qualificação do desempregado podem melhorar o nível de emprego e a produtividade. No entanto, apesar de ser uma importante ferramenta, o que se observa da qualificação profissional liderada pelo governo federal é a existência de cursos que passam apenas noções gerais, com poucas aulas práticas, cujo ensino é prejudicado pela heterogeneidade das turmas. Além disso, como se optou por descentralizar as ações de qualificação profissional para estados e municípios, com respectivo repasse dos recursos do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), vários focos de corrupção e  má aplicação de recursos públicos foram encontrados.

O Brasil precisa encontrar a dosagem certa de regulamentações e intervenções, além de um desenho institucional correto, para atingir os objetivos de emprego, produtividade e segurança.

Por fim, as relações de trabalho são altamente afetadas pelas instituições, como a Justiça Trabalhista, cujas decisões consideram recursos previstos em um antigo direito processual do trabalho. Todos os anos, trabalhadores interpõem cerca de dois milhões de ações judiciais contra empregadores. As empresas assumem o custo das taxas federais e legais, mas o maior custo resulta do fato de as empresas se tornarem mais cautelosas no tocante às novas contratações, reduzindo assim o emprego formal.

Há uma confluência dos estudiosos para a ideia de que o correto seria empreender reformas trabalhistas que permitissem determinar corretamente o preço da mão de obra e promovessem o crescimento do emprego, além de alinhar os incentivos necessários para aumentar a produtividade da mão de obra e os salários. É consensual a necessidade urgente de se diminuir drasticamente os encargos da folha de pagamento, pois o custo relacionado ao salário é muito alto para o Brasil e estimula a informalidade no mercado de trabalho. Outra medida é oferecer mais autonomia para que trabalhadores e empresários possam negociar seus contratos de trabalho, sem tanta interferência da legislação. Note-se que não se defende o fim de direitos básicos: eles são importantes para preservar o capital humano do país. No entanto, é difícil crer que uma única legislação trabalhista possa atender de forma eficiente nosso heterogêneo parque produtivo ou possa atender tanto à indústria quanto ao setor de serviços.

Nesse sentido, nosso mercado de trabalho deveria caminhar numa direção de maior flexibilidade. Seria bem-vinda proposta que fizesse os contratos refletirem as condições específicas da empresa empregadora, desobrigando as firmas e os trabalhadores de seguirem o modelo rígido da CLT.

Para ler mais sobre o tema:

Meneguin, Fernando B. “O Funcionamento do Mercado de Trabalho e as Políticas Públicas para a Criação de Emprego”. Em Agenda Legislativa para o Desenvolvimento Nacional. Brasília: Senado Federal, 2010. Disponível em http://www.senado.gov.br/senado/conleg/agendalegislativa.html

Banco Mundial e Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada. “Empregos no Brasil”. Volume I: Sessão Infomativa sobre Política. 2002.

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[1] Pesquisa de Informações Básicas Municipais

[2] Mercado de Trabalho – Conjuntura e Análise, nov/2010. IPEA.

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