Márcio de Oliveira Jr. – Brasil, economia e governo https://www.brasil-economia-governo.com.br Fri, 14 Oct 2011 20:22:41 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=6.5.5 De que política de desenvolvimento regional o Brasil precisa? https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=794&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=de-que-politica-de-desenvolvimento-regional-o-brasil-precisa https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=794#comments Mon, 17 Oct 2011 05:32:16 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=794 Política de desenvolvimento regional é o nome que se dá às ações do governo destinadas a estimular o desenvolvimento econômico em áreas geográficas em que a produção e/ou a renda per capita são menores que nos centros dinâmicos da economia nacional.

A discussão sobre a distribuição espacial da atividade econômica no Brasil e, em consequência, sobre políticas de desenvolvimento regional voltou à cena na década passada depois de ter ficado “adormecida” ao longo dos anos 80 e 90. Nas décadas de 50, 60 e 70, o desenvolvimento de regiões periféricas foi um tema importante, sempre presente nas discussões sobre políticas públicas. Várias foram as razões para isso, entre as quais se podem citar a excessiva concentração da atividade econômica em São Paulo, a preocupação com a ocupação da Região Norte, a influência de Celso Furtado e a construção de Brasília. Do final dos anos 50 até o fim da década de 70, as superintendências de desenvolvimento regional foram criadas, as estatais fizeram investimentos nas regiões periféricas e incentivos foram oferecidos para atrair o capital privado para as macrorregiões menos desenvolvidas.

A concentração espacial da atividade produtiva no Brasil tem raízes históricas e mudou muito pouco nos últimos setenta anos, apesar das políticas de desenvolvimento regional adotadas desde a década de 1950. As participações das macrorregiões brasileiras no Produto Interno Bruto (PIB) nacional de 1939 a 2008 não se alteraram de modo significativo, principalmente para as três regiões mais populosas. A participação do Nordeste caiu no período de 16,7% para 13,1%; a do Sul passou de 15,6% para 16,6%; já o Sudeste teve uma redução em sua participação de 62,9% para 56%. As regiões Norte e Centro-Oeste, menos populosas, ganharam participação de 1939 a 2008. A participação do Centro-Oeste passou de 2,1% para 9,2%[1] e a do Norte, de 2,7% para 5,1% do PIB.

Apesar de ter tido uma participação do PIB nacional de 13% em 2008, o Nordeste concentra, segundo o Censo do IBGE de 2010, quase 28% da população nacional. Da mesma forma, o Norte concentra aproximadamente 8,3% da população nacional, também segundo o IBGE, e tem participação no PIB nacional de aproximadamente 5%. Isso faz com que a renda per capita dessas duas macrorregiões fique abaixo da média nacional. Já o Sudeste, com pouco mais de 42% da população nacional, tem uma participação no PIB de 56%, propiciando-lhe uma renda per capita superior à média nacional. O Sul e o Centro-Oeste têm participações no PIB e na população nacional parecidas.

Há, então, dois tipos de problema regional no Brasil. Por um lado, a produção é bastante concentrada no espaço. Por outro lado, a renda per capita das diferentes regiões é desigual, uma vez que a população não é tão concentrada no espaço como o PIB.

A concentração da atividade produtiva no espaço não é indesejável per se, já que traz consigo as chamadas externalidades positivas. Estas advêm da possibilidade de exploração de economias de escala devido ao tamanho mercado, da existência de trabalhadores com qualificação adequada às necessidades das empresas e da presença de fornecedores especializados. Essas externalidades são fatores locacionais importantes, ou seja, em função delas as regiões maior concentração da atividade produtiva tendem a receber mais empresas.

A concentração espacial de atividades produtivas também pode gerar externalidades positivas de natureza tecnológica. Em outras palavras, a taxa de inovação tende a ser mais elevada nas áreas com maior densidade econômica. A maior taxa de inovação, por sua vez, tem impacto sobre a produtividade e, consequentemente, sobre a taxa de crescimento da região com maior concentração. Há, então, uma causalidade circular cumulativa: regiões mais ricas recebem mais empresas e têm uma maior taxa de inovação; consequentemente, crescem mais. O resultado desse processo é um aumento da desigualdade regional.

Essa é a razão de a concentração não ser per se indesejável: ganhos de eficiência ocorrem em função da aglomeração de atividades econômicas no espaço, uma vez que a aglomeração propicia ganhos de escala e a possibilidade de aumento da taxa de inovação. São esses fatores, portanto, que explicam as diferenças entre as regiões. Desse modo, pode-se pensar que a melhor distribuição de atividades econômicas no espaço significa abrir mão dos benefícios gerados pela aglomeração, ou seja, dos ganhos de eficiência. Em outras palavras, a melhor distribuição pode ser vantajosa para algumas das partes, mas não para o todo.

A aglomeração da atividade produtiva em apenas algumas áreas de um país não é um problema quando não há grandes diferenças de renda per capita entre as regiões. Nos EUA, por exemplo, a atividade econômica é bastante concentrada. Dois estados – Califórnia e Texas – são responsáveis por quase 22% do PIB. No entanto, a renda per capita desses dois estados não se afasta muito da média nacional, de US$ 47,5 mil/ano. A Califórnia tem uma renda per capita 9% superior à média nacional; o Texas tem renda per capita 3% inferior à média nacional. Os dois estados americanos com menor participação no PIB nacional são Vermont (0,18%) e Dakota do Norte (0,24%). Apesar da baixa participação, a renda per capita desses dois estados não difere muito da média nacional: 93% no caso de Vermont e 100,05% no caso de Dakota.

No caso do Brasil, há importante disparidade de renda per capita entre as diversas regiões do País. A igualdade absoluta é difícil de ser observada. O ideal é que houvesse uma tendência à convergência de renda per capita entre as regiões brasileiras, mas isso não vem ocorrendo (ou, pelo menos, não na velocidade desejada).

Essa disparidade e a falta de tendência à convergência justificam a ação do Estado por meio de políticas de desenvolvimento regional. No Brasil, há também, com a utilização dessas políticas, o objetivo de alcançar uma melhor distribuição da própria atividade econômica no espaço.

Mesmo com a adoção de políticas de desenvolvimento regional desde os anos 50, a disparidade de renda per capita e a distribuição da atividade econômica entre as macrorregiões não foram alteradas.

Houve, desde meados do século passado até a década de 1970, forte ação do Estado por meio de investimentos públicos, aí incluídas as empresas estatais, e de incentivos a investimentos privados para estimular a economia de regiões menos desenvolvidas. Sem dúvida, as políticas de desenvolvimento regional adotadas no Brasil até meados da década de 1980 levaram à transformação econômica das macrorregiões menos desenvolvidas. No entanto, as políticas não conseguiram alterar substancialmente a configuração macrorregional da economia brasileira.

A partir do final dos anos 70, o Estado brasileiro começou a enfrentar um processo de deterioração financeira que atingiu seu ápice nos anos 80. Na década de 1990, a discussão econômica se concentrou na estabilização da economia e na reforma do Estado.

Apesar dessas mudanças no cenário econômico, a política de desenvolvimento regional não foi abandonada após a década de 1980. Há dispositivos constitucionais que elegeram o desenvolvimento regional como um dos objetivos fundamentais da República e um dos princípios da ordem econômica. Há também diplomas legais que visam concretizar esses princípios constitucionais, destinando recursos para os programas de desenvolvimento regional.

Por exemplo, a Lei nº 7.827, de 1989, regulamentou o art. 159, I, “c”, da Constituição Federal, criando os Fundos Constitucionais de Financiamento do Norte, Nordeste e Centro-Oeste. Basicamente, os fundos concedem créditos às empresas de suas regiões alvo com taxas de juros abaixo das de mercado. Isso consiste em um incentivo importante, haja vista que as taxas de juros foram mantidas em patamares elevados no Brasil na maior parte das duas últimas décadas. Em 2010, os repasses do Tesouro Nacional aos três fundos superaram R$ 7,4 bilhões.

A política de desenvolvimento regional no Brasil conta ainda com incentivos fiscais concedidos para empresas instaladas nas áreas de atuação da SUDAM e da SUDENE. Em 2010, esses incentivos alcançaram cerca de R$ 6,4 bilhões. Os Fundos de Desenvolvimento da Amazônia (FDA) e do Nordeste (FNDE) também fazem parte dos instrumentos de desenvolvimento regional. Esses fundos financiam empresas constituídas na forma de sociedade por ações, aptas a emitir debêntures. Em 2010, o FDA e o FDNE contaram com orçamentos de, respectivamente, R$ 1,03 bilhão e R$ 1,55 bilhão.

Tomando como base o ano de 2010 e os três instrumentos citados acima – fundos constitucionais de financiamento, incentivos fiscais e fundos de desenvolvimento –, o volume de recursos à disposição da política de desenvolvimento regional chega a R$ 16,5 bilhões ao ano.

Deve-se perguntar, portanto, por que a política de desenvolvimento regional, adotada no Brasil desde meados do século passado e que conta com volume significativo de recursos, não foi capaz de alcançar seus dois objetivos básicos: a convergência de renda per capita e a melhor distribuição da atividade econômica entre as macrorregiões brasileiras.

A esse respeito, deve-se observar que o Poder Executivo, no início da década passada, por meio da Política Nacional de Desenvolvimento Regional (PNDR), institucionalizada no Decreto nº 6.047, de 22 de fevereiro de 2007, mudou sua visão do problema regional brasileiro. A PNDR parte do pressuposto de que há, em todas as macrorregiões brasileiras, sub-regiões dinâmicas e com alta renda e sub-regiões estagnadas e de baixa renda (por exemplo, a Metade Sul do Rio Grande do Sul e o Vale do Ribeira, em São Paulo). O problema regional estaria, portanto, presente em todo o País, e não somente no Norte e no Nordeste. Seria preciso, portanto, mudar o escopo da política, que passaria de macrorregional para sub-regional.

Além dessa mudança de escopo, há que se considerar a questão dos custos de transporte, a que dão ênfase os autores da Nova Geografia Econômica (NGE). Os modelos propostos por autores da NGE consideram duas regiões, uma pobre e outra rica. Se os custos de transporte entre as duas regiões forem altos, as empresas terão interesse em se manter na região rica, com um mercado maior, que lhes propicia ganhos de escala, com trabalhadores com qualificação adequada às suas necessidades e com a presença de fornecedores especializados (essas são as externalidades positivas decorrentes da concentração da atividade produtiva no espaço).

Com a redução do custo de transporte entre as regiões, as empresas poderão ter interesse em sair da região rica, com maior concentração de atividade econômica, devido à elevação dos preços dos fatores de produção nessa região (em função das chamadas deseconomias de aglomeração). Com um baixo custo de transporte, as empresas poderão se instalar na região menos desenvolvida, com um mercado menor, porém com custos de produção mais baixos, e de lá atender à demanda da região rica. Esse movimento levaria à desconcentração da produção, podendo levar à convergência de renda entre as regiões pobre e rica.

No entanto, a desconcentração da atividade econômica não é uma consequência inexorável da redução dos custos de transporte. Isso ocorre porque, mesmo que os custos de produção sejam maiores na região rica, as empresas têm benefícios quando se instalam ali. Estes decorrem das externalidades positivas advindas da concentração.

Portanto, se o custo de transporte cair muito (tendência a zero), as empresas terão incentivo para se instalar na região rica, onde o mercado é maior. Com a queda dos custos de transporte, as empresas podem se beneficiar ainda mais dos ganhos de escala, já que podem atender também o mercado da região pobre, que antes possuía uma “proteção natural” em função dos elevados custos de transporte. Haveria, portanto, um incentivo para a localização das empresas na região rica, com maior mercado interno[2].

Portanto, mesmo com a redução do custo de transporte em função dos investimentos em infraestrutura, as empresas têm que ter um incentivo para abdicar dos ganhos que teriam ao se localizarem na área rica. Em outros termos é preciso pensar em uma forma de contrabalançar a tendência de concentração, já que não se deve deixar de investir em infraestrutura para reduzir custos de transporte[3].

Essas proposições levam à conclusão de que, para que a política de desenvolvimento regional seja mais eficiente, ela deve contar com dois instrumentos complementares: incentivos para a atração de empresas para as regiões menos desenvolvidas e investimentos em infraestrutura.

A política de desenvolvimento regional brasileira conta com recursos para oferecer incentivos, como se viu acima. No entanto, ela conta com poucos recursos para investimentos em infraestrutura que tenham o objetivo de reduzir custos de transporte e que sejam sujeitos às diretrizes estabelecidas pela política de desenvolvimento regional.

No caso do Brasil, são parcos os investimentos em infraestrutura que obedecem a uma lógica regional. Por exemplo, a duplicação de uma rodovia em certa região pode ser importante para reduzir a densidade do trânsito. No entanto, o investimento que gera maior retorno para a região pode ser o asfaltamento de estradas vicinais, que reduzirão o custo de escoamento de produção de pequenos municípios com potencialidades econômicas.

Outra questão importante é o montante de recursos. Sabe-se que, mesmo com o aumento recente, o poder público no Brasil investe pouco em infraestrutura. No atual quadro de restrição fiscal, promover um aumento dos recursos orçamentários destinados a investimentos em infraestrutura subordinados à questão regional seria difícil. Assim sendo, parte dos recursos dos fundos constitucionais de financiamento e dos fundos de desenvolvimento, que hoje são destinados apenas a empréstimos, deveriam ser utilizados para financiar investimentos em infraestrutura subordinados à lógica do desenvolvimento regional, sendo que, para isso, são necessárias alterações nas normas que regulam esses fundos.

Concluindo, na formulação de uma política de desenvolvimento regional, sem deixar de considerar questões como os incentivos à inovação e os investimentos em educação, deve-se ter em mente que as empresas têm ganhos em função da aglomeração. Para levá-las a abdicar desses ganhos, o Estado deve lhes oferecer incentivos, mas estes, para terem impacto sobre as decisões quanto à localização, devem ser superiores aos ganhos que as empresas teriam ao optarem pela localização na região rica, ou seja, aos ganhos decorrentes da aglomeração. Mas o diferencial entre os incentivos e os ganhos de aglomeração variam com o custo de transporte. Em particular, quando os custos de transporte caem, fica mais fácil fazer com que as empresas se instalem em regiões periféricas, desde que haja outros incentivos para que elas se desloquem.

Pode-se dizer, então, que os dois instrumentos – incentivos e investimentos em infraestrutura – são complementares e devem estar presentes na política de desenvolvimento regional. A ênfase em apenas um desses instrumentos pode reduzir a eficiência da política, impedindo que ela alcance seus dois objetivos principais, a saber: a melhor distribuição espacial da atividade econômica e a convergência da renda per capita entre as regiões de um país.

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Para ler mais sobre o tema:

Oliveira Jr., Márcio (2011). Marco regulatório das políticas de desenvolvimento regional no Brasil: fundos de desenvolvimento e fundos constitucionais de financiamento. Núcleo de Estudos e Pesquisas do Senado Federal. Texto para Discussão nº 101. Brasília – DF. Disponível em: http://www.senado.gov.br/senado/conleg/textos_discussao.htm


[1] O aumento da participação do Centro-Oeste está influenciado pela presença do Distrito Federal (DF), que concentra a administração pública. Caso o DF não fosse considerado, a participação do PIB do Centro-Oeste cairia de 9,2% para 5,1% em 2008.

[2] Cite-se como exemplo desse movimento o caso da Itália. A redução dos custos de transporte entre o Norte e o Sul da Itália após a 2ª Guerra Mundial retirou a “proteção natural” que as empresas do Sul tinham, dada pelo alto custo de transporte, e acelerou seu processo de desindustrialização, aumentando a diferença econômica entre as duas regiões italianas.

[3] É verdade que há um limite para os ganhos de escala e, a partir de determinado nível, as deseconomias de aglomeração (aumento de engarrafamentos, encarecimento dos lotes e do custo da mão-de-obra) tendem a contrabalançar os ganhos de escala mencionados anteriormente. Mas esses custos de congestão podem demorar a aparecer e, muitas vezes, fazem com que atividade econômica se desconcentre somente no nível micro ou mesorregional, sem afetar a distribuição entre as macrorregiões.

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