José Roberto R. Afonso – Brasil, economia e governo https://www.brasil-economia-governo.com.br Thu, 01 Dec 2011 10:39:49 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=6.7.2 Por que o governo tributa cada vez menos a produção de petróleo enquanto tributa cada vez mais os demais setores da economia? https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=879&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=por-que-o-governo-tributa-cada-vez-menos-a-producao-de-petroleo-enquanto-tributa-cada-vez-mais-os-demais-setores-da-economia https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=879#comments Wed, 30 Nov 2011 13:02:52 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=879 As mudanças na cobrança de tributos federais e das participações governamentais sobre a produção de  petróleo implicaram redução da carga tributária incidente sobre o setor. Esse fato se verifica desde meados da década passada, em uma tendência flagrantemente contraditória com o crescimento da carga tributária incidente sobre os demais setores da economia, inclusive famílias.

Por que motivos o governo estaria tributando cada vez mais a produção e consumo da maioria dos bens e serviços e, ao mesmo tempo, aliviando a carga tributária sobre o setor de petróleo?

É curioso como um setor fundamental para a geração de receita tributária não tem sido objeto de análises mais criteriosas, de maior debate público e, em especial, objeto de mais atenção e prudência na formulação e execução da política tributária, em especial no âmbito do governo federal. E isso apesar de toda atenção que despertou o recente conflito federativo em torno da divisão da receita de royalties de petróleo e gás.

Razões para o Relaxamento

Uma primeira explicação para  esse  relaxamento na tributação do petróleo seria o esforço do governo para tentar controlar a taxa de inflação ao segurar indiretamente o preço dos derivados de petróleo, que muito pesam no cálculo do custo de vida. O governo resiste a deixar que a estatal que domina o setor repassar os aumentos nos preços internacionais dos combustíveis para os preços internos, o que inevitavelmente impõe prejuízos à Petrobras. Possivelmente,  como uma compensação, se deixou a carga tributária do setor seguir ladeira abaixo – bem, ao menos, coincidiram as evoluções, de um lado do desalinhamento dos preços internos com os internacionais, de outro da diminuição da razão arrecadação/PIB do setor. No caso específico da CIDE, o governo federal nem esconde que joga com a sua alíquota para segurar preços ao consumidor – inclusive, na última decisão recente, declarou abertamente que a reduziu para melhorar a rentabilidade das empresas do setor.

Esse tipo de política gera vários problemas alocativos e distributivos. Em primeiro lugar, quando o preço do petróleo sobe, o preço dos seus derivados deve subir e, com isso, estimular os consumidores a comprar menos desse bem, de modo que a economia passe a usar com mais parcimônia um insumo mais caro (ou o substitua por fontes alternativas de energia). Manter o preço artificialmente baixo estimula a atitude ineficiente de se consumir mais de um insumo mais caro.

Em segundo lugar, a decisão tem efeitos sobre a distribuição de renda da economia: as petroleiras perdem com o não reajuste de preços e seriam  parcialmente compensadas pela redução tributária. Os demais contribuintes perdem porque o governo eleva outros impostos para compensar a menor tributação do petróleo. Os setores da economia que fazem uso intensivo de combustíveis podem ganhar com o congelamento de preços mas isso se passa às custas dos contribuintes.

Ademais, sabe-se que a melhor política para o controle da inflação, no longo prazo, é manter as contas públicas em equilíbrio. Tentar manter a inflação mediante retenção do reajuste de alguns bens é ineficiente (como deixaram claro os planos econômicos que congelaram preços). Fazê-lo em conjunto com a redução da receita pública é ainda mais sujeito a crítica.

A defasagem de preços do petróleo no Brasil pode ser medida de várias formas. Vale citar apenas os dois combustíveis mais relevantes e em relação ao preço interno: conforme Pires (2011), “… o aumento acumulado do preço da gasolina permanece abaixo do IPCA desde julho de 2009, enquanto o aumento do preço do óleo diesel está abaixo do índice de inflação desde junho de 2009.” [1] Essa defasagem impôs, obviamente, inegáveis e pesadas perdas às empresas que atuam no setor. Pires estimou as perdas da PETROBRAS na casa de R$ 10 bilhões em meados de 2011,[2] antes da desvalorização do Real. Tal prejuízo já foi até maior, como na virada de 2008 para 2009 – ver gráfico a seguir em que o referido especialista calcula o impacto dos preços depreciados.

Neste contexto, na origem das questões tributárias eventualmente pode estar uma visão imediatista de governo – isto é, priorizar acima de tudo o controle da inflação. Para tanto, foram congelados os preços internos de combustíveis, provavelmente por imposição do controlador da sociedade de economia mista (o Governo Federal), que, apesar de ser regida pelo direito privado e ter acionistas privados, parece que acabou transformada ou reduzida a um instrumento de política anti-inflacionária.

A essa razão de corte conjuntural se soma outra de natureza estrutural:  um  viés estatizante que passou a predominar nas decisões estratégicas do Governo Federal em relação ao setor, especialmente depois da descoberta das riquezas do pré-sal e que culminou na mudança do regime para sua exploração da concessão para a partilha da produção (a respeito das diferenças nos dois regimes ver, neste site, o artigo Qual a diferença entre regime de partilha e regime de concessão na exploração do petróleo?.

No novo regime de partilha a PETROBRAS foi definida como sócia obrigatória de qualquer campo que vier a ser explorado. Mais simbólico ainda do que seria uma intervenção direta e total do governo na produção seria a proposta que chegou a ser aventada, mas depois abandonada no Senado, durante a votação da proposta de redistribuição da receita de royalties, que permitiria a União se tornar diretamente sócia na exploração dos campos de petróleo que ela própria partilha no novo regime, ou seja, sem passar pela empresa estatal que controla. [3]

Não há a menor dúvida de que será monumental o esforço de investimento exigido da PETROBRAS para se extrair as riquezas recém-descobertas do pré-sal, seja qual for o regime, sejam quais forem as parceiras. A imperiosidade de gerar cada vez mais recursos próprios para inversões tão enormes só agrava o problema decorrente da defasagem de preços e induz a demanda da empresa por facilidades tributárias.

Por ambas óticas, controle conjuntural de preços e maior estatização da exploração do petróleo, podem ser apontadas razões para a flexibilização na tributação do setor, ou mesmo um eventual relaxamento na sua fiscalização.

No regime de partilha o óleo é de propriedade do Estado, ao contrário do regime de concessão, em que o petróleo é de propriedade da empresa concessionária. Essa diferença jurídica tende a reduzir ainda mais a base de incidência tributária no setor petróleo. Isso porque quando o petróleo se torna propriedade estatal ele deixa de ficar sujeito à tributação. O óleo que constituir um bem governamental deve se beneficiar da imunidade tributária recíproca, garantida pela Constituição e que o STF já julgou com clasula pétrea (de modo que nem mesmo emenda constitucional pode a mudar), como será discutido a seguir.

Evidências da Tributação

Poucos estudos tratam da tributação do petróleo, e costumam focar mais nas participações governamentais na extração.[4] Notícias recentes até mencionaram a redução ou a má tributação do setor.[5] Para uma avaliação mais acurada, aqui foram reunidos dados de 3 fontes: i) a receita administrada federal (RAD),[6] excluídas contribuições previdenciárias; ii) a arrecadação do Imposto Estadual sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS);[7] e iii) as chamadas rendas de exploração – royalties e participações especiais na extração.[8] Entre 2000 a 2010, conforme tabela a seguir, a razão receita/PIB apresenta duas fases bem distintas –aumento da carga conjunta até 2006; decréscimo desde então. A oscilação foi mais explicada pela RAD e participações, enquanto o ICMS oscilou um pouco menos.

Ao confrontar essa evolução com a carga tributária global ao longo do mesmo período (mesmo excluída a CPMF), se observa que no ciclo de alta a carga tributária sobre o  petróleo cresceu mais que a nacional, de modo que o setor aumentou seu peso relativo, de 7,6% para 10,7% entre 2000 e 2006. Depois, o movimento foi inverso e muito rápido, recuando essa proporção para 7,5% em 2010. A carga de petróleo decresceu em 0.9 ponto do PIB entre 2007 e 2010 enquanto a do resto da economia cresceu em 2,7 pontos do PIB no mesmo período.

Não se pode falar que a queda da carga resultaria de má performance do setor. Ora, a tendência decrescente da carga se processou exatamente quando disparou a produção nacional de petróleo. De acordo com dados da PETROBRAS, a produção total de óleo e gás passou de 1.637 mil barris equivalentes de petróleo (boed)  em 2001 para 2.600 mil boed em 2011, um crescimento acumulado de pouco mais de 58,83% no período ou um crescimento médio de aproximadamente 4,74 % ao ano. É possível identificar ao menos dois fatos relevantes que conspiraram para reduzir a RAD de petróleo: primeiro, o intenso recurso a mecanismos de compensação tributária em 2009, muitas vezes no limite das regras tributárias; segundo, as mudanças na aplicação das contribuições sobre vendas (que passaram a ser cobradas na forma de um valor fixo por unidade de combustível; isso não seria uma distorção se o fixado para a COFINS e o PIS em abril de 2004 nunca mais tivesse sido alterado).

Tal leitura é reforçada ao examinar a evolução dos tributos pagos pela PETROBRAS, conforme ela informa aos investidores.[9] Convertidos em proporção do PIB, no longo prazo exposto na tabela seguinte, se destaca que entre 2003 e 2010 a sua carga total diminuiu em 0.64 ponto do PIB enquanto a carga nacional medida pelo Ministério da Fazenda aumentou em 2,15 pontos, o que significa que, para os demais contribuintes, o incremento foi ainda maior, de 2.78 pontos do produto.

No caso das participações governamentais (participação especial mais royalties), a carga paga em 2010 foi inferior à registrada em 2003: como a produção de óleo no País foi crescente, batendo recorde depois da crise global, se pode inferir que o desenho atual das participações governamentais não acompanhou a expansão da  produção física, das receitas e, sobretudo, de rentabilidade do setor. Já no caso das contribuições econômicas (os tributos clássicos), dados mais detalhados revelam que o pico da carga foi no já distante ano de 2003.

No que diz respeito às participações governamentais na receita de petróleo, é fato que  a  a chamada “participação especial”, incidente sobre os poços de alta produtividade, tem falhado em tributar a grande produção e a grande rentabilidade, até porque a sua atual fórmula não considera os preços na hora de definir as alíquotas progressivas.

No caso dos tributos em geral,  a legislação (não se pode acreditar em falha na fiscalização da maior empresa do País) parece ser inadequada pois não transformou o bom desempenho da produção, das vendas e dos lucros da citada empresa estatal em aumento de carga, como fez com os demais contribuintes do País nos últimos anos.

Subtributação do Pré-Sal

A discrepância recente na evolução da carga tributária, setor versus nacional,  será potencializada com o novo regime de partilha de produção, além de aprofundar a centralização de sua receita na divisão federativa. [10] O óleo será propriedade de um governo (União), e não mais de uma empresa (estatal ou privada), sendo que a administração pública não é contribuinte de muitos tributos (não gera lucro para pagar IR ou CSSL e nem fatura para pagar COFINS ou PIS) e nem pode um governo tributar o outro (caso do ICMS).[11]

Assim, a nova modelagem para explorar a maioria das riquezas do pré-sal reduzirá, por princípio, a incidência tributária sobre essa receita futura e, ao mesmo tempo, centralizará tal renda pública nas mãos do governo federal, em claro detrimento dos governos estaduais e municipais (sem lucro empresarial, por exemplo, não será gerado imposto de renda das empresas e nem ganhos para os fundos de participação – FPE e FPM), e também da aplicação compulsória na seguridade social, no amparo ao trabalhador e mesmo na educação e saúde (sem faturamento e lucro, não cabe cobrar contribuições sociais, como COFINS, PIS/PASEP e CSLL; se não houver incidência do ICMS e sem aumento do FPE/FPM, também os governos locais deixarão de aplicar mais recursos vinculados ao ensino e para a saúde).

Não é de se estranhar que as propostas do pré-sal escondam medidas e detalhes operacionais na tributação e no fisco que configuram a constituição de um paraíso fiscal no país. A proposta fiscal implícita para o futuro do pré-sal é só reedição escondida do desempenho tributário passado recente do pós-sal. O resto das empresas e todas as famílias brasileiras já pagam e devem continuar pagando mais impostos para subsidiar o setor de petróleo.

Conclusões

A atual política e prática tributária têm beneficiado indiretamente os consumidores de combustíveis e/ou os acionistas das empresas de petróleo  por conta da redução inegável da carga tributária do setor. Tais incentivos não são explícitos, e a perda de receita setorial não tem sido comentada nem mesmo pelos especialistas em tributação.

Se a leitura das estatísticas revela uma incontestável redução da carga tributária de petróleo no Brasil, puxada pela maior empresa do setor, e se as indicações são de que a tributação decrescente será ainda mais acentuada no novo regime de exploração por partilha de produção, cabe abstrair do debate localizado para uma posição geral de política econômica e mesmo de políticas públicas.

Controlar inflação manipulando preços de uma empresa estatal e, ainda, estatizar investimentos e produção de um insumo estratégico da economia pode ser uma opção da política econômica (talvez até mesmo de um suposto projeto de Estado Brasileiro), mas tal escolha deve ser feitas de forma aberta e assumida à sociedade. A democracia moderna cobra cada vez mais transparência na formulação e na execução das políticas públicas, especialmente das econômicas.

Downloads:

  • veja este artigo também em versã o pdf (clique aqui).

Referências Bibliográficas

Afonso, J. R., ICMS Estadual sobre Petróleo e Energia Elétrica. Audiência Pública no Senado Federal, 30/06/2010.  Disponível em: http://bit.ly/nWp28w

Afonso, J. R.; Almeida, V. (2011). Tributação do petróleo e federalismo brasileiro: a histórica oscilação na divisão da receita. Disponível em: http://bit.ly/qeQqkq

AFONSO, J. R.; CASTRO, K. P. (2010). Tributação do Setor de Petróleo: Evolução e Perspectivas. Texto para Discussão nº 12 da ESAF. Brasília, Jun/2010. p. 34. Disponível em: http://bit.ly/hOUv6N

AFONSO, J. R.; JUQUEIRA, G, G.; CASTRO, K. P. (2009). Desempenho da Receita Tributária Federal no primeiro semestre de 2000 a 2009: perdas temporárias ou rebaixamento estrutural? Texto para Discussão nº 9 da ESAF. Brasília, Out/2009. p. 31. Disponível em: http://bit.ly/qGERB2

Azevedo, J. S. G. O que pagamos não é pouco. O Globo, 10/04/2011. Disponível em: http://bit.ly/r3vGuI

Brahmbhatt, M.; Canuto, O. Natural Resources and Development Strategy after the Crisis, The World Bank, February 2010. Disponível em: http://bit.ly/nZFcAM

Davis, J. M.; Ossowski, R.; Fedelino, A. Fiscal policy formulation and implementation in oil-producing countries. 21/03/2003. Dispoível em: http://bit.ly/nOvfmt

DELOITTE. Brazilian E&P Concessions – Government Take. 2010.

FLORES, A. L. S. A. O Impacto do marco regulatório sobre o desenvolvimento das reservas do Pré-Sal. Seminários DIMAC/IPEA, mar/2010. p. 13.

FUNDAÇÃO GETÚLIO VARGAS – FGV. Pré-Sal: potenciais efeitos do operador único. FGV/IBRE, 2010. p. 92.

GOBETTI, S. W.; ORAIR, R. O que explica a queda recente a receita tributária federal? Nota Técnica da Dimac IPEA. Brasília, ago/2009. p. 18. Disponível em: http://bit.ly/razowM

Goldsworthy, B.; Zakharova, D. Evaluation of the oil fiscal regime in Russia and proposals for reform. IMF Working Paper WP/10/33, February 2010. Disponível em: http://bit.ly/mUQUXb

INSTITUTO DE ESTUDOS PARA O DESENVOLVIMENTO INDUSTRIAL, Estudos sobre o pré-sal. IEDI/Instituto Talento Brasil, Dezembro 2008. Disponível em: http://bit.ly/nKnVQY

ITAÚ-UNIBANCO. As Contas Externas e o Pré-Sal. Macro Visão: Relatório Semanal de Macroeconomia, nov/2009. p. 8.

KHELIL, c. Fiscal Systems for Oil. Privatesector, World Bank, May 1995. http://bit.ly/uJbwwL

Oliveira, C. W. A.; Coelho, D. S. C.; Bahia, L. D.; Filho, J. B. S. F. Impactos macroeconômicos de investimentos na cadeia de petróleo brasileira. Texto para Discussão nº 1657. Brasília: IPEA, Agosto 2011. Disponível em: http://bit.ly/qDp4T3

PIRES, Adriano. Preço do Petróleo e Defasagem dos Preços dos Combustíveis. Mimeo. Outubro de 2011.


[1] Segundo Pires (2011), “… considerando 2005 como ano base, os preços da gasolina e do diesel, praticados nas refinarias nacionais, registram um aumento acumulado até agosto de 2011 de 23,06% e 18,60%, respectivamente, enquanto o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), utilizado pelo Banco Central para fixar a meta de inflação no Brasil, registra aumento acumulado de 38,31% no período.”

[2] Explicando a conta de Pires (2011): “O custo de oportunidade da Petrobras se refere ao saldo líquido acumulado decorrente da diferença entre os preços praticados pela empresa no mercado interno e os preços internacionais da gasolina e do diesel. … desde janeiro de 2003, a Petrobras acumula um saldo líquido negativo de aproximadamente R$ 9,6 bilhões. A partir de janeiro de 2011, os preços internacionais do diesel e da gasolina ultrapassaram os praticados pela Petrobras, acarretando o acumulo de perdas mensais, conjuntura semelhante ao período anterior à crise econômica. Análises preliminares indicam que a manutenção da política de convergência de preços no longo prazo pela Petrobras resulta em um acumulo de perdas na ordem de R$ 4,2 bilhões até julho de 2011, sendo que a gasolina representou perda de R$ 1,7 bilhão e o diesel R$ 2,5 bilhões.”

[3] A proposta foi incluída pelo Relator, Senador Vital do Rêgo, em seu parecer original no projeto de lei nº 448/2011 (disponível em: http://bit.ly/tlqBfT ) , que pretendia até criar uma seção específica para joint venture a ser formada com (sic) recursos orçamentários da União. A justificativa era: “… o engajamento do Estado como sócio do contratante na assunção de custos e partilha de lucros na exploração e no desenvolvimento do projeto e, também, embora raro, na fase de produção. Apesar de não ser tão comum na experiência internacional, a maioria dos países resguarda para si o direito de iniciar uma joint venture por cláusula expressa no contrato de partilha de produção.”

[4] Vale citar Afonso e Castro (2010); Ramos (2004); Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (2008); Springer (2009); Gobetti e Orair (2009); Delloitte (2010); e Goldsworthy e Zakharova (2010) – este uma comparação internacional que trata do Brasil.

[5] Em 18/9/2011, O Globo publicou “Carga tributária cresce no país, mas fatia da PETROBRAS é cada vez menor”, e o Estado de S.Paulo, “Petroleiras usam brechas da legislação e importam até biquínis sem imposto” – ver http://bit.ly/pcnSMD e http://bit.ly/ratE4N .

[6] A RAD considerada contempla apenas a chamada receita administrada pela antiga Receita Federal, tais como tributos sobre lucros das empresas (Imposto de Renda de Pessoa Jurídica (IRPJ) e Contribuição Social sobre o Lucro Líquido – CSLL), vendas (Contribuição para Financiamento da Seguridade Social (COFINS), Programa de Integração Social (PIS) e Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico – CIDE), importações e retenções na fonte (Imposto de Renda (IR) dos empregados). Não são computadas as receitas de Simples, previdência social e compensações financeiras

[7] A arrecadação de ICMS proveniente de combustíveis é informada, mensalmente e por unidade federada, pelo CONFAZ, no portal do Ministério da Fazenda. Para uma análise específica sobre sua estruturação, inclusive importância regional, ver Afonso (2010).

[8] A fonte primária dessa informação é a ANP, que divulga relatórios periódicos e com máxima discriminação (inclusive de beneficiários) em seu portal na internet.

[9] Ver página sobre Tributos no portal da empresa – em: http://bit.ly/n4NURB Uma evolução histórica constou da exposição do seu Presidente no Senado em: http://bit.ly/o4VC6e .

[10] Como a tributação do petróleo se confunde com os ciclos de centralização e descentralização fiscal na Federação foi objeto da análise de Afonso e Almeida (2011).

[11] A Constituição da República sempre previu a imunidade recíproca de impostos, já a jurisprudência recente a expandiu para as contribuições.

]]>
https://www.brasil-economia-governo.com.br/?feed=rss2&p=879 1
A redução dos juros pelo Banco Central diminuirá no mesmo ritmo o custo da dívida do governo? https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=831&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=a-reducao-dos-juros-pelo-banco-central-diminuira-no-mesmo-ritmo-o-custo-da-divida-do-governo https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=831#comments Thu, 10 Nov 2011 04:00:27 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=831 Há um mito de que a taxa de juros básica fixada pelo Banco Central (BC), a famosa taxa Sistema Especial de Liquidação e de Custódia (SELIC), seria o grande referencial do custo da dívida do setor público brasileiro, de modo que reduções nessa taxa de juros implicariam imediata queda do custo dessa dívida.

Isso deixou de ser verdade há alguns anos. Tanto é que, de 2003 até 2010, a SELIC caiu em ritmo muito mais rápido do que diminuição dos gastos governamentais com juros. Similarmente, os gastos com juros em 2011 cresceram mais rápido do que o aumento da taxa SELIC ocorrido entre abril de 2010 e setembro de 2011.

Por isso, é preciso cuidado para não cair na tentação ou na fácil leitura de que, com o mais recente ciclo de corte de taxas, iniciado na segunda metade de 2011, os gastos governamentais com juros cairão nos próximos meses na mesma velocidade da queda da taxa SELIC, o que permitiria abrir um espaço fiscal, inclusive para maiores gastos ou para menor superávit.

Destaque-se que, mesmo admitindo que a SELIC tenha atualmente um impacto mais limitado sobre os gastos com juros do setor público, isso não significa que devemos condenar o seu corte ou defender sua manutenção em patamar elevado. O juro real no Brasil continua (lamentavelmente) na liderança mundial, apesar do dito ousado ciclo de baixa iniciado pelo BC. Porém, são questões diferentes: uma é sobre a política monetária, seus caminhos ou sua correção, outra diz respeito ao impacto dessa política sobre a política fiscal.

O objetivo deste breve texto não é, portanto, discutir se a taxa SELIC deve ou não cair, mas as consequências de uma eventual queda, antecipando a conclusão de que não se deve esperar que um corte na SELIC produza direta e proporcionalmente igual redução no gasto governamental com juros.

O impacto de variações da SELIC sobre os gastos com juros dependerão de dois fatores importantes:

i) proporção da dívida indexada à SELIC, sendo que, quanto maior for essa proporção, maior será o impacto;

ii) composição da Dívida Líquida do Setor Público (DLSP), que corresponde à diferença entre a dívida bruta e os ativos financeiros do governo. Quanto maior for essa diferença entre estes estoques e também a distância entre a remuneração de um e de outro, menor será o impacto da SELIC sobre os gastos com juros do setor público.

No passado distante, a maior parte da dívida mobiliária era indexada à taxa SELIC. Adicionalmente, a diferença entre a dívida bruta e os créditos do governo não era grande e as taxas de remuneração e prazos de vencimento tampouco eram tão díspares como hoje. Naquele cenário, variações da SELIC impactavam bem mais forte e diretamente os gastos com juros.

A seguir detalharemos um pouco mais o comportamento da taxa SELIC e dos gastos com juros. Mostraremos que esse deslocamento ocorreu tanto durante o longo ciclo de baixa da SELIC, entre 2003 e 2010, como no mais recente ciclo de alta, entre 2010 e 2011.

Evidências: longo ciclo de baixa (até 2010)

Antes do recente e curto ciclo de alta da SELIC, a taxa registrou uma longa trajetória de redução – desde a sua maior taxa acumulada no período de doze meses, em setembro de 2003 (24,25%), e a mais baixa, em maio de 2010 (8,92%). Ainda que tenha apresentado pequenas oscilações ao longo desse período, a tendência foi obviamente decrescente.

Considerando os valores extremos da série, a SELIC caiu de 23,36% a.a. em 2003 para 9,75% a.a. em 2010, ou seja, um recuo de 13,6 pontos ou de 58%, em termos relativos. Já o setor público gastou com juros nominais 8,51% e 5,3% do PIB, respectivamente, nos dois citados anos, com uma redução em 3,1 pontos do produto ou de 36% em termos proporcionais. Comportamento semelhante pode ser observado em subperíodos da amostra. Por exemplo, entre 2008 e 2010, a taxa SELIC caiu 22%, enquanto os gastos com juros como proporção do PIB reduziram-se somente em 5%.

Ao analisar a evolução comparada de taxa e gasto nos últimos anos, também se evidenciou um descasamento cada vez maior no período mais recente, e isso dá pistas para se compreender quais foram as mudanças na política fiscal que mais contribuíram para explicar esse fenômeno.

Por princípio, se fosse levado em contas apenas o que o governo deve, e ainda mais se for computado tão somente o que deve por conta da emissão de títulos, é fácil depreender que a diminuição da proporção daqueles indexados à SELIC (caso das Letras Financeiras do Tesouro – LFTs) constitui a razão direta para que a evolução de sua taxa perdesse poder de influência no custo total da dívida mobiliária, ou melhor, na sua evolução real. A menor participação de títulos indexados à SELIC na dívida pública, por sua vez, decorreu da redução da inflação e do alongamento dos prazos, que permitiram ao Tesouro Nacional colocar cada vez mais papéis prefixados a vencerem no longo prazo e títulos indexados a índices de preço.

Pode-se argumentar que as tendências ou direções da SELIC acabam se refletindo, ainda que com alguma defasagem, nas taxas pré-fixadas (o próprio Tesouro pode forçar isso ao aceitar ou rejeitar as condições pedidas pelos investidores desses papéis) e no próprio índice de inflação.

Sem entrar na discussão se a SELIC continua apresentando qualidade ou potência como instrumento de gestão da política monetária, o fato é que essa taxa perdeu poder de influência sobre os gastos públicos com juros. E uma forma mais direta para tirar tal conclusão é comparar a dimensão e a evolução entre duas taxas de juros: a SELIC, já comentada, e a chamada taxa implícita da DLSP, apurada pelo BC pela razão entre os gastos com juros e o montante da dívida líquida de cada período de referência. O gráfico a seguir mostra a evolução das duas taxas.

Na fase inicial, de 2002 a 2005, a taxa da SELIC superou a implícita. Desde 2006, contudo, a curva da SELIC passou a correr sempre por baixo da taxa implícita, indicando que os custos de outras dívidas foram mais altos que a SELIC e/ou que os créditos do governo renderam menos que esta. Observe-se também que a trajetória da taxa SELIC oscilou bem mais que da taxa implícita de juros. Essa última ficou relativamente constante em torno de 15%.

As razões dessas trajetórias distintas tem menos relação com a mudança no perfil da dívida mobiliária (ou seja, na redução da participação de títulos indexados à SELIC) e com a alteração no volume dos componentes da DSLP. Como já mostrado neste site, no artigo Dívida bruta e ativo do setor público: são imprescindíveis para se avaliar o equilíbrio fiscal? , a dívida líquida corresponde à diferença entre a dívida bruta (que passou a ser concentrada na dívida mobiliária interna federal) e dos créditos (composta tanto por disponibilidades, desde o caixa interno dos governos até as reservas internacionais, bem como por haveres financeiros, que compreendem, sobretudo, empréstimos concedidos a fundos, a instituições financeiras e até mesmo a empresas e a outros países).

O total de créditos internos, abatidos da dívida bruta, mal alcançava 20% do PIB, da primeira metade da década passada até 2008; depois, saltaram para patamar superior a 25% do PIB desde 2009. Se computadas as reservas internacionais (13,5% do PIB em meados de 2011), o total dos ativos do governo, que era inferior a 20% do PIB em 2006, chegou a mais de 30% do PIB em meados de 2011. Em sua grande parte, os ativos do governo aumentaram no período devido ao acúmulo de reservas cambiais e à concessão de empréstimos ao BNDES. Esses ativos apresentaram rendimento bastante inferior à taxa SELIC no período. Em 2010, segundo avaliação do BC em uma nota especial sobre a evolução dos juros,[1] consideradas apenas as taxas implícitas anuais, os 14,9% de toda a dívida resultou do contraste de 10,1% só nos débitos contra 4,3% nos créditos. Isto é, o setor público, na média, se endivida a uma taxa 2,3 vezes maior do que a que empresta e, se não ter ativos tão pouco rentáveis, seu gasto com juros seria cerca de um terço inferior ao realizado.

As reservas são aplicadas no exterior, preponderantemente em títulos do governo norte-americano, cujas taxas foram drasticamente reduzidas no combate à crise financeira internacional pelo Banco Central norte-americano. Tais ativos mal têm rendido 1% ao ano, muito menos que a SELIC, que, direta ou indiretamente, acaba por remunerar a maior os títulos utilizados para esterilizar o impacto monetário da entrada das reservas. Somente quando há episódios de desvalorização do real frente ao dólar é que as reservas internacionais se tornam mais rentáveis, ainda assim em termos nominais.

Quando o País passou a acumular crescentes reservas internacionais (o que aumenta o ativo), o BC procurou compensar a expansão monetária colocando mais títulos públicos no mercado. Ou seja, com uma mão, ele entrega reais aos exportadores e investidores que trazem cada vez mais dólares; com outra mão, ele tira reais da economia ao firmar operações compromissadas com títulos do Tesouro e ao aumentar os depósitos compulsórios dos bancos. O efeito final é aumentar o gasto com juros, tendo em vista que os títulos do Tesouro pagam taxas mais altas do que recebe como remuneração das reservas.

Quanto aos créditos para instituições oficiais, na virada da década houve súbito aumento dos empréstimos extraordinários concedidos pelo Tesouro Nacional (chega próximo a R$ 300 bilhões o cedido ao BNDES), quase sempre remunerados à Taxa de Juros de Longo Prazo (TJLP), que tem sido arbitrada na casa de 6% ao ano. Tais operações começaram com o pretexto de combater a crise, mas prosseguiram mesmo depois da retomada da economia. Nota-se que não se trata aqui do subsídio creditício direto, no qual o Tesouro Nacional arca com a diferença entre a TJLP e a taxa de juros cobrada pelo BNDES em projetos considerados prioritários[2].

Evidência: último ciclo de alta (2010/11)

Uma simples comparação da SELIC e dos encargos financeiros dos governos nos primeiros oito meses de 2011 vis-à-vis igual período de 2010 constitui a evidência mais recente do descolamento entre taxa e gasto. Vale lembrar que em abril de 2010 aquela taxa iniciou um ciclo de alta que só veio a ser interrompido em setembro de 2011.

A SELIC apresentou uma média simples da taxa anual apurada diariamente até agosto de 2011 de 11,84 pontos.[3] Em igual período de 2010, a média foi de 9,48 pontos. A variação foi de 24,9%.  Já os juros nominais pagos pelo setor público consolidado aumentaram de R$ 125 bilhões para R$ 160,2 bilhões no mesmo período, um aumento de 28,1%.

A diferença, contudo, torna-se mais acentuada quando se limitam os dados ao governo central. Os juros nominais saltaram de R$ 83,9 para 125 bilhões entre os oito primeiros meses de 2010 e de 2011, uma variação de 49%. Ou seja, isolados apenas os encargos do governo central, estes cresceram ao dobro da velocidade do aumento da taxa básica de juros.

Em síntese, alguns analistas acreditam que se a taxa básica de juros paga pelos títulos da dívida pública federal (conhecida como SELIC) cair, o governo gastaria menos com juros e assim economizaria recursos. Esses recursos tanto poderiam ser aplicados em melhores gastos, como na ampliação dos investimentos fixos e de serviços sociais básicos, como poderiam permitir um esforço fiscal menos severo, até mesmo abrindo caminho para reduzir a carga tributária. Como as autoridades monetárias decidiram reduzir a SELIC desde agosto de 2011, tornou-se predominante a ideia de que o governo gastará proporcionalmente menos com juros.

Infelizmente, isso não passa de mais um mito que paira sobre as finanças públicas brasileiras, inegavelmente complexas. No passado recente, houve um crescente divórcio entre taxa e gasto. Quando a SELIC recuou, anos atrás, o gasto não caiu no mesmo ritmo. Depois, quando a taxa voltou a subir, o referido gasto cresceu à frente. Dois motivos explicam esse divórcio.

Em primeiro lugar, porque nem todos os títulos públicos são indexados à SELIC. Com a maior estabilização da economia, aumentou a proporção de títulos pré-fixados, cuja remuneração não é afetada pelas decisões das autoridades monetárias; pelo menos no curto prazo.

Em segundo lugar, porque a dívida líquida corresponde à diferença entre a dívida bruta e os ativos financeiros do governo, constituídos majoritariamente pelas reservas internacionais e créditos contra instituições financeiras federais. Quanto maior for a taxa SELIC em relação à taxa que remunera os ativos financeiros do governo, maior será a discrepância entre a SELIC e taxa implícita de juros incidente sobre a dívida pública.

Downloads:

  • veja este artigo também em versã o pdf (clique aqui).

[1] Ver “Análise Evolutiva dos Juros Nominais Apropriados sobre a DLSP”, Relatório de Inflação, Março de 2011: http://www.bcb.gov.br/htms/relinf/port/2011/03/ri201103b4p.pdf

[2] Sobre esses créditos, pode-se acessar vários artigos em: http://mansueto.wordpress.com/

[3] Médias calculadas por Vivian Almeida a partir de série do IPEADATA. A variação é praticamente a mesma que se chega em um cálculo mais refinado, ponderando as médias diárias da SELIC, se chega a uma taxa acumulada no ano de 7,74% e de 6,21%, até agosto de 2010 e de 2011, respectivamente, o que resulta numa variação de 24,6% – veja várias séries ponderadas em: http://www.portalbrasil.net/indices_selic.htm

]]>
https://www.brasil-economia-governo.com.br/?feed=rss2&p=831 3